A guerra já é regional
Um ano depois dos ataques do Hamas contra Israel e da operação devastadora de Benjamin Netanyahu contra Gaza, é impossível - e irresponsável - continuar a nutrir a narrativa de que a diplomacia vem atuando nos bastidores para conter o conflito.
Jamil Chade, colunista do UOL
1/10/2024
O primeiro-ministro de Israel terminou seu discurso na última sexta-feira na sede da ONU, em Nova York, e ordenou um ataque a um grupo inimigo em um outro país. Impossível imaginar que tal operação tenha ocorrido sem uma chancela, ainda que discreta, dos EUA.
Uma vez mais, como tem feito ao longo de meses, o governo norte-americano apelou para que o conflito "não saia do controle" e pediu moderação às partes. Não foi a primeira vez. Há poucos meses, ouvi essa frase aqui nos EUA:
"Até agora, não há um conflito regional mais amplo", afirmou o porta-voz do Pentágono, Pat Ryder.
Mas nos corredores da ONU, essa narrativa é recebida com ironia e até acusações. Diplomatas do mundo árabe alertam que a pressão para se evitar uma escalada do conflito vale para todos. Menos para Israel, que mantém sua ofensiva para redesenhar o mapa do Oriente Médio, enquanto recebe armas e é blindado pelo veto americano no Conselho de Segurança.
Depois de borrar cidades inteiras do mapa e deixar quase 2 milhões de pessoas desalojadas em Gaza, Israel atacou Teerã, Beirute e continuou a lançar mísseis sobre a Síria. A partir do Iêmen, milícias disparam seus foguetes em direção às cidades israelenses, enquanto o Hezbollah e o Hamas mantêm seus ataques, muitas vezes indiscriminados, contra civis.
Há poucos meses, quando Israel atacou o Irã e o regime teocrático ensaiou um resposta com mais de uma centena de mísseis e drones, o governo americano estabeleceu em silêncio uma rede de aliados. Ela incluiu baterias de mísseis instaladas em Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Arábia Saudita, Jordânia e Israel.
Quatro navios americanos desempenharam um papel central para impedir ataques do Irã, atuando tanto no Mar Vermelho como no Golfo de Aden. Esses mesmos navios passaram pelo Omã, Arábia Saudita e Djibuti.
Em Gaza, os deslocados chegam a 1,8 milhão de palestinos. No Líbano, mais 1 milhão. Depois de fugir de sua própria guerra, 100 mil sírios deixaram o Líbano nos últimos dias, voltando a seu país. Fogem de guerra em guerra.
Como continuar, portanto, a falar que um conflito regional está sendo evitado?
No mundo árabe, o assassinato de Ismail Haniyeh chacoalhou as lógicas de poder. Nesta semana, observadores ainda destacaram como, para o mundo árabe, a morte de Hassan Nasrallah poderia ser comparada à derrota do egípcio Gamal Abdel Nasser, em 1967.
Não foram apenas americanos e israelenses que comemoraram sua morte. Em certos rincões da Síria, o assassinato foi motivo de festa. Para a resistência síria, o Hezbollah foi chave para garantir a permanência do ditador Bashar Al Assad no poder.
Com um poder militar dos mais sofisticados, com a decisão política de não parar mais nas fronteiras, com o apoio implícito e cínico dos EUA e com o reconhecimento do colapso do sistema internacional, Israel sabe que poucos hoje terão como frear sua ambição.
Ameaçado e acuado, Teerã observa como sua estratégia de criar um eixo de defesa desmonta a olhos nu.
A guerra já não é mais um cálculo apenas de israelenses ou do Hamas. Talvez nunca tenha sido. A guerra não está nas ruas destruídas de Gaza. Nem nas periferias de Beirute. Estamos diante de uma guerra regional, com consequências imprevisíveis.
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