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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática, Aula Inaugural 2021, Paulo Roberto de Almeida

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021.

      Residente que fui nos Estados Unidos, por duas vezes, ademais de diversas outras viagens de trabalho, acadêmicas ou de simples lazer naquele país continente, que atravessei duas vezes costa a costa, do Atlântico ao Pacífico, e várias outras vezes no sentido Norte-Sul ou em diagonal, percorrendo a quase totalidade dos seus estados federados – faltou o Dakota do Norte, no território continental, o Alaska e o Havaí, no Pacífico, e o estado associado de Porto Rico, para completar toda a nação – posso dizer que conheço razoavelmente aquela grande nação.

 (...)

Pois, num dos boletins eletrônicos que recebo regularmente, este, da New Yorker, a irreverente revista mensal de uma das melhores cidades do mundo, trazia a seguinte manchete provocadora: “Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?”, (16/08/2021; link para a minha postagem no blog Diplomatizzando: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/does-great-retreat-from-afghanistan.html), por Robin Wright, uma das melhores colunistas da revista desde 1988. Repito, em português: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”, interrogação, pois o colunista tem dúvidas sobre se isso representa uma fatalidade ou um processo reversível. Vamos, pois, examinar os dados da questão, e depois tentar ver como se situa o Brasil e a nossa política externa em face dessas questões. Finalmente, tratarei muito brevemente sobre os impactos disso tudo sobre a minha profissão e sobre a de muitos dos que me leem ou assistem minha exposição.

(...)

Ler a íntegra desta aula inagural neste link.

 

 


quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional - Paulo Roberto de Almeida

 

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional

 

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021, 19hs.

 

Agradecimentos pelo convite.

Como sempre faço, tomo notas do que gostaria de expor, mas como também sempre acontece, fica muito grande, e por isso acabo não lendo, mas colocando à disposição de todos as minhas reflexões do momento, para que todos possam ler com mais calma, do que numa exposição ex-catedra, que teria virtudes dormitivas.

Comecei pelo assunto do momento, a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão e o reflexo disso para as relações internacionais e para a posição dos EUA, e para isso me vali de um interessante artigo na revista The New Yorker, da colunista Robin Wright, Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?” (16/08/2021; que coloquei à disposição de todos em uma postagem no meu blog Diplomatizzando: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”).

Faço uma série de considerações sobre a questão dos Impérios, um pouco com base na conhecida obra de Arnold Toynbee, Estudo da História, mas também recomendo um livro que estou lendo atualmente: Empires in World History, de Jane Burbank e Frederich Cooper, que downloadei no meu Kindle (Princeton, 2010). É um livro diferente das histórias convencionais, pois que justamente trata das questões de poder, desde a antiga Roma e a China até o fim do sistema imperial, o que não está perto de ocorrer. Não vou retomar aqui tudo o que escrevi sobre os variados impérios, com destaque para o americano, em aparente declínio, até a irresistível ascensão da China e a sua volta ao seu antigo status imperial. Apenas me refiro ao fato de que o moderno sistema de relações internacionais, baseado numa representação supostamente igualitária dos Estados nacionais, têm no máximo 75 anos, ou seja, pouco mais de três gerações. O próprio sistema de Estados nacionais, se sistema existe, têm aproximadamente quatro ou cinco séculos, mas isso de uma perspectiva ocidental, pois que outros impérios e civilizações existiram, coexistiram se combateram e se suplantaram durante muitos séculos antes, e em várias outras regiões do mundo.

O império chinês, que existiu por meio de mais de duas dezenas de dinastias, através dos séculos, por mais forte e inovador que tenha sido, não pode evitar sua conquista por povos de fora de suas muralhas supostamente inexpugnáveis: os mongóis, no século XII, e os manchus, no século XVII. O império romano do Ocidente, com sua capital em Roma, existiu durante mais de quatro séculos, até ser submerso pelos povos germânicos ou eslavos que viviam na sua periferia, no século V despois de Cristo. O império romano no Oriente, com sua capital em Constantinopla, ou Bizâncio, sobreviveu durante mil anos, aproximadamente, até ser conquistado pelos otomanos, que mantiveram, por sua vez, o seu império por mais de 600 anos.

Mais próximo de nós, o império britânico, o maior do mundo entre o final do século XIX e o início do XX, dominou o comércio internacional, pagamentos e financiamentos durante décadas, até o seu declínio, a partir da Grande Guerra e finalmente em Suez. Foi a partir de 1917 que tem início a era do império americano, começando pelo lado financeiro para depois se traduzir num domínio econômico e estratégico claramente preeminente, pelo resto do século XX: o século americano parecia predestinado a durar mais um século inteiro, todo o século XXI. A China recém emergia dos anos destruidores de maoísmo demencial – depois do fracasso mortífero do Grande Salto para a Frente e dos anos turbulentos da Revolução Cultural – e não parecia estar minimamente em condições de desafiar a superpotência americana.

O que assistimos, nos últimos trinta anos, desde os anos 1990, quando começa, verdadeiramente, a fulgurante ascensão da China, foi algo absolutamente excepcional na história econômica mundial, jamais visto nos registros de crescimento econômico e de capacitação tecnológica e de construção de poderio militar.

O mundo está próximo, agora, de ver a China conquistar o primeiro lugar na formação do PIB global, como já é o caso em grande parte do comércio internacional e será certamente o caso dos investimentos diretos e dos financiamentos em mais alguns anos. Os chineses, não alcançarão, provavelmente, o PIB per capita dos americanos no corrente século ou em qualquer tempo, mas existem outros elementos que sinalizam a mudança de cenário.

Três observações podem ser feitas a esse respeito. Em primeiro lugar, a ascensão da China não significa, inevitavelmente, o declínio, mesmo relativo, do poderio científico e tecnológico ocidental, ou seja, americano, europeu, japonês (e de alguns outros membros do clube das nações avançadas). Em segundo lugar, o impulso excepcional da China pode não ser tão irresistível quanto parece atualmente, sobretudo em vista de tremores geopolíticos na Ásia Pacífico ou no próprio Império do Meio, Em terceiro lugar, não se pode conceber que, após essa “era americana” – que ainda não terminou, cabe esclarecer – virá uma “era chinesa”, o que está longe de ser admitida universalmente ou consensualmente.

A China também foi humilhada ao longo de sua história, duas vezes por invasores que não se intimidaram com o seu tamanho e desprezaram solenemente a Grande Muralha, e mais algumas outras vezes pelas potências ocidentais, nas guerras do ópio e na destruição do Palácio de Verão, em meados do século XIX,

Os impérios que humilharam a China já não poderão voltar a fazê-lo novamente, e os impérios que ainda restam já não podem ignorar solenemente os Estados nacionais, como frequentemente fizeram no passado. O mundo mudou, mas veleidades imperiais permanecem presentes, assim como as mesmas paixões e instintos que deslancharam a guerra de Troia permanecem invariavelmente humanas, mesmo a uma distância de milhares de anos.

Como se situa o Brasil no presente contexto de uma incerta multipolaridade?

Nos trinta anos precedentes, o Brasil e o Itamaraty construíram as bases conceituais de suas relações exteriores e os instrumentos operacionais de uma diplomacia autônoma e soberana, identificadas, ambas, com os grandes interesses do desenvolvimento nacional, em todos os planos: bilateral, regional e multilateral.

A política externa, a gestão ambiental, a condução da cultura e a da educação nunca corresponderam, no atual governo, a padrões compatíveis com o que se espera de uma administração normal, dotada de um programa qualquer que pudesse garantir estabilidade macroeconômica e programas setoriais voltados para o crescimento, o emprego e ganhos de produtividade necessários para enfrentar a competição econômica num mundo globalizado.

Examinei, em quatro livros digitais, fase de demolição completa dos fundamentos conceituais e de sua substância operacional nos dois anos e três meses em que perduraram os desatinos e loucuras perpetrados por quem chamei de “chanceler acidental”, sendo que os efeitos da virtual derrocada de nossa credibilidade no exterior não foram ainda totalmente superados, uma vez que a política externa continua a ser marcada pela mesma autoridade incompetente. Esses livros receberam os significativos nomes de Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira e Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (ambos de 2020) e O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021, o mais recente. A esses, se seguirá um novo livro, Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (em versão impressa, pela Editora Appris).

Não pretendo refazer aqui todas as críticas e comentários que já formulei a propósito da miséria da nossa atual política externa e dos descompassos de nossa diplomacia – no momento felizmente liberta das loucuras alucinadas e alucinantes do ex-chanceler acidental –, tanto porque já disso tudo o que poderia ser dito nesses cinco livros mencionados acima. Mas cabem algumas palavras de alento aos que pensam em seguir a carreira diplomática e que se preparam seriamente para tal.

Como diz o famoso bordão: não há bem que nunca acabe, e não há mal que sempre dure. O Itamaraty e a política externa passaram por turbulências inéditas em nossa história independente, mas uma recuperação está em curso, e ela se completará no próximo governo.

A carreira diplomática é uma das mais atraentes na burocracia federal, pelo menos para aqueles que não estão apenas à procura de um emprego público, mas que, sim, tenham a vocação internacionalista, possuam um bom preparo intelectual e se sintam totalmente à vontade numa vida nômade, feita de postos excelentes, muitos médios e algumas situações de dificuldades materiais no vasto mundo da periferia do capitalismo global.

 “Dez Regras Modernas de Diplomacia” (Chicago, 22 de julho de 2001; 19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html).

Se ouso concluir, seria por uma nota de otimismo. No Brasil, depois de surpresas e frustrações, retomaremos nosso inevitável processo de crescimento econômico, visando um grau maior de desenvolvimento social, o que virá, no devido tempo, e reconstruiremos também a nossa política externa e a diplomacia de qualidade, uma vez afastados os novos bárbaros do poder. É uma questão de persistência, de resiliência, de insistência no caminho iniciado 200 anos atrás, que construiu uma das melhores diplomacias entre novas nações saídas do colonialismo e uma política externa das mais respeitadas entre países em desenvolvimento.

De minha parte, continuarei me exercendo em minhas vantagens comparativas relativas, que estão na pesquisa, no estudo, na reflexão e na escrita e publicação de materiais diversos atinentes às relações internacionais do Brasil, à sua política externa e à sua diplomacia, cujo itinerário estou concluindo com plena satisfação intelectual e um registro de boas obras realizadas, no plano profissional e no acadêmico.

Muito obrigado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3960, resumo: 19 agosto 2021, 14 p.

terça-feira, 4 de julho de 2023

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional - Paulo Roberto de Almeida

Relações internacionais, política externa do Brasil e carreira diplomática: reflexões de um diplomata não convencional

 

Paulo Roberto de Almeida

Notas para aula inaugural no quadro do curso do Ibmec Global Affairs, em 20/08/2021, 19hs.

 

Agradecimentos pelo convite.

Como sempre faço, tomo notas do que gostaria de expor, mas como também sempre acontece, fica muito grande, e por isso acabo não lendo, mas colocando à disposição de todos as minhas reflexões do momento, para que todos possam ler com mais calma, do que numa exposição ex-catedra, que teria virtudes dormitivas.

Comecei pelo assunto do momento, a retirada dos Estados Unidos do Afeganistão e o reflexo disso para as relações internacionais e para a posição dos EUA, e para isso me vali de um interessante artigo na revista The New Yorker, da colunista Robin Wright, Does the Great Retreat from Afghanistan Mark the End of the American Era?” (16/08/2021; que coloquei à disposição de todos em uma postagem no meu blog Diplomatizzando: “A Grande Retirada do Afeganistão marca o fim da Era Americana?”).

Faço uma série de considerações sobre a questão dos Impérios, um pouco com base na conhecida obra de Arnold Toynbee, Estudo da História, mas também recomendo um livro que estou lendo atualmente: Empires in World History, de Jane Burbank e Frederich Cooper, que downloadei no meu Kindle (Princeton, 2010). É um livro diferente das histórias convencionais, pois que justamente trata das questões de poder, desde a antiga Roma e a China até o fim do sistema imperial, o que não está perto de ocorrer. Não vou retomar aqui tudo o que escrevi sobre os variados impérios, com destaque para o americano, em aparente declínio, até a irresistível ascensão da China e a sua volta ao seu antigo status imperial. Apenas me refiro ao fato de que o moderno sistema de relações internacionais, baseado numa representação supostamente igualitária dos Estados nacionais, têm no máximo 75 anos, ou seja, pouco mais de três gerações. O próprio sistema de Estados nacionais, se sistema existe, têm aproximadamente quatro ou cinco séculos, mas isso de uma perspectiva ocidental, pois que outros impérios e civilizações existiram, coexistiram se combateram e se suplantaram durante muitos séculos antes, e em várias outras regiões do mundo.

O império chinês, que existiu por meio de mais de duas dezenas de dinastias, através dos séculos, por mais forte e inovador que tenha sido, não pode evitar sua conquista por povos de fora de suas muralhas supostamente inexpugnáveis: os mongóis, no século XII, e os manchus, no século XVII. O império romano do Ocidente, com sua capital em Roma, existiu durante mais de quatro séculos, até ser submerso pelos povos germânicos ou eslavos que viviam na sua periferia, no século V despois de Cristo. O império romano no Oriente, com sua capital em Constantinopla, ou Bizâncio, sobreviveu durante mil anos, aproximadamente, até ser conquistado pelos otomanos, que mantiveram, por sua vez, o seu império por mais de 600 anos.

Mais próximo de nós, o império britânico, o maior do mundo entre o final do século XIX e o início do XX, dominou o comércio internacional, pagamentos e financiamentos durante décadas, até o seu declínio, a partir da Grande Guerra e finalmente em Suez. Foi a partir de 1917 que tem início a era do império americano, começando pelo lado financeiro para depois se traduzir num domínio econômico e estratégico claramente preeminente, pelo resto do século XX: o século americano parecia predestinado a durar mais um século inteiro, todo o século XXI. A China recém emergia dos anos destruidores de maoísmo demencial – depois do fracasso mortífero do Grande Salto para a Frente e dos anos turbulentos da Revolução Cultural – e não parecia estar minimamente em condições de desafiar a superpotência americana.

O que assistimos, nos últimos trinta anos, desde os anos 1990, quando começa, verdadeiramente, a fulgurante ascensão da China, foi algo absolutamente excepcional na história econômica mundial, jamais visto nos registros de crescimento econômico e de capacitação tecnológica e de construção de poderio militar.

O mundo está próximo, agora, de ver a China conquistar o primeiro lugar na formação do PIB global, como já é o caso em grande parte do comércio internacional e será certamente o caso dos investimentos diretos e dos financiamentos em mais alguns anos. Os chineses, não alcançarão, provavelmente, o PIB per capita dos americanos no corrente século ou em qualquer tempo, mas existem outros elementos que sinalizam a mudança de cenário.

Três observações podem ser feitas a esse respeito. Em primeiro lugar, a ascensão da China não significa, inevitavelmente, o declínio, mesmo relativo, do poderio científico e tecnológico ocidental, ou seja, americano, europeu, japonês (e de alguns outros membros do clube das nações avançadas). Em segundo lugar, o impulso excepcional da China pode não ser tão irresistível quanto parece atualmente, sobretudo em vista de tremores geopolíticos na Ásia Pacífico ou no próprio Império do Meio, Em terceiro lugar, não se pode conceber que, após essa “era americana” – que ainda não terminou, cabe esclarecer – virá uma “era chinesa”, o que está longe de ser admitida universalmente ou consensualmente.

A China também foi humilhada ao longo de sua história, duas vezes por invasores que não se intimidaram com o seu tamanho e desprezaram solenemente a Grande Muralha, e mais algumas outras vezes pelas potências ocidentais, nas guerras do ópio e na destruição do Palácio de Verão, em meados do século XIX,

Os impérios que humilharam a China já não poderão voltar a fazê-lo novamente, e os impérios que ainda restam já não podem ignorar solenemente os Estados nacionais, como frequentemente fizeram no passado. O mundo mudou, mas veleidades imperiais permanecem presentes, assim como as mesmas paixões e instintos que deslancharam a guerra de Troia permanecem invariavelmente humanas, mesmo a uma distância de milhares de anos.

Como se situa o Brasil no presente contexto de uma incerta multipolaridade?

Nos trinta anos precedentes, o Brasil e o Itamaraty construíram as bases conceituais de suas relações exteriores e os instrumentos operacionais de uma diplomacia autônoma e soberana, identificadas, ambas, com os grandes interesses do desenvolvimento nacional, em todos os planos: bilateral, regional e multilateral.

A política externa, a gestão ambiental, a condução da cultura e a da educação nunca corresponderam, no atual governo, a padrões compatíveis com o que se espera de uma administração normal, dotada de um programa qualquer que pudesse garantir estabilidade macroeconômica e programas setoriais voltados para o crescimento, o emprego e ganhos de produtividade necessários para enfrentar a competição econômica num mundo globalizado.

Examinei, em quatro livros digitais, fase de demolição completa dos fundamentos conceituais e de sua substância operacional nos dois anos e três meses em que perduraram os desatinos e loucuras perpetrados por quem chamei de “chanceler acidental”, sendo que os efeitos da virtual derrocada de nossa credibilidade no exterior não foram ainda totalmente superados, uma vez que a política externa continua a ser marcada pela mesma autoridade incompetente. Esses livros receberam os significativos nomes de Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira e Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (ambos de 2020) e O Itamaraty Sequestrado: a destruição da diplomacia pelo bolsolavismo, 2018-2021, o mais recente. A esses, se seguirá um novo livro, Apogeu e demolição da política externa: itinerários da diplomacia brasileira (em versão impressa, pela Editora Appris).

Não pretendo refazer aqui todas as críticas e comentários que já formulei a propósito da miséria da nossa atual política externa e dos descompassos de nossa diplomacia – no momento felizmente liberta das loucuras alucinadas e alucinantes do ex-chanceler acidental –, tanto porque já disso tudo o que poderia ser dito nesses cinco livros mencionados acima. Mas cabem algumas palavras de alento aos que pensam em seguir a carreira diplomática e que se preparam seriamente para tal.

Como diz o famoso bordão: não há bem que nunca acabe, e não há mal que sempre dure. O Itamaraty e a política externa passaram por turbulências inéditas em nossa história independente, mas uma recuperação está em curso, e ela se completará no próximo governo.

A carreira diplomática é uma das mais atraentes na burocracia federal, pelo menos para aqueles que não estão apenas à procura de um emprego público, mas que, sim, tenham a vocação internacionalista, possuam um bom preparo intelectual e se sintam totalmente à vontade numa vida nômade, feita de postos excelentes, muitos médios e algumas situações de dificuldades materiais no vasto mundo da periferia do capitalismo global.

 “Dez Regras Modernas de Diplomacia” (Chicago, 22 de julho de 2001; 19/08/2021: link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/08/regras-modernas-e-sensatas-de.html).

Se ouso concluir, seria por uma nota de otimismo. No Brasil, depois de surpresas e frustrações, retomaremos nosso inevitável processo de crescimento econômico, visando um grau maior de desenvolvimento social, o que virá, no devido tempo, e reconstruiremos também a nossa política externa e a diplomacia de qualidade, uma vez afastados os novos bárbaros do poder. É uma questão de persistência, de resiliência, de insistência no caminho iniciado 200 anos atrás, que construiu uma das melhores diplomacias entre novas nações saídas do colonialismo e uma política externa das mais respeitadas entre países em desenvolvimento.

De minha parte, continuarei me exercendo em minhas vantagens comparativas relativas, que estão na pesquisa, no estudo, na reflexão e na escrita e publicação de materiais diversos atinentes às relações internacionais do Brasil, à sua política externa e à sua diplomacia, cujo itinerário estou concluindo com plena satisfação intelectual e um registro de boas obras realizadas, no plano profissional e no acadêmico.

Muito obrigado.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3960, resumo: 19 agosto 2021, 14 p.

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Uma estratégia para as Américas - Marcos Magalhães (Metrópoles)

 Uma estratégia para as Américas (por Marcos Magalhães)

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança
Marcos Magalhães
Metrópoles, blog Guga Noblat, 22/11/2022

De volta do Egito, onde conquistou simpatias ao apresentar ao mundo uma nova versão do Brasil, o presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva tem pela frente as delicadas tarefas de compor o ministério e tecer a estratégia de inserção do país em um mundo em transformação.

A escalação dos colaboradores mais diretos vai esboçar a face da nova administração. Os sinais estarão claros nas indicações de nomes para pastas emblemáticas como Fazenda, Planejamento, Justiça, Relações Exteriores e Educação.

Ao público interno esses sinais dirão muito sobre as alianças preferenciais de Lula, as suas opções sobre política econômica, as suas apostas em áreas sensíveis como meio ambiente e os reposicionamentos que pretende promover em setores como educação e política externa.

Ao mesmo tempo que analisará cada detalhe desse processo de composição do governo que assume em primeiro de janeiro, um outro público – composto por observadores internacionais – também vai começar a coletar sinais de uma nova geopolítica.

A presença de Lula na COP 27 serviu para mostrar ao mundo que o Brasil estava de volta, disposto a reassumir seu papel de liderança nas negociações mundiais sobre o tema ambiental e, especialmente, sobre a questão climática. A viagem foi a mensagem.

A partir de agora, porém, cada movimento ou declaração de Lula será acompanhado em detalhes por analistas empenhados em decodificar as opções preferenciais da futura gestão em um conturbado cenário global.

É verdade que algumas das mais importantes opções estarão ligadas a temas como as negociações de um acordo com a União Europeia, a guerra na Ucrânia e o modelo das novas relações com dois importantes parceiros do Brics, a Rússia e a China.

Mas é aqui mesmo nas Américas que se encontram desafios e oportunidades capazes de moldar uma parte significativa da nova inserção do Brasil no mundo.

Entre os principais desafios estão as relações com dois vizinhos da América do Sul – Argentina e Venezuela. Entre as mais promissoras oportunidades, por outro lado, está a construção de uma parceria inovadora com os Estados Unidos de Joe Biden.

Tradicionalmente a política externa ocupa discreto espaço nas campanhas presidenciais brasileiras. Neste ano, porém, o atual presidente, Jair Bolsonaro, a inseriu em sua tentativa de disseminar temores sobre os efeitos de uma vitória nas urnas de seu oponente.

A Venezuela foi o bicho papão mais frequente. A volta ao poder de Lula, repetiu Bolsonaro ao longo de toda a campanha, poderia levar o Brasil a seguir o mesmo modelo autoritário de esquerda adotado por Nicolás Maduro. Um modelo, ressaltou o atual presidente, que levou centenas de milhares de venezuelanos a buscar a sobrevivência em países vizinhos.

Em sua versão 3.0, Lula terá a dupla oportunidade de marcar suas diferenças com o modelo venezuelano – do qual já foi bastante próximo – e de relançar seu papel de liderança regional ao estimular negociações já em andamento com a oposição que levem à realização de eleições livres e transparentes no país vizinho, preferencialmente antes da data prevista de 2024.

As deficiências democráticas na Venezuela não são novas. O pedido de ingresso do país no Mercosul, do qual está suspenso justamente por causa do autoritarismo, chegou a ser debatido durante um ano no Senado antes da concessão do aval brasileiro.

Como o próprio Lula se elegeu neste ano a bordo de uma ampla frente democrática, contra as tendências autoritárias da gestão Bolsonaro, a participação ativa em um esforço pela volta da democracia à Venezuela poderia reforçar seu papel moderador na região.

Sobre a Argentina, os fantasmas são outros: alta inflação e estagnação econômica. O atual presidente brasileiro recorreu várias vezes aos números do insucesso argentino para advertir os eleitores dos riscos para a economia de uma vitória da oposição no Brasil. Algo como o antigo Efeito Orloff: eu sou você amanhã.

A presença heterodoxa na equipe de transição instalada em Brasília serviu para estimular os temores disseminados durante a campanha eleitoral. A falta de uma política clara de responsabilidade fiscal, repetem os críticos, poderia levar à volta de índices inaceitáveis para a inflação.

As respostas a essas inquietações começarão a ser elaboradas a partir da indicação da futura equipe econômica, nas próximas semanas. Enquanto isso, no país vizinho, as autoridades tentam evitar que a inflação alcance os 100% anuais. Os brasileiros mais velhos lembram bem o que é isso.

Também aqui Lula tem a chance da renovação. Pode mostrar que é possível retomar o crescimento com baixa inflação, como já fez em seu primeiro mandato. E pode retomar em novas bases um projeto de integração regional largamente desprezado por Bolsonaro.

Rumo ao Norte neste que os norte-americanos gostam de definir como o Hemisfério Ocidental, restará definir o novo modelo das relações entre o Brasil e os Estados Unidos.

Durante os dois primeiros anos do atual mandato, Bolsonaro tinha no então presidente Donald Trump não apenas um colega, mas um ídolo. Ou um modelo a ser seguido no Brasil, com todo seu conteúdo de arrogância, mentiras e enfrentamentos. A direita da direita.

Bolsonaro apostou em Trump até o fim, o que ajudou a tornar quase gélido o relacionamento bilateral após a vitória de Joe Biden. Agora, em Washington, assessores do atual presidente e acadêmicos ligados às questões políticas das Américas apostam em uma reaproximação.

E aqui residem, talvez, algumas das boas oportunidades que se podem oferecer ao novo governo brasileiro. Lula já teve um primeiro encontro no Egito com o representante de Washington para a questão climática, John Kerry.

O novo governo brasileiro tem sido visto pelos norte-americanos como parceiro preferencial na questão ambiental e na definição de novos modelos econômicos.

Como disse ao jornal O Globo a diretora para os Andes da ONG Escritório em Washington para a América Latina (WOLA), Gimena Sánchez-Garzoli, os Estados Unidos querem, junto ao Brasil de Lula, ser os líderes globais do meio ambiente. “Querem ser parceiros numa relação verde e numa economia verde”, definiu.

A oportunidade está ao alcance do futuro governo brasileiro.

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.


sábado, 12 de novembro de 2022

Uma previsão sobre a diplomacia de Lula 3, feita em junho de 2022 - Paulo Roberto de Almeida

 Em meados de junho do corrente ano, eu ensaiava algumas hipóteses sobre o que seria, qual seria a diplomacia do presidente eleito Lula, em outubro. O texto permaneceu inédito desde então. Coloco-o à disposição agora, em novembro de 2022, com Lula já eleito e tendo algumas indicações de qual seria a sua política externa, mas sem reler o texto ou fazer qualquer observação adicional. 

Cabe aos leitores apreciar sua validade continuada.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de novembro de 2022


Um Lula 3 na política externa: o nunca antes all over again?

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Nota sobre os desafios de um novo governo Lula no âmbito da diplomacia).

Brasília, 4169: 12 de junho de 2022.

 

 

Admitindo-se a vitória de Lula no 1º ou no 2º turno das eleições de outubro de 2022 e sabendo que seu principal conselheiro em política externa continua sendo o ex-chanceler Celso Amorim, quais poderiam ser as grandes linhas da diplomacia de Lula em seu terceiro mandato? Para responder a essa pergunta, cabe em primeiro lugar traçar as principais características do cenário internacional a partir de 2023 (até, previsivelmente, 2026), as tendências prováveis no plano regional, para, em segundo lugar, tentar adivinhar quais seriam as iniciativas e esforços diplomáticos a serem deslanchados por esse novo governo desde o final deste ano e, sobretudo, a partir de sua inauguração em janeiro de 2023.

 

O cenário internacional será ainda marcado – não se sabe por quanto tempo mais – pelo prosseguimento de hostilidades na Ucrânia e, portanto, com impasses relativamente duráveis nas relações entre as principais potências apoiadoras do atual governo da Ucrânia, por um lado, e a Rússia, por outro lado, com o apoio mais ou menos discreto da China, assim como a continuidade da posição indefinida dos demais Brics, seja Brasil, Índia e África do Sul. Em outros termos, a impossibilidade prática de diálogo, seja no plano multilateral, seja no contexto regional ou bilateral, entre os contendores e seus apoiadores tende a assegurar a continuidade da tensão atual nas relações internacionais, com escolhas difíceis a serem feitas pelos países diretamente envolvidos, assim como pela comunidade internacional em geral. Se os EUA continuarem com seu projeto impossível de “conter a China”, o cenário poderá se agravar ainda mais, com aumento das tensões bilaterais e seus reflexos regionais e no plano multilateral; ou seja, estamos embarcando num cenário de tensões e fricções contínuas.

No plano regional, o mais provável é a continuidade da “desintegração”, ou seja, a difícil reconstrução de instâncias e mecanismos de consulta e coordenação em vista de visões distintas na América do Sul, e mesmo na América Latina, quanto a quais instrumentos se deveria apelar (Celac, Unasul reconstruída?) ou tentar reconstruir para essa tarefa. As razões principais estão na grande diferenciação de orientação política dos diferentes governos, vários com muitas dificuldades internas, o que torna difícil o estabelecimento de uma plataforma mínima, consensual, de entendimento quanto aos instrumentos regionais que deveriam ser colocados em marcha. Esse processo requereria estadistas suficientemente capazes, e legítimos, para tal tipo de empreendimento, o que não é certo que surjam. Na fase anterior, havia certo número de líderes políticos nacionais – Lula, Chávez, Kirchner, Morales, Correa, e alguns outros – capazes de dialogar e mobilizar consensos, o que não é certo que se obtenha a partir de 2023, mesmo com o retorno de Lula ao poder: ele dialogaria com quem exatamente? Os calendários eleitorais e a fragmentação dos velhos partidos nacionais tendem a criar uma atmosfera pouco propícia a grandes empreendimentos continentais. 

 

O que ocorrerá na diplomacia brasileira a partir da vitória de Lula, no começo ou no final de outubro de 2022? Conhecendo-se o personagem, é presumível que, passando a escolher seus principais assessores presidenciais, ele dê uma importância imediata à frente externa, com um discurso que pretende “resgatar” a imagem deteriorada do Brasil no cenário internacional por Bolsonaro, passando a dialogar com diversos líderes estrangeiros e até programando viagens externas nos dois últimos meses do ano. Teremos um documento-guia de política externa, formulado previsivelmente por Celso Amorim – com a interferência de alguns apparatchiks do PT, mas também personalidades da vida pública, dos meios políticos e empresários, para refletir o seu governo de “coalizão” – e a apresentação das principais linhas de sua política externa, feitas de revalorização dos antigos instrumentos criados por ele mesmo e seus assessores diplomáticos nos anos 2003-2010: Ibas, Unasul, Brics, parceria estratégica com a UE, visitas aos parceiros regionais (o que ainda é uma grande dúvida), iniciativas vinculadas à pobreza mundial, fome, desigualdade, etc. 

Pode ser que Celso Amorim prefira atuar a partir do Palácio do Planalto, e deixar a condução da diplomacia a cargo de um diplomata mais jovem seu aliado e amigo, com sua estreita orientação quanto aos principais dossiês das relações regionais, hemisféricas e multilaterais, com atenção especial aos grupos privilegiados. Lula possivelmente enviará mensagens ou emissários, antes mesmo da posse, aos líderes do Ibas, Brics (que se confundem, para todos os efeitos), talvez até aos saudosistas da Unasul, que talvez possa ser reconstruída em novas bases, já sem a preeminência perturbadora do chavismo ativo. Muito provável que Brasília se encha de líderes mundiais para a sua posse, o que será um excelente sinal de recuperação do antigo prestígio do Brasil sob o lulopetismo diplomático. Será a oportunidade para dialogar diretamente com alguns deles, e anunciar imediatamente viagens, visitas, programas, iniciativas e grandes demonstrações de trabalho conjunto e de recuperação de programas que ficaram “enterrados” sob Bolsonaro (como o Fundo Amazônia), o diálogo estratégico com a UE (e até o anúncio de retomada de negociações para colocar em vigor o acordo assinado em junho de 2019). Não se sabe bem o que Lula e Amorim dirão sobre a OCDE, mas o processo deve continuar, ainda que se anuncie uma “nova visão” sobre essa adesão e as condições do ingresso, em vista dos velhos preconceitos petistas.

Ao início, haverá menos pirotecnia ao estilo dos dois primeiros mandatos, tanto porque os cenários internacional e regional são mais complicados, e também porque Lula terá difíceis problemas pela frente a resolver no plano interno, a começar pela “herança maldita” que receberá no lado das contas públicas, com o agravamento do desequilíbrio fiscal e uma inflação ainda ultrapassando, e muito, o teto da meta. O cenário do Parlamento não será fácil de equacionar, assim como a persistência da fome e da miséria entre largos estratos da sociedade exigirão atenção máximo nas primeiras semanas e meses. 

Provavelmente se anunciará a retomada do “diálogo” com países africanos e árabes, e uma “reforma” do Mercosul, cujos contornos não parecem muito claros ainda. O lado mais difícil será o encaminhamento a ser dado ao problema da Ucrânia, tendo em vista as tomadas de posição claramente contra a Otan já publicamente feitas por Lula. Não é difícil continuar numa linguagem evasiva a esse respeito, na qual são peritos os diplomatas, assim como sobre as relações com os Estados Unidos, tendo em vista a “censura” pública de Lula a Joe Biden. Quanto à Argentina – qualquer que seja a situação do país, e quem seja o próximo presidente –, a mensagem será de total entendimento para um futuro comum de trabalho conjunto, assim como com os demais vizinhos, especialmente os governos progressistas (Chile, Bolívia, talvez Colômbia). 

Não existem grandes negociações em curso – nem na OMC, nem no FMI –, mas o governo Lula manterá suas prioridades no âmbito do Brics, das relações com os países africanos e, cada vez mais, com a China e outros asiáticos. Ele contará com a boa disposição da maior parte dos parceiros tradicionais no exterior, e poderá prometer que vai reverter TODAS as más políticas de Bolsonaro no terreno ambiental, no campo dos direitos humanos, do multilateralismo em geral (com destaque para OMS e OIT) e no sentido de construir uma América do Sul (Latina?) mais forte e mais unida para o relacionamento global. Ou seja, tem tudo para dar certo ao início, à condição que o ambiente internacional não se deteriore um pouco mais, presumivelmente por conta da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, o que obrigará o seu governo a algumas tomadas de posição bastante difíceis, tanto na ONU quanto bilateralmente (com EUA e UE, principalmente). 

Quanto ao Itamaraty, não deve passar por qualquer “expurgo”, ou “reconstrução”, o que já estará sendo feito nas últimas semanas de 2022, sob a orientação conciliadora de Celso Amorim e do chanceler designado, uma vez que os principais “barões” da Casa já estão sendo removidos para o exterior. Várias mudanças serão feitas nas chefias das principais embaixadas, o que absolutamente normal na rotina da Casa, sobretudo com mudanças de governos. Alguns “resistentes” ao bolsonarismo se manifestarão, ou serão indicados a postos de chefia na Casa e no exterior, e também se anunciará reforço na dotação orçamentária, assim como se fará, no plano interno, para ciência e tecnologia. Um grande alívio ocorrerá na Casa, enfim livre do horroroso chefe de Estado que emporcalhou o prestígio do Brasil em todos os quadrantes do globo (com exceção dos regimes de direita, que não mais disporão de portas abertas no Brasil, à exceção talvez de Putin, o que resta a ver). Entre outubro e janeiro, o Itamaraty ainda bolsonarista terá de processar dezenas de mensagens de congratulações ao novo presidente: não sabemos se enviará todas ao Palácio do Planalto.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4169: 12 junho 2022, 4 p.

 

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Diante de Rússia e EUA, chanceler do Brasil condena abusos 'de todas as partes' na Ucrânia

 Posição HIPÓCRITA do chanceler e CONTRÁRIA ao Direito Internacional. Rui Barbosa dizia em 1916 que não se pode ser neutro entre o CRIME e a Justiça.

Posição contrária a todas as tradições da diplomacia brasileira. Vergonha!

Paulo Roberto de Almeida 

 

Diante de Rússia e EUA, chanceler do Brasil condena abusos 'de todas as partes' na Ucrânia

Carlos França repete neutralidade em reunião do Conselho de Segurança da ONU com Lavrov e Blinken

Folha de S. Paulo, 25/09/2022

WASHINGTON - Um dia após o presidente russo, Vladimir Putin, ameaçar usar armas nucleares contra o Ocidente, o chanceler do Brasil, Carlos França, voltou a defender a posição brasileira de neutralidade na Guerra da Ucrânia ao pedir respeito ao direito internacional "por todas as partes" do conflito.

França falou ao Conselho de Segurança da ONU nesta quinta-feira (22), em reunião convocada durante a Assembleia-Geral da entidade para discutir a Guerra da Ucrânia. O encontro colocou frente a frente os chefes das diplomacias russa, Serguei Lavrov, americana, Antony Blinken, e chinesa, Wang Yi —e dos demais países com assento no órgão, além do chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba.

Carlos França repetiu habituais apelos por um cessar-fogo e um acordo de paz, mas não se referiu diretamente à Rússia nenhuma vez no seu breve discurso, de menos de dois minutos.

"Ao longo desses sete meses [desde o começo da guerra], este conselho recebeu inúmeros relatórios de violações sérias de direitos humanos nas zonas de conflito, inclusive contra grupos vulneráveis de mulheres e crianças", afirmou. "O Brasil condena os abusos e defende uma investigação imparcial dos fatos, de modo que os responsáveis respondam por suas ações. Também reiteramos nosso pedido por completo respeito às leis humanitárias internacionais por todas as partes."

A posição é ambígua, já que há uma série de registros de violações cometidas por parte de tropas russas, mas Moscou também acusa as forças ucranianas de desrespeitarem os direitos humanos sobretudo nas regiões próximas à fronteira de maioria étnica russa, como o Donbass.

Assim como fez o presidente Jair Bolsonaro (PL) em discurso na Assembleia-Geral na terça (20), França criticou as sanções à Rússia e afirmou que "não é hora de acentuar visões ou isolar as partes [envolvidas]". Para o chanceler, "os riscos de escalada crescente pelas dinâmicas do conflito são simplesmente altos demais e as consequências para a ordem mundial, imprevisíveis."

Na quarta (21), Putin foi à TV dizer que a Rússia "também tem vários meios de destruição" e que iria "usar todos os meios à disposição" para proteger o país. "Isto não é um blefe", ressaltou.

O discurso deu o tom da reunião do Conselho de Segurança desta quinta. "A ideia de um conflito nuclear, antes impensável, virou assunto de debate —e isso é totalmente inaceitável", afirmou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Em discurso muito mais duro que o do chanceler brasileiro, o diplomata português disse que é preciso investigar "um catálogo de crueldades" cometidas no conflito, que incluiria execuções sumárias, violência sexual e tortura contra civis e prisioneiros de guerra. 

O português também criticou os planos de referendo em regiões ocupadas pela Rússia e disse que "qualquer anexação de um território de um Estado por outro como resultado de ameaça ou uso da força é uma violação da Carta das Nações Unidas e do direito internacional."

A Rússia é um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, que têm poder de veto em deliberações do órgão, junto com EUA, França, China e Reino Unido. O Brasil ocupa hoje uma das dez cadeiras temporárias.

Serguei Lavrov, no entanto, não ouviu o discurso crítico de Guterres nem o de outros chanceleres porque entrou no salão apenas no momento de sua fala —antes, outro representante de Moscou estava à mesa. Antony Blinken, por outro lado, permaneceu no recinto para ouvir o russo.

Ao conselho, Lavrov defendeu a invasão da Ucrânia e repetiu os argumentos de que Moscou está restabelecendo direitos desrespeitados nas regiões de maioria russa. Ele voltou a dizer que o governo ucraniano é tomado por neonazistas —informação de resto distante da realidade— que assumiram o poder após o que chamou de golpe de Estado de 2014 com apoio do Ocidente, quando um presidente pró-Moscou foi derrubado após intensa mobilização popular.

O diplomata, que já foi embaixador da Rússia nas Nações Unidas e, alvo de sanções, recebeu visto para viajar aos EUA para a Assembleia-Geral de última hora, criticou o envio de armas do Ocidente à Ucrânia e afirmou que os países apoiadores de Kiev também são parte do conflito. "Os EUA e seus aliados, com o conluio de organizações internacionais de direitos humanos, estão encobrindo crimes do regime de Kiev."

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, defendeu a postura de Washington e atacou a ameaça nuclear russa. "Que o presidente Putin tenha escolhido esta semana, quando a maioria dos líderes globais está reunida na ONU, para colocar lenha na fogueira demonstra seu total desprezo pela Carta das Nações Unidas", afirmou.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/09/diante-de-russia-e-eua-chanceler-do-brasil-condena-abusos-por-todas-as-partes-na-ucrania.shtml?fbclid=IwAR2xGeTS1CdohLhkPAwtmn4kTBkPssj9JMQtNgdAmQOnv3oGhqNCrJKuluQ

sábado, 14 de maio de 2022

Política externa do Brasil: a posição "equilibrada" do Brasil - Rodolfo Costa (Gazeta do Povo)

 Estratégia eleitoral: como Bolsonaro planeja rebater as críticas sobre a relação Brasil-Rússia

Por Rodolfo Costa, Brasília
Gazeta do Povo, 13/05/2022

O presidente Jair Bolsonaro (PL) está confiante de que tem argumentos suficientes para rebater os críticos da política externa do Itamaraty antes e durante a corrida presidencial. Seus principais conselheiros para assuntos externos entendem que a reaproximação entre Brasil e Estados Unidos é um sinal de que mesmo a criticada posição brasileira sobre a Rússia em relação à guerra na Ucrânia está correta e ajuda a ampliar o capital político e diplomático do governo.

Diplomatas defendem que, com o passar do tempo, a posição em relação à Rússia — classificada pelo Itamaraty como de "equilíbrio", não neutralidade — se mostrou acertada. O Brasil condenou os ataques russos na Assembleia-Geral e no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), mas se absteve pela suspensão russa no Conselho de Direitos Humanos e na cooperação entre Moscou e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O entendimento no Itamaraty é de que o Brasil condenou a invasão russa nos fórunscabíveis a fim de defender a paz e o diálogo, mas que não poderia alijar a Rússia. "Não faz sentido 'eliminar' quem quer que seja", sustenta um diplomata brasileiro. A reaproximação com os Estados Unidos, agora, mesmo após críticas ao posicionamento brasileiro, reforça a leitura interna de que a política externa acertou no tom e na execução, e abre caminho para o governo explorar isso.

A leitura feita por diplomatas é respaldada por militares em funções no governo, que defendem um estratégico uso político e eleitoral da política externa ao longo do ano. Militares das Forças Armadas também endossam a visão. O comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, cumpriu uma agenda de viagens na Itália, Turquia e em Cabo Verde entre o fim de abril e o início de maio e, segundo afirmam interlocutores, a comitiva foi recebida com "tapete vermelho" nos países visitados.

Segundo apurou Gazeta do Povo com fontes da Marinha, o presidente da Turquia, Recep Erdogan, demonstrou, inclusive, o interesse em dialogar a inclusão do país no Brics, grupo de países que inclui o Brasil, a Rússia, Índia, China e África do Sul. O presidente turco, inclusive, tem adotado esforços para mediar um cessar-fogo e um acordo de paz no Leste Europeu.

Entre março e abril, Erdogan conversou com os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o secretário-geral da ONU, António Guterres. "Ao contrário do que uma parte da imprensa tenta colocar, a gente é recebido fora do país com tapete vermelho. O desejo do Erdogan em colocar um país com uma posição estratégica como a Turquia no Brics só reforça nossa posição [sobre a guerra], que está certa", destaca um oficial militar.

Militares e diplomatas estimulam Bolsonaro a ir à Cúpula das Américas
Diplomatas e militares entendem que o Brasil deve manifestar sua ambição de participar da governança mundial. Interlocutores do Itamaraty preveem que a situação geopolítica seguirá ditando a agenda internacional e sustentam que a pasta manterá seu posicionamento atual. Eles ponderam, porém, que o país já tinha e continua a ter mais condições de exercer um papel de relevância.

A fim de ampliar o capital político e diplomático brasileiro, militares e diplomatas mais próximos de Bolsonaro o estimulam a ir à 9ª edição da Cúpula das Américas, em junho, nos Estados Unidos, para consolidar a reaproximação com o governo norte-americano sob a presidência de Joe Biden. O ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, avalia que o discurso presidencial estará respaldado pela segurança que tem na valorização da política externa.

A análise do chanceler é apoiada por diplomatas brasileiros, ministros e assessores militares do Palácio do Planalto, como Braga Netto, ex-ministro da Defesa. A leitura feita é de que Bolsonaro pode usar a Cúpula das Américas como o pontapé que pode impulsionar a projeção internacional da política externa brasileira em sessões e reuniões nos demais fóruns internacionais ao longo do ano.

O objetivo do governo é transmitir nos mais diferentes organismos multilaterais a imagem de um Brasil "forte", "sereno", "prudente" e que dialoga com o mundo buscando atuar ativamente em uma política externa que valorize os laços com o mundo sem "fechar portas". Para isso, além da Cúpula das Américas, o Itamaraty deve enviar representantes em pelo menos outros sete fóruns, além de reuniões na área do Brics.

Ainda em maio, o Brasil terá representantes em um evento organizado nacionalmente em parceria entre os ministérios do Meio Ambiente e das Relações Exteriores sobre o mercado de créditos de carbono, que deve reunir líderes internacionais para discutir como seria a implementação de um mercado global. Os ministérios da Economia e de Minas e Energia também participarão.

Entre o fim de maio e início de junho, o Brasil participa de uma Reunião Ministerial do Conselho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No mesmo mês, também enviará representantes para a 12ª Reunião Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, Suíça.

Em julho, o Brasil assume a presidência rotativa mensal do Conselho de Segurança da ONU. No Itamaraty, é dito que o chanceler, Carlos França, participará de ao menos uma sessão. Entre agosto e setembro, o governo enviará representantes à Conferência da ONU de Biodiversidade (COP-15), onde defenderá um novo marco global sobre a biodiversidade. O evento está previsto para acontecer em Kunming, na China, mas devido ao novo surto de Covid-19 no país, é possível que seja transferido para o Canadá.

Em setembro, o governo comparecerá à Assembleia-Geral da ONU. É uma praxe diplomática o presidente da República sempre abrir oficialmente o evento com um discurso. Mesmo se tratando de um período eleitoral, é padrão o presidente comparecer. Em novembro, o governo também estará presente na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-27), em Sharm El-Sheikh, no Egito.

Como o governo planeja assumir protagonismo com sua política externa A expectativa no governo é de que, com sua postura de equilíbrio na política externa, o Brasil possa atingir algum nível de protagonismo no debate internacional e usar seu capital político e diplomático "acumulado", como sustentam alguns diplomatas, para defender diferentes demandas.

O principal pleito para este ano é a ascensão à OCDE. Em janeiro deste ano, o chamado "clube dos países ricos" aprovou o convite para o Brasil negociar sua entrada.

O governo tem adotado as medidas possíveis para avançar as tratativas. Em março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, viajou a Paris para uma reunião com o secretário-geral da organização, Mathias Cormann, para tentar azeitar a aprovação de um "roteiro" que deve orientar a negociação de adesão, segundo informou o jornal Valor Econômico.

A expectativa do governo é de que esse roteiro possa ser aprovado em junho na Reunião Ministerial da OCDE. Uma vez feito isso, o país precisará se posicionar sobre todas as recomendações feitas pelo clube dos países ricos. Quanto mais rápido o Brasil responder as recomendações contidas no roteiro, mais rápidas as negociações tomam corpo.

O Brasil está em uma posição mais avançada em relação a outros candidatos para negociar sua ascensão à OCDE. Mesmo Argentina e Peru, na América Latina, como Romênia, Bulgária e Croácia, estão em posições menos privilegiadas na mesa de negociações. Um compromisso que o país precisa firmar é o de proteção do meio ambiente e de ações em favor do clima, incluindo para desacelerar o desmatamento.

Diplomatas brasileiros entendem que a pressão ambiental é exercida principalmente por países da União Europeia, com quem o Brasil e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) tem tido dificuldades em selar o acordo de livre comércio entre os dois blocos. Entretanto, o Itamaraty tem explorado o apoio de diferentes países que compõem a OCDE, sejam do Ocidente, como os Estados Unidos e o Reino Unido, e do Oriente, especialmente os da Ásia.

Além da ascensão à OCDE, diplomatas brasileiros também entendem que o Brasil pode explorar seu capital diplomático para provocar debates sobre reformas do Conselho de Segurança da ONU, da OMC e da Organização Mundial da Saúde (OMS). São pautas já defendidas pela chancelaria e a ideia é reforçar os pleitos.

Na Assembleia-Geral da ONU no ano passado, o ministro Carlos França se reuniu com os chanceleres de Alemanha, Índia e Japão, que, junto com o Brasil, compõem o chamado G4, grupo formado por países que defendem a urgência da reforma do Conselho de Segurança. Os quatro países têm como objetivo comum alcançar um assento permanente no organismo multilateral.

Diplomatas brasileiros entendem que o Conselho de Segurança tende a uma postura de inércia diplomática e que se move à base de "abalos sísmicos", mais externos do que internos. Há, portanto, o entendimento de que a guerra na Ucrânia propicia a discussão de uma reforma e que o Brasil possa assumir um protagonismo no debate.

A análise é de que a política externa adotada durante a guerra reforça as relações com membros permanentes do Conselho de Segurança, como Rússia e China, sem fechar as portas para Estados Unidos e Reino Unido. A França, porém, que reelegeu o presidente Emmanuel Macron, desafeto do governo, pode oferecer maior resistência.

Diplomatas analisam, no entanto, que essa discussão pode ficar para um segundo momento, quando "abaixar a poeira" no Leste Europeu.

Já as reformas da OMS e da OMC são vistas como mais tangíveis em um curto prazo por diplomatas. Na OMC, uma defesa é a de redução de subsídios para bens agrícolas.

O Brasil tem buscado protagonismo no debate sobre a crise alimentar e, inclusive, propôs a adoção de corredores alimentares e de insumos para fluir produtos agrícolas nos mercados globais, a despeito de sanções à Rússia. Na OMS, a defesa é por respostas mais ágeis para surtos de doenças e pela universalização das vacinas, deinsumos e equipamentos médico-hospitalares.

Quais as chances de o governo assumir o protagonismo almejado
O especialista em relações internacionais Ricardo Mendes, sócio-diretor da consultoria Prospectiva, entende que o governo queira mostrar os resultados de sua política externa durante a campanha eleitoral e tente obter um protagonismo internacional maior. Sobretudo após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltar a ser reconhecido como importante líder mundial pela revista americana Time, ainda que a agenda exterior não tenha muito peso eleitoral.

Porém, o consultor avalia que falta um pouco de capital político para o Itamaraty conduzir a agenda com a robustez almejada. "Não é que esteja com o capital queimado, mas é um pouco de movimentação eleitoral para criar narrativa para a torcida interna, o Brasil não tem, nem agrupou capital político para ser visto como liderança e discutir grandes temas", analisa.

Sobretudo em se tratando de uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, Mendes entende que o Brasil não tenha "ressonância" para discutir como uma liderança internacional de destaque. "Vai tentar levar a discussão, mas falta um pouco de aderência dessa proposta no contexto internacional e o capital político, a distribuição de poder é outra", reforça.

O sócio-diretor da Prospectiva entende que, para as reformas da OMS e da OMC, o Brasil possa, sim, ser ouvido como um player importante no cenário internacional, mas não com um papel de protagonista. "Temos respeito de um grupo grande de países, talvez a maior parte dos países do mundo, mas liderar é complicado", analisa. Para ele, a ascensão à OCDE é uma missão mais factível, sobretudo com a possibilidade de Lula ganhar a eleição.

"Vejo bastante movimentação em torno disso. É um tema que ganha tração e mobiliza muitos grupos de interesse fora do Brasil, Washington, Europa, pois veem oportunidade de exigir mudanças em algumas regulamentações no Brasil não só para alinhar com a OCDE, mas usar como moeda de barganha uma demanda por mudanças na política ambiental, por exemplo", pondera Mendes.

Já o especialista em relações internacionais Welber Barral, sócio-fundador da BMJ Consultores Associados, concorda parcialmente com as defesas feitas por militares e diplomatas sobre a política externa do governo por entender que, de fato, há uma mudança no cenário internacional e o Brasil tem papel relevante. Porém, ele entende que o ritmo dessa mudança não é rápido.

Para Barral, mesmo a aproximação com os Estados Unidos não se consolida em um ano eleitoral. "Você tem uma mudança, mas o ritmo de implementação depende de fatores e falamos de uma mudança institucional. Muito provavelmente os EUA vão esperar para saber com que governo vão negociar no ano que vem", destaca.

O sócio-fundador da BMJ Consultores aponta, ainda, que a reaproximação com os Estados Unidos não é exclusiva do Brasil, e que há uma preocupação e mudança de postura da gestão Biden em relação à América Latina em geral, inclusive com a Venezuela.

"Para muitos países, inclusive os EUA, o Brasil não é visto como uma entidade sozinha, mas parte de uma política para a América Latina. Então, Washington provavelmente vai criar iniciativa de mais investimentos, mas para a região. O quanto o Brasil vai se aproveitar disso vai depender dos esforços da política externa", sustenta.

A lógica apontada por Barral também vale para as demandas do Brasil nos organismos multilaterais. Para o especialista, o Brasil seguirá sendo cobrado por mudanças na área ambiental, pelos EUA e Europa, e precisará honrar os compromissos acordados. Só assim, na opinião do especialista, poderá ampliar seu capital político e sua relevância no cenário internacional para pleitear suas demandas.

O conselheiro da BMJ aponta, porém, que mesmo pautas como reformas da OMC e OMS não são rápidas. "Uma reforma da OMC vai levar até 5 anos, estamos falando de algo a médio prazo. A do Conselho de Segurança talvez mais ainda", alerta. "Reformas institucionais são lentas, são longos processos de negociação. Vão ter cobranças, vai precisar de articulação não só do Itamaraty, mas do governo, da sociedade civil e do setor privado para que tenha postura internacional de melhorar a imagem internacional", acrescenta.

Lideranças do Congresso defendem política, mas pedem mais avanços
O deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), presidente nacional em exercício do partido e presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Ucrânia, elogia a política externa adotada pelo Brasil e acredita que há avanços que respaldam o otimismo do Itamaraty em relação à agenda internacional.

"Penso que a nossa posição, nossa dimensão e a nossa tradição são, sim, atrativos para que possamos estar cada vez mais envolvido em posições como a do convite da OCDE, que acho ser fundamental para o Brasil, importantíssimo para que consigamos cada vez mais aprimorar nossa governança em termos de gestão pública", analisa.

Membro titular da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara, Cajado entende que, tão logo surjam as oportunidades para avançar nas negociações por reformas dos organismos multilaterais, o Brasil irá discutir com um papel relevante. "E se forem medidas que aprimorem e melhorem o funcionamento [dos organismos], não tenho dúvidas de que poderemos, sim, nos aliar aos países que desejam fazê-lo", pondera.

O parlamentar defende, ainda, a política externa feita pelo chanceler e entende que a posição de equilíbrio e imparcialidade do Brasil permite a construção de relações políticas e comerciais de "boa vizinhança" com outros países no plano "mais elevado" possível. "O Itamaraty com o ministro Carlos França está indo muito bem, bem melhor do que antes", destaca.

O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente das frentes parlamentares Brasil-China e do Brics, classifica França como um "craque" da política externa. "De certa forma, ele vem tentando reparar alguns erros mortais que foram feitos pela linha 'terra plana' do ex-ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo]", declara.

Embora entenda que os impactos, declarações e ações na gestão anterior estejam minimizadas, Pinato avalia, porém, a gestão de França ainda não fez acenos mais significativos à China. "Que gesto efetivo foi feito em relação à China depois de tantos ataques da gestão anterior? Inclusive, não vimos um gerenciamento para tentar, de certa forma, buscar a nomeação do novo embaixador da China", critica.

A embaixada da China está sem um representante oficial desde que o ex-embaixador, o diplomata Yang Wanming, deixou o cargo em 5 de março. Pinato defende que o Brasil tenha atenção com o governo chinês e dialogue com a representação chinesa um sucessor. "Falta racionalidade e pragmatismo para fazer negócios, melhorar a exportação e, consequentemente, gerar empregos e elevar a arrecadação", destaca.

Pinato pondera que a prioridade para o país é combater a inflação com medidas para diminuir o valor do combustível, do botijão de gás e dos alimentos, e e entende que a política externa do Itamaraty pode ter um papel preponderante para auxiliar os esforços do governo nessa missão. "Discutir política externa também é discutir combustível e insumos para o agronegócio", justifica.

https://www.gazetadopovo.com.br/eleicoes/2022/bolsonaro-politica-externa-eleicoes-guerra-ucrania/