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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Jamil Chade sobre o acordo Mercosul-UE: 25 anos de avanços e recuos (UOL)

Após 25 anos, Mercosul e US fecham a maior parceria comercial do mundo

Jamil Chade

UOL Notícias, 06/12/2024

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/12/06/apos-25-anos-mercosul-e-ue-fecham-maior-parceria-comercial-do-mundo.htm?cmpid=copiaecola

Num processo que durou um quarto de século e atravessou cinco presidentes brasileiros, o Mercosul e a União Europeia finalmente chegaram a um acordo para o estabelecimento da maior parceria comercial e de investimentos do mundo, envolvendo mais de 700 milhões de pessoas. O pacto, porém, terá enormes dificuldades para ser ratificado do lado europeu, diante do protecionismo da França, da resistência de Itália, Holanda e Polônia, e da fragilidade de alguns de seus principais cabos eleitorais, como a Alemanha.


A história geopolítica de um acordo improvável 

Jamil Chade 

UOL, 06/12/2024

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/12/06/mercosul-ue-guerra-trump-e-china-fazem-sair-acordo-antes-impossivel.htm?cmpid=copiaecola

Foram necessárias uma guerra, uma ameaça protecionista, o avanço da extrema direita e um abalo geopolítico gerado pela China para um acordo quase impossível ser transformado em um pacto.

O anúncio do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia apenas aconteceu por conta de eventos extraordinários, fora do controle de ambos os blocos.

Se os europeus, por décadas, se recusaram a aceitar uma abertura mais ousada aos produtos do Mercosul, a guerra na Ucrânia mostrou a vulnerabilidade do abastecimento de alimentos do continente, mesmo sendo um importante produtor.

Também foi fundamental o resultado da eleição nos EUA. Para os europeus, ficou evidenciado o risco do impacto que a vitória de Donald Trump poderia ter ao comércio mundial. O republicano já prometeu aplicar tarifas contra aliados, inclusive europeus, sinalizou para uma nova guerra comercial para privilegiar seus negócios e um protecionismo aguerrido.

Dentro da UE, os negociadores também levaram em consideração o fato de que existe o risco real de que, num futuro próximo, a extrema direita chegue ao poder, com uma agenda nacionalista e que fecharia os espaços para um acordo.

A tudo isso se soma o desembarque da China como a maior potencial comercial do mundo, algo que poucos poderiam imaginar quando a negociações entre o Mercosul e a UE foi lançada. Em Bruxelas, uma das armas para pressionar por um acordo foi alertar aos países do bloco que, sem esse pacto de livre comércio, não haveria como jamais voltar a concorrer contra os produtos chineses.

Diante dessa transformação geopolítica, tanto os sul-americanos como os europeus cederam e aceitaram que pontos antes considerados como "inaceitáveis" pudessem ser acatados.

Grandes eventos mundiais, de fato, são responsáveis por iniciativas que, até então, poderiam ser consideradas como impensáveis. Foi das cinzas de um Holocausto que surgiu uma utopia do tamanho da ONU. Foram de duas guerras destruidoras que deram lugar ao maior projeto de paz dos últimos séculos: a UE, baseada na aliança entre os ex-inimigos franceses e alemães.

Em 2001, o lançamento das negociações para a Rodada Doha, na OMC, foi um produto direto do sentimento de solidariedade que o mundo sentiu depois dos ataques terroristas de 11 de setembro. O projeto jamais seria concluído.


quarta-feira, 6 de novembro de 2024

Vitória de Trump é recado para todas as democracias do mundo - Jamil Chade (UOL)

Vitória de Trump é recado para todas as democracias do mundo

Jamil Chade

UOL, 6/11/2024

Ele mentiu, ofendeu, cometeu crimes e foi condenado. E, mesmo assim, foi eleito presidente da maior economia do mundo e uma potência nuclear. A vitória de Donald Trump nas eleições americanas deve ser ouvida, estudada e examinada por democracias de todo o mundo para entender como o sistema político que abandonou suas bases e uma parcela da população está sendo manipulado para permitir a chegada ao poder de movimentos com pouco compromisso com a democracia.

A ideia de que a derrota de Trump em 2020,e a de Jair Bolsonaro em 2022 tinham virado a página da história não é apenas míope como irresponsável.

Hoje, nos EUA, um país constata que sua democracia não conta com mecanismos para protegê-la. E chega ao poder, legitimado pelas urnas e pelo fracasso de outros governos em dar respostas à população, um movimento que não esconde seu viés autoritário.

Do centro do poder mundial, o recado é claro: a democracia está em crise, as instituições estão disfuncionais e a tecnologia hackeou a tomada de decisões.

Mas essa não é a única mensagem que sai da vitória de Trump. Com milhões de votos, seu movimento que abusou da xenofobia e do ódio mobilizou uma parcela significativa da população americana.

Ao longo dos últimos dois meses, percorri comícios e eventos organizados pela extrema direita apenas para constatar que aqueles que estavam ali tinham a impressão de que se sentiam ouvidos. Humilhados por um sistema econômico cruel, eleitores compraram uma mentira. Mas também sinalizaram que não suportam mais serem ignorados.

Enxergam em Trump o anti-herói que supostamente enfrentou as maiores injustiças do sistema e, ainda assim, resistiu. "Lute, lute, lute". Sua frase ao ser baleado ecoava pelos comícios, como um grito da alma de cada um dos relegados do capitalismo.

Percorri também os bairros mais pobres da bilionária cidade de Nova York apenas para constatar a dimensão da pobreza e o colapso da ideia do "sonho americano", uma espécie de mito fundador da atual sociedade nos EUA.

Ao vencer sua primeira eleição, Trump escolheu recuperar um termo da história política americana: "os homens e mulheres esquecidos". Não cumpriu. Mas os democratas, com Joe Biden, tampouco deram uma resposta. Humilhados e diante do fim do "sonho americano", os eleitores sentenciaram nas urnas sua indignação.

A referência aos "esquecidos" havia sido uma iniciativa de Franklin D. Roosevelt que, em 1932, alertou sobre essa camada da população "no fundo da pirâmide econômica". Suas palavras chocaram seu partido, já que reconheceria a existência de um conflito de classe nos EUA. Ele bancou a aposta e insistiu que seu partido deveria se adaptar para atender aos esquecidos. E venceu.

Trump, um bilionário que usou o sistema para dar vantagens à elite americana, recorre a essa população apenas como massa de manobra para chegar ao poder. Mas sinaliza às demais forças políticas americanas e ao mundo que a democracia não sobrevive à desigualdade e à mentira.

Recrutar para defender a democracia exige dar a milhões de pessoas o direito de ter direitos, e instituições capazes de impedir o sequestro do sistema.

Trump venceu. E o mundo que escute o que isso significa.

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/11/06/vitoria-de-trump-e-recado-para-todas-as-democracias-do-mundo.htm?cmpid=copiaecola 

terça-feira, 1 de outubro de 2024

Guerra no Oriente Médio: de local a regional - Jamil Chade (UOL)

 A guerra já é regional

 Um ano depois dos ataques do Hamas contra Israel e da operação devastadora de Benjamin Netanyahu contra Gaza, é impossível - e irresponsável - continuar a nutrir a narrativa de que a diplomacia vem atuando nos bastidores para conter o conflito.

Jamil Chade, colunista do UOL

1/10/2024

O primeiro-ministro de Israel terminou seu discurso na última sexta-feira na sede da ONU, em Nova York, e ordenou um ataque a um grupo inimigo em um outro país. Impossível imaginar que tal operação tenha ocorrido sem uma chancela, ainda que discreta, dos EUA.

Uma vez mais, como tem feito ao longo de meses, o governo norte-americano apelou para que o conflito "não saia do controle" e pediu moderação às partes. Não foi a primeira vez. Há poucos meses, ouvi essa frase aqui nos EUA:

"Até agora, não há um conflito regional mais amplo", afirmou o porta-voz do Pentágono, Pat Ryder.

Mas nos corredores da ONU, essa narrativa é recebida com ironia e até acusações. Diplomatas do mundo árabe alertam que a pressão para se evitar uma escalada do conflito vale para todos. Menos para Israel, que mantém sua ofensiva para redesenhar o mapa do Oriente Médio, enquanto recebe armas e é blindado pelo veto americano no Conselho de Segurança.

Depois de borrar cidades inteiras do mapa e deixar quase 2 milhões de pessoas desalojadas em Gaza, Israel atacou Teerã, Beirute e continuou a lançar mísseis sobre a Síria. A partir do Iêmen, milícias disparam seus foguetes em direção às cidades israelenses, enquanto o Hezbollah e o Hamas mantêm seus ataques, muitas vezes indiscriminados, contra civis.

Há poucos meses, quando Israel atacou o Irã e o regime teocrático ensaiou um resposta com mais de uma centena de mísseis e drones, o governo americano estabeleceu em silêncio uma rede de aliados. Ela incluiu baterias de mísseis instaladas em Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e Israel.

Quatro navios americanos desempenharam um papel central para impedir ataques do Irã, atuando tanto no Mar Vermelho como no Golfo de Aden. Esses mesmos navios passaram pelo Omã, Arábia Saudita e Djibuti.

Em Gaza, os deslocados chegam a 1,8 milhão de palestinos. No Líbano, mais 1 milhão. Depois de fugir de sua própria guerra, 100 mil sírios deixaram o Líbano nos últimos dias, voltando a seu país. Fogem de guerra em guerra.

Como continuar, portanto, a falar que um conflito regional está sendo evitado?

No mundo árabe, o assassinato de Ismail Haniyeh chacoalhou as lógicas de poder. Nesta semana, observadores ainda destacaram como, para o mundo árabe, a morte de Hassan Nasrallah poderia ser comparada à derrota do egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1967.

Não foram apenas americanos e israelenses que comemoraram sua morte. Em certos rincões da Síria, o assassinato foi motivo de festa. Para a resistência síria, o Hezbollah foi chave para garantir a permanência do ditador Bashar Al Assad no poder.

Com um poder militar dos mais sofisticados, com a decisão política de não parar mais nas fronteiras, com o apoio implícito e cínico dos EUA e com o reconhecimento do colapso do sistema internacional, Israel sabe que poucos hoje terão como frear sua ambição.

Ameaçado e acuado, Teerã observa como sua estratégia de criar um eixo de defesa desmonta a olhos nu.

A guerra já não é mais um cálculo apenas de israelenses ou do Hamas. Talvez nunca tenha sido. A guerra não está nas ruas destruídas de Gaza. Nem nas periferias de Beirute. Estamos diante de uma guerra regional, com consequências imprevisíveis.

Leia coluna completa: 

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2024/10/01/a-guerra-ja-e-regional-e-suas-consequencias-sao-imprevisiveis.htm

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Kotscho: Declaração do Lula sobre a Venezuela é pior que nota do PT - UOL

Kotscho: Declaração do Lula sobre a Venezuela é pior que nota do PT

Colaboração para o UOL, em São Paulo, 31/07/2024 05h30

O colunista do UOL Ricardo Kotscho afirmou no UOL News que a declaração do presidente Lula (PT) de que não houve "nada de grave" ou "de assustador" nas eleições da Venezuela é pior do que a nota divulgada por seu partido, o PT.

Essa declaração do Lula, que me desculpe o amigo, mas é pior que a nota do PT. Ele passa o pano como se a Venezuela vivesse em plena democracia. 'Não vai reclamar com o bispo, reclama com a Justiça'. A Justiça de lá está totalmente controlada pelo Maduro.

Ricardo Kotscho, comentarista do UOL News

Ele se a… - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/07/31/kotscho-declaracao-do-lula-sobre-a-venezuela-e-pior-que-nota-do-pt.htm?cmpid=copiaecola


quinta-feira, 18 de julho de 2024

A reforma tributária de Lula - Felipe Salto (UOL)

 A reforma tributária de Lula

Felipe Salto, no UOL, em 15/07/2024 

Luiz Inácio Lula da Silva não entendeu em sua plenitude a reforma tributária que está bancando. Suas consequências estão concentradas no longínquo 2033. A parte que começa logo deve funcionar, a da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), mas, no que se refere ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), construiu-se um monstrengo.

O avanço do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 é o capítulo mais recente da novela da reforma tributária do consumo. O PLP dá início ao processo de regulamentação do novo sistema tributário instalado pela Emenda Constitucional (EC) no.132/2023 para engordar o recheio de exceções desse amargo rocambole.

O texto final da Câmara também é um atentado contra a matemática elementar, porque, a título de compensação para as exceções e especificidades criadas, fabrica uma trava para a alíquota geral do imposto. Não há como evitar a comparação dessa patuscada com a ideia de fixar a taxa de juros real em 12%, conforme texto original da Constituição de 1988 (só modificado pela EC nº 40, 15 anos depois). 

 É uma ideia simples para um problema complexo e totalmente equivocada.

Mais ou menos assim: "se a alíquota é alta, vamos limitá-la". Gênios. Papel aceita tudo, não é mesmo? Ocorre que, se as exceções se avolumam, não há como garantir a mesma arrecadação para todos — estados, municípios e União — sem uma alíquota geral mais alta. Ou, de repente, descobriu-se como resolver um sistema de equação com 50 incógnitas e 3 equações?

Quem sabe tenham descoberto espécie de maná divino ou moto perpétuo, em que o dinheiro cai do céu por meio de, digamos, um "split payment" bem-acabado, diretamente para os Tesouros Estaduais e Municipais.

A propósito, o tal modelo do “split payment” (sistema para arrecadar e, depois, devolver crédito tributário de modo automático) é vendido como a tábua de salvação para as complexidades do novo regime. Que capacidade de plantar jabuticaba sem açúcar! No lugar de nos contentarmos com a original, tão saborosa, optamos pelas sandices.

O efetivo pagamento, quando da realização da operação de compra e venda de um produto, insumo ou serviço, teria o condão de disparar milhares de comandos automáticos, vejam vocês. O objetivo: garantir o cálculo preciso do crédito tributário e devolver dinheiro aos contribuintes intermediários.

Ocorre que lugar algum do mundo possui sistema similar com tal proporção e dimensão. As chances de um piripaque, uma bateção de pinos, logo de saída, é tremendamente alta. Mas é uma questão de fé, caros leitores e leitoras: acreditem, o "split payment" vai garantir a boa arrecadação, o combate à fraude, a devolução de créditos, a redução da carga tributária, o crescimento econômico turbinado e o que mais vocês quiserem.

É só pedir. Entra fácil no texto das regulamentações, feito a isenção geral e irrestrita para a carne, torradeira de dinheiro público sem beneficiar os mais pobres. O dinheiro vai para o bolso do setor, que está sorrindo de orelha a orelha após a vitória na Câmara dos Deputados.

O famigerado algoritmo do Comitê Gestor, uma entidade para todos governar, não é conhecido. Aliás, o Comitê Gestor, estrutura mais poderosa do que qualquer governo de estado ou mesmo a Receita Federal, ficou para depois. Discutiram a ferro e a fogo as exceções, as minúcias dos itens de horticultura, nas exceções, e dos planos de saúde para gato e cachorro, mas o elefante... Ah, este passeia no meio da sala de estar e ninguém toma conhecimento.

O algoritmo do Comitê Gestor é como a roupa nova do imperador: não existe. Vendem para a sociedade que o tecido é feito de fio especial, em tecelagem magnífica, sob os olhares e cuidados dos mais geniais tecelões. Só que não é dado a todos o dom de enxergar a beleza e perfeição das vestes do rei. Na verdade, não tem fio, não tem tecelão, não tem coisa alguma.

O rei está nu.

Quem quer provar o oposto deve apresentar, com clareza, a estrutura, a governança, o funcionamento, as regras, o regulamento, o escopo de atuação etc. do Comitê Gestor. É que não têm ideia de como colocar isso de pé sem acabar com a Federação.

A reforma tributária aprovada pelo Congresso é um tiro no escuro, uma aventura perigosa. Já podíamos ter aprendido que, em democracias consolidadas, as reformas devem ser incrementais. Não se dá cavalo de pau em temas centrais como o tributário.

Estamos jogando tudo fora para reerguer a oitava maravilha do mundo ou um verdadeiro monstrengo tributário, como venho alertando há tempos?

No lugar de aprimorar o regime de créditos e débitos do ICMS e promover mudanças operacionais e legais para garantir a adequada devolução dos créditos acumulados (esses, por sua vez, gerados por hipóteses da legislação, como a não oneração das exportações), avançamos para um mundo obscuro de sistemas malucos que só existem na imaginação fértil dos donos e apoiadores desta reforma.

A CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), sou capaz de vaticinar, não é o problema. Vai funcionar, porque a Receita Federal tem expertise, entende do riscado e não vai deixar a peteca cair. É antiga, afinal de contas, a ideia de unificar as legislações do PIS/PASEP e da COFINS.

O problema está, principalmente, no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços). Como se cria um imposto subnacional, gerenciado por quem não tem voto e comandado por 54 iluminados sem estrutura, sem servidores, sem gente com capacidade para fiscalizar e garantir a saúde financeira do Erário?

A Professora Misabel Derzi falou muito bem, no XII Fórum de Lisboa, há algumas semanas, ao demonstrar que o Comitê Gestor é inconstitucional, porque fere o pacto federativo. Mas isso é mero detalhe para quem segue viajando na maionese do “split payment”, enquanto se aprovam exceções, isenções e puxadinhos para os amigos do rei.

É preciso ter claro: o IBS e a CBS, juntos, deveriam compor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) com alíquota de 26,5%, segundo a Secretaria Especial da Reforma Tributária. Cabe perguntar: se o cálculo era de 26,5%, antes, como pode, agora, continuar sendo o mesmo? Que matemática é essa, caros colegas?

E, se não tem risco de subir, por que a trava? Aliás, o mecanismo da trava (limite máximo para a alíquota do IBS mais CBS) é assim: se se perceber que a alíquota superará os 26,5%, então as isenções e benesses aprovadas nos últimos dias no PLP nº 68/2024 seriam revistas, por meio de uma nova proposta de lei complementar. É uma brincadeira? Não. É a reforma tributária que, para seus idealizadores, é a última bolacha do pacotinho.  A alíquota vai ser muito mais alta, na casa dos 33%, para dar conta de toda essa estrambótica e disparatada reforma tributária.

Apertem os cintos, contribuintes, vocês vão pagar essa conta. E lá vai o monstrengo. Ele é bom de descer ladeira.”


quarta-feira, 19 de junho de 2024

Extrema direita global se articula para minar agenda diplomática mundial (UOL)

 Extrema direita global se articula para minar agenda diplomática mundial

UOL Notícias
19 de junho de 2024

 O ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e o presidente da Argentina, Javier Milei, em conferência conservadora nos EUA Imagem: 24.fev.2024-Handout / Argentina's Presidency Press Office / AFPMovimentos da extrema direita mundiais articulam uma aproximação para minar a agenda diplomática globais, desmontando ou pelo menos enfraquecendo de maneira importante acordos adotados por governos nos últimos anos. O foco é neutralizar a Agenda 2030, um plano de ação capitaneado pela ONU e que tem como meta criar um sistema de desenvolvimento sustentável.


Em 2015, governos de todo o mundo estabeleceram 17 objetivos a serem trabalhados até o ano de 2030, incluindo a erradicação da pobreza extrema, a transformação da produção, a igualdade de gênero, o uso adequado de recursos naturais, a garantia de educação e o fortalecimento dos direitos humanos.

O plano passou a ser o principal eixo dos esforços internacionais de desenvolvimento, na esperança de dar um salto qualitativo inédito para o planeta até o final da década.

Desmontar o pacote, porém, passou a ser uma das principais bandeiras da extrema direita, sob o argumento de que se trata de um "plano globalista" para minar as soberanias nacionais, destruir famílias e permitir a "invasão migratória" que abalaria o mundo cristão.

Nos últimos meses, uma ofensiva de desinformação nesse sentido ganhou força, inclusive fazendo uma relação entre o pacto para acabar com a pobreza e o surgimento da covid-19. Com teorias da conspiração, os difusores da mentira sugerem que a pandemia não existiu e seria apenas um instrumento para que a agenda progressista pudesse ser implementada.

Não faltam ainda postagens que alegam que o fluxo migratório ao Sul da Itália nada mais é que um suposto eixo da Agenda 2030, camuflado de "redução de desigualdade". A meta de educação de qualidade passou a ser acusada pela extrema direita de ser um instrumento para "doutrinar" as crianças, enquanto "igualdade de gênero" foi denunciada como uma suposta forma de promover a "destruição de famílias".

Nos últimos anos, líderes de diferentes partidos de ultradireita começaram a incorporar essa narrativa em seus discursos. Em 2021, por exemplo, num discurso no Parlamento espanhol, a deputada Magdalena Nevada del Campo, do partido Vox, alegou que "o globalismo - ou a Agenda 2030- não apenas não interessa aos patriotas, mas também destrói a soberania das nações". "Trata-se de uma agenda que quer destruir tudo o que dá a um homem sua identidade e destino: a família, a nação e a transcendência", disse.

A Agenda 2030, portanto, estaria baseada em ameaças ameaças falsas ao planeta, incluindo mudanças climáticas.

Desmonte começa a ser implementadoNa semana passada, porém, esse desmonte deixou de ser apenas uma narrativa e passou a ser implementado.

Ao retornar para a Argentina depois de ir aos comícios da extrema direita europeia, em Madri, o presidente Javier Milei apagou de todo seu programa de política externa as referências ao papel do país nos compromissos assumidos em 2015 sobre a Agenda 2030.

Uma circular ainda ordenou que todas as embaixadas e missões argentinas pelo mundo se distanciem de eventos, seminários, debates e negociações que tenham a Agenda 2030 como foco.

A decisão foi tomada depois de pressão feita pela cúpula do Vox, o movimento espanhol herdeiro do franquismo, e foi lamentada pela ONU.

"Na Argentina, as recentes medidas propostas e adotadas correm o risco de prejudicar a proteção dos direitos humanos", disse o alto comissário da ONU para Direitos Humanos, Volker Turk. "Essas medidas incluem cortes nos gastos públicos, que afetam particularmente os mais marginalizados, o fechamento anunciado de instituições estatais dedicadas aos direitos das mulheres e ao acesso à Justiça e uma instrução do Ministério das Relações Exteriores para suspender a participação em todos os eventos no exterior relacionados à Agenda 2030", lamentou.

"Peço às autoridades que coloquem os direitos humanos no centro de suas políticas, para construir uma sociedade mais coesa e inclusiva", pediu.

No início do ano, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, Milei já havia classificado os compromissos sociais como "uma agenda socialista".

Ainda assim, o fato chamou a atenção do Itamaraty e de chancelarias de outros países, que passaram a entender que a conexão entre os movimentos de extrema direita não se limita apenas a subir em palanques de forma a mostrar apoio mútuo. "Começa a existir coordenação e pressão inclusive para que medidas diplomáticas de países governados pelos ultraconservadores sejam modificadas", estima um negociador brasileiro.

A "passagem ao ato" por parte da Argentina ampliou a preocupação por parte do governo brasileiro em relação ao comportamento da extrema direita e sua capacidade de congelar a agenda internacional.

O que ocorreu na Argentina, segundo experientes embaixadores, pode ser apenas o começo de um processo maior. Com a extrema direita no poder em alguns países europeus, com uma influência maior no Parlamento Europeu e a possibilidade de uma vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos, não se descarta que a própria construção da agenda internacional dos últimos anos esteja ameaçada.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a reunião do G7, no final de semana, para conversar com Emmanuel Macron, da França, e Olaf Scholz, da Alemanha, sobre a necessidade de se construir algo mais sólido, numa espécie de "front democrático". Não há ainda um acordo sobre como isso poderia ocorrer. Mas uma das ideias seria uma conferência internacional, no segundo semestre, às margens da Assembleia Geral da ONU.


quarta-feira, 15 de maio de 2024

O Brasil e o G7: postura favorável aos opositores do G7, isto é, as duas grandes autocracias

 Não cabem muitas explicações: a matéria do UOL é bastante explícita. O Brasil de Lula 3 se coloca do lado do Estado agressor da Ucrânia, a Rússia de Putin.

Exigir que sua participação seja condicionada à presença do Estado agressor, quando este já declinou do convite, já é uma tomada de posição em favor do Estado agressor.

A diplomacia do Brasil foi reduzida a força auxiliar do Estado violador da Carta da ONU e do Direito Internacional?

Paulo Roberto de Almeida 

Do UOL, 15/05/2024:

 Em 2023, em sua volta à reunião, Lula criticou abertamente a atitude das potências Ocidentais na guerra na Ucrânia, alertou sobre a desigualdade global e convocou os governos a pensar em uma reforma da ONU e dos organismos financeiros internacionais.

Para 2024, os conflitos armados em Gaza e na Ucrânia estariam no centro do debate, temas em Lula e alguns dos líderes Ocidentais discordam abertamente. Mas, com o objetivo de ver aprovados os seus projetos no G20, negociadores acreditam que a presença de Lula seria importante.

Em 2025, o Brasil será sede da Conferência do Clima da ONU (COP30) e o diálogo com as principais potências será fundamental para o êxito do encontro.

Além do Brasil, serão convidados para o G7 o governo indiano de Narendra Modi, que compartilha com a primeira-ministra ultraconservadora Giorgia Meloni uma certa afinidade em sua agenda ideológica. Países africanos também estão na lista.

Viagem para cúpula sobre Ucrânia também é incertaNa esperança de aproveitar a presença de líderes como Joe Biden, Emmanuel Macron ou Olaf Scholz, o governo da Suíça organizará para os dias seguintes ao G7 uma cúpula para lidar com a guerra na Ucrânia.

Lula também foi convidado. Mas o governo brasileiro insiste que um evento com chefes de estado e de governo apenas pode ocorrer se houver a inclusão de todos, inclusive de russos.

Sem a participação de Moscou, Lula dificilmente aceitará a proposta para fazer parte da iniciativa.

A meta do encontro é a de fechar uma espécie de acordo entre os líderes, na esperança de abrir um canal de negociação para que o conflito seja concluído.

Mas o temor do governo Lula é de que o encontro sirva apenas para chancelar as propostas de Volodymyr Zelensky, que exige a retirada russa do território ucraniano para que as conversas possam ocorrer.

O governo brasileiro vem afirmando ao longo dos meses que um processo de negociação apenas pode fazer sentido se envolver os russos. Mesmo em conversa com Zelensky, Lula alertou que não existe um acordo de paz "unilateral".

Ainda em 2023, o presidente russo Vladimir Putin justificou a interlocutores brasileiros que aceitar a proposta de Zelensky seria equivalente a uma capitulação.”

domingo, 12 de maio de 2024

Brasil: inimigo de si mesmo na politica internacional - Daniel Buarque

 Brasil é pior inimigo do Brasil na busca por liderança internacional

Problemas domésticos prejudicam ascensão na hierarquia global, aponta pesquisa

Folha de S. Paulo - UOL, 11/05/2024

[RESUMO] Autor apresenta conclusões de sua pesquisa de doutorado, em que realizou 94 entrevistas com membros da comunidade de política externa para mapear a imagem internacional do Brasil. Embora aspire a ser um líder global, o país é percebido como um peão no xadrez geopolítico, um ator periférico prestigiado pelas grandes potências só quando convém a elas. Falta de reconhecimento é reflexo de problemas internos do país, aponta estudo.

Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, o Brasil se ofereceu para ser um mediador entre os dois países, tanto com Jair Bolsonaro (PL) quanto sob Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Quando começou o atual governo, a "doutrina Lula" tentou construir a ideia de que "o Brasil voltou" e quis melhorar a sua imagem internacional.

O Brasil começou a buscar protagonismo em questões ambientais, quis retomar uma liderança em temas regionais, procurou grandes acordos comerciais e até buscou conduzir uma votação pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza. Além disso, retomou a aposta no multilateralismo e na busca pela reforma da governança global, reiterando o interesse em um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Lula até encontrou boa vontade internacional, a imagem do país melhorou e ele conseguiu liderar o Conselho de Segurança por um mês e presidir o G20, além de ganhar o direito de sediar a conferência do clima.

No entanto, a maioria das tentativas de ter um papel realmente significativo em questões internacionais importantes, motivadas em ampla medida pela ambição de ser um ator de peso na política global, continua esbarrando na falta de reconhecimento internacional de um alto status do país.

Mesmo com todo o esforço para aumentar o prestígio brasileiro, a percepção das nações mais poderosas do planeta é que o país não é suficientemente relevante para influenciar as grandes questões internacionais. Isso vale especialmente para quando elas envolvem discussões sobre segurança, guerra e paz. Para as grandes potências globais, o Brasil não passa de um peão no xadrez da geopolítica global.

Apesar do trabalho sério desenvolvido pelo Itamaraty ao longo de décadas, o problema não está necessariamente no que o Brasil faz em sua atuação internacional. A falta de reconhecimento para o prestígio é um reflexo, em ampla medida, de problemas internos do país, que precisam ser o foco antes de qualquer tentativa de projeção internacional.

Esses são alguns dos pontos centrais do livro "Brazil’s International Status and Recognition as an Emerging Power: Inconsistencies and Complexities", recém-publicado pela editora Palgrave Macmillan. A obra reúne os principais achados de uma pesquisa desenvolvida durante meu doutorado pelo King's College, de Londres. O estudo analisou a longa aspiração brasileira por alto status internacional em contraste com a percepção externa sobre o papel que o país pode desempenhar no mundo.

Para entender o lugar ocupado pelo Brasil na complexa geopolítica desde o fim da Guerra Fria, a pesquisa se baseou em 94 entrevistas com a comunidade de política externa dos países que já são reconhecidos como potências globais: EUA, China, Rússia, Reino Unido e França —os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.

UM ‘PEÃO COBIÇADO’

As grandes potências veem o Brasil como um país sem peso na política internacional. A percepção é que o Brasil não passa de um país médio que não tem legitimidade para atuar em questões importantes de segurança global.

Uma razão para essa avaliação é geográfica. O Brasil é percebido como periférico e pacífico, localizado em uma região longe das principais ameaças e disputas do mundo, e por isso não precisaria nem deveria se envolver nesses casos.

Outro ponto importante é que o país enfrenta limites em suas capacidades militares e econômicas, portanto não teria poder suficiente para ser preponderante em escala global.

Paradoxalmente, o Brasil é desejado como um aliado por essas mesmas potências, que buscam utilizá-lo como uma peça estratégica em suas rivalidades e seus interesses globais. Apesar de ser visto como um peão, seu apoio é cobiçado dentro do grande jogo da geopolítica.

Isso explica a frustração do Ocidente com a "equidistância" do país em relação à Guerra da Ucrânia e sobre as críticas de Lula a Israel. Ajuda a entender também a mobilização da China para manter o país envolvido nas ações do Brics e na tentativa de fortalecer outras moedas como alternativa ao dólar em negociações internacionais.

Na realpolitik, cada potência está interessada apenas em avançar seus próprios interesses geopolíticos. O Brasil recebe apoio e alguma forma de reconhecimento somente quando isso indica algum benefício para elas.

BRASIL CONTRA BRAZIL

Ser visto como um peão vai contra a histórica ambição de grandeza do país nas relações internacionais. Isso, contudo, ultrapassa as limitações geográficas e de poder econômico e militar. O Brasil é o maior inimigo do Brasil em sua busca por maior status internacional, avaliaram muitos dos entrevistados na pesquisa.

A percepção externa é que, embora o Brasil realmente tenha muito potencial e sua imagem internacional seja geralmente positiva, o país não alcançou um alto status por causa de seus próprios problemas domésticos, que prejudicam seu desenvolvimento e sua ascensão na hierarquia global. Uma situação doméstica —social, econômica e política— de desordem e incerteza mina a influência internacional mais que qualquer atuação no exterior.

Para essas nações poderosas, países com ambição de emergir entre os mais importantes do mundo devem "fazer sua lição de casa" e "arrumar as coisas internamente" antes de serem aceitos no clube de "alto status internacional".

Trata-se de uma visão meritocrática da ordem internacional —e uma interpretação do prestígio global que pode ser criticada—, mas que reflete a forma como a comunidade de política externa das nações mais poderosas pensa sobre a ordem global.

Ao observar o Brasil nas últimas décadas, há fortes evidências da importância da situação doméstica para seu prestígio. A estabilização e o crescimento da economia, a expansão da classe média, o fato de o país ter se tornado autossuficiente na produção de energia, a expansão das commodities e a consolidação da democracia no final dos anos 1990 levaram a uma narrativa sobre o aumento do status internacional do Brasil. Em 2009, a revista britânica The Economist estampava em sua capa a imagem do Cristo Redentor decolando.

Em 2013, contudo, uma série de crises sociais, políticas e econômicas mudou essa situação. Os anos seguintes foram de recessão, escândalos de corrupção, violência e violações de direitos humanos, autoritarismo, negacionismo científico e ameaça à democracia, tornando mais difícil para o Brasil alcançar reconhecimento externo.

Entender a importância do contexto doméstico pode servir como referência para repensar as estratégias do país na construção de um lugar para o Brasil no mundo.

O estudo apresentado aqui indica que focar questões internas (especialmente na economia) e corrigir problemas domésticos são percebidos como os meios mais eficientes para aumentar o status internacional de um país.

Ao buscar destaque em sua atuação internacional, o Brasil deveria dar mais atenção ao que acontece dentro do país, melhorando sua realidade antes de querer se projetar ao mundo.


sábado, 13 de abril de 2024

O petróleo é nosso - Felipe Salto (UOL)

Felipe Salto

O petróleo é nosso

Felipe Salto

Colunista do UOL

08/04/2024 07h33


As atuais confusões em torno da eventual mudança no comando da Petrobras remetem ao passado. Getúlio Vargas, Monteiro Lobato, Eugênio Gudin e Roberto Campos, o avô, já se dividiam: as forças do mercado são soberanas ou o petróleo é tão estratégico a ponto de ficar sob o guarda-chuva e a proteção do Estado brasileiro? No fundo, esta é a peleja que remanesce, apesar de as discussões parecerem tão comezinhas, como agora, quando envolvem cabeças de dirigentes, dividendos extraordinários e que tais.

Jean Paul Prates é um quadro excepcional, com formação, experiência e histórico comprovados. Não haveria motivos para ser questionado. Ocorre que o episódio dos chamados dividendos extraordinários ensejou uma verdadeira briga de foices no seio do governo, com o mercado e a imprensa assistindo de camarote.

Felizmente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está atenta e abriu processo administrativo na última quinta-feira para supervisionar notícias, fatos relevantes e comunicados relacionados à Petrobras. Não é para menos, pois a boataria levou a um sobe e desce na precificação das ações da empresa, o que em nada colabora com a Petrobras ou com o país.

"Uma profusão de notícias vem provocando sobe e desce nas ações da Petrobras (PETR3 e PETR4) recentemente. Os rumores sobre uma possível demissão do presidente, Jean Paul Prates, levaram a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a abrir um processo administrativo para supervisionar o que é comunicado pela estatal. Além disso, ainda paira a indecisão quanto à distribuição de dividendos extraordinários."

O que está em jogo é a pressão pela partilha de dividendos da ordem de R$ 43,9 bilhões. Destes, 28,97% pertencem à União, de modo que uma decisão pela distribuição dos dividendos extraordinários favoreceria a estratégia da política fiscal do governo neste momento.

Trata-se de uma receita polpuda de R$ 12,59 bilhões, a ingressar nos cofres públicos para ajudar na obtenção da meta zero do ministro Fernando Haddad, sem dúvida, em um momento em que há elevada incerteza sobre os resultados das contas públicas em 2024. Além disso, os agentes privados querem o dinheiro, obviamente. De outro lado, argumenta-se, no front dos que pregam a não distribuição, que a Petrobras teria de privilegiar seus planos de investimentos e turbiná-los, inclusive.

Todos sabem dos recentes problemas gravíssimos de gestão e desestruturação pelos quais a Petrobras passou. Pedro Parente conseguiu recolocar a empresa de pé, vamos nos lembrar, e desde então o noticiário policial não contou mais com colaborações dessa frente. Ainda bem. Avançamos. Prova, em última análise, da resiliência da Petrobras, da capacidade técnica inigualável do seu corpo de trabalhadores e colaborares e de como uma gestão e uma governança adequadas são fundamentais.

Após uma estratégia baseada em desinvestimentos e foco em projetos nas áreas de exploração e produção em campos mais rentáveis, nos últimos anos, o atual governo parece pretender um novo (velho) modelo para a empresa. É o que se depreende do plano de negócios anunciado no fim do ano passado.

O plano para 2024 a 2028 prevê uma alta de 31% em relação aos investimentos do plano quinquenal anterior, com mais de US$ 100 bilhões no total. A decisão sobre a distribuição dos dividendos extraordinários está ligada a esse ponto, vale dizer. Tudo circunda a seguinte dúvida: o caixa da empresa comportará os investimentos planejados ou será preciso lançar mão dos R$ 43,9 bilhões em dividendos extraordinários até o momento retidos?

Ora, sem entrar no mérito, isso deveria ter sido dito com clareza ao mercado, à imprensa e à sociedade, tempestivamente. Os ruídos todos gerados e as especulações em torno do que seria feito do pote de ouro no fim do arco-íris produziram um grau de incerteza elevadíssimo, prejudicando o desempenho das ações da companhia e contaminando todo o mercado. Pior, transbordaram para um debate improdutivo sobre mudanças no comando da empresa.

O presidente do BNDES Aloizio Mercadante faz, a meu ver, uma boa gestão à frente do banco. A nova política industrial (Nova Indústria Brasil), sob a batuta do Ministro e vice-presidente Geraldo Alckmin, foi uma boa sacada. Os desembolsos para bons projetos estão aumentando sem contratação de risco fiscal ou repetição de erros do passado.

Por que mexer em time que está ganhando? Fazer parecer que está perdendo não vale… Aí é gol de mão.

Melhor reforçar o Senador Jean Paul e segurá-lo na cadeira, mas isso só seria possível se não houvesse um mol de boataria a cada semana que começa. Aparentemente, o Presidente Lula entrou em campo e deve resolver o imbróglio. Fala-se até numa dança das cadeiras ou em mexidas maiores envolvendo outros ministérios, como a importante pasta do Planejamento, como decorrência da questão da Petrobras.

Me parecem movimentos desnecessários e que gerariam turbulências neste momento. Não há necessidade. Já há muito por resolver na economia!

A ideia de uma Petrobras que invista mais e "gere mais empregos" remete à campanha do petróleo é nosso e à velha disputa entre os que eram acusados de entreguismo e os chamados nacionalistas. Bobagem.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

O melhor é encontrar, também nesta questão - e com rapidez - o meio do caminho. O plano de negócios anunciado pela empresa já era conhecido pelo mercado. A distribuição de dividendos não prejudicaria o essencial e ainda colaboraria para as contas do país, em um momento crucial. Afinal, R$ 12,59 bilhões em receitas primárias estão longe de ser dinheiro de pinga, em que pese não salvar a lavoura.

O essencial, a meu ver, é que se evite o mal maior, agora que o episódio já tomou tamanha proporção. Em economia, temos o que eu costumo chamar de sistema de vasos comunicantes. Se os ruídos na Petrobras persistirem, os fluxos de dólares vão ser afetados e as perspectivas para a taxa de câmbio poderão ser turvadas, inclusive a própria cotação do dólar à vista. A inflação acabaria sendo afetada, sem escapatória, e a vida do Tesouro, na gestão da dívida pública, e do Banco Central, na gestão da política monetária, tornar-se-ia muito mais penosa.

Por que tudo isso?

O petróleo já é nosso, presidente Lula. Não precisa se preocupar. Dê guarida ao presidente Jean Paul e siga o jogo. Ouça o Ministro Fernando Haddad. Ele sabe o que faz.


Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Guerra na Ucrânia gera impasse em cúpula entre Europa e América Latina -Jamil Chade (UOL)

Vamos ser claros: o Brasil, como principal país, mas também os autoritários conhecidos (Cuba, Venezuela, Nicarágua), não  querem de nenhuma forma descontentar o criminoso de guerra Putin. Sabemos os motivos, por parte das três ditaduras. Mas a oposição do Brasil é mais escandalosa, pois que partindo de um país supostamente democrático, mas com um governo atualmente amigo de ditaduras, especialmente das duas do Brics.

Paulo Roberto de Almeida

Guerra na Ucrânia gera impasse em cúpula entre Europa e América Latina

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

A China prestigia a posse de Lula, pensando em seus objetivos estratégicos- Jamil Chade (UOL)

 Não sei se o mesmo podecser dito do Brasil, nem antes, nem talvez depois. PRA

China envia delegação de mais alto nível que EUA para posse de Lula
Jamil Chade  
Colunista do UOL
29/12/2022 11h04

O governo da China decidiu enviar para a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva o vice-presidente do país, Wang Qisha, e espera que o encontro com o novo governo brasileiro garanta um "impulso" na relação estratégica entre os dois países. No total, quase 60 delegações estrangeiras desembarcam em Brasília nos próximos dias.

Disputando espaços de hegemonia com os EUA, os chineses optaram por enviar uma delegação de mais alto nível que a missão organizada pela Casa Branca. Numa coletiva de imprensa, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Wang Wenbin, explicou que Qishan liderará a delegação chinesa ao Brasil.

No caso americano, apesar da esperança de que o presidente Joe Biden ou a vicepresidente Kamala Harris estivessem presentes à posse, a escolha do governo de Washington foi pela secretária do Interior dos Estados Unidos, Deb Haaland. 

Wang, com 69 anos, foi prefeito de Pequim no auge do surto da Sars, em 2003, e liderou o comitê olímpico da cidade para os Jogos de 2008. Ele ainda foi o negociador chefe nas relações com os EUA e, recentemente, foi escolhido como vice de Xi Jinping. Entre os diferentes cargos, ele ainda liderou os esforços chineses contra a corrupção.

"A China e o Brasil são ambos grandes países em desenvolvimento e importantes mercados emergentes", disse Wenbin nesta quinta-feira. "Somos os parceiros estratégicos abrangentes um do outro. Desde que os laços diplomáticos foram estabelecidos há 48 anos, as relações bilaterais têm desfrutado de um desenvolvimento sólido e estável com uma cooperação prática frutífera em vários setores. A natureza abrangente e estratégica de nossa parceria tem se tornado cada vez mais pronunciada e sua influência global está continuamente em ascensão", afirmou.

Segundo o porta-voz, a viagem do vice-presidente Wang Qishan ao Brasil como representante especial do presidente Xi Jinping "diz muito da alta importância que a China atribui ao Brasil e às nossas relações bilaterais".

"Acreditamos que esta visita dará um forte impulso à nossa parceria estratégica abrangente e a levará a novas alturas, proporcionando mais benefícios tanto para os países quanto para os povos e contribuindo para a paz, estabilidade e prosperidade regional e global", completou.

Lula já indicou que Pequim será um de seus primeiros destinos internacionais, junto com os EUA e Argentina.

Se o discurso do bolsonarismo tentou transformar a China numa espécie de vilã internacional e alvo de acusações sobre a ofensiva comunista no mundo, a realidade é que o mandato de Jair Bolsonaro termina com a relação comercial e de investimentos entre os dois países batendo todos os recordes.

Os números se contrastam com os ataques constantes do ex-chanceler Ernesto Araújo contra Pequim, desmentem os discursos do presidente contra a vacina chinesa e mostram o fracasso da estratégia adotada pelo Itamaraty nos primeiros anos do governo para minar qualquer aproximação entre Brasília e Pequim.

No governo, nos primeiros meses de 2019, a ordem era a de promover uma aproximação total aos EUA de Donald Trump e até mesmo forjar alianças diplomáticas contra o país asiático. Em reuniões da ONU, o comunismo chinês era denunciado pelo Itamaraty, enquanto o então ministro da Saúde Luis Henrique Mandetta chegou a confessar que qualquer aproximação de sua pasta com a China era minada pelo Executivo.

A realidade foi bem diferente do discurso bolsonarista. Dados do próprio governo indicaram que, até o final de novembro, a China representava 27% de toda a exportação do Brasil ao mundo.

Ou seja: de cada quatro dólares que o país obtém no mercado internacional com suas vendas, um vem da China.


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Para aderir à OCDE, Bolsonaro mente sobre combate ao trabalho forçado - Jamil Chade (UOL)

 Para aderir à OCDE, Bolsonaro mente sobre combate ao trabalho forçado


Jamil Chade
Colunista do UOL
20/10/2022 04h00

Na esperança de convencer a OCDE que está alinhado com os critérios da entidade, o governo de Jair Bolsonaro omitiu os cortes de orçamento para programa de inspeção do trabalho ao apresentar seus compromissos sobre a área trabalhista. Em seu lugar, o governo listou programas criados para supostamente lidar com o fenômeno, sem dar dados de seu impacto e nem os resultados.

Uma das prioridades do governo Bolsonaro na política externa é a adesão à OCDE. Mas o ingresso de um país não depende apenas de uma decisão política. Para que seja aceito, o governo terá de provar que leis nacionais e as práticas de política pública atendem aos critérios da instituição com sede em Paris.

Nesse aspecto, os padrões trabalhistas são considerados como um dos critérios principais que a OCDE estabeleceu para aceitar a adesão de um país e, no processo de exame da candidatura brasileira, o tema será alvo de escrutínio.

No final de setembro, o governo submeteu à entidade mais de 1,1 mil páginas para demonstrar que suas leis nacionais e os programas do governo estavam em linha com os compromissos, acordos, protocolos e padrões estabelecidos pela OCDE em dezenas de temas.

Mas o governo, sem dar explicações, optou por manter o documento em sigilo, causando amplo protesto por parte da sociedade civil.

Nos últimos dias, o UOL mostrou com exclusividade como o governo escondeu, no documento, a existência de um orçamento secreto e mentiu sobre a situação ambiental no país. Agora, a reportagem revela que as distorções também são amplas no que se refere às pautas sociais.

Procurado pela reportagem todos os dias desde segunda-feira, o Itamaraty não prestou esclarecimentos e não explicou o motivo pelo qual o documento está sendo mantido em sigilo.

O que disse o governo?
No informe, o governo de Bolsonaro informa para a OCDE que, em 2022, "lançou um programa para orientar trabalhadores e empregadores no cumprimento da legislação, regulamentos e normas trabalhistas, incluindo a segurança e saúde ocupacional". "O Programa de Trabalho Sustentável busca, entre outros objetivos, erradicar o trabalho infantil e o trabalho forçado, além de combater a discriminação e promover a igualdade de oportunidades no trabalho", disse.

O governo também diz que "está em funcionamento, sob a responsabilidade da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho da Secretaria do Trabalho (SIT), um Grupo de Trabalho para a Promoção do Trabalho Decente nas Cadeias de Abastecimento, formado por auditores-fiscais do trabalho, cujo objetivo é realizar estudos e a coleta de experiências sobre o tema, que por sua vez servem como subsídios para a formulação de políticas públicas relacionadas ao assunto".

O governo ainda declarou para a OCDE que, numa de suas medidas, "não haverá tolerância para aquelas (cadeias de abastecimento)" em relação a « quaisquer formas de trabalho forçado ou compulsório".

"Um dos objetivos do Ministério do Trabalho é a erradicação do trabalho forçado e das condições degradantes de trabalho. A inspeção do trabalho visa a formalização dos trabalhadores liberados do trabalho forçado, bem como soluções adequadas e eficazes, tais como a compensação", diz o informe.

Segundo o governo, a pasta possui "um sistema específico de denúncia de trabalho forçado, chamado "Sistema Ipê" e um Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil - "Radar SIT", com uma área exclusiva para trabalho forçado e tráfico de pessoas".

Com relação ao trabalho infantil, o Ministério do Trabalho promove ações de inspeção do trabalho para combatê-lo, conscientiza o público sobre os danos causados pelo trabalho prematuro, assim como articula ações com outras entidades da rede de proteção a inclusão de adolescentes que deixam o trabalho infantil em programas de proteção social e em programas de aprendizagem", completa.

O texto ainda cita um decreto de 2019 que promulgou convenções e recomendações da Organização Internacional do Trabalho, principalmente sobre a abolição do trabalho forçado, sobre a Proibição e Ação Imediata para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, entre outras.

Dados e sociedade civil desmentem o governo
A lista de ações apresentada pelo governo para a OCDE, porém, é questionada por especialistas e pela sociedade civil.

De acordo com a Conectas Direitos Humanos, o documento "exorta o papel do Ministério do Trabalho e, principalmente, da Secretaria de Inspeção do Trabalho na promoção e fiscalização de todos os pontos importantes que adentra, como igualdade de salários, redução do trabalho infantil e escravo".

"No entanto, não informa que o orçamento da inspeção do trabalho vem sendo cada vez mais reduzido", diz.

Segundo eles, a verba autorizada para "Fiscalização de Obrigações Trabalhistas e Inspeção em Segurança e Saúde no Trabalho" sofreu uma redução de mais 50% entre 2019 e 2022, passando de R$ 68,2 milhões para R$ 30,4 milhões.

"A falta de recursos tem impacto direto no número de operações fiscais realizadas, mas também atingem outras áreas do órgão, como ações de prevenção, conscientização e processamento interno de denúncias", declarou.

Segundo a Conectas, as equipes do Ministério do Trabalho e Previdência de Minas Gerais - um dos estados que mais realiza inspeções trabalhistas - estão hoje com suas atividades paralisadas por falta de verba.

Numa outra avaliação, a entidade destaca que, nos últimos dez anos, o número de auditores fiscais passou de 2.935 fiscais em 2010 para apenas 2.050 em 2020.

"Chama a atenção no relatório brasileiro à OCDE a omissão ou distorção de pontoschaves de degradação da governança socioambiental brasileira, sobretudo no que se refere a direitos indígenas, proteção a defensores de direitos humanos e ambientais ou mesmo proteção aos trabalhadores", disse Júlia Neiva, coordenadora do Programa de Defesa dos Direitos Socioambientais, Conectas Direitos Humanos.

Segundo ela, a reforma trabalhista suprimiu mais de 200 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho, enfraqueceu sindicatos e permitiu aos empregadores terceirizar 100% de sua força de trabalho. "Além disso, houve uma redução de um terço nos últimos dez anos do número de fiscais do trabalho e cortes consideráveis em programas de combate à escravidão contemporânea", alertou.

Para a especialista, é "imprescindível que a sociedade civil seja escutada pela OCDE no que diz respeito às políticas de direitos humanos no Brasil para que um eventual ingresso do país ao órgão leve em consideração a implementação de políticas que respeitem o alto nível de governança exigido e se reverta em um ambiente de paz e prosperidade para sua população".