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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 1 de abril de 2025

The Wall Street Journal condena veementemente a “Substituição de Importações” de Donald Trump

 Trump e seu Primeiro de Abril: ele acredita realmente em “Substituição de Importações”, o equívoco econômico no qual muitos desenvolvimentistas acreditaram, e que muitos esquerdistas ainda acreditam ainda hoje. PRA

Opinião: A fantasia trumpista da “substituição de importações”

As montadoras já investiram bilhões em cadeias de suprimentos eficientes. Com a tarifa de 25% sobre os carros importados, terão de gastar bilhões a mais

Esqueça a ideia de que Donald Trump enxerga as tarifas como um instrumento de negociação para diminuir as taxas dos demais países. Isso sempre foi implausível, e a ilusão se desfez na quarta-feira, com a ordem executiva de Trump impondo tarifas de 25%sobre todos os carros e caminhões importados. Ele quer impostos na fronteira por si só.

“Vamos cobrar dos países por fazer negócios em nosso país e levar nossos empregos, nossa riqueza”, disse Trump ao anunciar as tarifas. É inútil tentar convencê-lo de que ninguém está roubando o sustento dos americanos e que o comércio pode ser benéfico para ambas as partes. Mas os americanos devem saber que estão prestes a pagar mais pelos seus carros e que terão menos opções de escolha.


Trump justifica suas tarifas sobre automóveis como uma “ameaça à segurança nacional”, sob a Seção 232 da Lei de Expansão Comercial de 1962. Aparentemente, ele teme um ataque de “Toyotas assassinas”.

O Canadá e o México, essas “grandes ameaças globais”, representam metade das importações de automóveis dos EUA. Aliados americanos como Coreia do Sul, Japão e Europa são responsáveis pelo restante. As importações oferecem mais opções e preços mais baixos para os americanos do que se todos os carros vendidos nos EUA fossem fabricados domesticamente. Isso representa uma ameaça à segurança de quem, exatamente?

A ordem de Trump lamenta que “apenas metade dos veículos vendidos nos Estados Unidos sejam fabricados domesticamente, um declínio que coloca em risco nossa base industrial e a segurança nacional.” As vendas de carros fabricados nos EUA são menores do que antes da pandemia porque a inflação tornou muitos deles inacessíveis para a classe média.

As tarifas aumentarão ainda mais os preços dos carros — até US$ 10 mil por veículo, segundo a Wedbush Securities. Isso reduzirá as vendas e prejudicará concessionárias e trabalhadores da indústria automotiva nos EUA. Os fabricantes americanos sofrerão mais, pois uma parte relativamente maior de suas vendas ocorre dentro do país. Margens mais baixas afetarão a participação nos lucros dos trabalhadores da indústria automotiva.

Essa é uma das razões pelas quais as ações da GM caíram 7,4% na quinta-feira. A única exceção é a Tesla, que fabrica os carros vendidos nos EUA dentro do próprio país. Considere isso como mais uma vantagem proporcionada pelo governo à Tesla sobre seus concorrentes.

Trump recuou nas tarifas automotivas em seu primeiro mandato depois de ser alertado sobre esses danos. Em vez disso, negociou o USMCA (acordo comercial com México e Canadá), que inclui disposições para aumentar a produção doméstica de automóveis — por exemplo, pelo menos 45% das peças dos veículos devem ser feitas por trabalhadores que ganham pelo menos US$ 16 por hora.

Agora, as tarifas de Trump parecem projetadas para destruir o USMCA e outros acordos comerciais. Seu governo afirma que planeja renegociar o USMCA, mas por que Canadá e México aceitariam isso se Trump pode simplesmente violar seus compromissos quando quiser? Além disso, outras empresas americanas serão afetadas, pois parceiros comerciais vão retaliar.

Alguns assessores de Trump argumentam que ele quer apenas um campo de jogo nivelado em termos de tarifas. Mas a tarifa média dos EUA sobre produtos estrangeiros (2,7%) já é maior do que no Canadá (1,8%), Japão (2%) e Europa (2%), e aproximadamente igual à do México, segundo o Banco Mundial. Enquanto outros países impõem barreiras não tarifárias, os EUA também o fazem.

Andy Laperriere, do Piper Sandler, estima que as tarifas de Trump sobre automóveis, quando combinadas com suas tarifas sobre China, aço e alumínio, elevarão a taxa efetiva de tarifas dos EUA para quase 8% — a mais alta em 75 anos. Isso sem contar as tarifas “recíprocas” que Trump anunciará na próxima semana, que não serão recíprocas de fato. Trump afirmou que elas serão o que ele decidir, podendo mudar a qualquer momento, conforme seu capricho.

Quando perguntado na quarta-feira se suas tarifas seriam permanentes, Trump respondeu “100%”. Também não haverá isenções (exceto para componentes fabricados nos EUA em carros estrangeiros, para evitar prejudicar os fabricantes de peças dos EUA, pelo menos por enquanto). 

Trump quer que todos os 16 milhões de carros vendidos anualmente nos EUA sejam fabricados no país. Mesmo que esse objetivo fosse economicamente racional, levaria muitos anos e centenas de bilhões de dólares em novos investimentos para ser concretizado.

As montadoras já investiram bilhões de dólares em cadeias de suprimentos eficientes para fabricar carros acessíveis à classe média americana. Agora, terão que gastar centenas de bilhões a mais, dinheiro que poderia ser investido de maneira mais produtiva. E tudo porque Trump baseia seu modelo de desenvolvimento econômico na fantasia da “substituição de importações” — modelo que manteve a Índia pobre por décadas.

O presidente Biden tentou transformar a economia dos EUA com sua visão de política industrial estatal. Trump também quer transformá-la, mas segundo sua própria visão industrial. Ele terá que torcer para que sua política de desregulamentação e redução de impostos compense os danos causados por suas tarifas — caso contrário, poderá sofrer o mesmo destino de Biden.

Traduzido do inglês por InvestNews

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From WSJ, April 1st, 2025:

U.S. Stocks Post Worst Quarter Since 2022 on Threat of Trade War - Tariff uncertainty and a flagging tech trade drag the S&P 500 and Nasdaq lower to start 2025. A1


sábado, 8 de março de 2025

Trump É um perigo mortal para os EUA e para o mundo - Paulo Roberto de Almeida

Trump É um perigo mortal para os EUA e para o mundo

Paulo Roberto de Almeida 

 Era evidente que Trump era um perigo mortal para os EUA e para o mundo, sobretudo aliado e submisso a um tirano que o manipula desde muito.

Não pode haver nenhuma outra explicação para saber como foi possível que uma nação democrática e basicamente livre — com exceção dos idiotas do armamentismo, que cultuam a violência primária — se entregasse totalmente ao maior vilão desonesto da história do capitalismo americano, inclusive com a submissão completa do outrora racional e aberto ao livre comércio dos grandes caciques do Partido Republicano a um desequilibrado mentiroso, senão esta: uma nação de ignorantes, ingênuos, frustrados pelo seu declínio e pelos recuos temporários na economia, enfim uma nação de arrogantes imperialistas, muitos deles completos idiotas.

Com o perdão de meus amigos americanos, eu pergunto: como vocês foram tão tolos e ingênuos ao ponto de se entregarem a um criminoso machista, xenófobo, supremacista idiota arrogante, que mal sabe falar, e sequer consegue pensar?

Não só vocês estão pagando um preço indevido e excessivo por apoiar um idiota malévolo, mas o mundo inteiro está sofrendo por ele ter se aliado a um totalitário criminoso e destruidor da paz internacional.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 8/03/2025

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Robert De Nito sobre Donald Trump, e uma sobrinha do próprio, Mary L. Trump, sobre “um homem mau”

 Copiado, pois que relevante:

Robert De Niro's statement about Donald is perfect. Lean her:

“I’ve spent a lot of time studying bad men. I have examined their characteristics, their gestures, the utter banality of their cruelty. However, there is something different about Donald Trump.

When I look at him, I don't see a bad man. For real.

I spy an evil one.

Over the years I've met thugs here and there. This guy tries to be one, but doesn't succeed. There's such a thing as "honor among thieves".

Yes even criminals have a sense of right and wrong. If they do the right thing or it's not another story, but they have a moral code, however twisted it is.

Donald Trump is not having it. He's a potent tough guy with no morals or ethics. No sense of good and evil. He has no respect for anyone but himself, nor for the people he is supposed to lead and protect, nor for people he does business with, nor for people who follow him, blindly and loyally, not even for people who they consider themselves their "friends".

He feels contempt for all of them.

We New Yorkers have known him over the years, because he poisoned the atmosphere and filled our city with monuments to his ego. We knew first hand that he was someone who should never be considered for a leadership position.

We tried to warn the world in 2016.

The repercussions of his turbulent presidency divided America and rocked New York City beyond imaginable. Remember how the crisis shook us in early 2020, when a virus swept through the world. We live with Donald Trump's grandiocent behavior every day on the national stage and suffer to see our neighbors pile up in body bags.

The man who was supposed to protect this country put it in danger because of his recklessness and impulsiveness. It was as if an abusive father ruled the family through fear and violence. That was the consequence of ignoring the New York warning. Next time, we know it will be worse.

Let's make no mistake: Donald Trump, who has been impeached twice and prosecuted four times, is still a fool. But we can't allow our fellow Americans to discard him as such. Evil thrives in the shadow of derogatory ridicule, so we must take very seriously the danger that Donald Trump represents.

So we're releasing another warning today. From this place where Abraham Lincoln spoke, right here, in the pulsating heart of New York, to the rest of America:

This is our last chance.

Democracy will not survive the return of a sitting dictator.

And evil will not conquer if we are divided.

So what do we do about it? I know I’m preaching to the already convinced. What we are doing today is valuable, but we have to carry the present into the future, carry it outside these walls.

We need to get close to half our country that has ignored Trump's dangers and, for whatever reason, supports his rise back to the White House. They're not stupid and we shouldn't condemn them for making a stupid decision. Our future doesn't depend on us alone. It's up to them.

Approach Trump supporters with respect.

Let’s not talk about “democracy.” “Democracy” may be our holy grail, but for others it’s just a word, a concept, and in their acceptance of Trump, they’ve already turned their back on it.

Let's talk about right and wrong. Let's talk about humanity.

Let's talk about kindness. Security for our world. Safety for our families. Decency.

Let us welcome them back.

We won’t get them all, but we can get enough to end Trump’s nightmare and accomplish the mission of this “Summit to Stop Trump.”

* This statement according to a source was made in 2024 before the election in a context of warning and mobilization to prevent Donald Trump from returning to the White House.”

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Mary L. Trump escreveu um livro-revelação sobre o seu tio:

“Too much and never enough: How my family created the world’s most dangerous man”.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Apenas uma declaração de espanto: como destruir um país impunemente: Donald Trump

Apenas uma declaração de espanto: como destruir um país impunemente: Donald Trump 

Eu não consigo imaginar como homens adultos, educados, como devem ser os altos representantes republicanos, não conseguem controlar um DEMENTE na presidência do país mais poderoso do mundo, que está destruindo os próprios interesses da nação, não só no terreno comercial, mas na vida civil, no ambiente cultural, em tudo.

Vão deixar o idiota destruir o país e metade do mundo? São todos idiotas, como ele!?!?

Paulo Roberto Almeida

Brasília, 2/02/2025

quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Guia simples para entender como fica a diplomacia brasileira com Donald Trump na Casa Branca - Felipe Frazão (Estadão)

Estadão

Internacional

Guia simples para entender como fica a diplomacia brasileira com Donald Trump na Casa Branca

Relação com bolsonarismo e regimes de esquerda, aversão a clima e multilateralismo e presença da China estão entre fatores que vão influenciar

Por Felipe Frazão

O Estado de S. Paulo, 25/12/2024

 

BRASÍLIA - A vitória de Donald Trump nos Estados Unidos impôs um desafio imediato para a política externa brasileira. Como recalcular objetivos e prioridades diante da mudança de ventos políticos na Casa Branca e o retorno de um ator global incontornável, cujas prioridades divergem frontalmente da pauta de Luiz Inácio Lula da Silva. As expectativas do Palácio do Planalto são negativas.

O primeiro obstáculo será a relação direta entre ambos. Sem contato prévio e com portas fechadas, Lula e Trump terão de criar canais de contato, apesar do histórico recente hostil, marcado por desavenças, provocações e declaração de voto, de ambos os lados, aos respectivos adversários políticos domésticos no Brasil (Jair Bolsonaro) e nos Estados Unidos (Kamala Harris/Joe Biden).

O governo brasileiro tenta estabelecer uma relação pragmática entre Lula e Trump, mesmo ciente que o País não deve ser parte das prioridades do Departamento de Estado. No entanto, os sinais enviados pelo governo de transição vão em sentido contrário, como ameaças de impor tarifas sobre exportações brasileiras e a nomeação de uma equipe mais ideológica na diplomacia americana. Aqui vão alguns pontos-chave que podem nortear os próximos meses.

 

Quem são as figuras-chave na equipe de Trump?

Do lado americano, Donald Trump indicou como futuro secretário de Estado, cargo de chefe da diplomacia, o senador republicano Marco Rubio (Flórida) de origem cubana e que tem um olhar crítico ao governo brasileiro e aos regimes de esquerda latinos. Embora suas raízes e conhecimento da região sejam vistos como algo positivo, as relações políticas de Rubio o aproximam da oposição a Lula e do discurso bolsonarista. Como senador, ele vocalizou preocupação com a liberdade de expressão no País, ao acusar o governo de censura quando o X (antigo Twitter) foi banido pelo Supremo, e reagiu criticamente ao aval de Lula para a passagem de navios de guerra iranianos, no porto do Rio.

O conselheiro de Segurança Nacional será Mike Waltz, deputado republicano da Flórida, veterano de guerra e anti-China. O secretário de Comércio será Howard Lutnick, vindo do mercado financeiro, atual CEO da Cantor Fitzgerald. O presidente vai nomear novamente como assessor para comércio e indústria o antigo aliado Peter Navarro, que passou quatro meses preso por ignorar uma intimação do comitê que investigou a invasão do Capitólio.

É dado como certo que governo Trump vai trocar de pronto o comando da embaixada dos Estados Unidos em Brasília, já que a atual embaixadora, Elizabeth Bagley, enviada por Joe Biden, tem um histórico de serviços prestados e financiamento ao Partido Democrata. No governo passado, Trump enviou a Brasília o diplomata de carreira Todd Chapman.

Trump já anunciou os nomes de alguns futuros embaixadores na América Latina, como México e Colômbia, mas não quem assumirá no Brasil.

 

Quem são as figuras-chave no governo Lula?

Do lado brasileiro, Lula permanece com a equipe diplomática que montou no início do governo: o assessor especial Celso Amorim, ex-chanceler, e o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.

Em Washington, tem a embaixadora Maria Luiza Viotti, diplomata de carreira com longo histórico de serviço no país e nas Nações Unidas, e que neste ano acompanhou pessoalmente as convenções e centraliza a operação de viabilizar canais com os Republicanos e a nova administração em montagem.

Com Lula avaliando uma virtual reforma ministerial do início do ano que vem, circulam avaliações, entre analistas e diplomatas, se seria ou não conveniente trocar o comando do Itamaraty. Especialmente por alguém político. Republicanos emitiram sinais a interlocutores brasileiros de que não há canais com a dupla atual na chefia da diplomacia: Amorim e Vieira são vistos como mais alinhados ao PT e, sobretudo o primeiro, como um representante do sentimento antiamericano no governo.

Mas a percepção prevalente é que a mudança não ocorrerá. Há quem aposte em empresários e parlamentares para eventual aproximação e ainda no fomento de laços com entes subnacionais, os governadores de Estado norte-americanos.

 

Como serão as relações entre Lula e Trump?

Trump e Lula não possuem relação pessoal prévia. Jamais se falaram, embora tenham se alfinetado em declarações públicas. A ideia de costurar um telefonema entre eles, após a eleição de Trump, ainda não se concretizou. Lula fez um gesto político de abertura quando escreveu rapidamente nas redes sociais seu reconhecimento de vitória e disse que o “mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto”.

Antes, ele criticara Trump em diversas ocasiões, relacionando-o a fascistas e extremistas, mas também solidarizara-se com o republicando quando disse que o atentado a tiros contra ele era “inaceitável” e merecia repúdio veemente. Tudo vai depender das posturas de Trump nos primeiros meses no retorno à Casa Branca. E de como o governo vai conter o sentimento hostil de parte da esquerda. A última foi o xingamento da primeira-dama Janja da Silva ao bilionário Elon Musk, indicado para compor o time de Trump. O empresário tem negócios no Brasil no setor de telecomunicações e interesses no setor espacial.

A relação diplomática tende a ser reduzida a algo discreto e marcada por algumas tensões comerciais.

 

Pragmatismo ou ideologia?

Integrantes do governo Lula avaliam que Trump pode agir de forma pragmática em relação ao Brasil, mas não veem sinais positivos no futuro relacionamento entre os presidentes. Lembram que ele foi capaz de visitar Kim Jong-un, na Coreia do Norte, um dos países do “eixo do mal”. E dizem que alguns sinais serão dados quando anunciar sua política em relação ao regime do ditador Nicolás Maduro, da Venezuela.

Um conselheiro direto de Lula confidencia, porém, que não dá para esperar que o futuro embaixador de Trump repita o ex-embaixador Todd Chapman e ofereça churrasco e recepções para Bolsonaro e seus filhos na residência oficial em Brasília.

O comportamento de Trump em relação à oposição no Brasil é um fator preocupante, porque ele é visto como referência e como líder capaz de energizar a oposição a Lula, sobretudo na direita radical.

Parlamentares da extrema direita viajaram aos EUA e contam com suporte da bancada republicana para demandar pressão total e agora represálias de Trump contra o governo Lula e autoridades brasileiras, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, por causa de investigações sobre golpe e desinformação. Esse relacionamento próximo entre figuras do trumpismo e do bolsonarismo é a principal diferença no cenário quando o Planalto tenta traçar um paralelo com a relação entre Lula e o também republicano ex-presidente George W. Bush, que foi bastante fluída. Na ocasião, porém, não havia uma oposição mais estridente organizada no Brasil que cultivasse laços com Bush.

Em 2026, a eleição presidencial no Brasil e o relacionamento de Trump com a oposição pode ser um fator definidor do futuro, caso Lula ou um apadrinhado petista vençam.

 

Fator Milei e a direita regional

Observadores externos também avaliam que o relacionamento de Trump com presidentes de direita pode eclipsar o protagonismo de Lula. Os planos de campanha republicanos e do entorno de Trump, como o “Projeto 2025″, pregavam a articulação de uma coalização conservadora na América Latina. A lista seria encabeçada pelo libertário Javier Milei, da Argentina, mas também teria no mesmo campo o caso de Nayib Bukele, de El Salvador.

Há sinais de que os republicanos vão priorizar de início uma parceria ideológica com Milei, na América do Sul. A ideia de que, a partir de Buenos Aires, outras capitais latino-americanas, possa fortalecer um campo contra governos de esquerda, que se aliam a atores extra regionais hostis como China, Rússia e Irã.

Rival político direto e rompido com Lula, Milei tem feito uma série de gestos de aproximação com Trump, viajou ao encontro dele nos Estados Unidos e trabalhou com uma agenda conservadora e contrária aos interesses políticos do Brasil no G-20, no Mercosul e na OEA.

Choque no Clima e Multilateralismo

Trump tem dois mantras de campanha que ajudam a resumir seu perfil negacionista climático e isolacionista - Drill, baby, Drill e o America First. Ele promete aprofundar a exploração de combustíveis fósseis e colocar o que considera interesses dos EUA sempre em primeiro lugar.

As posturas de Trump tendem a prejudicar os esforços do Brasil para alavancar compromissos mais ambiciosos da comunidade internacional contra a mudança climática, a proteção ambiental e a discussão sobre quem paga a conta. A eleição dele e as nomeações em andamento foram um baque e motivaram previsões catastróficas entre negociadores climáticos à frente dos preparativos para a COP-30, em Belém. A cúpula climática das Nações Unidas será o ponto alto da inserção internacional do Brasil.

Não há qualquer garantia de que Trump cumprirá a promessa de Biden de enviar US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia.

No passado, Trump rompeu com o Acordo de Paris, principal tratado climático mundial para conter a emissões de gases estufa, deixou a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Unesco, bloqueou o funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), ameaçou abandonar e cortar verbas da aliança militar Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e suspender financiamento às Nações Unidas. O assunto causa temor, já que os EUA são os principais contribuintes das agências multilaterais.

Embora tenha se engajado em Cúpulas do G-20 e do G-7, Trump faz campanha aberta com o fortalecimento do Brics.

 

Interesse em minerais críticos e invesimentos

Um ponto de interseção de interesses levantado por membros do governo brasileiro é a parceria em energia, para exploração de minerais críticos, como lítio, terras raras, níquel, cobalto, grafite e nióbio.

Esses minerais são essenciais para produção de baterias de carros elétricos, turbinas eólicas e painéis solares, também no foco de interesse direto tecnológico da China.

Os governos retomaram, em setembro, o Diálogo Estratégico Brasil-EUA sobre Minerais Críticos, em nível técnico e diplomático, com objetivo de “construir cadeias de suprimento seguras e sustentáveis”.

O Brasil deseja ver não só a extração, mas o processamento industrial dos minerais no País, enquanto os americanos preferem realizar lá.

Os Estados Unidos são o maior investidor externo no Brasil e o segundo maior parceiro comercial. No ano passado, o estoque de investimentos vindo dos EUA alcançou US$ 357,8 bilhões, segundo dados do Banco Central. Isso representa 34% do total investido no País.

Neste ano, o fluxo de investimentos vindos dos EUA para o Brasil chegou a US$ 4,94 bilhões. E, na via contrária, os investimentos com origem brasileira nos Estados Unidos foram de US$ 2,37 bilhões, o que também coloca o país como principal destino, com 36% do total.

Já a corrente de comércio bilateral foi de US$ 74,8 bilhões, com déficit de US$ 1 bilhão para o Brasil, em 2023. Apesar disso, a pauta bilateral é extensa. Há cooperação em diversos setores, do alto fluxo bilateral no turismo às parcerias entre as Forças Armadas, intercâmbio acadêmico amplo e influência cultural extensa. Apesar disso, a pauta bilateral é extensa.

 

Qual o risco de Trump impor tarifas sobre o Brasil?

O governo Lula acompanha com atenção o que considera, até agora, “bravatas” de Trump no campo comercial. Em duas manifestações após eleito, Trump ameaçou um tarifaço que poderia recair sobre produtos brasileiros exportados para os EUA.

Conselheiros de Lula, no entanto, desconfiam que o republicano não vá de fato executar a medida. Observadores apontam uma série de condicionantes, como setores e países alcançados, que precisariam de avaliação criteriosa, em vez de uma imposição unilateral.

Primeiro, Trump foi às redes sociais - um comportamento reiterado - para contestar a desdolarização planejada pelo Brics. “Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do Brics nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana”, escreveu o presidente eleito.

A ideia de fomentar alternativas ao dólar ganhou espaço no Brics a partir das sanções contra a Rússia pela guerra na Ucrânia. Mas foi alavancada politicamente por Lula no ano passado. De complexa e longa execução, o desenvolvimento de uma divisa para transações comerciais tem grande interesse do maior rival dos EUA, a China, e de países igualmente hostis aos EUA que estão sancionados, como a Rússia, o Irã e até Cuba.

Semanas depois, Trump citou nominalmente o Brasil como um dos países emergentes que impunham muitas tarifas alfandegárias aos produtos americanos e exigiu reciprocidade. “Nós vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra ‘recíproco’ é importante. A Índia cobra muito, o Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos cobrar a mesma coisa”, afirmou.

Em 2019, durante o governo do “aliado” Bolsonaro, Trump chegou a anunciar pelo Twitter (atual X) a imposição imediata de tarifas sobre o aço e alumínio brasileiros, por causa da desvalorização do real frente ao dólar. Os EUA são o maior mercado do aço brasileiro exportado. O republicano abriu uma crise que demandou esforço diplomático até do então presidente para demovê-lo. A promessa nunca se cumpriu.

Em setembro, empresas dos EUA solicitaram a cobrança de tarifas como medida antidumping contra o aço do Brasil e outros nove países.

 

Imigração. Brasileiros estão na mira de deportação?

Trump promete linha dura contra imigrantes, um tema central de sua plataforma política. Ameaça apertar os controles e promover deportação em massa de imigrantes ilegais assim que assumir. Historicamente a população brasileira não é o foco das autoridades americanas. No entanto, dados do Pew Research Center mostram uma quantidade crescente de imigrantes irregulares, de nacionalidade brasileira, vivendo nos EUA: 230 mil, em 2022.

A comunidade brasileira nos Estados Unidos é a maior do mundo, com 2,085 milhões de pessoas, conforme levantamento do Itamaraty, referente a 2023. Em diferentes governos, o Brasil tem recebido voos de deportação praticamente semanais. As operações aéreas são conduzidas pelo Serviço de Imigração e Controle de Alfândega dos EUA, o US Immigration and Customs Enforcement - daí o apelido ICE flights, que se destinam principalmente ao Aeroporto de Confins, em Minas Gerais. Essa prática deve continuar.

Dados da autoridade de fronteira compilados pelo Estadão mostram que, desde 2018, os EUA removeram por esses voos de deportação 11.851 brasileiros. Ainda o ICE promoveu voos para remover dos EUA 1.779 brasileiros expulsos dentro da política Título 42, regra aplicada inicialmente por Trump para remover automaticamente imigrantes sem documentação que tentassem entrar no país, durante da pandemia da covid-19.

Segundo a Fox Business, o ICE tem ordem de deportação contra 38.677 brasileiros, num universo de 1,4 milhão de ilegais que ainda permanecem nos Estados Unidos, aguardando remoção.

 

Relação com a China

O Brasil tem buscado manter uma navegação autônoma, não alinhada a nenhum dos polos de poder na disputa entre China e Estados Unidos, na perspectiva de explorar oportunidades no relacionamento com as duas maiores economias do planeta. Apesar disso, não há equidistância. O governo petista não esconde a simpatia por Xi Jinping e a antipatia por Trump ou ainda ecos de antiamericanismo, na esquerda, mesmo durante o governo Joe Biden. Ficou evidente nas primeiras missões internacionais de Lula o quão mais robusta foi a visita de Estado a Pequim do que a Washington, quando figuras do governo falavam na relação preferencial com os chineses para os projetos de reindustrialização brasileira e busca de tecnologia. E mais recentemente na deferência da visita de Estado de Xi Jinping a Brasília.

A diplomacia brasileira costuma atuar para frear gestos que podem ser vistos como um alinhamento com Pequim.

Embora não tenha sido determinado pelo fator Trump, o Brasil elaborou um plano de participação alternativo e deixou de aderir integralmente à nova Rota da Seda, como é chamada a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt And Road Initiative), o principal mecanismo de inserção bilateral de Pequim no mundo e sua ponta de lança para a América Latina. Mais de 150 países fazem parte do acordo, que mobilizou US$ 2 trilhões em contratos para a construção de portos, rodovias e ferrovias.

A expectativa de analistas é que Trump possa se voltar um pouco mais a questões latino-americanas e ao Brasil, para não deixar terreno aberto para a China. O maior país latino-americano é um ator crucial para a China expandir sua influência econômica e geopolítica na América Latina. A relação com o Brasil vem sendo ampliada e aprofundada em setores estratégicos, como energia, defesa, telecomunicações, entre outros. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, há quinze anos, e um dos principais investidores externo. Em 2023, a corrente de comércio atingiu recorde de US$ 157,5 bilhões, com exportações totalizando US$ 104,3 bilhões e superávit brasileiro de US$ 51,1 bilhões.

Já os investimentos chineses no Brasil atingiram US$ 73,3 bilhões, entre 2007 e 2023. O setor de eletricidade recebeu 45% do valor total, seguido por petróleo, com 30%, conforme estudo anual do Conselho Empresarial Brasil China.

 

Venezuela, Cuba e Nicarágua

Aqui reside um dos grandes sinais observados pelo governo Lula para entender a política externa do governo Trump 2.0: a postura com os governos ditatoriais de esquerda da América Latina.

Até agora, o Planalto vê indícios de muita agressividade por parte da Casa Branca com o que foi batizado no governo passado de Trump como a “troika da tirania” - expressão cunhada pelo ex-conselheiro da Casa Branca para Segurança Nacional, John Bolton, para se referir a Venezuela, Cuba e Nicarágua. Lula, por sua vez, tem laços históricos de proximidade com todos os regimes. Mas colheu dissabores recentes com dois - exceto Cuba, que Lula visitou no ano passado e não teve embates.

O petista congelou relações com Daniel Ortega, após expulsão mútua de embaixadores, e agora promete manter “frieza” com Maduro - sem falar diretamente com ele, embora descarte romper diplomaticamente.

A chave é a Venezuela e o interesse na exploração do petróleo por companhias norte americanas, o combate ao crime organizado, com narcotráfico e imigração ilegal, e a reimposição das sanções contra o regime, rejeitadas pelo Brasil.

Nas palavras de um assessor presidencial, Trump vê a política externa como “grande balcão de negócios” e não se pode descartar uma acomodação por causa do interesse em petróleo e na política de deportação de imigrantes. Se no passado Trump tentou atrair o governo Jair Bolsonaro a apoiar um golpe contra Maduro, agora já sabe que qualquer ameaça de intervenção aramada será prontamente rechaçada, pelas relações políticas entre Lula e o chavismo - a despeito de não reconhecê-lo como legalmente reeleito. Conselheiros do petista afirma que não convém ao Brasil qualquer instabilidade nas suas fronteiras diretas.

 

Instituições regionais - eleição da OEA

Ronda a diplomacia brasileira e o Palácio do Planalto o temor de que Trump possa voltar a “instrumentalizar” organismos regionais, quebrando acordos, para colocar pressão sobre governos e regimes de esquerda da região e articular uma coalização da direita e da extrema-direita regional. O foco de tensão imediato é o comando da Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja liderança vem sendo contestada nos últimos anos por governos como Bolívia, Venezuela e Nicarágua, entre outros. Mesmo o governo Lula já expressou, reiteradas vezes, a perda de credibilidade da OEA na região, por causa de seu papel na crise na Bolívia, em 2019.

No ano que vem, será eleito o novo secretário-geral em substituição ao uruguaio Luis Almagro. Há dois candidatos em campanha: o chanceler do Paraguai, Ruben Ramírez Lezcano, que vem fazendo acenos a Trump com gestos em favor de Israel e no enfrentamento com a China (Assunção reconhece Taiwan e não Pequim); e o chanceler do Suriname, Albert Ramdin, apoiado pela Comunidade do Caribe, a Caricom.

O ex-presidente colombiano Iván Duque poderia se apresentar, assim como a ex-embaixadora equatoriana Ivonne Baki. Ambos são simpáticos a Trump. Lula ainda não tomou lado.

No passado, Trump atropelou costuras como a da eleição para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), enterrando articulações do Brasil para emplacar seu ex-assessor de segurança nacional e militante anti-Cuba Mauricio Claver-Carone. Trump interferiu no BID, rompeu a tradição diplomática de equilíbrio no comando de instituições financeiras multilaterais: no caso do BID, a sede fica em Washington e a presidência sempre era exercida pelo indicado de algum país latino-americano.