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terça-feira, 19 de março de 2024

As democracias são poucas no mundo, e estão diminuindo - Augusto de Franco

 Augusto de Franco fez uma pequena relação das ditaduras ao redor do mundo, uma conta ainda incompleta, cabendo ainda contar os "hesitantes", que acabam se aliando às grandes autocracias. (PRA)


CAINDO NA REAL

Augusto de Franco, 19/03/2024 E ainda tem gente na academia dizendo que as interpretações sobre a quebra ou erosão das democracias eram catastrofistas e estavam erradas. As democracias liberais viraram cerca de três dezenas de ilhas num mundo coalhado de ditadores e populistas (que compõem um eixo autocrático em ascensão). O EIXO AUTOCRÁTICO Ditador Ahmed, da Etiópia Ditador (treocrata) Akhundzada, do Afeganistão Ditador Al Khalifa, do Barém Ditador Aliuev, do Azerbaijão Ditador al-Mashat do Iêmen Ditador Al-Sisi, do Egito Ditador Assad, da Síria Ditador Berdimuhamedow, do Turcomenistão Ditador Bin Salman, da Arábia Saudita Ditador Canel, de Cuba Ditador Chính, do Vietnam Ditador Itno, do Chade Ditador Kim, da Coréia do Norte Ditador Lourenço, de Angola Ditador Lukashenko, de Belarus Ditador Maduro, da Venezuela Ditador Mayardit, do Sudão do Sul Ditador Mbasogo, da Guiné Equatorial Ditador Mirziyoyev, do Uzbequistão Ditador Nahyan, dos Emirados Árabes Unidos Ditador Ndayishimiye, de Burundi Ditador Ortega, da Nicarágua, Ditador Putin, da Rússia Ditador Rahmon, do Tajiquistão Ditador Sen, do Camboja Ditador Sisoulith, do Laos Ditador Tokayev, do Cazaquistão Ditador Touadera, da República Centro-Africana Ditador Xi, da China Ditador (teocrata) Khamanei, do Irã POPULISTAS QUE ESTÃO SE ALINHANDO (OU TENDEM A SE ALINHAR) AO EIXO AUTOCRÁTICO Populista Bukele, de El Salvador Populista Erdogan, da Turquia Populista Lula, do Brasil Populista Modi, da Índia Populista Obrador, do México Populista Orbán, da Hungria Populista Petro, da Colômbia Populista Ramaphosa, da África do Sul Populista Subianto, da Indonésia Populista Xiomara, de Honduras Populistas Arce e Evo, da Bolívia Ainda estão faltando os ditadores e/ou populistas de Essuatíni, de Brunei, da Guiné, da Jordânia, do Kuwait, da Líbia, de Mali, do Marrocos, de Myanmar, de Oman, da Palestina (Faixa de Gaza), do Catar, da Somália, do Sudão, da Tailândia; e da Albânia, da Argélia, de Bangladesh, do Benin, de Burkina Faso, de Camarões, do Congo, de Djibouti, da República Democrática do Congo, de Fiji, do Gabão, da Guatemala, da Guiné Bissau, do Iraque, da Costa do Marfim, do Quirguistão, do Líbano, de Madagascar, da Malásia, da Mauritânia, de Moçambique, da Nigéria, de Papua Nova Guiné, do Paquistão, da Palestina (WB), das Filipinas, de Ruanda, da Sérvia, de Singapura, da Somalilândia, da Tanzânia, do Togo, da Tunísia, de Uganda, de Zanzibar, do Zimbabue.


sábado, 6 de janeiro de 2024

O PT QUER FATURAR COM O 8 DE JANEIRO - Augusto de Franco

 O PT QUER FATURAR COM O 8 DE JANEIRO

Augusto de Franco

6/01/2024

O ato para explorar politicamente o 8 de janeiro de 2023 tem uma clara motivação partidária com objetivos eleitorais. O PT quer faturar com o 8 de janeiro dizendo que só ele pode defender a democracia e que, portanto, deve continuar no poder para evitar que aconteça um golpe semelhante no futuro.

1 - Criar uma narrativa de que houve alguma coisa tão grave como o holocausto em 8 de janeiro de 2023 não concorre para a pacificação da sociedade e a diminuição da polarização. Antes, investe na política como continuação da guerra por outros meios e acirra a polarização.

2 - O governo populista-autoritário de Jair Bolsonaro contribuiu para erodir a democracia brasileira (sem, entretanto, conseguir abolí-la), mas isso não aconteceu em 8 de janeiro e sim ao longo do seu infeliz mandato: ao deslegitimar as instituições mantendo uma retórica golpista, ao aparelhar o governo com militares, ao tentar aliciar as forças armadas e policiais para seus propósitos golpistas, ao se aproximar de milícias e protegê-las da lei, ao querer armar a população para resistir pela força ao Estado democrático de direito quando avaliasse que seus interesses seriam contrariados, ao violar diariamente as regras não-escritas da democracia transformando a política numa guerra contra um suposto inimigo interno (comunista) instalando uma guerra das pessoas de bem contra as pessoas do mal.

3 - O que houve realmente em 8 de janeiro? Houve uma horrível manifestação golpista de vândalos que depredaram propriedades públicas. Em termos simbólicos foi um ataque às instituições do Estado democrático de direito. Mas só em termos simbólicos, porque as instituições não são as suas sedes físicas, seus prédios, seus móveis, seus objetos, sua papelada. Mesmo que os manifestantes ocupassem as sedes dos três poderes e lá ficassem sem ser expulsos, as instituições executivas, judiciárias e parlamentares continuariam funcionando em outros lugares (inclusive virtualmente).

4 - Só teria havido uma ruptura com a ordem democrática se as instituições fossem impedidas de funcionar autonomamente, de qualquer lugar (inclusive no ciberespaço). Ou se suas decisões deixassem de ser acatadas - sobretudo pelas forças armadas e policiais e pelos demais órgãos de controle. Para isso seria preciso que a Constituição e as leis (não os papeis onde estão escritas) fossem rasgadas.

5 - Houve golpe de Estado? Não houve. Houve tentativa de golpe. Mas essa tentativa de golpe não era crível. E não era crível porque não havia, por parte dos manifestantes e de seus orientadores e instigadores, força político-militar para tanto. Se houvesse, teria havido um golpe (bem ou mal-sucedido).

6 - Houve insurreição popular generalizada contra os poderes democráticos? Não houve. A mobilização envolveu não mais do que 4 mil pessoas periféricas, das quais 1/4 acabaram presas sem oferecer resistência. Não houve caos nas cidades, nas zonas rurais, nas estradas, nos portos e aeroportos, nem pane na oferta de água, energia, alimentos e medicamentos.

7 - Por isso o 8 de janeiro foi um ato simbólico, demonstrativo de inconformidade de uma parcela do eleitorado com as instituições da democracia tal como estavam funcionando. Mas foi mais um cosplay do 6 de janeiro de 2021 no Capitólio. Porque em Brasília: os manifestantes estavam desarmados; invadiram sedes dos poderes vazias, num domingo; não agrediram fisicamente nenhuma autoridade; não houve feridos, nem mortos (ao contrário do que ocorreu no original americano); não havia gancho institucional para impedir o chefe de governo eleito de governar: ao contrário do ato americano, em que o presidente Biden ainda não havia sido certificado pelo parlamento, Lula já estava empossado e governando.

8 - Foi crime? Foi. Os responsáveis diretos e indiretos devem ser processados de acordo com a lei (como estão sendo, ao menos a ralé teleguiada).

9 - Foi terrorismo? Não foi. Por qualquer lei vigente em uma democracia, inclusive pela lei brasileira. E por isso as acusações contra os manifestantes nunca incluem terrorismo.

10 - Querer esticar o 8 de janeiro como uma ameaça permanente à democracia brasileira é um truque solerte para manter o PT no poder indefinidamente e evitar que surja uma oposição democrática no Brasil (que passará a ser acusada de golpismo, mesmo que nada tenha a ver com bolsonarismo). Bolsonaro não governa mais e está inelegível. Não há qualquer risco de golpe de Estado por parte dos bolsonaristas. Não há ameaças vindas das forças armadas e policiais. As ruas não estão conflagradas e assim permanecerão por muito tempo. Não há grupos significativos planejando ou executando ações ilegais contra o regime democrático; ou seja, não há ações subversivas da ordem democrática em curso.


quinta-feira, 2 de novembro de 2023

NA GUERRA DA PROPAGANDA NÃO TEM SAÍDA PARA ISRAEL - Augusto de Franco

NA GUERRA DA PROPAGANDA NÃO TEM SAÍDA PARA ISRAEL

Augusto de Franco

1 - Israel está perdendo a guerra da propaganda, uma vez que, ocupando o mesmo território, não há como distinguir os combatentes do Hamas, que são para todos os efeitos civis, dos civis palestinos não combatentes. 

2 - Todo o ataque de Israel será divulgado como ataque contra civis: não há instalações militares identificáveis em Gaza, os jihadistas não usam uniformes, seus bunkers são prédios civis, em geral escondidos em hospitais, escolas, mesquitas e, inclusive, sedes de organizações humanitárias internacionais.

3 - E ainda há os túneis que, como os próprios líderes do Hamas declaram, não foram feitos para proteger a população civil não-combatente de Gaza e sim para esconder os combatentes terroristas, guardar suas armas e os recursos roubados da ajuda humanitária internacional (água potável, combustível, alimentos e medicamentos).

4 - Mesmo com todo apoio das grandes nações democráticas, Israel não pode aguentar semanas ou meses desse tipo de exposição midiática, que apresenta Israel ao mundo como genocida. O show da vítima, repetido diariamente, com a contabilidade macabra das crianças mortas, das gestantes e dos doentes, dos idosos e das pessoas com necessidades especiais cruelmente assassinados, será devastador. 

5 - E não há contabilidade séria dos mortos e feridos anunciados pela propaganda do Hamas. A cada dia se acrescentam automaticamente mais mil civis mortos, dos quais 70% são de criancinhas indefesas. Militantes anti-imperialismo americano e anti-colonialismo europeu, alocados em organizações humanitárias e nas burocracias da ONU, lavam essas informações fraudulentas do Hamas, autorizando a imprensa mundial a repetir os números. Não há nome, sobrenome, fotos individuais dos mortos, não há nada - mas isso não importa.

6 - Ou seja, não tem saída. Não há como virar essa narrativa que vai se tornando hegemônica. Mesmo que os bombardeios israelense sejam paralisados, a divulgação do genocídio cometido por Israel e pelos judeus, não vai parar nas próximas décadas.

7 - Os chefes militares israelenses e a extrema-direita nacionalista no governo Bibi podem não gostar disso, mas deverão ser obrigados a engolir a realidade. Claro que, passada a fase mais crítica do conflito, o atual governo de Israel deve ser deposto pelas forças democráticas da própria sociedade israelense, sua política de ocupação da Cisjordânia deve ser radicalmente modificada e deve ser anunciado um plano para a criação do embrião de um Estado democrático de direito na Palestina.

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A diplomacia do PT: Muito mais do que hipocrisia - Augusto de Franco

 PT, Lula, lulopetistas: a hipérbole da falta de caráter, o pleonasmo da calhordice moral, a redundância do grotesco ético.

MUITO MAIS DO QUE HIPOCRISIA

Augusto de Franco, 24/09/2023

Talvez tenham falado muito baixo ou, quem sabe, eu esteja com problemas de audição, mas não consegui ouvir os protestos das feministas do PT contra o endurecimento da repressão às mulheres no Irã (que agora podem pegar até 10 anos de cadeia se mostrarem os antebraços nus ou usarem roupas apertadas). Aliás, não ouvi dessas feministas nem mesmo uma crítica contundente ao patriarcalismo do Talibã e de outros países islâmicos do Sul Global que perseguem e reprimem suas mulheres.

Também ainda não consegui ouvir os ativistas petistas dos direitos humanos protestando contra o tratamento dado a dissidentes políticos e população LGBTQIA+ em Cuba, na Venezuela, na Nicarágua e na maioria dos países do BRICS: na China, no Irã, nos Emirados Árabes Unidos, na Arábia Saudita, no Egito, na Etiópia.

Aliás, acho que nunca ouvi os defensores petistas da democracia criticarem organizações autocráticas (e terroristas) como o Hamas e o Hezbollah. Nem os defensores da liberdade de crença e da autonomia das etnias protestando contra a perseguição aos islâmicos na Índia e aos uigures na China.

O que será que está acontecendo? Alguém poderia chamar isso de hipocrisia. 

Mas é muito mais do que hipocrisia. É alinhamento. O PT se alinha a qualquer país que não seja uma democracia liberal ou um regime eleitoral não parasitado por populismos (ou seja, que tenha chances de entrar em transição para uma democracia liberal). Esse é o critério básico.

Para ser aliado preferencial do PT, o importante é ser contra o imperalismo norte-americano e o neocolonialismo europeu. Não importa se jogam gays do alto de edifícios, se apedrejam mulheres acusadas de adúlteras, se extirpam o clitóris de jovens, se criminalizam as oposições, se prendem e torturam quem diverge do governo, se proibem a organização de partidos que não sejam capachos do partido oficial, se envenenam ou defenestram opositores, se obrigam as mulheres a esconder a face e o corpo tratando-as como seres inferiores, se fecham e expropriam igrejas e até organizações humanitárias. 

Tá valendo tudo desde que seja contra o grande Satã e seus aliados demoníacos (que vêm a ser nada menos do que as mais bem colocadas democracias do planeta em todos os rankings internacionais). Vale até acusar de nazista - suprema indignidade - a resistência ucraniana à invasão militar do ditador expansionista Vladimir Putin.

Agora pergunto. Dá para admitir que um partido cujos dirigentes e militantes se comportam desse jeito seja democrático? Estou entendendo tudo errado quando ouço os discursos de Lula e as falas do camarada Teixeira e do camarada Marinho e do camarada Pimenta e do camarada Dirceu? Ou, além de surdo, estou quase cego quando não consigo ler direito os posts diários dos militantes petistas nas mídias sociais?


terça-feira, 12 de setembro de 2023

Membros do TPI: informação para os distraídos - Augusto de Franco, The Economist Intelligence Unit

Augusto de Franco: 

Mais de 120 países são signatários do Tribunal Penal Internacional. Todas as democracias plenas (segundo a The Economist Intelligence Unit) são signatárias.

São signatários 123 países. Dentre eles as mais avançadas democracias: Alemanha Austrália Austria Canadá Chile Coreia do Sul Costa Rica Dinamarca Espanha Finlândia França Holanda Irlanda Islândia Japão Luxemburgo Maurício Noruega Nova Zelândia RU Suécia Suíça Taiwan Uruguai

Uma minoria não é signatária. O fato de os EUA (que não é mais democracia plena segundo a EIU) e das grandes autocracias do Bricstão (como China, Índia e Rússia) não serem signatárias, não diminui, só aumenta a credibilidade do Tribunal. Lula quer colocar o Brasil nesse resto.



sábado, 9 de setembro de 2023

Augusto de Franco sobre os crimes e a corrupção petistas

DESMONTANDO 10 NARRATIVAS LULOPETISTAS PARA REESCREVER A HISTÓRIA

Augusto de Franco

9/09/2023

1 - O fato de sempre ter havido corrupção no Brasil não significa que a corrupção sistêmica coordenada pelo PT, com objetivos estratégicos de financiar um esquema de conquista de hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido, tenha sido da mesma natureza do que a corrupção endêmica na política tradicionalmente praticada por representantes eleitos e mandatários nomeados de todos os matizes nos níveis nacional, regional e local.

2 - O fato do lavajatismo ter instrumentalizado politicamente a operação Lava Jato e que essa operação tenha cometido ileglidades ou erros jurídicos processuais, não significa que não houve corrupção nos governos do PT.

3 - O fato de Moro ter sido considerado suspeito em julgamento de Lula que presidiu não significa que todas as ações jurídicas que esse juiz comandou tenham sido ilegais ou ilegítimas (sobretudo aquelas em que houve confissão e devolução de dinheiro roubado por parte dos réus).

4 - O fato de terem sido condenados e presos os principais dirigentes do PT - como Dirceu, Genoíno, Delúbio, Vaccari, Ferreira, Palocci, João Paulo, Bernardo, Lacerda, Vaccarezza, Delcídio, Vargas e Silvinho Land Rover, entre tantos e tantos outros - não significa que houve uma conspiração da direita para destruir o Partido dos Trabalhadores inculpando pessoas inocentes e que o mensalão e o petrolão não tenham existido ou tenham sido uma farsa.

5 - O fato de o impeachment de Dilma poder ser avaliado como jogo duro constitucional não significa que foi golpe de Estado, que Dilma tenha sido absolvida pela justiça dos crimes de responsabilidade que cometeu e que tenha sido vítima de uma armação das elites com o apoio dos Estados Unidos para destruir a indústria nacional.

6 - O fato das condenações de Lula terem sido anuladas por tecnicalidades jurídicas, como erro de fórum ou que seus processos tenham prescrevido em razão da idade avançada do réu, não significa que ele não tenha cometido corrupção e outros crimes ou que tenha sido inocentado pela justiça e por um (imaginário) "tribunal da ONU" por ter sido vítima de um golpe das elites contra o povo com o apoio da CIA.

7 - O fato das provas contra Lula que levaram à sua condenação pelo triplex de Guarujá terem sido frágeis não significa que ele não tenha cometido outros crimes, como as acusações relativas à propinas pagas por empreiteiras amigas supostamente disfarçadas como (falsas) palestras, às reformas do sítio de Atibaia, ao uso gracioso do apartamento contiguo ao seu em São Bernardo, à "doação" do imóvel para a construção do Instituto Lula e tantos e tantos outros delitos (mesmo quando os bens eventualmente envolvidos nesses possíveis delitos não estivessem formalmente em seu nome).

8 - O fato de Bolsonaro ter sido um presidente populista (dito de extrema-direita) muito ruim para a democracia brasileira, não significa que Lula não seja também um populista (dito de esquerda) e que seja bom do ponto de vista da democracia liberal.

9 - O fato de que a remoção eleitoral de Bolsonaro era um imperativo democrático, independentemente de quem calhou de concorrer com ele no segundo turno, não é suficiente para avalizar seu sucessor como um democrata.

10 - O fato de haver uma oposição (bolsonarista) antidemocrática não significa que a situação (lulopetista) seja democrática, que qualquer oposição, inclusive uma oposição democrática, seja neofascista e que a existência de oposição não seja necessária para o bom funcionamento da democracia.

terça-feira, 8 de agosto de 2023

As três ondas de democratização e de autocratização: uma nova abordagem - Augusto de Franco (Dagobah)

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    As três ondas de democratização e de autocratização: uma nova abordagem


    Neste trabalho refaço os períodos das ondas de democratização e de autocratização, originalmente sugeridas por Samuel P. Huntington (1991) em Democracy’s Third Wave (Journal of Democracy Vol.2. No.2 Spring 1991) usando a classificação do V-Dem Institute, a partir do mapa dinâmico https://ourworldindata.org/democracy#interactive-charts-on-democracy.

    Usando essas projeções históricas (retroativas) do Our World in Data (Democracy Data Explorer) 1789-2022 com base nos critérios da classificação de Lührmann et al. (2018) (1) e a avaliação dos especialistas do V-Dem, redesenhei os períodos originais de Huntington (2) de sorte a chamar a atenção para o que é fundamental nas democracias: o seu conteúdo (ou a sua “substância”) liberal.

    Preliminarmente advirto para as limitações da presente investigação. A primeira limitação é que todo estudo retroativo é anacrônico: conceitos que fazem sentido hoje podem não fazer (o mesmo sentido) no passado.

    A segunda limitação é que toda classificação é arbitrária: separar os regimes políticos em quatro tipos (democracia liberal, democracia eleitoral, autocracia eleitoral e autocracia fechada), como faz o paperde Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018) – Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes – permite captar fotografias, mas não o filme (3). O importante aqui é ver que democracias (liberais ou eleitorais) se distinguem de autocracias (eleitorais ou fechadas) pelo grau de liberalismo político que apresentam (4). Um regime democrático liberal tem um grau de liberalismo maior do que um regime democrático eleitoral. Um regime é democrático na medida em que observa o princípio liberal da democracia, que implica uma visão negativa do poder político: não propriamente a capacidade do governo de se impor à sociedade, mas a possibilidade da sociedade de controlar o governo.

    A terceira limitação é que estamos falando aqui apenas de regimes (modos políticos de administração do Estado) e não da democracia em geral (a democracia como ideia, a democracia como modo-de-vida), quer dizer, como movimento de desconstituição de autocracia (o que ela é, geneticamente). Ou seja, a periodização de ondas de democratização e autocratização da era moderna não revela que a democracia possa ter surgido antes em vários lugares. Na verdade, ressurgiu no século 17, na Inglaterra, no movimento de resistência do parlamento inglês ao poder despótico de Carlos I. E nos EUA, na luta pela independência da Inglaterra. Movimentos semelhantes, aliás, devem ter surgido em vários lugares durante os dois milênios posteriores ao fim da primeira democracia ateniense (de 322 a.C. a 1670) – ou até antes, quem sabe? – mas que não lograram virar regimes políticos stricto sensu (com um mínimo de estabilidade) (5).

    A ONDA PRÉ-DEMOCRÁTICA QUE DÁ NASCIMENTO A REGIMES ELEITORAIS

    Em geral considera-se que a história da democracia moderna começa com a Inglaterra e a Irlanda que se consolidam como regimes eleitorais em 1790 (os únicos do planeta naquele ano); em 1792 é a vez da França; e, em 1796, dos EUA, da Bélgica e da Holanda. Em 1800 começa uma regressão: voltamos a ter apenas Inglaterra, Irlanda e EUA como regimes eleitorais. Essa situação permanece até 1820. Em 1821 aparece outro regime eleitoral: a Colômbia. Em 1822, o Chile. Em 1823, a Espanha e o Peru. Em 1831, o Brasil. Em 1832, novamente a Bélgica. Em 1833, o Uruguai. Em 1835, a Bolívia. Em 1836, novamente a Espanha. Em 1839, Honduras. Em 1842, o México. Em 1844, a República Dominicana. Em 1848, novamente a Holanda e a França, mas também a Suíça, a Hungria e a Eslováquia. Até que então, em 1849, surge a primeira democracia da era moderna, na Suíça – e já surge como uma democracia liberal. Esses episódios que vão de 1790 a 1848 podem ser enquadrados numa onda pré-democrática, que deu nascimento a regimes eleitorais (muitas vezes de curta duração). Todos esses regimes eram eleitorais, mas não eram democracias pelos critérios adotados pelo V-Dem Institute (6) e, em parte, também por outros dois reconhecidos institutos que monitoram os regimes políticos no mundo: a The Economist Intelligence Unit (7) e a Freedom House (8). Eram, a rigor, autocracias eleitorais.

    Parece claro que não se pode classificar regimes do passado exatamente com os critérios de hoje, mas – admitida essa licença teórica para efeitos mais descritivos do que analíticos – isso é preferível a confundir regimes eleitorais com democracias, sobretudo porquanto os regimes autocráticos mais numerosos do planeta hoje são eleitorais.

    Na verdade a história da democracia na era moderna e, portanto, a primeira onda de democratização, começa em 1849, com a democracia liberal da Suíça (quando ainda não havia nenhuma outra democracia no mundo, nem mesmo alguma democracia eleitoral).

    A tabela abaixo resume a periodização que será descrita na sequência.

    PRIMEIRA ONDA DE DEMOCRATIZAÇÃO

    1849-1921

    É a onda de renascimento (ou segunda invenção) da democracia como modo político representativo de administração do Estado-nação. Essa primeira onda de democratização espalha – em pouco mais de 70 anos – dezesseis democracias pelo mundo: oito liberais – Suíça (em 1849), Austrália (em 1858), Bélgica (em 1897), Dinamarca (em 1902), Noruega (em 1906), Nova Zelândia (em 1913), Holanda (em 1918), Inglaterra (em 1919); e oito eleitorais – França (em 1874), Nova Zelândia (em 1887), Islândia (em 1904), Finlândia (em 1918), Argentina (em 1918), Alemanha (em 1919), Uruguai (em 1920), Estados Unidos (em 1921) e Canadá (em 1921).

    É interessante notar que sete dos regimes democráticos da primeira onda de democratização já surgem como democracias liberais sem terem sido democracias eleitorais (Suíça, Austrália, Bélgica, Dinamarca, Noruega, Holanda e Inglaterra). E que a democracia americana, tão decantada como “a primeira democracia” nas histórias dos regimes políticos modernos, foi (juntamente com o Canadá) o rebento mais tardio da primeira onda.

    1900

    No início do século 20, precisamente no ano de 1900, a Inglaterra e os EUA eram regimes eleitorais, mas não democracias. Tínhamos naquela data três democracias liberais (Suiça, Bélgica e Austrália) e duas democracias eleitorais (França e Nova Zelândia). Tudo isso diante de vinte e dois regimes eleitorais que eram autocráticos (Canadá, EUA, República Dominicana, Honduras, El Salvador, Costa Rica, Equador, Perú, Bolívia, Brasil, Paraguai, Argentina, Chile, Uruguai, Inglaterra e Irlanda, Noruega, Holanda, Eslováquia, Hungria, Itália e Grécia).

    PRIMEIRA ONDA DE AUTOCRATIZAÇÃO

    1922-1944

    Depois da primeira onda de democratização da era moderna (1849-1921), ocorre a primeira onda reversa, de autocratização, que assola o mundo. É a onda totalitarista. Ela vai, segundo a periodização aqui proposta, de 1922 a 1944, com o surgimento dos totalitarismos: fascismo e nazismo (que vão até 1945) e stalinismo (que se prolonga até 1953).

    1922

    A situação do mundo no início dessa onda (em 1922) era a seguinte:

    Não havia nenhuma democracia liberal nas Américas, somente três democracias eleitorais (o Canadá, os EUA e a Argentina). Todo os demais países eram autocracias eleitorais ou autocracias fechadas.

    Não havia nenhuma democracia (liberal ou eleitoral) na África (que era composta por autocracias fechadas, com exceção da Libéria e da África do Sul, que eram autocracias eleitorais).

    Na Ásia (incluindo Oriente Médio – sem a Turquia) não havia nenhuma democracia (liberal ou eleitoral). A região era composta totalmente por autocracias fechadas.

    Na Oceania, uma honrosa exceção: Austrália e Nova Zelândia já eram democracias liberais.

    Na Europa havia apenas sete democracias liberais (Islândia, Dinamarca, Suécia, Suíça, Reino Unido, Bélgica e Holanda). E onze democracias eleitorais (a Finlândia, a Noruega, a Irlanda, a França, a Alemanha, a Áustria, a República Checa, a Eslováquia, a Polônia, a Lituânia e a Estônia). Mas, também oito autocracias fechadas (a Espanha, a Romênia, a Bósnia, a Eslovênia, a Bulgária, a Macedônia do Norte, a Sérvia e Malta) e sete autocracias eleitorais (a Itália, Portugal, a Grécia, a Eslovênia, a Hungria, a Albânia e a Turquia).

    Nos anos seguintes a situação iria piorar muito para a democracia.

    A DÉCADA DE TREVAS: 1934-1944

    Stalin chega ao poder em 1927 (e fica até 1953). Cabe registrar que a Rússia, uma autocracia fechada (czarista) passa a ser, pontualmente, uma autocracia eleitoral em 1917 (ano da revolução bolchevique) e logo volta a ser, no ano seguinte (1918), uma autocracia fechada (assim permanecendo até 1990). Entre 1936 a 1938 ocorre, sob o comando stalinista, o grande expurgo na União Soviética, talvez o evento, até então, mais tenebroso da história promovido por um regime político na ausência de guerra em um só país (com o extermínio policial-partidário de mais de 1 milhão de pessoas, 1 mil por dia).

    Mussolini chega ao poder em 1922 (ano da sua Marcha sobre Roma) e fica até 1943. Em 1924 a Itália (que nunca antes chegou a ser uma democracia, nem liberal, nem eleitoral) passa ser uma autocracia fechada.

    Hitler chega ao poder em 1933 e fica até 1945. A Alemanha, que era uma democracia eleitoral, passa a ser uma autocracia eleitoral em 1933 e, no ano seguinte (1934), torna-se uma autocracia fechada.

    De 1934 a 1944 temos uma década de trevas instaurada pelos totalitarismos. No final desse período (1944) restam apenas sete democracias liberais no mundo: Islândia, Suécia, Suíça, Reino Unido e Irlanda, Austrália e Nova Zelândia. Pouquíssimas também são as democracias eleitorais: apenas quatro – Canadá, EUA, Uruguai e Finlândia. Na América do Sul e na América Central resta apenas uma democracia. Na Europa, cinco democracias liberais e uma eleitoral. Na África, nenhuma democracia. Na Ásia e Oriente Médio nenhuma democracia. A exceção de sempre é a Oceania, com suas duas democracias liberais (Austrália e Nova Zelândia).

    SEGUNDA ONDA DE DEMOCRATIZAÇÃO

    1945-1961

    A partir do final da Segunda Grande Guerra os regimes políticos no mundo voltam novamente a se democratizar. Foi uma onda curta, se comparada à primeira (1849-1921). Essa onda derrotou o nazifascismo, mas não o totalitarismo (pois o stalinismo remanesceu).

    Em 1946 a Argentina deixa de ser uma autocracia fechada e passa a ser uma autocracia eleitoral, assim como a Itália, a Bulgária, a Turquia, o Afeganistão, a Índia, Bangladesh, o Laos e o Vietnam.

    Em 1947 o mesmo ocorre com o Equador, a Grécia, a Bulgária, a Polônia, a Síria, as Filipinas.

    Em 1948 a Coréia do Sul também passa de autocracia fechada para autocracia eleitoral.

    Até então, entretanto, quase nada ainda de democracias.

    Em 1950 as Américas já têm cinco democracias eleitorais: Canadá, EUA, Costa Rica, Suriname e Uruguai. E nenhuma democracia liberal.

    As democracias liberais se concentrarão então na Europa (Islândia, Irlanda, Reino Unido, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia) e na Oceania (Austrália e Nova Zelândia). Ainda na Europa, a Itália e a Austria passam a ser democracias eleitorais.

    Na Ásia, Sri Lanka para a ser uma democracia eleitoral. Em 1952 a Índia passa a ser uma democracia eleitoral e o Japão uma democracia liberal. Em 1956 a Indonésia passa a ser uma democracia eleitoral.

    Em 1959 o Chile e a Venezuela passam a ser democracias eleitorais. No mesmo ano, com a revolução castrista, Cuba regride para uma autocracia fechada.

    Apesar do processo já iniciado de descolonização, a África continua sem ter nenhuma democracia (eleitoral ou liberal).

    O grande feito dessa segunda onda de democratização foi a conversão das autocracias fechadas do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) à democracias.

    SEGUNDA ONDA DE AUTOCRATIZAÇÃO

    1962-1988

    A segunda onda de autocratização é marcada pela primeira grande guerra fria. Esse estado de guerra, opondo EUA à União Soviética, diz-se que se instalou em 1947 (com um famoso discurso de Harry Truman, atribuindo aos Estados Unidos o papel de liderar a luta contra o avanço do comunismo na Europa e no mundo) e se prorrogou até 1991 (com a bancarrota da URSS), mas teve seu apogeu nos anos 60 a 80 do século 20.

    Eventos relevantes desse período em que o mundo se polarizou em dois blocos foram: a revolução chinesa de 1949; a guerra da Coréia em 1950 e a divisão das duas Coréias em 1953; a criação da Otan em 1949 e do Pacto de Varsóvia em 1955; a revolução cubana em 1959; a ereção do muro de Berlim em 1961; a guerra do Vietnam entre 1959 e 1975; a crise dos mísseis em Cuba em 1962; o surgimento de regimes militares na América Latina e em outras regiões do mundo – na América do Sul esse ciclo, que foi iniciado no Brasil em 1964, disseminou várias ditaduras militares pela região, chegando à Bolívia (1964), à Argentina (1966, e depois 1976), ao Chile e ao Uruguai (1973); por último, a guerra do Afeganistão entre 1979 e 1989.

    Durante o período aqui considerado como o da segunda onda de autocratização (1962-1988) houve importantes lampejos de democratização: os EUA passam a ser uma democracia liberal em 1969 e o Canadá em 1976. Portugal (como consequência da Revolução dos Cravos), vira uma democracia eleitoral em 1976 e liberal no ano seguinte (1977). A Espanha deixa de ser uma autocracia fechada em 1975 e se converte em uma democracia eleitoral em 1978 e liberal em 1983. A Coréia do Sul passa a ser uma democracia eleitoral em 1988. As ditaduras militares se desconsolidam na América do Sul, restando apenas uma ditadura fechada (o Chile). O Uruguai é uma democracia eleitoral (a única das Américas do Sul e Central).

    1962

    No início do período considerado (1962), as Américas têm dez autocracias fechadas (Cuba, Haiti, República Dominicana, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Guiana, Peru, Argentina e Paraguai) e sete autocracias eleitorais (México, El Salvador, Panamá, Colômbia, Equador, Brasil e Bolívia). A situação degeneraria nos anos seguintes, no ciclo dos golpes militares: em 1978, Equador, Perú, Bolívia Chile, Argentina, Uruguai, Panamá, Nicarágua, Honduras, Cuba e Haiti eram autocracias fechadas e México, República Dominicana, Guatemala, El Salvador, Honduras, Colômbia, Guiana, Brasil e Paraguai eram autocracias eleitorais.

    Em 1962, na África, não há nenhuma democracia (eleitoral ou liberal).

    Na Europa, Espanha e Portugal são autocracias fechadas. A Grécia e a Romênia são autocracias eleitorais. Todos os demais países da Europa do Leste são autocracias fechadas.

    Na Ásia, incluindo o Oriente Médio, só há três democracias eleitorais (Israel, Índia e Sri Lanka) e uma democracia liberal (o Japão). A Turquia é uma democracia fechada.

    Austrália e Nova Zelândia continuam sendo democracias liberais.

    1988

    Ao final do período considerado como o da segunda onda de autocratização (1988) ainda existem nas Américas nove autocracias eleitorais: o México, o Haiti, a Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Colômbia, Guiana, Paraguai; e três autocracias fechadas: Cuba, Panamá e Chile.

    A África tem somente duas democracias eleitorais (o Senegal e Botswana) e nenhuma democracia liberal.

    A Europa ocidental é composta por um bloco mais sólido de democracias liberais (Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca, Islândia, Reino Unido, Irlanda, Alemanha ocidental, Áustria, Itália, Grécia, Suiça, Bélgica, Holanda, Espanha e Portugal). Mas a Europa do Leste continua compondo um bloco de autocracias fechadas, ainda sob o domínio da União Soviética (Letônia, Lituânia e Estônia, Polônia, Ucrânia, Eslováquia, Romênia, Moldávia, Bulgária, Sérvia, Bósnia, Macedônia do Norte, Albânia, Eslovênia, República Checa e Hungria).

    Na Ásia e Oriente Médio há apenas uma democracia liberal (o Japão) e duas democracias eleitorais (a Índia e a Coréia do Sul). Filipinas e Papua Nova Guiné são democracias eleitorais.

    Austrália e Nova Zelândia continuam sendo democracias liberais.

    TERCEIRA ONDA DE DEMOCRATIZAÇÃO

    1989-1999

    A terceira (e última, até agora) onda de democratização ocorreu na década mais favorável à democracia da era moderna (1989-1999). Ela começa, simbolicamente, com a queda do Muro de Berlim(em 1989), se consuma com a bancarrota da União Soviética (1991) e a conversão à democracia eleitoral das autocracias fechadas do Leste europeu, da Mongólia e da Rússia (pontualmente).

    A DÉCADA LUMINOSA

    Os anos 90 marcam o fim da guerra fria. Como já escrevi no meu livro mais recente, Como as democracias nascem (2023), “a humanidade teve uma janela aberta, por uma década, para poder respirar, depois da primeira guerra fria mundial. Um vento fresco soprou entre a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética (1989-1991) e o atentado às torres gêmeas do World Trade Center (2001)… [Naquele] interregno no trágico século 20… pudemos experimentar, entre outras coisas, o fim da guerra fria e da política de blocos, a expansão das democracias liberais, a ascensão de um chamado terceiro setor, a World Wide Web, o florescimento da blogosfera, a introdução da noção de capital social como variável sistêmica nas equações do desenvolvimento, o surgimento das teorias dos sistemas dinâmicos complexos adaptativos e a fundação da nova ciência das redes”.

    1992

    O apogeu dessa época foi o ano de 1992. Nas Américas, embora ainda restassem três autocracias fechadas (Cuba, Haiti e Perú) e seis autocracias eleitorais (México, Honduras, El Salvador, República Dominicana, Guiana e Paraguai), havia agora quatro democracias liberais (Canadá, EUA, Costa Rica e Uruguai) e onze democracias eleitorais (Jamaica, Nicarágua, Panamá, Colômbia, Venezuela, Equador, Suriname, Brasil, Bolívia, Chile e Argentina).

    Na África despontam cinco democracias eleitorais (Cabo Verde, Senegal, Benin, Namíbia e Botswana).

    Na Ásia, a Coréia do Sul se mantém como democracia eleitoral e virará uma democracia liberal no ano seguinte (1993). Taiwan, que já havia se convertido em democracia eleitoral em 1999, se prepara para virar uma democracia liberal (o que se consumará no ano 2000). O Japão segue sendo uma democracia liberal. A Índia e Bangladesh são democracias eleitorais, assim como a Mongólia, as Filipinas e Papua Nova Guiné.

    A Rússia vira pontualmente uma democracia eleitoral (apenas por um ano: o de 1992). As maiores transformações ocorrem porém no Leste europeu. Letônia, Lituânia, Belarus, Ucrânia, Moldávia, Romênia, Bulgária e até a Turquia e o Chipre, passam a ser democracias eleitorais. No Oriente Médio, Israel é uma democracia liberal.

    Todos os demais países da Europa – com excessão da Estônia, da Croácia, da Albânia (que são autocracias eleitorais) e da Bósnia e da Macedônia do Norte (autocracias fechadas) – são democracias liberais (Finlândia, Noruega, Dinamarca, Islândia, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, República Checa, Áustria, Alemanha, Suíça, Bélgica, Holanda, Reino Unido, Irlanda, França, Itália, Espanha, Portugal, Grécia). Isso deve ter sido a maior concentração de democracias liberais contíguas (em um mesmo continente) em toda a história.

    Na Oceania, Austrália e Nova Zelândia permanecem como democracias liberais.

    1999

    A democracia continua avançando até o final da década.

    Ao final desse período (1999), nas Américas, restam apenas duas autocracias eleitorais (o Perú e o Haiti) e uma autocracia fechada (Cuba). Todo o restante do continente americano é composto por cinco democracias liberais (Canadá, EUA, Costa Rica, Uruguai e Chile) e por dezesseis democracias eleitorais (México, El Salvador, Guatemala, Honduras, República Dominicana, Jamaica, Panamá, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname, Equador, Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina).

    Na África há novidades. Surgem democracias eleitorais no Mali, em Gana, na Tanzânia, no Malawi e em Madagascar. E brotam, pela primeira vez no continente, duas democracias liberais: a África do Sul e Botswana.

    Na Europa, a Estônia e a Lituânia passam a ser democracias liberais. Mas Rússia, Belarus e Ucrânia decaem para autocracias eleitorais. Em todo continente europeu resta apenas uma democracia fechada (Kosovo).

    Na Ásia também há novidades. Coréia do Sul é uma democracia liberal, assim como o Japão (as duas únicas do continente). Mongólia, Índia, Bangladesh,Taiwan, Filipinas e Papua Nova Guiné, continuam sendo democracias eleitorais, mas surgem dois novos regimes de mesmo tipo: Tailândia e Indonésia.

    Na Oceania, Australia e Nova Zelândia permanecem como democracias liberais.

    O que virá em seguida, porém, é aterrador!

    TERCEIRA ONDA DE AUTOCRATIZAÇÃO

    2000 em diante

    Eis a onda de autocratização sob a qual estamos imersos, alguns avaliam que desde meados dos anos 90, mas na presente periodização a partir do dealbar do século 21. O marco menos inequívoco seria o início da recessão democrática (por volta de 2006), quando o número líquido de democracias, como diagnosticou Larry Diamond (2015) (9), parou de crescer no mundo. É arriscado nomeá-la como a onda da segunda grande guerra fria, mas há indicativos de que tal caracterização possa vir a ser aplicada. Poderia também ser chamada de onda de ascensão dos novos populismos do século 21 como principais adversários da democracia liberal.

    De qualquer modo, são eventos associados à terceira onda de autocratização:

    A subida ao poder na Rússia de Vladimir Putin em 1999-2000.

    A ascensão do jihadismo ofensivo islâmico, o atentado terrorista ao WTC (2001), a guerra contra o terror e o unilateralismo em política externa por parte dos EUA (sob o segundo governo Bush).

    O surgimento do populismo de esquerda na América Latina levando a autocracias eleitorais (Venezuela, Nicarágua) e à regimes eleitorais parasitados por forças políticas não-liberais (Bolívia, Equador, El Salvador, Paraguai, Honduras, Argentina, Peru, México, Brasil).

    A ascensão do populismo-autoritário de extrema-direita (Cinco Estrelas e Lega de Salvini, Le Pen, Brexit, Trump, Bolsonaro e consolidação de autocracias eleitorais de extrema-direita na Hungria, Turquia e Índia).

    O início da formação de um novo eixo autocrático (juntando autocracias fechadas e eleitorais como Cuba, China, Rússia, Irã, Síria, Venezuela, Nicarágua, Hungria, Turquia, Índia) além de regimes eleitorais parasitados por populismos de esquerda e de extrema-direita, com tendência a instaurar uma segunda grande guerra fria.

    A invasão da Ucrânia pela ditadura russa (em 2014 e, mais amplamente, em 2022) e a formação de uma coalizão das democracias liberais para conter o avanço do novo eixo autocrático.

    No momento (2023, em dados de 2022), restaram apenas, segundo a The Economist Intelligence Unit, 24 democracias plenas; segundo o V-Dem, em 179 países: 32 democracias liberais e 58 democracias eleitorais diante de 56 autocracias eleitorais e 33 democracias fechadas como se pode ver na tabela abaixo (10):

    A terceira onda de autocratização está em curso (em 2023) e não se sabe quanto tempo durará, nem quais serão seus efeitos na desconsolidação da democracia.

    O FLORESCIMENTO DOS NOVOS POPULISMOS DO SÉCULO 21

    Um novo populismo de esquerda – guerreiro, de raiz marxista, que usa a democracia eleitoral contra a democracia liberal – surge na América Latina. Esse neopopulismo foi usinado na ditadura cubana, embora o regime cubano não seja populista. Surge, inicialmente, o regime sandinista de primeira geração na Nicarágua revolucionária (com Daniel Ortega: 1979-1984); depois vêm Venezuela (com Hugo Chávez e Nicolás Maduro: 1999 aos dias atuais), Brasil (com Lula e Dilma: 2003-2016 e Lula novamente a partir de 2023), Bolívia (com Evo Morales e Arce: 2006-2019 e 2020 aos dias atuais), Honduras (com Zelaya e Xiomara: 2006-2009 e a partir de 2022), Nicarágua (com Ortega novamente, de 2007 aos dias atuais), Equador (com Correa e Moreno: 2007-2021), Paraguai (com Lugo: 2008-2012), El Salvador (com Mauricio Funes e Salvador Cerén: 2009-2019), Argentina (com os Kirchners e Fernández: 2003-2015 e 2019 aos dias atuais), México (com Obrador: 2018 aos dias atuais), Colômbia (com Petro: 2022 aos dias atuais), Peru (com Castillo: 2021-2023 e Boluarte: 2023 aos dias atuais).

    Também surge, sobretudo a partir do final da primeira década do século 21, um novo populismo de extrema-direita. Esse populismo-autoritário irrompe, talvez, com a chegada de Vladimir Putin ao poder, na Rússia (1999-2000 aos dias atuais), mas só se expande a partir da ascensão do Movimento 5 Estrelas na Itália (2009-2019) e de Matteo Salvini (2018-2019, seguido pela eleição de Giorgia Meloni: 2022 aos dias atuais); do protagonismo de Marine Le Pen na França (a partir de 2012); do governo de Orbán, na Hungria (2010 aos dias atuais); do governo de Erdogan, na Turquia (2014 aos dias atuais); da ascensão de Narendra Modi, na Índia (2014 aos dias atuais); do Brexit (2016, com consequências nefastas nos nossos dias); do governo de Duda, na Polônia (a partir de 2015); do governo de Duterte, nas Filipinas (2016-2022); da eleição e do governo de Trump, nos Estados Unidos (2016-2021) e do movimento populista de Steve Bannon (2016 aos dias atuais); e da eleição e do governo de Bolsonaro no Brasil (2018-2022).

    Acompanhemos as principais mudanças de regime ocorridas nas duas primeiras décadas do século 21:

    Nas Américas, em 2002 surge a autocracia eleitoral da Venezuela e, em 2007, da Nicarágua. Ainda nas Américas, Honduras passa a ser uma autocracia eleitoral em 2009. Cuba permanece (desde 1959) sendo uma autocracia fechada. E o Haiti (desde 2006) uma autocracia eleitoral. El Salvador e Guatemala passam a ser autocracias eleitorais em 2021.

    Na África, as duas democracias liberais que havia no ano 2000 (África do Sul e Botswana), desapareceram em 2022. No ano 2000 havia na África oito democracias eleitorais (Senegal, Mali, Burkina Faso, Niger, Gana, Benin, Namíbia e Madagascar). Em 2022 havia onze (Senegal, Serra Leoa, Libéria, Gana, Niger, Zâmbia, Malawi, Kenia, Namíbia, Botswana e África do Sul), porém várias delas parasitadas por populismos ou capturadas pelo eixo autocrático, via Rússia ou China.

    Na Europa, em 2010 a Hungria decai de democracia liberal para democracia eleitoral e, em 2018, passa a ser uma autocracia eleitoral. Em 2013 a Turquia, que era já uma democracia eleitoral, passa a ser uma autocracia eleitoral. A Sérvia e a Albânia continuam sendo autocracias eleitorais. A Ucrânia volta a ser uma autocracia eleitoral em 2010 e só vai readquirir seu status democrático (eleitoral) em 2020; mas em fevereiro de 2022, violando o direito internacional e a carta da ONU, as tropas imperiais russas do ditador Vladimir Putin invadem em larga escala o país (em 2014 já haviam se intrometido no território ucraniano, anexado a Criméia e colonizado o Donbass com forças camufladas de separatistas, mas na verdade comandadas por Moscou).

    Na Ásia, as Filipinas passam a ser democracia eleitoral em 2004, mesmo status da Malásia. A Tailândia vira uma autocracia eleitoral em 2006, em seguida oscila e passa a ser uma autocracia fechada em 2017. A Índia e Bangladesh voltam a ser autocracias eleitorais em 2017. O Afeganistão – sob o domínio do Talibã – passa de autocracia eleitoral para autocracia fechada em 2021. Em 2022 restam apenas cinco democracias eleitorais na Ásia: a Mongólia, o Nepal, o Sri Lanka (que já virou ou está a um passo de virar uma autocracia), a Indonésia e o Timor Leste; e três democracias liberais: o Japão, a Coréia do Sul e Taiwan. No Oriente Médio (sem a Turquia), apenas Israel.

    A Oceania continua sendo o ponto fora da curva, com as democracias liberais mais estáveis do planeta (Austrália e Nova Zelândia).

    Em resumo, o quadro é péssimo para a democracia (liberal ou eleitoral) em 2022.

    Entre todos os países grandes do mundo (os quatorze países com mais de 100 milhões de habitantes), segundo o V-Dem Institute, só temos duas democracias liberais (e olhe lá, porque uma delas – os EUA – está sob risco de decair para uma democracia apenas eleitoral, só não tendo se consumado essa queda em virtude da resiliente cultura democrática da sociedade americana, em especial nas costas Leste e Oeste; a outra democracia liberal é o Japão). E temos apenas três democracias eleitorais (a Indonésia, de corte autoritário, o Brasil e o México). Todo o restante é composto por autocracias (fechada, como a China; e eleitorais, como a Índia, o Paquistão, a Nigéria, Bangladesh, Rússia, Etiópia, Filipinas e Egito).

    Segundo a The Economist Intelligence Unit, na lista dos países com mais de 100 milhões de habitantes só temos uma democracia plena (o Japão). Há cinco democracias defeituosas (Índia, EUA, Indonésia, Brasil e Filipinas), quatro regimes híbridos (Paquistão, Nigéria, Bangladesh e México) e quatro regimes autoritários ou ditaduras (China, Rússia, Etiópia e Egito).

    E o que parece pior do que tudo é que, na atual recessão democrática, as menos de sessenta democracias eleitorais que ainda existem, muitas das quais parasitadas por neopopulismos (ditos de esquerda) ou por populismos-autoritários (ditos de extrema-direita), não estão conseguindo se transformar em democracias liberais.

    CONCLUSÃO

    Haverá uma quarta onda de democratização?

    Não se sabe se haverá – e nem, se houver, quando ocorrerá – uma quarta onda de democratização. O que se sabe é que, se não houver, não haverá futuro para a democracia no século 21 e além. Se houver, não se sabe se será parecida com as três ondas anteriores.

    Estamos numa onda de autocratização porque está havendo… autocratização! Ou seja, como escreveram Anna Lührmann e Staffan Lindberg (2019) (11), está havendo democratização em sentido inverso, com recessão democrática (processos de autocratização ocorrendo dentro de democracias), ruptura democrática (democracias virando autocracias) e consolidação autocrática (traços democráticos declinando em situações já autoritárias).

    Para que haja uma nova onda de democratização seria necessário que houvesse autocratização em sentido inverso, quer dizer, recessão autocrática (processos de democratização ocorrendo dentro de autocracias), ruptura autocrática (autocracias virando democracias) e consolidação democrática (traços autocráticos declinando dentro de democracias). Em outras palavras, para usar a classificação de Lührmann-Tannenberg-Lindberg (2018) (12) – embora não se possa esperar que esses processos funcionem tão simetricamente assim – se houver uma onda de democratização, democracias fechadas deveriam passar a ser democracias eleitorais; autocracias fechadas e eleitorais deveriam passar a ser democracias eleitorais e liberais; e democracias eleitorais deveriam virar democracias liberais (13). O conteúdo ou a “substância” liberal do agregado total dos regimes políticos deveria aumentar (14).

    De qualquer modo, seria razoável esperar que, num sentido geral, numa nova onda de democratização, o número de autocracias deveria diminuir (ou que o número de democracias deveria aumentar). É difícil, porém, imaginar que os grandes países do mundo, em sua maioria, vão se democratizar a ponto de seus regimes autocráticos fechados ou eleitorais virarem, nos curto ou médio prazos, democracias liberais (ou até mesmo democracias eleitorais). Quem imagina isso ocorrendo com a China, com a Etiópia ou o Egito? Ou com a Índia, o Paquistão, a Nigéria ou Bangladesh? Mesmo as democracias eleitorais da Indonésia, do Brasil e do México não dão sinais de que passarão a ser democracias liberais (parasitadas que estão, as duas últimas, pelo populismo de esquerda – que é não-liberal). Claro que tudo pode acontecer diante de grandes disrupções, swarmings civis generalizados, catástrofes globais por razões ambientais ou políticas (como uma nova guerra mundial), falência sistêmica do eixo autocrático ora em formação (como ocorreu na terceira onda de democratização com o colapso da União Soviética), mas não há indicativos de que isso ocorrerá, não pelo menos nos curto e médio prazos.

    É possível, porém, que a democracia se estilhace, gerando processos democráticos de modo distribuído em países (sobretudo pequenos) e em não-países: ilhas democráticas na rede, para evocar o romance de Bruce Sterling (1989) (15). Talvez isso – a quarta onda de democratização – corresponda à uma terceira invenção da democracia, mas este já é assunto para outra investigação.

    Notas

    (1) Cf. Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018) – Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes. DOI: <https://doi.org/10.17645/pag.v6i1.1214>.

    (2) Cf. Samuel P. Huntington (1991). Democracy’s Third Wave. Journal of Democracy Vol.2. No.2 Spring 1991. O artigo original pode ser baixado aqui.

    (3) Lührmann et al. op. cit.

    (4) Cf. Franco, Augusto (2019). O debate sobre se pode haver democracia i-liberal. Disponível em https://dagobah.com.br/o-debate-sobre-se-pode-haver-democracia-i-liberal/

    (5) Todo o parágrafo é uma citação de Franco, Augusto (2023). Como as democracias nascem. Casas da Democracia: São Paulo, 2023.

    (6) Cf. Relatório do V-Dem 2023: https://dagobah.com.br/wp-content/uploads/2023/04/V-dem_democracyreport2023_lowres.pdf

    (7) Cf. Relatório da EIU (2022): https://dagobah.com.br/wp-content/uploads/2023/04/EIU-DI-final-version-report.pdf

    (8) Cf. Relatório da Freedom House (2022): https://dagobah.com.br/wp-content/uploads/2023/04/FH-Freedom-in-the-World-2022.pdf

    (9) Larry Diamond (2015). Facing up to the democratic recession. Journal of Democracy Volume 26, Number 1 January 2015 © 2015 National Endowment for Democracy and Johns Hopkins University Press.

    (10) A tabela foi extraída do relatório do V-Dem 2023, op. cit.

    (11) Cf. Lührmann, Anna, Lindberg, Staffan (2019). A third wave of autocratization is here: what is new about it? Democratization, Volume 26, 2019 – Issue 7, de onde foi tirada a figura.

    (12) Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018),op.cit.

    (13) Para além dos nomes usados para designar tipos de regime, na classificação de Lührmann-Tannenberg-Lindberg (2018), op.cit., considera-se aqui que toda democracia é, em alguma medida, liberal (e mais liberal do que iliberal ou não-liberal). Obviamente, um regime democrático liberal tem um grau de liberalismo maior do que um regime democrático (apenas) eleitoral (na classificação do V-Dem). Um regime democrático pleno tem um grau de liberalismo maior do que um regime democrático defeituoso ou do que um regime híbrido (na classificação da The Economist Intelligence Unit). Mesmo em regimes autocráticos, algum grau de liberalismo haverá. Um regime autocrático em que o grau de liberalismo fosse zero ou próximo de zero pressuporia a existência de uma não-sociedade, dado que, em alguma quantidade, haverá pessoas que desobedecem ou resistem ao governo (ainda que a oposição seja proibida e reprimida).

    (14) Numa interessante exploração, Renato Cecchettini (2022) somou os Índices de Democracia Liberal (V-Dem) de cada país ao longo do tempo para observar a variação do estoque total de democracia liberal no mundo. O estudo está disponível no Tableau Public. Os gráficos gerados são reveladores:

    Sobrepondo o primeiro mapa acima à periodização proposta no presente artigo, teríamos:

    Note-se que a terceira onda de autocratização se assemelha mais à primeira onda de autocratização, o que deveria nos levar à grandes preocupações.

    (15) Sterling, Bruce (1989). Islands in the Net (traduzido pessimamente no Brasil como Piratas de Dados). São Paulo: Aleph, 1990.