O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Política Externa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Política Externa. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 22 de outubro de 2024

De la belle époque à la mauvaise époque? - Paulo Roberto de Almeida

De la belle époque à la mauvaise époque?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a volta dos imponderáveis históricos que marcaram a trajetória do mundo na primeira metade do século XX, vindo da belle époque pacífica para décadas de conflagrações mundiais, o que parece evidente na atual fratura geopolítica.

 

O que ficou conhecido, na historiografia contemporânea, como belle époque foram as três ou quatro décadas que precederam o início da Grande Guerra, em 1914, grosso modo a combinação de progressos econômicos e sociais com relativa paz, na Europa, assim como a época áurea da dominação europeia sobre o resto do mundo, ou quase todo ele. Depois das guerras napoleônicas e do Congresso de Viena, ocorreram diversas revoluções na Europa – notadamente a de 1830, na França, e diversas outras em 1848 – e algumas poucas guerras: a primeira guerra da Crimeia (1853-55), já opondo o expansionismo do Império russo ao então decadente Império otomano, ajudado. no caso, pelo Reino Unido e pela França, e algumas guerras de unificação nacional: a do Império Alemão contra a França de Napoleão III (1870) e as dos nacionalistas italianos contra o Império austríaco, pela sua unificação, assim como contra os territórios papais na própria Itália (a partir dos anos 1860).

Depois disso foram três ou quatro décadas de relativa paz, com os imensos progressos materiais da segunda revolução industrial – a da química, do motor à explosão, da eletricidade e das comunicações telegráficas e logo telefônicas, precedendo o rádio e as primeiras aeronaves – e com a constituição das primeiras multinacionais da área industrial e de comunicações. A Grande Guerra, resultado das alianças bélicas supostamente defensivas, e dos erros de cálculos de dirigentes mais vinculados a concepções medievais do que aos valores e princípios da burguesia industrial e financeira, veio destruir tudo isso e mudar irremediavelmente a face do mundo, abrindo espaço para dois processos que se estenderiam pelo resto do século XX: a preeminência econômica dos Estados Unidos, sobre todos os demais poderes existentes, inclusive os velhos colonialismos europeus sobre metade do mundo, e a contestação bolchevique da economia de mercado capitalista e das democracias burguesas nos seguintes 70 anos após 1918.

No meio de todas essas rupturas tecnológicas, políticas e geopolíticas (desaparecimento dos impérios centrais e aparecimento de outros), progressos sociais também foram feitos, fruto das lutas operárias e sindicais e dos avanços da medicina e do saneamento urbano básico, o que diminuiu a mortalidade e aumentou a natalidade em várias partes do mundo. Atualmente continuamos a ter imensos progressos materiais, em meio à quarta ou quinta revoluções industriais, e alguns progressos sociais, notadamente a redução da miséria abjeta e redução da pobreza extrema nos cantos mais recuados e populosos do planeta, graças à disseminação dos progressos da ciência e dos avanços da tecnologia.

Mas, de forma cada vez mais clara, passamos a ouvir, a ler, assistir a declarações preocupantes sobre uma possível nova conflagração global, de forma como não tivemos desde a primeira metade do século XX, com a particularidade ainda mais horrífica de que as ameaças agora envolvem o uso de armas nucleares, que não existiam até 1945, quando foram usadas pela primeira e única vez na fase final da guerra no teatro do Pacífico.

A Grande Guerra resultou de cálculos errados feitos por dirigentes arrogantes, dotados do espírito medieval das guerras de conquista e dominação com as "tecnologias" dos exércitos montados a cavalo, quando ela foi a primeira guerra industrial da era moderna. A Segunda Guerra Mundial foi inteiramente mecanizada, muito pouco em trincheiras, como na Grande Guerra, e mais com base em blindados, encouraçados e aviação, com base em petróleo. A guerra moderna já é baseada em tecnologia de ponta, baseada na eletrônica avançada, em indústrias sofisticadas e comunicações sem fio, satelitárias. Isso já é de uso corrente, mas o que assusta mesmo é o que sobrou da Segunda Guerra Mundial, o domínio das armas nucleares, agora com vetores de longo alcance, praticamente em escala planetária.

Estamos falando da eliminação da vida humana, material e natural, sobre vastas porções do planeta, reduzindo os agentes bélicos a escombros contaminados e o resto do planeta enviado de volta a uma pobreza ancestral. A época atual poderia ter sido bela novamente, com os progressos da tecnologia, a redução da pobreza em imensas porções da terra e dos avanços da democracia e dos direitos humanos em quase todas as partes do planeta, a partir de um itinerário pacífico da terceira onda de globalização, nos anos 1990. Mas, a partir dos anos 2000, ela parece ter se convertido numa "mauvaise époque", uma época feia pelo aumento dos poderes autoritários, pelo reforço dos espíritos expansionistas, agressivos em relação aos progressos visíveis da democracia depois da implosão da União Soviética e da conversão da China comunista às virtudes da economia de mercados livres.

Depois da divisão bipolar do planeta durante a Guerra Fria, de 1947 a 1991, temos aparentemente uma nova fratura entre as grandes potências, a preeminência da ordem ocidental construída nos estertores da Segunda Guerra sendo atualmente contestada pelo novo poderio econômico e militar de potências adversárias dessa ordem, sobretudo sua recusa da democracia e dos direitos humanos, no conceito ocidental do termo, que acreditávamos que poderia ser universal. A divisão parece ter se convertido numa segunda Guerra Fria, que ameaça converter em guerra quente – talvez uma conflagração direta – pela agressividade das duas potências autocráticas, claramente opostas à ordem ocidental. Não pretendo ser um analista das relações internacionais no plano geopolítico, mas sou um observador atento do itinerário da política externa e da diplomacia do Brasil no último meio século e o que vejo me deixa extremamente preocupado, ao constatar que o atual governo, o de Lula 3, parece já ter escolhido o seu campo, o dos "promotores" da "nova ordem global multipolar" (sic), o que está em clara ruptura com os padrões tradicionais da diplomacia brasileira, de afirmada autonomia em relação às políticas das grandes potências e de neutralidade em face dos conflitos interimperiais.

Não parece mais ser o caso atualmente, e isso pode ser prejudicial ao Brasil, não apenas no domínio dos seus objetivos e interesses nacionais, de crescimento econômico e desenvolvimento social, mas também no campo dos valores e princípios democráticos e humanistas que sempre esposamos. Estamos numa "época feia" para o Brasil também?

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4766, 22 outubro 2024, 3 p.


 


sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Lula é desafiado por novos líderes de esquerda - Lydia Medeiros (Congresso em Foco)

Lula é desafiado por novos líderes de esquerda

Congresso em Foco, 26.09.2024 12:54

https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/lula-e-desafiado-por-novos-lideres-de-esquerda/

O presidente Lula vem sendo desafiado por uma nova geração de líderes regionais. Visões de mundo estão em choque, sobretudo no campo da esquerda. Num evento paralelo à cúpula da ONU, em Nova York, organizado pelo Brasil, o presidente do Chile, Gabriel Boric, afirmou que a esquerda fracassa ao usar medidas diferentes para criticar governos do mesmo campo. “Já conversamos muito com o presidente Lula sobre isso, como a ‘venezuelização’ da nossa política interna causou prejuízo muito grande para as esquerdas”, disse o chileno no encontro, que contou com outros líderes, como Emmanuel Macron (França), Pedro Sánchez (Espanha), Justin Trudeau (Canadá) e Xanana Gusmão (Timor Leste).

Não é a primeira divergência pública entre Lula e Boric sobre a posição brasileira de leniência em relação ao regime venezuelano e as violações a direitos humanos. Em maio do ano passado, quando Lula recebeu Nicolás Maduro como chefe de Estado no Planalto, o chileno confrontou declarações dele sobre a democracia venezuelana. Também tiveram opiniões distintas sobre a autodeclarada vitória de Maduro nas eleições presidenciais, condenada por Boric desde o primeiro momento, enquanto Lula anda dizia confiar na lisura do pleito. Na terça-feira, Lula não citou a Venezuela em seu discurso, ao abrir a Assembleia Geral da ONU.

Lula e Boric também tiveram posições distintas em relação à guerra na Ucrânia. No ano passado, o chileno classificou de “triste” o texto final da Cúpula da Celac-UE (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos com a União Europeia), por se restringir a uma única menção ao conflito, afirmando ter “preocupação profunda” com seus efeitos. Lula reagiu afirmando que Boric era jovem, não tinha experiência nesse tipo de reunião e, por isso, era mais “ansioso”.

Pesquisa realizada pelo Pew Research Center com 5.180 pessoas, entrevistadas entre janeiro e abril, mostra arranhões na imagem de Lula na América Latina. E os chilenos são os que menos confiam em Lula para “fazer a coisa certa” em relação aos assuntos mundiais: 62%. São seguidos pelos mexicanos (60%), peruanos (55%) e colombianos (53%). Na Argentina houve divisão — 49% não confiam; 40% confiam). Na média, a entrevista mostra que a influência global do Brasil continua a mesma — 49%. Entre os americanos, 64% pensam assim. No México, 57%, e na Colômbia, 50%. Já no Chile o índice cai para 33%.

 Boric não é candidato a líder da esquerda latinoamericana. As divergências expostas por ele, porém, evidenciam o desgaste de princípios que vêm norteando a política externa brasileira, especialmente antiamericanos, sob inspiração do embaixador Celso Amorim. O comportamento do governo brasileiro na crise da eleição venezuelana é o melhor retrato dessa corrosão.

 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Algum retrocesso em vista no sistema internacional? No próprio Brasil? - Paulo Roberto de Almeida

 Uma postagem sobre um dos temas básicos em minha atividade reflexiva e “postativa”: relações internacionais e política externa e diplomacia brasileiras, imediatamente anterior (no começo de março) à interrupção de minha página no Facebook (por razões até aqui inexplicáveis e ainda inexplicadas):


Algum retrocesso em vista no sistema internacional? No próprio Brasil?

Paulo Roberto de Almeida

(março 2024)

Nosso sistema imunológico na área política, interna e externa, ainda não conseguiu criar uma vacina eficaz contra as ditaduras, sobretudo as eleitorais e/ou plebiscitárias. Existem algumas na região e várias ao redor do mundo, inclusive no BRICS+, o xodó do Grande Guia, apreciado por muitos. Fatalidade geopolítica ou escolha ideológica?

O quê, exatamente, o Brasil e o povo brasileiro ganham ao ver o seu atual governo apoiar ditaduras execráveis ao redor do mundo, especialmente duas grandes autocracias que pretendem criar uma “nova ordem global”, supostamente oposta, contrária e substitutiva à atual ordem econômica e política mundial, que deriva de Bretton Woods (1944) e de San Francisco (1945), uma ordem baseada em regimes democráticos, de economias de mercados livres e garantidores de direitos humanos?

Repito a pergunta: o que o Brasil ganha ao se opor à atual ordem “ocidental”, aparentemente tão desprezada pelos que nos governam? 

O que se espera com essa “nova ordem global”, que para ser implantada necessitaria o “afastamento” da ordem prevalecente atualmente? Pacífico, consensual, por livre escolha? Ou por imposição da força bruta? Pela força do Direito ou pelo direito da força?

Alguma rationale credível do ponto de vista dos interesses nacionais, dos valores e princípios de nossa Constituição, de nossa diplomacia, das regras e normas que presidem o Direito Internacional e a Carta da ONU?

O governo atual ainda não conseguiu chegar à conclusão de que a guerra de agressão da Rússia de Putin contra a Ucrânia vizinha constituiu uma violação flagrante da Carta da ONU e do Direito Internacional? O que falta para chegar a essa conclusão elementar? 

Seria preciso um “puxão de orelhas” de alguma instância da ONU, o Conselho de Direitos Humanos, por exemplo, ou, eventualmente, um ruling da Corte Internacional de Justiça?

Não bastaria uma simples adequação a certas simples normas éticas, ou a princípios elementares de moral pública?

Como confundir agressor ou agredido, como equiparar as duas partes em conflito, como se elas fossem equivalentes, no plano do Direito, ou da realidade empírica visível aos olhos de todos e cada um?

Confesso minha estupefação em face desses fatos, não apenas como diplomata, ou estudioso das relações exteriores do Brasil e da sua diplomacia, mas como simples cidadão bem informado e engajado nas causas democráticas e dos DH.

Confesso que não entendi certas coisas, e que não consigo suportar a desfaçatez, a mentira e a deformação da realidade. 

Confesso minha desconformidade e meu contrarianismo, fundamentados num ceticismo sadio sobre certas escolhas de autoridades e poderes públicos que me parecem contrárias ao nosso sentido de  Justiça, à nossa definição de democracia e de respeito aos DH. 

Por que admitir tais retrocessos no âmbito interno e no contexto internacional?

Por quê?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 4/03/2024”

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Política externa lulopetista: Lula arrastando governos para a lama - Augusto de Franco (Inteligência Democrática)

 Lula arrastando governos para a lama

Augusto de Franco

Lula está arrastando para a lama quem ele puder para não chafurdar sozinho. Já conseguiu atrair os dois governos populistas que restaram, como o de Obrador e de Petro, depois que os outros dois, de Xiomara e Arce, não tiveram pejo de validar a fraude no primeiro momento. Agora Lula quer puxar para o buraco o governo de Boric, que não é populista. 

A alegação do governo Lula de que quer ser imparcial e mediador é uma picaretagem - só comprada e divulgada pelo jornalismo chapa-branca que perdeu completamente a compostura. Qual foi a mediação que ele fez? Qual a mediação que fará, se Celso Amorim se recusou a sequer conversar com Maria Corina? Pelo contrário, os lulopetistas alegam que Corina é de extrema-direita ou um "Bolsonaro de saias" - sendo que foi ela que obteve mais de 90% das preferências nas prévias da oposição. Isso é lá posição de mediador? 

Revista ID é uma publicação apoiada por leitores. Para receber novos posts e apoiar meu trabalho, considere tornar-se um assinante gratuito ou pago.

É a mesma lorota contada, no passado, nos casos do Irã e no caso da Ucrânia - iniciativas que deram, ambas, com os burros n'água. 

Lula nunca se qualificou para ser um árbitro entre o chavismo-madurismo e a oposição venezuelana ou entre qualquer ditadura e qualquer democracia porque, invariavelmente, toma partido das ditaduras. No caso da Venezuela é pior ainda. Lula fez as campanhas eleitorais de Chávez e Maduro, declarou que aquela ditadura era uma democracia, não protestou contra o impedimento ilegal de Maria Corina (antes, foi indelicado com ela) e nem contra as fraudes de Maduro, inclusive a mais recente, de 28 de julho. Não tem nada de equidistante na sua posição. 

O que ele está fazendo é dar tempo para Maduro permanecer no comando, até que o mundo esqueça o caso ou até que o ditador consiga fasificar as atas, talvez com a ajuda dos agentes cubanos, russos ou chineses que há tempos já infestam aquele país.

A posição do governo brasileiro é insustentável e solerte. Pior ainda é a atitude dos meios de comunicação amestrados, que resolveram cumprir o vergonhoso papel de se integrar organicamente ao sistema de governança oficial afrontando a tradição do jornalismo democrático e independente.


Nota redigida por Augusto de Franco, do staff de Inteligência Democrática.


quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Estado, governo, partidos e Itamaraty: quão juntos ou quão separados? - Paulo Roberto de Almeida

Estado, governo, partidos e Itamaraty: juntos, separados, divididos?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a “osmose” entre o serviço diplomático e o governo e seus partidos de apoio, distinguindo a intromissão do PT e do bolsonarismo na política externa, de maneira ideológica e personalista.

Brasília, 1 de agosto de 2024

 

Dá para separar o governo do seu partido suporte e ambos da política do Itamaraty? Com base em minha experiência de 44 anos de diplomacia, desde a ditadura até Bolsonaro, posso afirmar que sob o lulopetismo isso é impossível, como também o foi no bolsolavismo diplomático. Segui de dentro as nuances e matizes da diplomacia em cada governo e já escrevi muito sobre isso, a mais recente neste livro: Apogeu e Demolição da Política Externa (2021).Transcrevo, in fine, o índice desse livro, que contém vários capítulos que podem demonstrar amplamente a contaminação da política externa e da própria diplomacia por governos ideológicos e sectários, como o foram Lula 1 e 2, Dilma (mas parcialmente, por total incompetência dela em assuntos externos), Bolsonaro (mais Ernesto Araujo do que Carlos França) e agora Lula 3. Mas tratarei de algumas questões de como isso se faz.

Já em 2006, portanto ainda na vigência do primeiro governo Lula – e eu estive afastado, por razões políticas, de qualquer cargo na Secretaria de Estado, durante os TREZE ANOS E MEIO dos governos petistas –, eu já me permiti fazer uma primeira reflexão sobre a questão chave desta nota: como separar, ou quão juntos estão, os papeis respectivos do corpo profissional da diplomacia das injunções, pressões, determinações do governo de ocasião, que acaba sendo o decisor máximo, em nome do Estado, pelas posturas assumidas pela diplomacia profissional no plano internacional (em alguns casos até deformando posições tradicionais de Estado), sem deixar de lado eventuais pressões partidárias sobre essas políticas, e que foram muito mais intensas sob o lulopetismo. O bolsonarismo (que ainda não existia quando escrevi essa reflexão) não tinha partido, só amadores incultos e despreparados para assuntos internacionais, inclusive o seu guru principal, Olavo de Carvalho. Este é o trabalho feito naquela ocasião: 

1693. “Uma reflexão pessoal sobre as relações entre Estado e governo (que também pode ser lida como uma declaração de princípios)”, Brasília, 2 dezembro 2006, 3 p. Sobre os dilemas do funcionário público em face de governos partidários. Publicado no Via Política (Porto Alegre, 3.12.06). Remanejado sob o título “O Estado, o Governo e o burocrata: alguns dilemas do serviço público” e publicado no site do Instituto Millenium (26.12.2006). Postado no blog Diplomatizzando (28/05/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/05/uma-reflexao-pessoal-sobre-as-relacoes.html). Incorporado ao volume Via Política (uma coletânea de artigos nesse blog político, publicado em formato Kindle em 2017). Relação de Publicados ns. 724 e 735.

 (...)


Ler a íntegra nest link: 

https://www.academia.edu/122508445/4715_Estado_governo_partidos_e_Itamaraty_juntos_separados_divididos_2024_



domingo, 12 de maio de 2024

Brasil: inimigo de si mesmo na politica internacional - Daniel Buarque

 Brasil é pior inimigo do Brasil na busca por liderança internacional

Problemas domésticos prejudicam ascensão na hierarquia global, aponta pesquisa

Folha de S. Paulo - UOL, 11/05/2024

[RESUMO] Autor apresenta conclusões de sua pesquisa de doutorado, em que realizou 94 entrevistas com membros da comunidade de política externa para mapear a imagem internacional do Brasil. Embora aspire a ser um líder global, o país é percebido como um peão no xadrez geopolítico, um ator periférico prestigiado pelas grandes potências só quando convém a elas. Falta de reconhecimento é reflexo de problemas internos do país, aponta estudo.

Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o Brasil se ofereceu para ser um mediador entre os dois países, tanto com Jair Bolsonaro (PL) quanto sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quando começou o atual governo, a "doutrina Lula" tentou construir a ideia de que "o Brasil voltou" e quis melhorar a sua imagem internacional.

O Brasil começou a buscar protagonismo em questões ambientais, quis retomar uma liderança em temas regionais, procurou grandes acordos comerciais e até buscou conduzir uma votação pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza. Além disso, retomou a aposta no multilateralismo e na busca pela reforma da governança global, reiterando o interesse em um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Lula até encontrou boa vontade internacional, a imagem do país melhorou e ele conseguiu liderar o Conselho de Segurança por um mês e presidir o G20, além de ganhar o direito de sediar a conferência do clima.

No entanto, a maioria das tentativas de ter um papel realmente significativo em questões internacionais importantes, motivadas em ampla medida pela ambição de ser um ator de peso na política global, continua esbarrando na falta de reconhecimento internacional de um alto status do país.

Mesmo com todo o esforço para aumentar o prestígio brasileiro, a percepção das nações mais poderosas do planeta é que o país não é suficientemente relevante para influenciar as grandes questões internacionais. Isso vale especialmente para quando elas envolvem discussões sobre segurança, guerra e paz. Para as grandes potências globais, o Brasil não passa de um peão no xadrez da geopolítica global.

Apesar do trabalho sério desenvolvido pelo Itamaraty ao longo de décadas, o problema não está necessariamente no que o Brasil faz em sua atuação internacional. A falta de reconhecimento para o prestígio é um reflexo, em ampla medida, de problemas internos do país, que precisam ser o foco antes de qualquer tentativa de projeção internacional.

Esses são alguns dos pontos centrais do livro "Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities", recém-publicado pela editora Palgrave Macmillan. A obra reúne os principais achados de uma pesquisa desenvolvida durante meu doutorado pelo King's College, de Londres. O estudo analisou a longa aspiração brasileira por alto status internacional em contraste com a percepção externa sobre o papel que o país pode desempenhar no mundo.

Para entender o lugar ocupado pelo Brasil na complexa geopolítica desde o fim da Guerra Fria, a pesquisa se baseou em 94 entrevistas com a comunidade de política externa dos países que já são reconhecidos como potências globais: EUA, China, Rússia, Reino Unido e França —os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

UM ‘PEÃO COBIÇADO’

As grandes potências veem o Brasil como um país sem peso na política internacional. A percepção é que o Brasil não passa de um país médio que não tem legitimidade para atuar em questões importantes de segurança global.

Uma razão para essa avaliação é geográfica. O Brasil é percebido como periférico e pacífico, localizado em uma região longe das principais ameaças e disputas do mundo, e por isso não precisaria nem deveria se envolver nesses casos.

Outro ponto importante é que o país enfrenta limites em suas capacidades militares e econômicas, portanto não teria poder suficiente para ser preponderante em escala global.

Paradoxalmente, o Brasil é desejado como um aliado por essas mesmas potências, que buscam utilizá-lo como uma peça estratégica em suas rivalidades e seus interesses globais. Apesar de ser visto como um peão, seu apoio é cobiçado dentro do grande jogo da geopolítica.

Isso explica a frustração do Ocidente com a "equidistância" do país em relação à Guerra da Ucrânia e sobre as críticas de Lula a Israel. Ajuda a entender também a mobilização da China para manter o país envolvido nas ações do Brics e na tentativa de fortalecer outras moedas como alternativa ao dólar em negociações internacionais.

Na realpolitik, cada potência está interessada apenas em avançar seus próprios interesses geopolíticos. O Brasil recebe apoio e alguma forma de reconhecimento somente quando isso indica algum benefício para elas.

BRASIL CONTRA BRAZIL

Ser visto como um peão vai contra a histórica ambição de grandeza do país nas relações internacionais. Isso, contudo, ultrapassa as limitações geográficas e de poder econômico e militar. O Brasil é o maior inimigo do Brasil em sua busca por maior status internacional, avaliaram muitos dos entrevistados na pesquisa.

A percepção externa é que, embora o Brasil realmente tenha muito potencial e sua imagem internacional seja geralmente positiva, o país não alcançou um alto status por causa de seus próprios problemas domésticos, que prejudicam seu desenvolvimento e sua ascensão na hierarquia global. Uma situação doméstica —social, econômica e política— de desordem e incerteza mina a influência internacional mais que qualquer atuação no exterior.

Para essas nações poderosas, países com ambição de emergir entre os mais importantes do mundo devem "fazer sua lição de casa" e "arrumar as coisas internamente" antes de serem aceitos no clube de "alto status internacional".

Trata-se de uma visão meritocrática da ordem internacional —e uma interpretação do prestígio global que pode ser criticada—, mas que reflete a forma como a comunidade de política externa das nações mais poderosas pensa sobre a ordem global.

Ao observar o Brasil nas últimas décadas, há fortes evidências da importância da situação doméstica para seu prestígio. A estabilização e o crescimento da economia, a expansão da classe média, o fato de o país ter se tornado autossuficiente na produção de energia, a expansão das commodities e a consolidação da democracia no final dos anos 1990 levaram a uma narrativa sobre o aumento do status internacional do Brasil. Em 2009, a revista britânica The Economist estampava em sua capa a imagem do Cristo Redentor decolando.

Em 2013, contudo, uma série de crises sociais, políticas e econômicas mudou essa situação. Os anos seguintes foram de recessão, escândalos de corrupção, violência e violações de direitos humanos, autoritarismo, negacionismo científico e ameaça à democracia, tornando mais difícil para o Brasil alcançar reconhecimento externo.

Entender a importância do contexto doméstico pode servir como referência para repensar as estratégias do país na construção de um lugar para o Brasil no mundo.

O estudo apresentado aqui indica que focar questões internas (especialmente na economia) e corrigir problemas domésticos são percebidos como os meios mais eficientes para aumentar o status internacional de um país.

Ao buscar destaque em sua atuação internacional, o Brasil deveria dar mais atenção ao que acontece dentro do país, melhorando sua realidade antes de querer se projetar ao mundo.


segunda-feira, 22 de abril de 2024

Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010 (2023) - Paulo Roberto de Almeida

Política externa e diplomacia brasileira na redemocratização, 1985-2010

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor

  

Sumário: 

1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo

2. A restauração constitucional e os erros econômicos

3. Os anos turbulentos das revisões radicais do momento neoliberal

4. Estabilização macroeconômica e nova presença internacional

5. A primeira era do Nunca Antes: a diplomacia personalista de Lula

Bibliografia e referências

 

 

1. Uma periodização diplomática para o período contemporâneo 

O ano de 1985 é o ponto de partida de um período marcado pela reconstrução constitucional do país, depois de mais de duas décadas de regime autoritário militar. Ele foi seguido pelos anos turbulentos de reformas econômicas e sociais, com a chamada ruptura do “neoliberalismo” – um termo profundamente equivocado, mas que pode contentar os mais estatizantes, ao risco de descontentar os verdadeiramente liberais. O período de constitucionalização foi marcado por algumas importantes mudanças conceituais e práticas nas relações internacionais do Brasil. 

Essa fase da era contemporâneo na história do Brasil foi especialmente conturbada em todas as frentes das políticas públicas, mas ela desembocou no processo de estabilização macroeconômica comandada por FHC – primeiro como ministro econômico, depois em dois mandatos como presidente –, ela mesma profundamente perturbada pelas crises financeiras dos anos 1994 a 2002, com todos os ajustes adicionais que o país teve de fazer para superar essas conjunturas difíceis nos contextos econômicos nacional e internacional. A partir de 2003, o país entrou numa fase bem diferente das precedentes, e que se prolongou com a sucessão de seu promotor e patrono, com políticas na área externa bastante distintas daquelas seguidas nos períodos anteriores da era lulopetista, mas que serão examinadas na segunda fase da Nova República, a do declínio e crise dos governos do PT.

Pode-se distinguir, metodologicamente, várias fases da vida política e econômica nacional, desde o final do regime militar, às quais não caberia, por enquanto, atribuir qualquer novo rótulo simplista, o que aliás denotaria uma falsa identidade entre, de um lado, os processos em curso nos terrenos da política e da economia, na frente doméstica e no plano internacional, e, de outro lado, nas relações internacionais do país, uma área que por vezes apresenta um comportamento de certa forma autônomo em relação aos desdobramentos que ocorrem no cenário interno no período contemporâneo imediato. 

Essa relativa autonomia das relações exteriores do país, em relação às duras realidades da conjuntura interna, pode ser vista como algo relativamente natural, considerando-se as distintas modalidades de tomada de decisões em cada frente, ou os procedimentos adotados na condução das relações exteriores, mais autocentrados, em face, por exemplo, das intensas pressões que se exercem em qualquer área das políticas públicas na frente interna. Ela também depende da personalidade e do engajamento do presidente, que dispõe de ampla margem de manobra nessa área, mas que também pode escolher para liderá-la um aliado político ou um profissional da própria diplomacia, casos nos quais se apresentam agendas e resultados eventualmente diferentes, em função das próprias personalidades e suas perspectivas políticas. Não se pode tampouco negligenciar os influxos ou demandas externas, já que a agenda internacional se faz, ou se constrói, a partir de outras forças e outras dinâmicas, às quais o país nem sempre consegue influenciar ou se adaptar de modo adequado, sem falar de crises externas, ou de desequilíbrios internos que se transformam em crises de transações correntes ou em outros desafios do gênero. 

Em qualquer hipótese, uma característica distingue profundamente as três primeiras fases deste exercício de periodização – Sarney, Collor e FHC – de uma das fases mais emblemáticas, a que se desenvolveu entre 2003 e 2010, enfeixada sob um rótulo puramente figurativo, o de “lulopetismo”. Nos três primeiros períodos – chamemo-los, simplificadamente de “redemocratização”, de “ruptura neoliberal” e de “reformas globalizadoras” – as relações exteriores do Brasil, no plano estritamente diplomático, estiveram enfeixadas, talvez dominadas, pelo staff diplomático, ou seja, o próprio corpo de profissionais do Itamaraty, que forneceu alguns ministros, conselheiros presidenciais e, mais importante, determinou grande parte da agenda externa, senão toda ela; ocorreu, também, o fato relativamente inédito, desde a ditadura do Estado Novo, de uma grande estabilidade na condução da política econômica sob o governo Fernando Henrique Cardoso, com um único ministro da Fazenda a permanecer durante dois mandatos presidenciais no comando da pasta. O período do “lulopetismo”, por sua vez, foi caracterizado por muitos observadores como sendo o de uma diplomacia partidária, o que parece evidente em muitas opções de política externa, com claro distanciamento em relação às linhas tradicionais de ação do Itamaraty, e também pelo fato de que o conselheiro presidencial era um funcionário do partido, bem menos identificado com as posturas relativamente neutras do corpo diplomático em diversas matérias da política internacional e regional (Almeida, 2014). 

Cabe agora examinar, na sequência, os padrões e as características das relações internacionais do Brasil no período em questão, ou seja, na fase da redemocratização estrito senso, na fase da ruptura “neoliberal” e dos ajustes reformistas, ambos dos anos 1990, e, finalmente, na fase da diplomacia partidária iniciada com o “lulopetismo”, em seus dois primeiros mandatos. Serão igualmente sugeridos alguns elementos interpretativos sobre as grandes tendências da diplomacia brasileira em cada uma dessas fases, com considerações finais sobre as características do desenvolvimento brasileiro e seus desafios mais importantes. Uma recomendação factual e interpretativa essencial para acompanhar, em detalhe, as diferentes configurações da política externa e da diplomacia brasileira no período de cinco presidentes, em sete mandatos sucessivos no período de 1985 a 2010, é a obra em dois volumes de Fernando Paulo de Melo Barreto Filho: A Política Externa Após a Redemocratização; tomo 1: 1985-2002; tomo 2: 2003-2010 (2012), que se encontra inteiramente disponível na Biblioteca Digital da Funag.

 (...)


Ler a íntegra nestes links: 

Disponibilizado em Research Gate (3/11/2023); link: https://www.researchgate.net/publication/375236186_Politica_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratizacao_1985-2010 

na plataforma Academia.edu (22/04/2024); link: https://www.academia.edu/117850764/4503_Política_externa_e_diplomacia_brasileira_na_redemocratização_1985_2010_2023_

domingo, 21 de abril de 2024

Política externa e diplomacia brasileira na era militar, 1964-1985 - Paulo Roberto de Almeida

  • Política externa e diplomacia brasileira na era militar, 1964-1985 
  •  

Paulo Roberto de Almeida

Doutor em Ciências Sociais, diplomata professor 

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.compralmeida@me.com)

Disponível na plataforma acadêmica Academia.edu (link: https://www.academia.edu/117848745/4498_Política_externa_e_diplomacia_brasileira_na_era_militar_1964_1985_2023_) e em Research Gate (27/10/2023; link: https://www.researchgate.net/publication/375002356_As_relacoes_internacionais_do_Brasil_na_era_militar_1964-1985).

 


Sumário:

1. Visão geral da diplomacia e das políticas externas do regime militar

2. A diplomacia dos círculos concêntricos: governo Castello Branco (1964-1967)

3. A diplomacia da prosperidade: governo Costa e Silva (1967-1969)

4. A diplomacia do interesse nacional: governo Garrastazu Médici (1969-1974)

5. A diplomacia do pragmatismo responsável: dupla Geisel-Silveira (1974-1979)

6. A diplomacia do universalismo: governo Figueiredo (1979-1985)

7. Balanço global das diplomacias do regime militar (1964-1985)

Referências bibliográficas

 

 

As relações internacionais do Brasil durante o regime militar brasileiro podem ser analisadas, por uma parte, do lado das políticas mantidas pelos diferentes governos dos cinco generais presidentes que se sucederam ao longo do período – e, a despeito do que se crê habitualmente, elas diferiram bastante entre si – e, de outra parte, através das reações e interações mantidas por esses governos como respostas a questões da agenda internacional (dos órgãos das Nações Unidas, por exemplo), a pressões de parceiros (conflitos com os Estados Unidos sobre temas comerciais ou de propriedade intelectual, sobre a proliferação nuclear, entre outros contenciosos) ou, objetivamente, a partir de eventos ou processos dotados de grande impacto na economia do país (os dois choques do petróleo, em 1973 e 1979, ou o aumento dos juros americanos, que resultou na crise da dívida externa a partir de 1982). Vários elementos importantes dessas diplomacias resultaram, no entanto, de iniciativas dos próprios dirigentes, militares ou diplomatas, em função da percepção que mantinham sobre os interesses fundamentais do Brasil.

A literatura acumulada na área já possui diversas obras de referência obrigatória (Vizentini, 1998; Barreto, 2006; Cravo, 2016, entre muitas outras), mas uma tentativa de síntese abrangente, sobre um período especialmente problemático, do ponto de vista político, na vida do país, talvez tenha de ser efetuada por meio de uma obra coletiva que possa recolher textos expositivos de diplomatas, que disponham de um conhecimento direto das políticas praticadas ao longo do período, assim como ensaios analítico-explicativos de acadêmicos com independência em relação aos formuladores-executores dessas políticas. Aguardando que uma iniciativa desse tipo possa ser tomada, o ensaio que segue pode ser visto como uma combinação tentativa nessas duas vertentes, já que elaborada por um diplomata de carreira que também se exerce desde longos anos nas lides acadêmicas, com a independência intelectual que se requer nessas circunstâncias.

A metodologia adotada é linear, dividindo a cobertura das diplomacias praticadas em cada uma das presidências militares, mas iniciando e terminando por considerações gerais sobre o contexto externo e os problemas enfrentados pelo Brasil ao longo do período, concluindo por uma avaliação sobre a própria instituição diplomática.

 

1. Visão geral da diplomacia e das políticas externas do regime militar


(...)


Íntegra disponível nos links acima.

Deterioração da imagem do governo Lula também em política externa: efeitos sobre o Itamaraty - Paulo Roberto de Almeida

Pesquisa do Ipec revela números ruins para o governo em TODOS os quesitos. No que concerne a política externa, a razão inegável é a amizade de Lula com TODOS os regimes autocráticos: desprezo absoluto pela democracia e DH. Não sei se haverá correção dessa deformação fundamental.  Reprodução, abaixo, de comentário anterior, mas que apresenta nova atualidade em função das últimas pesquisas de opinião. 

O rebaixamento do Itamaraty 

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a submissão do Itamaraty a uma mal-informada e mal implementada diplomacia personalista do presidente

  

O lado mais preocupante para o futuro do Itamaraty e o dos seus diplomatas é o fato desses dois dogmas da vida militar, a disciplina e a hierarquia, tê-los conduzido a muito mais submissão à diplomacia presidencial, nem sempre bem orientada, do que ao necessário e indispensável aconselhamento. 

Sempre tivemos diplomacia presidencial, algumas vezes mais, outras vezes menos. O aspecto preocupante é quando ela esmaga a diplomacia profissional, sobretudo aquela personalista e mal-informada ou aconselhada. Parece que vivemos essa situação agora.

Antigamente usávamos as Informações ao PR, quando queríamos preservar a sanidade e a coerência da diplomacia do Estado brasileiro. Atualmente parece que isso se perdeu no excesso de personalismo da diplomacia presidencial. 

Isso não é bom, nem para o Estado brasileiro, nem para o Itamaraty.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4564, 17 janeiro 2024, 1 p.

 

 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Os impasses do Brasil são de política econômica e de política externa - Paulo Roberto de Almeida

 As principais críticas ao governo do PT se devem à política econômica que fragiliza o crescimento, ao se basear em gastos desmesurados, e a uma política externa que retira credibilidade à diplomacia do Brasil, ao uni-la a ditaduras execráveis. 

Por que o PT tem de agir a contrário senso do que seria recomendável? 

Seria só burrice? Ou é teimosia, ao insistir em suas preferências ideológicas anacrônicas? 

O PT não pretende se modernizar?

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 18/04/2024

quinta-feira, 28 de março de 2024

Celso Lafer: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação (2018): dois volumes de escritos

Um dos últimos lançamentos de livros que fiz, para ser mais exato o último, enquanto diretor do IPRI-Funag-Itamaraty, colocando um ponto final nesta coletânea de artigos, ensaios e notas feitas pelo ex-chanceler Celso Lafer, compilando mais de três décadas de uma copiosa produção de textos sempre voltados para a política externa, as relações internacionais do Brasil, a cultura e a inteligência. Reproduzo a postagem que elaborei às vésperas do lançamento em Brasília.

Dentro de mais algum tempo terei o prazer de lançar o livro que elaborei sobre sua obra, conjuntamente com esforço similar em torno da também volumosa produção intelectual de Rubens Ricupero, ambos objeto deste meu livro Vidas Paralelas.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Celso Lafer: dois volumes com seus textos principais, quase prontos

Acabo de colocar um ponto final no índice onomástico deste livro: 

Celso Lafer:
Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação
(Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1415 p.)


Aqui o sumário geral da obra: 
Volume 1
Apresentação: presidente da Funag
Prefácio – Gelson Fonseca Jr.
Índice do Volume 1
Introdução geral: Celso Lafer

Parte I – A reflexão da experiência
Parte II –Itamaraty
A instituição
Diálogos
Memórias
Parte III – Relações internacionais
A necessidade do campo
O campo teórico
Tópicos específicos 
Volume 2
Sumário 
Índice do Volume 2
Parte IV – A inserção internacional do Brasil: a política externa brasileira
O Brasil no mundo
Lições do passado
Parceiros vitais do Brasil 
Questões polêmicas
Parte V – Personalidades
Posfácio: Paulo Roberto de Almeida
Biobibliografia do autor 

Índice onomástico

Tenho um posfácio, ao final do 2o. volume, apresentando o conjunto da obra, que transcrevo mais abaixo, depois de postar as orelhas e uma parte da quarta capa. Depois do posfácio, transcrevo o sumário de cada um dos dois volumes.



“A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre”, Brasília, 19 julho 2018, 9 p. Discussão geral da obra em publicação pela Funag de Celso Lafer, Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação, com base num paralelo intelectual com a obra de Henry James, The Education of Henry Adams: an autobiography (New York: The Modern Library, 1999), e alguma referência às Confissões de Santo Agostinho. 


A educação de Celso Lafer: um reconhecimento ao mestre

Paulo Roberto de Almeida
Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, IPRI-Funag/MRE.
 [Objetivo: apresentar a coletânea; finalidade: informar sobre o sentido da obra]

Se as Confissões de Santo Agostinho – que ocupam um lugar central na cultura cristã do Ocidente latino, ao dar início à tradição intelectual da autobiografia consciente e deliberada – apresentam essa característica de, pela sua própria natureza confessional, terem influenciado fortemente, segundo Stéphane Gioanni (L’Histoire, junho de 2018), o subjetivismo moderno, A Educação de Henry Adams inaugura, por sua vez – como construção consciente e deliberada de uma trajetória de vida tão confessional quanto as memórias do bispo da velha Hipona –, a moderna autobiografia intelectual, combinando objetivismo político com algum subjetivismo filosófico. Mais do que uma história de vida, ou uma simples memória, o livro de Henry Adams representa, mais exatamente, um grande panorama de história intelectual dos Estados Unidos entre a Guerra Civil e a Grande Guerra, um empreendimento talvez sem paralelo, até o início do século XX, na tradição ocidental das biografias “confessionais”.
Setembro de 2018 marca o centenário da primeira publicação completa da obra do bisneto de John Adams e neto de John Quincy Adams, dois antecessores presidentes. Sua educação primorosa, objeto da autobiografia (escrita na terceira pessoa), aproxima-se, em certa medida, da sólida formação intelectual de um dos maiores representantes da vida acadêmica e diplomática do Brasil: Celso Lafer. Cem anos depois da publicação daquela autobiografia pioneira, parece inteiramente pertinente seguir a “educação” de Celso Lafer, três vezes ministro, sendo duas como chanceler, chefe de missão em Genebra, professor emérito da USP, articulista consagrado, mestre de várias gerações de estudiosos de relações internacionais e de direito. 
A melhor forma de fazê-lo é por meio de uma compilação de seus muitos escritos sobre as relações internacionais, a política externa e a diplomacia brasileira, textos até aqui dispersos em um grande número de veículos impressos e digitais. A trajetória intelectual de seu autor se confunde com a própria evolução dos estudos e da prática das relações exteriores do Brasil no último meio século, mas estes dois volumes reproduzem apenas uma pequena parte de sua gigantesca produção acadêmica, profissional ou jornalística, deixando de integrar, por especialização temática nas áreas do título, uma outra parte essencial de suas atividades intelectuais, que cobrem os terrenos literário, cultural e mesmo de política doméstica.
A colaboração que pude prestar na montagem e revisão da presente coleção de textos – artigos, palestras, discursos, conferências, capítulos de livros – de Celso Lafer constituiu, ao longo do ano de 2018, uma das maiores gratificações intelectuais de minha relativamente curta trajetória como diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, (IPRI), um modesto think tank, subordinado, como o Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) – seu contraparte do Rio de Janeiro –, à Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), esta por sua vez vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE). Digo uma das maiores gratificações porque, justamente, dois de meus critérios na organização de eventos e publicações no IPRI são justamente esses: tudo o que for intelectualmente gratificante e inovar sobre a agenda “normal”. 
Ainda antes de assumir formalmente a direção do IPRI, pude colaborar na montagem e realização de um seminário, de uma exposição e de um livro sobre o patrono da historiografia brasileira, o também diplomata, Francisco Adolfo Varnhagen: Varnhagen (1816-1878): diplomacia e pensamento estratégico (Brasília: Funag, 2016). Nesse primeiro empreendimento junto ao IPRI ofereci um estudo sobre o “pensamento estratégico de Varnhagen: contexto e atualidade”, no qual tive a oportunidade e o lazer de atualizar suas propostas de “reforma do Brasil”, apresentadas pela primeira vez em 1849, no Memorial Orgânico, documento magistralmente retirado das cinzas pelas mãos do presidente do IHGB, o historiador Arno Wehling, um especialista e também admirador da obra historiográfica de Varnhagen. 
Logo em seguida, dediquei-me a retirar das “cinzas” de um injusto ostracismo político um outro colega diplomata, o economista de formação Roberto Campos, por meio de uma obra coletiva feita inteiramente à base da admiração de amigos: O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (Curitiba: Appris, 2017). O livro, entretanto, por razões de oportunidade e de cálculo político, não foi publicado pela Funag, tanto quanto um outro, sobre o historiador e diplomata Oliveira Lima. Em seguida, aproveitando o desafio da publicação da magistral Fotobiografia de Oswaldo Aranha por seu neto, Pedro Corrêa do Lago (Rio de Janeiro: Capivara, 2017), e ajudado pela perícia documentalista de seu outro neto, Luiz Aranha, decidi montar, com a preciosa e estratégica ajuda do historiador Rogério de Souza Farias, uma compilação praticamente completa dos escritos de relações internacionais e de diplomacia brasileira produzidos ao longo de trinta anos pelo grande estadista gaúcho, o segundo maior chanceler brasileiro do século XX depois de Rio Branco, segundo Rubens Ricupero: “Oswaldo Aranha dominou a política exterior dos meados do século XX como Rio Branco o fizera na sua primeira década. Depois do Barão, ninguém mais alcançou, dentro e fora do país, o prestígio e a influência de Aranha, nenhum outro dirigiu a diplomacia com tanto acerto em tempos perigosos e de escolhas difíceis.” (Apresentação de Rubens Ricupero a: Oswaldo Aranha: um estadista brasileiroBrasília: Funag, 2017, 1o. vol.). 
A coletânea Aranha preenche, sem dúvida alguma, uma lacuna na historiografia brasileira da diplomacia contemporânea, ao recolher discursos, entrevistas, cartas e escritos diversos do político rio-grandense convertido em estadista de estatura mundial. Ela cobre momentos cruciais das relações internacionais e bilaterais do Brasil em pleno século XX, quando a diplomacia esclarecida de Aranha influenciou decisivamente a política do governo Vargas ao adotar a opção correta na voragem da Segunda Guerra Mundial, aliás a única concebível para um discípulo de Rui Barbosa, no formidável embate que se travou entre as democracias do Ocidente, capitaneadas por Churchill e Roosevelt, e os totalitarismos liderados pelos fascistas da Alemanha, Itália e Japão.
Esse trabalho de garimpo documental e de lapidação redacional dos escritos dispersos de Oswaldo Aranha, esteve, provavelmente, na origem da idealização, organização e montagem da obra que agora se apresenta: uma compilação seletiva dentre os muitos, incontáveis escritos até aqui dispersos de Celso Lafer, primeiro reunidos e organizados por ele mesmo, com a ajuda de Carlos Eduardo Lins da Silva, depois revistos e padronizados por mim, ao longo de muitas noites de indescritível prazer intelectual. Não sei se por pura emulação historiográfica, se por alguma secreta indução bibliográfica e documental, ou se por um evidente paralelismo diplomático, Celso Lafer e eu mesmo cogitamos, quase simultaneamente, que depois da “compilação Oswaldo Aranha” estava mais do que na hora de também pensarmos numa “compilação Celso Lafer”. Material, aliás abundante, não faltava para esse novo empreendimento.
A decisão foi então tomada em vista da existência, dispersa até aqui, dos seus muitos escritos de relações internacionais, de política externa e de diplomacia do Brasil, que constituem, ao mesmo tempo, um grande panorama do cenário mundial, político e econômico, nas últimas cinco décadas. Esses textos reproduzem meio século de ideias, reflexões, pesquisas, andanças e um exercício direto de responsabilidades à frente da diplomacia brasileira, em duas ocasiões, e, através dela, de algumas funções relevantes na diplomacia mundial, como a presidência do Conselho da OMC, assim como em outras instâncias da política global. Celso Lafer esteve à frente de decisões relevantes em alguns foros decisivos para as relações exteriores do Brasil, na integração regional, no comércio mundial, nos novos temas do multilateralismo contemporâneo.
Esta obra, construída ao longo de alguns meses de garimpo documental e de lapidação formal, a partir de um aluvião torrencial de pepitas preciosas que vinham sendo carregadas pelo fluxo heteróclito de publicações no decorrer de várias décadas, apresenta, finalmente, o que se espera seja uma obra de referência e uma contribuição essencial ao conhecimento da diplomacia brasileira e da vida intelectual em nosso país, a partir dos anos 1960 até aqui. Suas qualidades intrínsecas, combinando sólida visão global e um conhecimento direto dos eventos e processos que o autor descreve e analisa, representam um aporte fundamental a todos os estudiosos de diplomacia e de relações internacionais do Brasil, uma vez que reúne os relevantes escritos do mais importante intelectual desse campo, com a vantagem dele ter tido a experiência prática de conduzir a diplomacia brasileira em momentos significativos da história recente. As “questões polêmicas” da quarta parte reúnem alguns de seus artigos de jornal, nos quais exerceu um olhar crítico sobre a “diplomacia” implementada a partir de 2003, rompendo pela primeira vez a tradição secular da política externa brasileira, no sentido de representar o consenso nacional em torno dos interesses do país, para adotar o sectarismo míope de um partido que tentou monopolizar de forma canhestra (e corrupta) o sistema político. 

Henry James, ao escrever em 1907 a sua autobiografia intelectual, admitia, indiretamente – segundo o prefácio de Henry Cabot Lodge à obra finalmente publicada em setembro de 1918 pela Massachusetts Historical Society –, que a grande ambição do neto e bisneto de presidentes era a de “completar as Confissões de Santo Agostinho”. Mas, diferentemente do pai da Igreja Cristã, que, como grande intelectual, trabalhou a partir de uma multiplicidade para a unidade de ideias em torno da fé cristã, seu moderno êmulo americano reverteu a metodologia, passando a trabalhar a partir da unidade para a multiplicidade de ideias (The Education of Henry Adams: an autobiography, p. xxxiv, da edição de 1999 da Modern Library). Isso talvez porque, à diferença da angustiada defesa de uma rígida crença nos dogmas cristãos, exibida no quarto século da nossa era pelo pai intelectual da Igreja Católica, Henry Adams ostentava o agnosticismo científico típico dos primeiros darwinistas sociais do final do século XIX. 
Celso Lafer, herdeiro intelectual de grandes pensadores judeus do século XX, é, provavelmente também, um agnóstico pragmático, combinando destreza acadêmica e tino empresarial, como sempre foi a outra vertente de seus familiares e de um grande antecessor na diplomacia, seu tio Horácio Lafer, ministro da Fazenda e das Relações Exteriores na República de 1946. O modelo da autobiografia de Henry Adams, com suas três dezenas de capítulos seguindo a trajetória do ilustre herdeiro dos Adams nas grandes capitais do mundo ocidental – Washington, Londres (seu pai foi ministro na Corte vitoriana), Berlim, Paris (a Exposição Universal de 1900), Roma e muitas outras cidades dos Estados Unidos e da Europa–, poderia servir, eventualmente, para retraçar a carreira intelectual e diplomática de Celso Lafer, que também percorreu as grandes capitais da diplomacia mundial, como intelectual ou ministro das Relações Exteriores.
O jovem Adams, ao acompanhar como secretário o seu pai, designado em 1861 ministro plenipotenciário de Abraham Lincoln junto à corte da rainha Vitória, construiu uma educação “diplomática” no centro do que era então o maior império do planeta; ele pode encontrar-se com líderes britânicos da estatura de um Palmerston ou Gladstone, assim como, em suas andanças pela Europa, com “anarquistas” bizarros, ao estilo de um Garibaldi. Celso Lafer, por sua vez, construiu sua educação diplomática na observação direta do que foi feito por seu tio, Horácio Lafer, antes como ministro da Fazenda do Vargas dos anos 1950, depois à frente do Itamaraty, numa segunda fase do governo JK, dedicando a ambos trabalhos analíticos posteriores que figuram com realce em sua bibliografia. Da gestão do tio na política externa, destacou sobretudo sua ação no campo econômico: acordos comerciais, integração regional e aproximação à Argentina.
Essa educação continuou nos anos seguintes, de forma não surpreendente nos mesmos grandes temas focados anteriormente e, como Henry James, no contato direto com personalidades de realce na cena mundial; percorrendo as páginas dos dois volumes de Celso Lafer é possível registrar alguns dos grandes nomes do estadismo mundial, com quem Celso Lafer encontrou-se ou conviveu ao longo dessas décadas. Ele discorre, sempre de modo empático, mas penetrante, sem dispensar aqui e ali o bom humor, sobre líderes estrangeiros como Mandela, Shimon Peres, Koffi Annan, Antonio Guterres e, retrospectivamente, sobre o êmulo português do embaixador Souza Dantas, o cônsul Aristides de Souza Mendes, um justo entre os injustos do salazarismo. Dentre os diplomatas distinguidos do Brasil figuram os nomes deSaraiva Guerreiro e de Sérgio Vieira de Mello, para mencionar apenas dois nessa categoria.
Comparecem igualmente vários colegas e autores de renome, intelectuais da academia ou da diplomacia, como José Guilherme Merquior, Sergio Paulo Rouanet, Gelson Fonseca Jr., Synesio Sampaio Goes, Rubens Ricupero, Gilberto Dupas, Celso Furtado, Miguel Reale, Fernando Henrique Cardoso, entre os brasileiros. Estudiosos  estrangeiros, alguns conhecidos pessoalmente, aparecem sob os nomes de Karl Deutsch, Raymond Aron, Andrew Hurrell, Octavio Paz, Morgenthau, Kissinger e Prebisch. Suas resenhas e prefácios registram autores conhecidos na área, a exemplo de Sérgio Danese, Fernando Barreto, Gerson Moura e Eugenio Vargas Garcia, contemplados com extensas notas publicadas na revista Política Externa, da qual foi um dos responsáveis, junto com Gilberto Dupas e Carlos Eduardo Lins da Silva, durante vários anos.

A educação de Celso Lafer se fez, primordialmente, em intensas leituras e eventuais contatos, com grandes nomes do pensamento histórico, filosófico e político da tradição ocidental, desde mestres do passado remoto – Tucídides, Aristóteles, Grócio, Vico, Hume, Bodin, Hobbes Montesquieu, Kant, Tocqueville, Charles de Visscher e outros – até mestres do passado recente, inclusive alguns deles encontrados em carne e osso: Hans Kelsen, Carl Schmitt, Isaiah Berlin, Hanna Arendt, Norberto Bobbio, Raymond Aron, Hedley Bull, Martin Wight, Albert Hirschman, Stanley Hoffmann e muitos outros. Um desses “grandes mestres” aparece apenas marginalmente, ou episodicamente nos textos aqui coletados: Karl Marx, objeto de várias referências indiretas no exame da literatura especializada. Henry James, de seu lado, faz, em sua autobiografia, diversas referências ao pai do “socialismo científico” e afirmou ter seriamente considerado, junto com as teses ousadas de Darwin, os argumentos defendidos em O Capital, embora não demonstrasse entusiasmo com os anúncios precursores quando à derrocada do capitalismo. 
James, na verdade, demonstra certo esnobismo em relação à maior parte dos teóricos que digeriu, em Harvard ou em suas leituras posteriores. Ao referir-se, por exemplo, à necessidade de conhecer os ensinamentos de Marx, continua dizendo que o confronto também devia ser feito em relação à “satânica majestade do livre comércio de John Stuart Mill” (p. 72). Mais adiante, ao fazer o balanço de sua visita à Exposição Universal de Paris, em 1990, que representava o triunfo do capitalismo da belle Époque, ele revela que “tinha estudado Karl Marx e suas doutrinas da história com profunda atenção, mas que não podia aplicá-las a Paris” (p. 379). No caso de Lafer, não há menção a algum estudo sério da doutrina marxista, mas as referências não faltam, seja por meio de Raymond Aron, seja através de obras de Hélio Jaguaribe.
Ambos, porém, Henry James e Celso Lafer, exibem o mesmo compromisso incontornável com os princípios do liberalismo político e dos governos democráticos. James, ao conviver mais longamente com o sistema parlamentar inglês, considerava que “o governo de classe média da Inglaterra constituía o ideal do progresso humano” (p. 33). Por classe média, ele queria dizer, obviamente, burguesia, em oposição à velha aristocracia de títulos, que não existia no seu país natal; ela estava surgindo, em sua própria época, mas apenas a partir do exibicionismo ostensivo dos “barões ladrões”, enobrecidos financeiramente a partir da idade dourada do capitalismo americano. Celso Lafer, do seu lado, sempre foi um liberal doutrinal e filosófico, não obstante seu alinhamento pragmático com a socialdemocracia na política brasileira, no que, aliás, ele combina com um de seus mestres, o jurista e intelectual italiano Norberto Bobbio. 

Mais de uma centena de textos comparecem nos dois volumes, organizados em cinco partes bem identificadas, embora algumas repetições sejam detectáveis aqui e ali. O conjunto dos escritos constitui, sem dúvida alguma, um completo curso acadêmico e um amplo repositório empírico em torno dos conceitos exatamente expressos no título da obra: Relações internacionais, política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação. Os artigos, ensaios, conferências e entrevistas podem servir, em primeiro lugar, a todos os estudantes desses campos, não restritos, obviamente, aos próprios cursos de Relações Internacionais, mas indo ao Direito, Ciência Política, Filosofia, Sociologia, História, além de outras vertentes das Humanidades. Mas, os diplomatas profissionais e os demais operadores consolidados trabalhando direta ou indiretamente nessas áreas também encontrarão aqui um rico manancial de ideias, argumentos e, mais importante, “recapitulações” em torno de conferências, negociações, encontros bilaterais, regionais ou multilaterais que figuraram na agenda internacional do Brasil nas últimas décadas. 
A diversidade de assuntos, inclusive em relação aos próprios personagens que aqui comparecem, em “diálogos”, homenagens, obituários ou relatos de encontros pessoais, possuem um inegável vínculo entre si, pois todos eles têm a ver, de perto ou de longe, com a interface externa do Brasil e com os voos internacionais do autor. Os textos não esgotam, obviamente, o amplo leque de interesses e de estudos do autor, que se estende ainda aos campos da literatura e dos assuntos culturais em geral, trabalhos que figuram em diversos outros livros publicados de Celso Lafer, vários monotemáticos e alguns na categoria de coletâneas, como por exemplo os três volumes publicados pela Atlas, em 2015, enfeixados sob o título comum de Um percurso no Direito do século XXI, mas voltados para direitos humanos, direito internacional e filosofia e teoria geral do direito. A sua produção variada, acumulada intensa e extensivamente em tão larga variedade de assuntos, permite o mesmo tipo de “assemblagem” ocasional efetuada na presente obra em dois volumes. Apresentando, por exemplo, seus escritos focados em Norberto Bobbio: trajetória e obra (São Paulo: Perspectiva, 2013), Celso Lafer começa por lembrar justamente essa prática do mestre italiano: 
Bobbio, ao fazer, em 1994, um balanço de sua trajetória, observou que a sua obra caracterizava-se por livros, artigos, discursos sobre temas diversos, ainda que ligados entre si [nota: a referência aqui é à obra de Bobbio, O Futuro da Democracia]. Parte muito significativa e relevante da sua obra é constituída por volumes que são coletâneas de ensaios, reunidos e organizados em função dos seus nexos temáticos. Esses volumes de ensaios cobre os diversos campos do conhecimento a que se dedicou: a teoria jurídica, a teoria política, a das relações internacionais, a dos direitos humanos e o vinculo entre política e cultura, rubrica que abrange a discussão do papel do intelectual na vida pública. Esses volumes são representativos do contínuo work in progress da trajetória intelectual de Bobbio, esclarecendo como, no correr dos anos, por aproximações sucessivas, foi aprofundando a análise dos temas recorrentes do seu percurso de estudioso. (p. 23)

A partir da transcrição desse introito se poderia perfeitamente dizer: Ecce homo (talvez menos na linhagem nietzscheiana, e mais na do original bíblico). A afirmação se aplica inteiramente à própria trajetória acadêmica e profissional de Celso, ao seu percurso intelectual, à sua visão do mundo, com uma vantagem adicional sobre o jurista italiano, devido ao fato de Lafer ter sido bem mais do que um “simples professor”, ao ter exercido por duas vezes (até aqui) o cargo de ministro das relações exteriores (e uma vez o de ministro do desenvolvimento e de comércio exterior), funções certamente mais relevantes, para o Brasil, do que o cargo largamente honorífico concedido a Norberto Bobbio, já quase ao final da sua vida, de senador da República italiana. 

O percurso de Celso Lafer, no Brasil e no mundo, sua postura filosófica, de defensor constante dos direitos humanos e da democracia política, suas aulas na tradicional Faculdade de Direito (e em muitas outras conferências em universidades e várias instituições em incontáveis oportunidades), sua luta pela afirmação internacional do Brasil nos mais diversos foros abertos ao engenho e arte da diplomacia nacional, todos esses aspectos estão aqui refletidos em mais de uma centena de trabalhos carinhosamente reunidos sob a direção do próprio mestre e oferecidos agora ao público interessado. Não apenas o reflexo de uma vida dedicada a construir sua própria trajetória intelectual, esses textos são, antes de qualquer outra coisa, aulas magistrais, consolidadas numa obra unitária, enfeixada aqui sob a tripla dimensão do título do livro. 
Mais do que uma garrafa lançada ao mar, como podem ser outras coletâneas de escritos dispersos oferecidos a um público indiferenciado, a centena de “mensagens laferianas” aqui reunidas constituem um útil instrumento de trabalho oferecido aos profissionais da diplomacia, ademais de ser uma obra de referência aberta à leitura dos pesquisadores, dos professores e dos estudantes dessas grandes áreas de estudos e de trabalho acadêmico. Ao disponibilizar essa massa de escritos da mais alta qualidade intelectual ao grande público, esta obra faz mais do que reunir estudos dispersos numa nova coletânea de ensaios conectados entre si: ela representa, também e principalmente, um tributo de merecido reconhecimento ao grande mestre educador que sempre foi, e continuará sendo, Celso Lafer.
Vale!

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de julho de 2018

=============

Celso Lafer

Relações internacionais,política externa e diplomacia brasileira: pensamento e ação
 (Brasília: Funag, 2018, 2 vols., 1415 p.)

Sumário Volume 1


Apresentação: presidente da Funag
Prefácio: Gelson Fonseca Jr. 
Introdução geral: Celso Lafer
PARTE I
A reflexão da experiência
1.     Uma vida na diplomacia: entrevista ao CPDOC (1993)
2.     Reflexões sobre uma gestão: 2000-2002 (2003)
3.     Uma trajetória diplomática: entrevista à revista Sapientia(2012)

PARTE II
Itamaraty
A instituição
4.     A autoridade do Itamaraty (1992)
5.     O Palácio do Itamaraty: Rio-Brasília (2001)
6.     Uma diplomacia de fundação: O Itamaraty na cultura brasileira (2001)
7.     Rio Branco e o Itamaraty: 100 anos em 10 (2002)
8.     Rio Branco e a memória nacional (2012)
9.     Desatar nós: posse do secretário-geral Osmar Chohfi (2001)
10.  O retorno ao Itamaraty (2001)

Diálogos
11.  José Guilherme Merquior: A legitimidade na política internacional (1993)
12.  Gelson Fonseca Jr.: A legitimidade na vida mundial(1998)
13.  Sergio Danese: Diplomacia presidencial(1998)
14.  Synesio Sampaio Goes: Navegantes, bandeirantes e diplomatas (2000)
15.  Fernando Barreto: Os sucessores do Barão, 1912-1964(2001)
16.  Rubens Ricupero: A viagem presidencial de Tancredo (2010)
17.  Gelson Fonseca: A diplomacia multilateral do Brasil (2015)
17bis. Paulo Roberto de Almeida: Formação da diplomacia econômica no Brasil(2001)

Memórias
18.  Horácio Lafer (1900-1965): sua atualidade (2015)
19.  Diplomatas contra o Holocausto (2001)
20.  Saraiva Guerreiro: um empregado do Itamaraty (1992)
21.  As lições das memórias de Lampreia (2010)

PARTE III
Relações internacionais
A necessidade do campo
22. O estudo das relações internacionais: necessidade e perspectivas (1982)
23. Discurso de agradecimento pelo prêmio Moinho Santista (2001)
24. Discurso de agradecimento como professor emérito do IRI-USP (2012)

O campo teórico
25. A política externa, a paz e o legado da Grécia clássica (1982)           
26. Os dilemas da soberania (1982)
27. Karl Deutsch e as relações internacionais (1982)
28. Aron e as relações internacionais (2005)
29. A Escola Inglesa: suas contribuições (2013)
30. Andrew Hurrell: sobre a ordem global (2008) 
31. Zelotismo-Herodianismo na reflexão de Helio Jaguaribe (2013)

Tópicos específicos 
33. Guerra e Paz: o painel de Portinari na sede da ONU (2004)
34. O desarmamento e o problema da paz (1984)
35. Direito e legitimidade no sistema internacional (1989)
36. Obstáculos a uma leitura kantiana do mundo no século XXI (2005)
37. Direitos humanos e democracia no plano interno e internacional (1994)
38. O GATT, a cláusula de nação mais favorecida e a América Latina (1971)
39. Comércio internacional, multilateralismo e regionalismo (1991)
40. Reflexões sobre a OMC aos 50 anos do comércio multilateral (1998)
41. Perspectivas da Argentina: Felix Peña (2004)
42. Empresas transnacionais: Luiz Olavo Baptista (1987)
43. O significado da Rio-92 e os desafios da Rio+20 (2002)
44. Mundo, ciência, diplomacia (2015)
45. Cúpulas ibero-americanas (1992)      
46. O Diálogo Transatlântico: Carlos Fuentes (2013)
47. Armas nucleares (2017)
48. O mundo e os refugiados (2016)
49. União Europeia, 50 anos: lições do passado, desafios futuros(2007)
50. 60 anos do GATT e da Declaração Universal dos Direitos Humanos (2008)
51. Proteção de nacionais no exterior: decisão da corte da Haia (2004)
52. A independência do Kosovo e a Corte de Haia (2010)
53. Sobre o Holocausto (2011)
55. Variações sobre o tempo (2011)

Sumário Volume 2


PARTE IV
A inserção internacional do Brasil: a política externa brasileira
O Brasil no mundo
56. Segurança e desenvolvimento: uma perspectiva brasileira (1972)
57. Panorama geral da situação internacional (1981)
58. Representação, controle e gestão em política externa (1984)
59. Dilemas da América Latina num mundo em transformação (1988)
60. A inserção internacional do Brasil (1992)
61. Diplomacia e parlamento (1992)
62. Relações internacionais do Brasil: palestra na ESG (1992)
63. O mundo mudou (2001)
64. Repúdio ao terrorismo (2001)
65. O Brasil, sua gente e o Oriente Médio (2012)
66. O Brasil num mundo conturbado (2016)

Lições do passado
67. 1ª e 2ª conferências da paz de Haia, 1899 e 1907 (2010)
68. O Brasil e a Liga das Nações (2000)
69. Conferência do Rio de 1992 (1998)
70. Gerson Moura: a política externa de Vargas e Dutra (1992)
71. Diplomacia de JK: dualidade a serviço do Brasil (2001)
72. Política exterior brasileira: um balanço da década de 1970 (1981)
73. Brasil-EUA: história e perspectivas das relações diplomáticas (1982)
74. Possibilidades diplomáticas do governo Tancredo Neves (1985)
75. A viagem presidencial de Tancredo Neves: seu significado (1985)
76. A política externa do governo Collor (2017)
77. Reflexões sobre o 11 de setembro (2003)
78. Um olhar sobre o mundo atual (2015)
79. A herança diplomática de FHC (2004)
80. Ação, experiência e narração em FHC (2006)

Parceiros vitais do Brasil
81. Brasil-Argentina – uma relação estratégica (2001)
82. Relações Brasil-Portugal: passado, presente, futuro (2000)
83. A política externa do Brasil para a América Latina (2014)
84. O Brasil na América Latina (2013)
85. Reflexões sobre a CPLP: lusofonia, sonhos e realidade (2013)
86. Reflexões sobre o tratado de 1895 com o Japão (2015)

Questões polêmicas
87. A ONU, Israel e o sionismo (1975)
88. Entusiasmo no Itamaraty? (2003)
89. Partidarização da política externa (2009)
90. A política externa: necessidades internas, possibilidades externas (2006)
91. A política externa e a crise política (2005)
92. Variações sobre a política externa (2006)
93. Novas variações sobre a política externa (2007)
94. Diplomacia brasileira: novas variações críticas (2010)
95. Ahmadinejad no Brasil: um equívoco (2009)
96. O Brasil e a nuclearização do Irã (2010)
97. O Mercosul, a Venezuela e a cláusula democrática (2009)
98. Asilo diplomático: o caso do senador Roger Pinto (2013)


PARTE V
Personalidades
Personagens
99. Gerson Moura (1939-1992): In Memoriam (1992)
100. José Guilherme Merquior: diplomacia da inteligência (2001)
101. Sérgio Vieira de Mello: uma vida na construção da paz (2003)
102. Em louvor de Aristides de Souza Mendes (1885-1954) (2004)
103. Homenagem a Celso Furtado (1920-2004) (2005)
104. Gilberto Dupas: uma homenagem (2009)
105. Com coragem, Mandela fez o impossível (2013)
106. De Klerk: um herói da retirada (2014)
107. Octavio Paz: a democracia no mundo ibero-americano (2014)
108. Sergio Paulo Rouanet e a questão da democracia (2014)
109. Shimon Peres (1923-2016): um estadista diplomata (2016)
110. Rubens Ricupero: saudação ao professor emérito (2016)
111. Koffi Annan e as Nações Unidas (2001)
112. Antonio Guterres na ONU (2017)

Posfácio: Paulo Roberto de Almeida
Biobibliografia do autor 
Índice onomástico
==============

“Há quase quarenta anos tenho o privilégio de conviver e conversar com Celso Lafer sobre alguns dos temas sobre os quais escreve. Conhecia praticamente todos os textos aqui publicados. Sobre alguns, trocamos ideias antes de sua versão final. Ainda assim, a leitura dos artigos me surpreendeu. Em primeiro lugar, pelo volume. Mais de uma centena de textos, de formatos diversos, que foram apresentados em periódicos, conferências, depoimentos no Congresso e em jornais. Há ensaios acadêmicos mais longos, com vocação analítica e, de outro lado, textos curtos, jornalísticos, em cima de questões candentes e polêmicas. Estavam dispersos, publicados em veículos diversos, alguns de difícil acesso. Daí ser tão oportuna e bem-vinda a sua republicação.”

Do prefácio do embaixador Gelson Fonseca Jr., diretor do Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD-Funag).


“A trajetória intelectual de Celso Lafer se confunde com a própria evolução dos estudos e da prática das relações exteriores do Brasil no último meio século, mas estes dois volumes reproduzem apenas uma pequena parte de sua gigantesca produção acadêmica, profissional ou jornalística... (...) Estes textos reproduzem meio século de ideias, reflexões, pesquisas, andanças e um exercício direto de responsabilidades à frente da diplomacia brasileira, em duas ocasiões, e, através dela, de algumas funções relevantes na diplomacia mundial, como a presidência do Conselho da OMC, assim como em outras instâncias da política global. Celso Lafer esteve à frente de decisões relevantes em alguns foros decisivos para as relações exteriores do Brasil, na integração regional, no comércio mundial, nos novos temas do multilateralismo contemporâneo.Esta obra, construída ao longo de alguns meses de garimpo documental e de lapidação formal, a partir de um aluvião torrencial de pepitas preciosas que vinham sendo carregadas pelo fluxo heteróclito de publicações no decorrer de várias décadas, apresenta, finalmente, o que se espera seja uma obra de referência e uma contribuição essencial ao conhecimento da diplomacia brasileira e da vida intelectual em nosso país, a partir dos anos 1960 até aqui.”

Do posfácio do embaixador Paulo Roberto de Almeida, diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI-Funag).