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segunda-feira, 31 de março de 2014

1964: Esquerda tinha ditaduras como modelo - Marco Antonio Villa (OESP)

Esquerda tinha ditaduras como modelo

O Estado de S.Paulo, 28 de março de 2014
Marco Antonio Villa

Durante a ditadura, a oposição de esquerda transformou a experiência dos países socialistas em referência de democracia. A ditadura do proletariado foi exaltada como o ápice da liberdade humana e serviu como contraponto ao regime militar. A falácia tinha uma longa história. Desde os anos 1930 brasileiros escreveram libelos em defesa do sistema que libertava o homem da opressão capitalista.
Tudo começou com URSS, Um Novo Mundo, de Caio Prado Júnior, publicado em 1934, resultado de uma viagem de dois meses do autor pela União Soviética. Resolveu escrevê-lo, segundo informa na apresentação, devido ao sucesso das palestras que teria feito em São Paulo descrevendo a viagem. À época já se sabia do massacre de milhões de camponeses (a coletivização forçada do campo, 1929-1933) e a repressão a todas os não bolcheviques.
Prado Júnior justificou a violência, que segundo ele "está nas mãos das classes mais democráticas, a começar pelo proletariado, que delas precisam para destruir a sociedade burguesa e construir a sociedade socialista". A feroz ditadura foi assim retratada: "O regime soviético representa a mais perfeita comunhão de governados e governantes". O autor regressou à União Soviética 27 anos depois. Publicou seu relato com o título O Mundo do Socialismo. Logo de início escreveu que estava "convencido dessa transformação (socialista), e que a humanidade toda marcha para ela".
Em 1960, Caio Prado não poderia ignorar a repressão soviética. A invasão da Hungria e os campos de concentração stalinistas estavam na memória. Mas o historiador exaltava "o que ocorre no terreno da liberdade de expressão do pensamento, oral e escrito", acrescentando: "Nada há nos países capitalistas que mesmo de longe se compare com o que a respeito ocorre na União Soviética". E continua escamoteando a ditadura: "Os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer outro lugar."
Seguindo pelo mesmo caminho está Jorge Amado, Prêmio Stalin da Paz de 1951. Isso mesmo: o tirano que ordenou o massacre de milhões de soviéticos dava seu nome a um prêmio "da paz". Antes de visitar a União Soviética e publicar um livro relatando as maravilhas do socialismo - o que ocorreu em 1951 -, Amado escreveu uma laudatória biografia de Luís Carlos Prestes. A União Soviética foi retratada da seguinte forma: "Pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica".
A partir dos anos 1970, o foco foi saindo da União Soviética e se dirigindo a outros países socialistas. Em parte devido aos diversos rachas na esquerda brasileira. Cada agrupamento foi escolhendo a sua "referência", o país-modelo. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) optou pela Albânia. O país mais atrasado da Europa virou a meca dos antigos maoistas, como pode ser visto no livro O Socialismo na Albânia, de Jaime Sautchuk. O jornalista visitou o país e não viu nenhuma repressão. Apresentou um retrato róseo. Ao visitar um apartamento escolhido pelo governo, notou que não havia gás de cozinha. O fogão funcionava graças à lenha ou ao carvão. Isso foi registrado como algo absolutamente natural.
O culto da personalidade de Enver Hoxha, o tirano albanês, segundo Sautchuk, não era incentivado pelo governo. Era de forma natural que a divinização do líder começava nos jardins de infância onde era chamado de "titio Enver". As condenações à morte de dirigentes que se opuseram ao ditador foram justificadas por razões de Estado. Assim como a censura à imprensa.
Com o desgaste dos modelos soviético, chinês e albanês, Cuba passou a ocupar o lugar. Teve papel central neste processo o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que visitou o país em 1977. Quando perguntado sobre os presos políticos, o ditador Fidel Castro respondeu que "deve haver uns 2 mil ou 3 mil". Tudo isso foi dito naturalmente - e aceito pelo entrevistador.
Um dos piores momentos do livro é quando Morais perguntou para um jornalista se em Cuba existia liberdade de imprensa. A resposta foi uma gargalhada: "Claro que não. Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês". Outro jornalista completou: "Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter". O silêncio de Morais, para o leitor, é sinal de concordância. O pior é que vivíamos sob o tacão da censura.
O mais estranho é que essa literatura era consumida como um instrumento de combate do regime militar. Causa perplexidade como os valores democráticos resistiram aos golpes do poder (a direita) e de seus opositores (a esquerda).
HISTORIADOR, É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE 'DITADURA À BRASILEIRA. 1964-1985. A DEMOCRACIA GOLPEADA À ESQUERDA E À DIREITA' (LEYA). 

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Consenso de Havana: dirigentes latino-americanos defendem as ditaduras cubana e chavista - Ibsen Martinez

Algo que eu já havia dito aqui: os venezuelanos estão vergonhosamente sós, desesperadamente entregues a si mesmos. O que acontece hoje no continente é uma indignidade, um pecado moral, uma falência do pensamento.
Paulo Roberto de Almeida

Ibsen Martínez
El País, 23/02/2014

O consenso de Havana pede que as nações da região possam coexistir com um governo sistematicamente violador de direitos humanos como, com muitas provas, é o atual regime venezuelano.

Durante os anos 90, cristalizou-se no mundo dos organismos multilaterais o chamado “consenso de Washington”: um decálogo de recomendações aos países em dificuldades econômicas que condicionava o auxílio financeiro do FMI, as contribuições do Banco Mundial e as provisões da Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos.
Essas recomendações, que os críticos do sistema financeiro multilateral chamaram de “receitas do Fundo” [monetário], eram um conjunto de políticas econômicas configuradas em um “pacote” padrão de reformas específicas para os países em apuros.
A fala é atribuída ao economista inglês John Williamson, que cunhou o termo em 1989, provavelmente sem imaginar que, em breve, suas palavras tecnocratas receberiam em todo o planeta um segundo sentido, mais político; um sentido mais abertamente pejorativo, contestador e denunciador de toda orientação governamental que promove a economia de mercado.
Denunciar o consenso de Washington se converteu em palavra de ordem dos que se opõem (e ainda são contra) uma besta negra batizada como neoliberalismo. E quem defendesse tais reformas (disciplina fiscal, flexibilização do mercado de trabalho, eliminação de barreiras protecionistas, suspensão do financiamento monetário dos déficits, autonomia dos bancos centrais etc) era tido como fundamentalistas de mercado.
2.-
Se tenho tudo isso do consenso de Washington presente é porque, no trecho da história política venezuelana entre 1989 e, digamos, 1992, em mais de uma ocasião escrevi, com toda a ironia cruel com a qual era capaz, contra aqueles que, em nosso país, avançaram, aos trancos e barrancos, com essas reformas.
Foram, sem dúvida, tempos paradoxais, como têm sido todo o tempo na nossa América. Um paradoxo, e não menos importante, consistiu precisamente que fossem líderes históricos de populismos coletivistas de centro-esquerda, os partidos nacionalistas e estatistas de maior ascendência no continente quem deram início, com resultados diferentes, às reformas implícitas no consenso de Washington.
Víctor Paz Estenssoro, por exemplo, fundador do boliviano Movimento Nacionalista Revolucionário, que foi quatro vezes presidente do país e autor da nacionalização de toda a mineração nos anos 50, adotou em 1985 o programa neoliberal contra o qual tinha feito feroz campanha e seguiu com ele, mesmo que às custas da demissão de mais de 35.000 mineiros da empresa estatal de estanho. Porém, com a adoção das receitas propostas pelo economista Milton Friedman, conseguiu abater a hiperinflação mais descomunal registrada desde os tempos da Alemanha nos anos 20 e deixou a economia boliviana em algo muito mais saudável.
Foi talvez seguindo o exemplo de Paz Estenssoro que o outrora populista Carlos Andrés Pérez testou, em seu segundo governo, seguir o seu exemplo com os resultados que conhecemos. Eles não foram os únicos políticos latino-americanos com raízes populistas que abraçaram, cada qual ao seu modo, o consenso de Washington: o mutável e camaleônico peronismo argentino nos deu nada menos que o mais ruborizado dos neoliberais sul-americanos: Carlos Saul Menem.
O outro paradoxo, que dá pretexto para esta filigrana dominical, tem a ver com o advento da democracia em escala continental que, se aceite ou não, era um requisito imprescindível, implícito no consenso de Washington. É fato que, na década de 90, (logo mais fará 25 anos!), a democracia conseguiu se sustentar até o ponto em que, com exceção de Chile e Cuba, todo o continente vivesse em democracias, com segurança imperfeita, mas discutivelmente funcionais.
No entanto, com enigmática regularidade, a cada tomada de posse pacífica de um presidente eleito em eleições livres, invariavelmente tinha um convidado de honra, uma vedete que mobilizava a simpatia dos meios e da opinião pública: o ditador cubano Fidel Castro.
A “coroação” de Carlos Andrés Pérez, em 1989, teve como atração especial um homem que, cinco meses mais tarde, fuzilaria após um julgamento arranjado o general Arnaldo Ochoa.
Tenho para mim que a presença de Fidel Castro nas cerimônias de posse democráticas dos anos 90 tem um oculto sentido ritual para a ressentida tribo latino-americana, ante o indiscutível êxito dos Estados Unidos como sociedade e como nação.
O respeito e a reverência que Cuba dos Castro suscita no ânimo de tantos governantes latino-americanos é um sintoma de que a ciência política, por si só, não sabe ou não pode explicar.
É um dos tópicos do antiamericanismo do nosso continente, desde os tempos de José Enrique Rodó e Rubén Darío, até os de Rubén Blades, são as inúmeras intervenções militares e o inegável apoio de Washington aos golpes de direita ao longo do século 20 em nosso continente. Mas, em se tratando da interferência em assuntos alheios, somente Cuba dos Castro compete com os EUA nesse descarado intervencionismo. Desde as guerrilhas guevaristas dos anos 60, passando pelas guerras da América Central, até o “protetorado” que hoje padece da Venezuela.
A cúpula da CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), realizada em Havana no fim de janeiro, reuniu 29 dos 33 mandatários da região. Somente o presidente do Panamá recusou o convite, indignado com a prisão de um navio norte-coreano que tentou passar pelo canal panamenho com armamento cubano contrabandeado. Ele citou um trecho de uma reportagem publicada pelo jornal espanhol EL PAÍS: “O Governo de Raúl Castro não recebeu críticas diretas de nenhum dos participantes da cúpula pela questão dos direitos humanos na ilha, como aconteceu, por exemplo, em 1999, quando as críticas feitas pelo presidente mexicano Ernesto Zedillo pela situação das liberdades na ilha provocaram o congelamento da relação especial de seu país com Cuba”. O líder panamenho acrescentou que, na declaração final da cúpula, os mandatários vizinhos ignoraram com cruel desembaraço o tema das liberdades cuja defesa a Carta Democrática da OEA os obriga.
O consenso de Havana pede que as nações da região possam coexistir com um governo sistematicamente violador de direitos humanos como, com muitas provas, é o atual regime venezuelano. Nesse momento, sobra todo chamado do tipo “não nos deixem sós!”. Os venezuelanos não devem esperar por nada que venha dos presidentes da região; tudo deve depender de nós mesmos.

Ibsen Martínez é escritor venezuelano.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

China: os companheiros progressistas contra a midia conservadora...

Um exemplo do que os companheiros chamam de "controle social da mídia":
Paulo Roberto de Almeida 

Visa Issue in China Forces Out Times Reporter

BEIJING — A correspondent for The New York Times was forced to leave mainland China on Monday after the authorities declined to issue him a visa for 2013 by year’s end.
Chris Buckley, a 45-year-old Australian who has worked as a correspondent in China since 2000, rejoined The Times in September after working for Reuters. The Times applied for Mr. Buckley to be accredited to replace a correspondent who was reassigned, but the authorities did not act before Dec. 31, despite numerous requests. That forced Mr. Buckley, his partner and their daughter to fly to Hong Kong on Monday.
Normally, requests to transfer visas are processed in a matter of weeks or a couple of months.
The Times is also waiting for its new Beijing bureau chief, Philip P. Pan, to be accredited. Mr. Pan applied in March, but his visa has not been processed.
The visa troubles come amid government pressure on the foreign news media over investigations into the finances of senior Chinese leaders, a delicate subject. Corruption is widely reported in China, but top leaders are considered off limits.
On the day that The Times published a long investigation into the riches of the family of Prime Minister Wen Jiabao, both its English-language Web site and its new Chinese-language site were blocked within China, and they remain so.
In June, the authorities blocked the English-language site of Bloomberg News after it published a detailed investigation into the family riches of China’s new top leader, Xi Jinping. Chinese financial institutions say they have been instructed by officials not to buy Bloomberg’s computer terminals, a lucrative source of income for the company.
The Ministry of Foreign Affairs declined to comment on Mr. Buckley’s forced departure. Ministry officials have not said if they are linking Mr. Buckley’s visa renewal or Mr. Pan’s press accreditation to the newspaper’s coverage of China. In a statement, The Times urged the authorities to process Mr. Buckley’s visa as quickly as possible so that he and his family could return to Beijing.
“I hope the Chinese authorities will issue him a new visa as soon as possible and allow Chris and his family to return to Beijing,” Jill Abramson, the executive editor of The Times, said in the statement. “I also hope that Phil Pan, whose application for journalist credentials has been pending for months, will also be issued a visa to serve as our bureau chief in Beijing.”
The Times has six other accredited correspondents in China, and their visas were renewed for 2013 in a timely manner. David Barboza, the Shanghai bureau chief, who wrote the articles about Mr. Wen’s family, was among those whose visas were renewed.

domingo, 4 de novembro de 2012

Cooperacao entre ditaduras nos anos 1970: Brasil-Argentina (OESP)


DIREITOS HUMANOS

ONU registrou ação do País contra refugiados

O Estado de S.Paulo, 4 de novembro de 2012



Em cinco anos, o regime militar expulsou, com ajuda do Itamaraty, mais de mil argentinos, uruguaios e chilenos

No auge da repressão no Cone Sul, o Itamaraty e militares brasileiros devolveram opositores buscados pelos regimes nos países vizinhos, rejeitaram dezenas de pedidos da ONU para dar asilo a famílias ameaçadas e ainda forçaram a entidade a enviar esses refugiados para outros países.

Em cinco anos, o regime brasileiro expulsou mais de mil argentinos, uruguaios e chilenos, sempre com cooperação da diplomacia nacional. As informações fazem parte de centenas de telegramas, relatórios e cartas que estão guardadas nos arquivos da ONU em Genebra e que o Estado consultou com exclusividade. Elas constituem uma evidência de que a Operação Condor atuava, numa ação conjunta dos governos, contra os grupos de esquerda.

No total, 3.300 latino-americanos chegaram ao Brasil entre 1977 e 1982 em busca de asilo político, fugindo da perseguição em seus países. Mas o status de refugiado seria dado a apenas 1.380 e todos, sem exceção, seriam transferidos pela ONU a locais "seguros" a pedido do governo brasileiro. Quase 90% eram argentinos ou uruguaios.

Em vários telegramas trocados entre seus escritórios no Rio, em Buenos Aires e na sede, em Genebra, o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) alerta para a recusa do Itamaraty e do governo brasileiro em aceitar que os opositores permanecessem no País. "O governo continua a recusar dar asilo ou qualquer outro visto de residência permanente a nossos refugiados no Brasil", queixava-se em 25 de junho de 1979 Rolf Jenny, vice- representante regional do Acnur em Buenos Aires.

Pelo direito internacional, devolver a ditaduras pessoas perseguidas é considerado crime contra a humanidade. "O Brasil não aplica na prática a lei de asilo nacional para a esquerda ou não europeus", informava a ONU. Segundo o telegrama de 25 de junho, Jenny confirmava que a entidade operava em "posição extraoficial" no País, por exigência do próprio regime militar brasileiro e num acordo com o Itamaraty. Além do sigilo em suas atividades, outra condição imposta pelo regime era que a ONU "fizesse todo o possível" para dar destino aos refugiados - retirá-los do Brasil.

Em troca, o governo garantiria seis meses para esses refugiados permanecerem na condição de "pessoas em trânsito". Mais do que isso, os documentos revelam que o Itamaraty alertava que não haveria garantias de segurança. Para justificar sua recusa, o governo explicava à ONU que o Brasil "não era mais um país de imigração e que uma integração de refugiados era difícil". O argumento se repete em vários comunicados internos e reuniões entre diplomatas brasileiros e missões da ONU que por anos tentaram convencer o Brasil a mudar de posição.

Invasão. Já em 1984, num encontro entre a ONU e o então diretor do Departamento de Organismos Internacionais do Itamaraty, Marcos Azambuja, o diplomata voltaria a explicar que, diante da "circunstância econômica do País, o aumento do desemprego e o alto número de pessoas já ilegais no Brasil", o governo não considera adequado permitir estadia definitiva de refugiados diante de uma possível invasão".

A ONU não comprou o argumento -nem em 1984 nem na década de 1970. Para fazer desmoronar a explicação dada pelo Itamaraty, a entidade destacava como os portugueses que fugiam de Angola no processo de descolonização eram aceitos como imigrantes no País. "Deve ser notado, entretanto, que nos últimos anos dezenas de milhares de portugueses chegaram e é difícil admitir que não haja a possibilidade para outras poucas centenas de refugiados", alertaria a entidade em um telegrama de 1978.

Se nas salas do Itamaraty os diplomatas tentavam apresentar suas posições, documentos da entidade revelam que, nos bastidores, o Brasil ajudou de forma ativa na perseguição de refugiados de países vizinhos até o fim da década de 1970 e chegou a fechar acordos para ajudar militares argentinos a perseguir opositores ao regime de Buenos Aires que tivessem cruzado a fronteira para o Brasil.

Num telegrama de dia 28 de março de 1979, a ONU conta como dois refugiados argentinos alertaram que haviam sido perseguidos no Brasil ao tentar pedir asilo. Um deles havia reconhecido um dos agentes da inteligência argentina que os seguia. O representante do regime de Buenos Aires era o mesmo que esse militante havia encontrado meses antes numa prisão argentina.

"É óbvio que nossa colônia de refugiados em trânsito no Brasil está mais do que preocupada sobre os eventos", indicou a ONU. No mesmo telegrama, o Acnur relata como foi buscar de forma emergencial a ajuda da embaixada da Holanda no Brasil para aceitar dois argentinos, Horácio de la Paz e Laura de Carli, como refugiados em Amsterdã. Mas o depoimento desses argentinos ia além. Segundo a ONU, eles "foram informados de vários argentinos que foram sequestrados no Brasil e devolvidos a seu país de origem".

Colaboração. Há outro relato de um refugiado argentino colhido pela ONU, mais um sinal da colaboração oferecida pelo Brasil aos militares argentinos. Jaime Ori, membro do conselho superior do Movimento Peronista Montonero, relataria que foi informado na prisão, ainda em seu país, sobre a "colaboração direta das autoridades brasileiras no sequestro de argentinos refugiados em território brasileiro". "Pude ver pastas com documentos e fotos facilitadas por autoridades militares brasileiras aos militares do 2.º Corpo do Exército, em Rosario", contou Ori à ONU.

domingo, 8 de julho de 2012

Uma indisfarcavel inclinacao pelas ditaduras - Sergio Fausto

O titulo acima é meu, e apenas exprime uma constatação, não uma opinião: entre uma democracia liberal e uma ditadura comunista, os companheiros vão inevitavelmente escolher esta última, já que isto faz parte de seu DNA. 
Registro apenas que certos regimes na região, e fora dela, apoiados pelos companheiros, não são de esquerda, ou o são apenas em aparência, tão somente nas exterioridades dos gritos contra o império e na proclamação de supostas metas socialistas.
Na verdade, eles são profundamente fascistas, na forma e no conteúdo.
Cada vez que vejo certo coronel falando, a imagem que me vem à mente, dos filmes e fotos, é a do ditador Benito Mussolini. Igualzinho, até pelos gestos histriônicos e clima de ópera bufa, que vai terminar em desastre.
Alguns daqui gostariam de ser como Stalin: felizmente ainda não existe Gulag, e posso escrever o que penso aqui mesmo. Mas sei que eles gostariam de me intimidar e me calar, o que não vão conseguir fazer.
Paulo Roberto de Almeida 

Democracia na América do Sul: perguntas incômodas



Sergio Fausto
O Estado de S.Paulo, 7 de julho de 2012
Por que a destituição do presidente Fernando Lugo mereceu resposta tão contundente dos países da região, quando agressões, se não à lei, ao menos ao espírito da convivência democrática, foram recebidas com silêncio obsequioso por parte dos que hoje se insurgem contra "o golpe das elites paraguaias"?
Seria o impeachment de Lugo mais grave do que o desrespeito de Hugo Chávez aos resultados do referendo de dezembro de 2007? Esqueceram-se de que no ano seguinte o presidente venezuelano promoveu, por decreto, parte das mudanças rejeitadas pela maioria do eleitorado do país naquela que Chávez considerou "una victoria de mierda" das oposições ao seu governo?
Seria mais grave o rito sumário que marcou a destituição de Lugo do que a aprovação da nova Constituição da Bolívia, em novembro de 2007, num quartel militar cercado por tropas e militantes fiéis a Evo Morales, sem a presença dos parlamentares da oposição? Seria o ato do Congresso paraguaio mais grave do que a decisão tomada por Rafael Correa, no início de seu mandato, permitindo à futura Assembleia Constituinte, onde estava seguro de ter a maioria, dissolver o Parlamento recém-eleito, onde se encontrava em minoria?
Por que tanta presteza em condenar o Paraguai, quando há anos se assiste sem protesto algum à sistemática deformação das instituições democráticas na Venezuela sob o rolo compressor de Chávez, processo replicado em maior ou menor medida na Bolívia e no Equador? O que representa maior ameaça à democracia na região, um episódio confinado às fronteiras nacionais do mais pobre país da América do Sul ou a vocação expansiva da "revolução bolivariana", cujo epicentro é um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo e um líder com recursos e disposição para pisotear o princípio da não intervenção nos assuntos domésticos de outros países?
Para justificar tão surpreendente zelo com a pureza do espírito democrático se elaborou às pressas a teoria de que a destituição de Lugo representaria o ensaio local de uma nova modalidade encontrada pelas elites da região para se livrar de governos nacional-populares. A ideia de que o "neogolpismo" é uma espécie de hidra, com várias cabeças, serve aos interesses maiores de Chávez, Correa e Evo. Presta-se a legitimar o acosso a que submetem os seus adversários internos, tratados como inimigos do povo e lacaios da elite, quando não fantoches do "império" (os Estados Unidos). Nada como inflar ou fabricar ameaças para justificar arbitrariedades. Não foi para se defender dos supostos planos de invasão americana que Chávez armou uma milícia popular sob seu comando direto, com a distribuição de milhares de fuzis, sem que tal aberração merecesse sequer um reparo dos zelosos democratas de hoje?
Também na Argentina se vê a captura do Estado por um grupo político que atribui a si próprio um papel redentor do povo e da nação, confrontando adversários como quem combate inimigos. Comum a todos esses líderes redentores é a utilização do discurso maniqueísta povo versus elite, o que não os impede de ser ou pretender ser, além de heróis do povo, chefes de uma nova elite que se vai erguendo politicamente e enriquecendo financeiramente sob as asas de seus governos.
Há mais do que afinidades políticas na aliança entre esses quatro líderes políticos. Existe entre eles uma ampla zona cinzenta em que se misturam negócios, assistência governamental e financiamento de campanha. Morales financiou o programa "Bolívia Cambia, Evo Cumple" (e sabe-se lá o que mais) com recursos transferidos por Chávez sobre os quais nem este nem aquele prestam contas a ninguém. Em meio à primeira campanha de Cristina Kirchner para a presidência, uma mala com US$ 800 mil em dinheiro vivo foi encontrada em mãos de um empresário próximo ao governo chavista, num avião fretado em que viajavam funcionários de alto escalão da petroleira venezuelana, PDVSA, e da estatal argentina de energia, Enarsa. Cinco anos e três juízes depois, a Justiça argentina ainda não esclareceu o caso.
Que Chávez, Evo, Correia e Cristina se lancem à condenação do Paraguai não é difícil de entender. Mais complicado é compreender a posição do Brasil. Marcamos diferença importante ao não embarcar na canoa das sanções econômicas. Mas patrocinamos a manobra oportunista que permitiu incorporar a Venezuela ao Mercosul na esteira da suspensão do Paraguai.
O Brasil perdeu uma oportunidade para marcar, sem alarde, fisionomia própria em matéria de compromisso com a democracia na região. Bastava não aceitar o ingresso da Venezuela nessas circunstâncias. De pouco vale ter mais da metade do PIB da região se na hora de exercer liderança política nos apequenamos.
Presidentes deixam sua marca na política externa em horas assim. Dilma poderia ter-se diferenciado de seu antecessor, sempre solicito no apoio político aos companheiros da vizinhança. Mas isso suscitaria comparações com Lula e irritaria o PT.
A questão não é só de política externa. Vale ler o artigo assinado pelo secretário-geral do partido, Elói Pietá, publicado no site oficial da legenda logo após o impeachment de Lugo. A chamada do artigo é eloquente: "Mesmo com toda a sua força e grandeza, o Brasil também sofreu as tentações de um golpe do Congresso Nacional contra o Presidente Lula". Sobre o "neogolpismo das elites" o secretário-geral explica: "As elites ricas, onde hoje não controlam o Executivo, voltaram a ter no Parlamento Nacional seu principal ponto de sustentação institucional. Além disso, através da poderosa mídia privada, seu principal guia ideológico e voz junto ao povo, elas continuamente instigam a opinião pública contra os governos populares".
A decisão brasileira de punir o Paraguai para premiar a Venezuela é tributária dessa visão de mundo. Uma é inseparável da outra.
SERGIO FAUSTO, DIRETOR EXECUTIVO DO iFHC; É MEMBRO DO GACINT-USP. E-MAIL: SFAUSTO40@HOTMAIL.COM -

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Bem, agora falta mais um (entre muitos outros, claro...)

Agora que um desses amigos se foi, não se sabe bem para onde, mas isso é o que menos importa agora, falta um outro amigo se mancar, e também tomar a estrada do exílio, antes que seja muito tarde, e antes que mais algumas dezenas, ou centenas de pessoas, também sejam mortas inutilmente.
Que ele vai cair, isso é inevitável.

Mas não seria inevitável que certos serviços diplomáticos fiquem acompanhando a trajetória de declínio até o final. Afinal de contas, dizem que temos direitos humanos entre nossos princípios constitucionais...
Ah, também tem "não interferência nos assuntos internos de outros Estados"...
Sempre é bom lembrar. Ainda bem que observamos tudo isso...

Paulo Roberto de Almeida

domingo, 15 de maio de 2011

China: not too cooperative, on rogue States...

Muita gente pode se perguntar que interesse tem a China em proteger ditaduras e tradicionais violadores dos direitos humanos e proliferadores contumazes.
Talvez sendo uma ditadura ela mesma, ela tenha afinidades eletivas com outras ditaduras.
Em todo caso, cabe uma análise profunda das "razões" da China: ela deve ter algumas...
Paulo Roberto de Almeida

China Delays Report Suggesting North Korea Violated Sanctions
By DAN BILEFSKY
The New York Times, May 14, 2011

China has tried to suppress a report at the United Nations suggesting that North Korea and Iran have been routinely sharing ballistic missile technology, United Nations diplomats said Saturday, expressing concern that Beijing was again working to shield the North.

The report, by a United Nations panel of experts, said prohibited “ballistic missile-related items” were suspected of being transferred between North Korea and Iran in breach of United Nations sanctions against North Korea. It said the transfers were believed to be taking place on regular scheduled flights of Air Koryo and Iran Air, using air cargo hubs that had less stringent security than passenger terminals.

The panel’s findings, first reported by Reuters, said that the technology transfers had “trans-shipment through a neighboring third country.” The report did not specify which, but several United Nations diplomats identified that country as China, North Korea’s neighbor and most important ally.

The report was submitted to Security Council members over the weekend, but had been delayed for days before that after the Chinese expert on the panel refused to sign off on the report.

“The Chinese expert refused to sign the report, under pressure from Beijing, and this raises serious issues about a panel of experts that is supposed to be free from political interference,” said a senior United Nations diplomat, requesting anonymity because he was not authorized to speak on the issue.

The panel is charged with monitoring the North’s compliance with United Nations sanctions, including a ban on trading nuclear and missile technology, an arms embargo and the freezing of assets of several North Korean individuals. Sanctions were imposed on North Korea after it conducted nuclear tests in 2006 and in 2009. North Korea has also conducted a battery of missile tests that have yielded mixed results, and it has come under scrutiny for selling its nuclear and missile technology.

China has in the past tried to block reports on North Korea and Sudan, and earlier this week Russia moved to suppress a deeply critical expert panel report on Iran. Both Russia and China, which are permanent members of the United Nations Security Council, typically cleave to the view that the world body should not impinge upon the sovereignty of member countries.

A version of this article appeared in print on May 15, 2011, on page A8 of the New York edition with the headline: China Delays Report Suggesting North Korea Violated Sanctions

sábado, 10 de julho de 2010

Confraternizando com ditadores: a politica externa lulista

Meus queridos ditadores
Claudio Dantas Sequeira
Isto É - Independente, 10 de julho de 2010

Com raras exceções ao longo da história, a diplomacia brasileira sempre se pautou pela defesa intransigente da democracia e dos direitos humanos. Marcou presença na criação do Estado de Israel, enviou tropas para combater o eixo nazista e investiu em missões de paz, como em Angola, no Timor Leste e no Haiti. Mas recentemente, em nome de interesses econômicos, o governo tem se desviado do rumo seguido por seus antecessores. No poder, Lula já chamou de “amigo e irmão” o general líbio Muammar Kadafi, defendeu o “companheiro” iraniano Mahmoud Ahmadinejad e causou arrepios ao criticar a greve de fome do preso político cubano Orlando Zapata. Na segunda-feira 5, Lula voltou a prestigiar outro ditador. Desta vez foi o presidente da Guiné Equatorial, Teodoro Obiang, que está no cargo há 31 anos. Esse afago aos ditadores é feito em nome do comércio exterior. Como sintetizou o chanceler Celso Amorim, “negócios são negócios”.

Em alguns casos, como o da Líbia, a tese do pragmatismo mercantil tem provado sua eficácia. Desde 2007, a Odebrecht trabalha em duas obras no país de Kadafi, avaliadas em US$ 1,4 bilhão. A Embraer também vendeu para Trípoli dois jatos executivos e as exportações cresceram 280%. Para os críticos da política externa, porém, o retorno de dividendos não compensa o prejuízo à imagem do País como mediador de crises ou às pretensões pelo assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Sem falar da sonhada indicação de Lula para o Prêmio Nobel da Paz. “Visitas a ditadores não ajudam em nada esta eventual aspiração do presidente”, avalia o ex-chanceler Celso Lafer. Segundo ele, o Itamaraty se dobrou ao pragmatismo, abandonando a tradição democrática. “Uma coisa é criar novos laços econômicos com a África e resgatar a importância de uma política africana. Outra é endossar regimes claramente autoritários”, diz Lafer.

Para o ministro Amorim, os ataques não passam de “pregação moralista”. Ele cita como exemplo os Estados Unidos, que têm investido pesado na área de energia da Guiné Equatorial. Com uma produção de 400 mil barris por ano, o país africano é o terceiro produtor de petróleo da África, atrás apenas de Nigéria e Angola. “Não estamos ajudando nem promovendo ditaduras. Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país”, justificou. Durante a visita à Guiné, Lula assinou cinco acordos de cooperação, um deles de isenção de vistos para diplomatas e autoridades e outro de defesa. Mas fez vista grossa para uma denúncia da Anistia Internacional, segundo a qual Obiang prendeu e torturou nove membros do partido opositor União Popular, por suspeitar da participação deles num atentado ao palácio presidencial em 2009. Outra ONG internacional, a Global Witness, também acusou a família de Obiang de se apropriar dos recursos do petróleo e enviar dinheiro para paraísos fiscais, enquanto 60% da população vive na pobreza.

O professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas Oscar Vilhena, que também é membro do Comitê de Direitos Humanos e Política Externa, defende os avanços do governo na defesa internacional dos direitos sociais, mas reconhece que houve um declínio na agenda dos direitos políticos. “A diplomacia de direitos humanos no Brasil não pode ser objeto de escolhas discricionárias do presidente, pois a Constituição assegura esses princípios em seu artigo 4º”, explica. Em oito anos de governo, o presidente Lula recebeu em Brasília 12 ditadores. E retribuiu essas visitas, quase sempre embaladas por abraços, presentes e declarações de apoio. O presidente do Casaquistão, Nursultan Nazarbayev, por exemplo, ganhou do presidente uma camisa da Seleção autografada por Pelé. Lula também causou polêmica ao prestar solidariedade a regimes autoritários, como o do iraniano Mahmoud Ahmadinejad. “Atitudes como essa são ainda mais graves, porque lidam com um problema de maior envergadura, a guerra”, alerta Lafer. O embaixador considera insignificante o alegado benefício comercial que se pode obter com essas alianças. Recentemente, o Brasil também alterou seu voto de condenação à China no âmbito do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Se são as razões comerciais que comandam a agenda diplomática, resta saber por que o Itamaraty, além do carinho na China, se absteve também nas moções críticas a violações na Coreia do Norte, no Sri Lanka e no Sudão. No caso desses ­países, qual é mesmo o business?

quarta-feira, 7 de julho de 2010

O poderoso chefao da diplomacia brasileira...

Ops, como se dizia antigamente: qualquer semelhança é mera coincidência...

Nem o Barão nem o Chefão
Rolf Kuntz *
O Estado de S.Paulo, 7 de julho de 2010

Dom Vito Corleone jamais cursou uma faculdade e nunca foi diplomata, mas sabia falar com economia e precisão. Dava um recado sério quando usava as palavras "só negócio, nada pessoal". Falta essa clareza à diplomacia brasileira, talvez porque a sua percepção dos interesses e valores seja menos clara que a do chefão criado por Mario Puzo. O chanceler Celso Amorim teve uma educação e uma experiência internacional inacessíveis ao velho mafioso, mas seu discurso é muito menos convincente. "Negócios são negócios", disse o ministro à imprensa brasileira, na Guiné Equatorial, para explicar - e justificar - a boa vontade do governo brasileiro em relação ao ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo.

A Guiné Equatorial foi a segunda escala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem à África iniciada no último fim de semana. Foi uma visita de Estado e o presidente africano foi convidado, como era previsível, a retribuí-la. Este convite foi um dos poucos detalhes normais nessa operação diplomática. A maior parte dos outros atos só se explica pela combinação das duas marcas principais da diplomacia petista, a vocação para as trapalhadas e a atração pelo autoritarismo.

O mau uso da palavra "negócio" nas explicações do chanceler brasileiro reflete essa dupla característica da atual política exterior. Para começar, o governo brasileiro pagou certamente mais que o necessário para promover os interesses do País na relação com a Guiné Equatorial. Quase nulo até o ano 2000, o comércio bilateral chegou a US$ 414,22 milhões em 2008 e no ano seguinte, em consequência da crise, recuou para US$ 302,84 milhões. A Guiné tem sido superavitária, exportando hidrocarbonetos e importando alimentos e produtos industriais do Brasil. Só para equilibrar o intercâmbio, os brasileiros deveriam exportar uns US$ 200 milhões a mais.

Há, portanto, boa margem para expansão das trocas. Um bom trabalho de promoção de comércio e investimentos poderia facilitar o aumento dos negócios. Mas o governo brasileiro aceitou pagar um sobrepreço por esse resultado. Comprometeu-se a apoiar o ingresso da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, embora esse idioma não seja o seu idioma corrente. Além disso, o presidente Lula e seu colega Obiang "renovaram", na declaração conjunta, "sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito dos direitos humanos e ao Estado de Direito". Poderia ser uma boa piada, se o presidente Lula não envolvesse nessa jogada o nome do Brasil.

Não houve nesse lance nem a fidelidade a princípios, nem o cálculo estritamente realista. As melhores tradições da diplomacia brasileira foram abandonadas em 2003, quando o presidente Lula recauchutou a velha bandeira do terceiro-mundismo. O distanciamento aumentou quando o governo passou a usar essa bandeira para promover uma ambição irrealista de liderança em relação aos países em desenvolvimento.

Os preços pagos por uma liderança nunca reconhecida de fato fora das fronteiras do Brasil foram sempre muito altos. O governo brasileiro se dispôs a engolir e a justificar desaforos dos parceiros sul-americanos, como se isso bastasse para consolidar sua preeminência regional. Nunca deu certo.

No comércio, a retribuição veio na forma de barreiras contra produtos brasileiros e de aumento de importações da China. No campo dos investimentos, houve ações contra interesses da Petrobrás e tentativas de rompimento de contratos. Na articulação diplomática, o Brasil colecionou derrotas incomuns. Não obteve apoio para eleger candidatos à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) nem à presidência do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID). No caso da OMC, os africanos apresentaram candidato próprio e acabaram, na rodada final, apoiando o nome apresentado pelos europeus.

Na América Latina, os governos das maiores economias têm rejeitado a pretensão brasileira de ocupar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Quando o presidente Lula resolveu intrometer-se nas discussões sobre o programa nuclear do Irã, ficou falando quase sozinho. Os dois Brics com assento permanente no Conselho de Segurança, Rússia e China, apoiaram as sanções propostas por americanos e europeus.

O Barão do Rio Branco certamente não reconheceria princípios nem interesses nacionais nesse arremedo de estratégia diplomática. Dom Vito Corleone acharia estranhíssimo o uso da palavra "negócio". Mas gente como Teodoro Obiang Nguema Mbasogo deve gostar muito.

* Jornalista.

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Bom negócio para o ditador
Editorial
O Estado de S.Paulo, 7 de julho de 2010

"Negócios são negócios", disse o chanceler Celso Amorim para justificar a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao ditador Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, presidente da Guiné Equatorial há 31 anos. Esse longo período, iniciado com um golpe contra seu tio, Francisco Macías Nguema, foi para ele uma fase de grande prosperidade pessoal ? de excelentes negócios, portanto. Tornou-se o oitavo governante mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, graças a métodos não recomendados pelas escolas de administração: violência contra os opositores ? incluindo o assassínio ?, corrupção e estrito controle da vida política de seu país.

O presidente Lula incluiu nos negócios com seu novo amigo o apoio à inclusão da Guiné Equatorial na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). O comunicado conjunto emitido no final da visita menciona a satisfação do presidente Obiang por esse apoio. Os países da comunidade nada ganharão com o ingresso desse novo sócio. Mas uma ditadura conhecida por sua violência e pela corrupção ganhará mais um foro para se manifestar e mais espaço na cena internacional,

Não se fala português na Guiné Equatorial, mas a diplomacia brasileira não se deixou impressionar por esse detalhe. Apesar de tudo, a língua portuguesa é um dos idiomas oficiais do país, por ato assinado em 2007 pelo ditador. Os portugueses chegaram à região em 1470. Logo depois apareceram espanhóis e ingleses. O controle ficou para a Espanha entre 1778 e 1968, ano da independência.

A Guiné Equatorial já exporta petróleo para o Brasil e empresários brasileiros poderão participar de seus programas de obras. Essas transações correspondem ao sentido mais comum da palavra negócio. Será necessário muito mais que o interesse material para estimular o comércio e o investimento? Certamente não, mas o presidente brasileiro deve pensar o contrário.

Além de usar a CPLP para facilitar seus "negócios" com o ditador da Guiné Equatorial, o presidente Lula emprestou seu nome a uma declaração com a seguinte preciosidade: "Os dois chefes de Estado reconheceram a importância da democracia para o desenvolvimento e renovaram sua continuada adesão aos princípios da democracia, ao respeito aos direitos humanos, ao Estado de Direito e à boa governabilidade política e econômica no marco da formulação de suas políticas nacionais de desenvolvimento." Também isso é parte dos negócios?

Nenhum jornalista pôde formular essa ou qualquer outra pergunta quando foi apresentado o comunicado conjunto. Lula e seu novo amigo, sentados lado a lado, ouviram um funcionário africano ler a declaração. Repórteres apenas assistiram à cerimônia, mas puderam conversar com o chanceler brasileiro, "Não estamos ajudando nem promovendo ditadura", disse o ministro, classificando como "pregação moralista" as críticas à aproximação com o ditador.

Não é o que os fatos mostram nem o que está no comunicado, no qual o governo brasileiro se dispõe a promover os interesses políticos de uma ditadura e a dar respeitabilidade a um governante conhecido por seu desprezo à democracia. Além de assumir o compromisso em relação à CPLP, convertida em objeto de "negócios", o presidente Lula avalizou uma declaração do ditador Obiang a favor da democracia, do respeito aos direitos humanos e do Estado de Direito.

"Quem resolve o problema de cada país é o povo de cada país", acrescentou o ministro. Também essas palavras os fatos desmentem. Brasília interveio nos assuntos internos de Honduras, abrigando em sua embaixada um ex-presidente introduzido ilegalmente no país e permitindo-lhe atuar na política durante quase cinco meses. Pode-se discutir se a deposição de Zelaya foi ou não um golpe, embora determinada pelo Congresso e pela Corte Suprema. Há justificativas legais para os dois lados. Mas sobre a interferência brasileira não há dúvida. Quanto ao povo hondurenho, elegeu no fim do ano passado um novo governo, que o Itamaraty não reconhece enquanto o presidente deposto não for reintegrado à vida política nacional. Não se vê perspectiva semelhante para o povo da Guiné Equatorial nem para os povos comandados por outros ditadores amigos do presidente Lula.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Diplomacia de Lula, poco de contradicoes - Miriam Leitao

Bota poço nisso...
Na verdade, a razão de tudo isso é muito simples, tão simples que basta ter olhos para olhar e chegar a uma conclusão clara, cristalina. Não é preciso nem dizer do que se trata. Para bom entendedor...

Valores relativos
Miriam Leitão
O Globo, 6 de junho de 2010

O ministro Celso Amorim deu uma resposta padrão para as críticas em relação à visita a Guiné Equatorial dirigida pelo ditador Obiang Mbasogo: disse que ’negócios são negócios’. De fato, são.

Mas a diplomacia sabe também que gestos são gestos. Uma coisa é visitar, outra é acolher na Comunidade de Língua Portuguesa um país que sequer fala o português.

Na espantosamente equivocada diplomacia do governo Lula tudo vive misturado.

Só para lembrar: o Brasil não reconhece o governo de Honduras.

Em maio, condicionou a ida do presidente Lula à reunião da Cúpula União EuropeiaAmerica Latina, na Espanha, a que o governo de Madrid desconvidasse o presidente de Honduras, Porfírio Lobo, alegando o golpe contra Manuel Zelaya. Bom, houve sim um golpe, mas o governo de Lobo foi eleito.

O país tão radicalmente defensor de princípios em Tegucigalpa não faz o mesmo no circuito Havana, Caracas, Teerã; nem parece o mesmo que abona a ditadura corrupta e truculenta da Guiné Equatorial com o argumento de que “negócios são negócios”. O país que não comenta a situação interna do Irã, alegando respeitar o princípio de não interferência em assuntos internos, é o mesmo que compara os presos políticos cubanos a criminosos comuns e que afronta a oposição venezuelana afirmando que na Venezuela tem “democracia demais”.

A diplomacia do governo Lula é um poço de contradições insanáveis. Outro argumento usado pelo ministro das Relações Exteriores é que “o isolamento e a distância só farão com que o país fique mais perto de outros e fique mais longe do que desejamos”.

Esse é o mesmo argumento usado para justificar relações fraternas com Mahmoud Ahmadinejad, sem qualquer pergunta a respeito das abusivas condenações à morte de cidadãos que se manifestaram contra as fraudes nas eleições do ano passado.

Quando foi a Tripoli, o presidente Lula fez declarações sobre uma suposta redemocratização do país que estaria sendo conduzida por Muammar Kadhafi.

Quando convém, o governo Lula usa um dos três argumentos: da frieza comercial, da boa influência brasileira sobre maus governos, ou da não interferência em assuntos internos. Em alguns momentos, faz a defesa ideológica de regimes autoritários como os de Cuba e Venezuela.

Em outros momentos, apresentase como defensor inflexível da democracia, o que ocorreu no caso de Honduras.

Como o governo de Honduras realizou eleições, respeitando o que prometeu, não seria o caso de o ministro Celso Amorim dizer o mesmo que disse sobre Guiné Equatorial, que o país não deve ser isolado, porque a proximidade pode empurrá-lo na direção certa? Será que a diferença é apenas o fato de que Guiné tem promissores campos de petróleo, enquanto Honduras é apenas um pobre país centro-americano? Se for isso, que a diplomacia atual nos poupe dos sermões sobre o golpe contra Zelaya ou da condenação à tentativa de golpe que houve em Caracas em abril de 2002, ou quaisquer outros ataques de principismo seletivo.

O Brasil tem que ter relações comerciais com o maior número de países.

Mas deve evitar gestos que pareçam ser uma aprovação a governos que desrespeitem sistematicamente os direitos humanos e que se perpetuem no poder, como Mbasogo. Deve evitar por dois bons motivos: não são esses os valores brasileiros, e o Brasil tem que se esforçar para construir laços com os países e não com os governos.

Por mais interminável que pareça, um dia acabará o governo Hugo Chávez. As demonstrações recorrentes de apoio ao chavismo não são evidentemente bem vistas pela oposição do país. É preciso manter boas relações com a Venezuela sem abonar um governante histriônico que tem feito um ataque serial às instituições. Da mesma forma, é bom aprofundar relações com Cuba sem que isso signifique apoio do Brasil à ditadura de 51 anos da família Castro.

Esse é o ponto que o governo Lula nunca conseguiu.

Mbasogo é um ditador sanguinário que há 30 anos prende e mata inimigos do seu governo e instaurou um estado policial. Não é o Brasil que vai mudar isso, mas sim os cidadãos do país. Mas o cuidado tem que ser o de visitar o país sem abonar seu governo; prospectar negócios sem demonstrar carinho por um ditador. A boa diplomacia sabe bem como fazer esse equilíbrio. Para isso, existem os gestos. Eles precisam ser calibrados na medida certa para passar a mensagem que se quer passar.

Nos governos autoritários, recomenda-se lembrar de como vários governantes fizeram quando estivemos nós sob ditadura. Programas de visitas ao Brasil de governantes democráticos às vezes continham encontros com outras lideranças da sociedade, inclusive adversários do regime. Um dia, o governo militar acabou e alguns líderes daquela oposição passaram a governar o país.

Ahmadinejad nunca teve bons propósitos com o seu programa nuclear. Defender o direito de o Irã ter um programa pacífico, como o nosso, é totalmente diferente de não ver as contradições entre o que o Irã faz e o que o Irã fala; e de ignorar as razões da preocupação da comunidade internacional em relação ao país.

A diplomacia brasileira já soube defender valores e ser pragmática; abrir mercados e ter distanciamento crítico em relação aos governos.

Hoje, não sabe mais.

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Talvez a razão esteja aqui:

Trecho de entrevista de Luís Inácio Lula da Silva à revista “Playboy”, em julho de 1979:

"Há algumas figuras que eu admiro muito, sem contar o nosso Tiradentes e outros que fizeram muito pela independência do Brasil e pela melhoria das condições do povo (...). Por exemplo, o Hitler, mesmo errado, tinha aquilo que admiro num homem, o fogo de se propor a fazer alguma coisa e tentar fazer (...). Não, não [respondendo ao repórter se admirava Adolf Hitler]. O que eu admiro é a disposição, a força, a dedicação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia dele (...). Khomeini, não conheço muito a coisa sobre o Irã, mas a força que o (xiita) Khomeini mostrou, a determinação de acabar com aquele regime do Xá foi um negócio sério".