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sábado, 23 de março de 2024

O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

Meu mais recente artigo publicado: 

4595. “O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (2)”, Brasília, 7 março 2024, 3 p. Continuidade da série sobre o desenvolvimento brasileiro, a partir do trabalho n. 4530, focando nos elementos de políticas macroeconômicas e setoriais para um processo de desenvolvimento sustentado. Revista Crusoé (n. 307, 22/03/2024). Relação de Publicados n. 1553. 

Paulo R. de Almeida na Crusoé: 

O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido?

Não é seguro que as lideranças políticas e econômicas do Brasil atual consigam concertar um consenso básico sobre um amplo programa de reformas,.


O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? (2) 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Quarto e último artigo da série “desenvolvimento” para a revista Crusoé

 

Em três artigos anteriores discutimos as razões pelas quais o Brasil continua, ainda, um país persistentemente em desenvolvimento – 4509. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1); 4510. Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2) – e, o terceiro da série: “O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (1). Vamos encerrar o ciclo, desta vez, discutindo o caminho pelo qual o Brasil poderia, finalmente, alçar-se à condição de país desenvolvido. Os argumentos, em cada um dos quatro artigos, são necessariamente sintéticos, dada a amplitude das questões, mas eles estão baseados num largo conhecimento da literatura especializada – economia e sociologia do desenvolvimento –, mais a experiência adquirida em décadas (como diplomata e acadêmico) de viagens pelo mundo, de atenta observação da trajetória de países fracassados e exitosos na trilha do crescimento econômico e do desenvolvimento social sustentado e sustentável, assim como em reflexões ponderadas sobre como o Brasil pode dar, finalmente, a sua arrancada final.

Se o Brasil cresce pouco, a razão está simplesmente na baixa taxa de investimento, a partir de percentuais irrisórios de poupança do setor privado, quando não da despoupança estatal. É notório que o Estado extrai recursos em demasia da sociedade, diminuindo, assim, a capacidade do setor privado de se expandir e de criar empregos, renda e riqueza. Não se pode acreditar que o Estado passe a criar riquezas a serem distribuídas à sociedade, ou pelo menos aos mais pobres, apenas pela via da extração de uma parte da renda gerada no setor privado. A OCDE costuma justamente insistir em que os Estados devem normalmente se concentrar naquilo que eles podem fazer melhor: prestar serviços coletivos e contribuir para a criação de um bom ambiente de negócios, capaz de, justamente, gerar ainda mais renda e riqueza pela via de mercados livres. Ora, se o Estado se apropria de uma parte desproporcionalmente elevada da renda gerada na sociedade, como ocorre tradicionalmente no país, ele diminui proporcionalmente o volume de investimentos necessários à expansão da oferta agregada (para empregar termos que os adoradores do Estado compreendem bem). Ora, o Brasil possui uma carga fiscal próxima da média dos países da OCDE para uma renda per capita cinco vezes menor: algo, portanto, está profundamente equivocado no plano da tributação.

(...)


Não é seguro que as lideranças políticas e econômicas do Brasil atual consigam concertar, entre si, um consenso básico a respeito de um amplo programa e um processo de reformas estruturais e setoriais em torno dos cinco conjuntos de medidas sintetizadas nos parágrafos anteriores. Observando-se, contudo, os poucos países que saltaram a barreira do não desenvolvimento para uma situação de “classe média confortável” – quase todos na franja asiática do Pacífico –, constatamos que aqueles que o fizeram acumularam mais sucessos nas reformas indicadas do que fracassos temporários na direção de um projeto nacional exequível. 

“Ficar rico é glorioso” disse, na distante década de 1980, o líder chinês pós-maoísta Deng Xiaoping, dando início à reconstrução de uma nação miserável, então dotada de uma renda per capita inferior à metade da do Brasil. O preconceito contra a riqueza, a inveja dos ricos, a obsessão contra as desigualdades (inerentes às sociedades, em toda a história da humanidade) talvez sejam um dos principais defeitos da nacionalidade no caminho do desenvolvimento sustentado. Mas o Brasil tem condições de superar seu atraso delongado...

 

Brasília, 4595, 9 março 2024.


sexta-feira, 22 de março de 2024

O que aguardava o Brasil em 2024? Escrito em dezembro de 2023. Mudou alguma coisa?

Quatro meses atrás, eu escrevi o artigo abaixo, publicado no começo deste ano.
O que se manteve, o que mudou? 

O que aguarda o Brasil em 2024?
Paulo Roberto de Almeida. Prognósticos para o novo ano. Revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531.
Quatro meses depois, o que ficou, o que mudou?
Cabe reler, e corrigir...


1543. O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531. 

 

 

Os prognósticos eram quase todos promissores ao início de 2023, quando Lula iniciou seu terceiro mandato. Logo em seguida ocorreu o 8 de janeiro, a tentativa golpista dos adeptos do ex-presidente fugido, o que chocou o Brasil e o mundo, inclusive vários dirigentes estrangeiros que tinham vindo para a posse. Os economistas, por sua vez, faziam estimativas sombrias para o crescimento econômico, menos de 1% do PIB, com inflação e juros ainda nas alturas. A maioria conservadora do Congresso, do seu lado, se encarregou de reduzir as expectativas do governo quanto às grandes mudanças propostas pelo presidente eleito. A grande revelação foi o ministro da Fazenda, que conseguiu arrancar, a trancos e barrancos, algumas das medidas econômicas mais relevantes para o futuro do Brasil. 

O ano de 1924 será, portanto, dominado pela regulamentação da reforma tributária e pelo continuado esforço do ministro da Fazenda de fazer cumprir sua meta de déficit zero, a despeito das intenções do presidente de continuar gastando – ou “investindo”, como ele prefere – como se o Brasil estivesse ainda navegando na bonança econômica do início do século (metade pelas reformas “neoliberais” do tucanato, a outra metade pela demanda da China por nossos produtos de exportação). O crescimento pode voltar a surpreender, apesar das estimativas modestas dos economistas e dos organismos internacionais. Em todo caso, os principais desafios do Brasil não estão principalmente na economia.

A política doméstica continuará dominada pela divisão do país, mesmo quando o próprio governo optou pelo slogan “união e reconstrução”. A luta política, voltada em 2024 para as eleições locais, parece cristalizar uma polarização que só interessa aos dois blocos opositores nas eleições de 2022. A “solução”, para o governo, parece situar-se nos mesmos métodos empregados nos dois primeiros mandatos, isto é, a mobilização, pela via de cargos e recursos, de partidos e parlamentares individuais para cada uma das medidas a serem votadas. Com uma diferença, porém: o poder do parlamento cresceu de modo significativo, no modelo completamente distorcido das emendas individuais, de bancada e de comissão, que passaram a desfigurar completamente a noção de aplicação racional dos recursos disponíveis. 

O grande ativo do terceiro mandato, no plano interno e no externo, deveria ser a política ambiental, mais proclamada do que efetivamente implementada, sobretudo se as promessas de preservação do meio ambiente e de transição energética se chocarem com os projetos e veleidades petrolíferas do presidente, inclusive na região amazônica. Durante a conferência das partes sobre mudanças climáticas em 2023, o governo resolveu associar o Brasil ao cartel dos produtores de petróleo, como se Lula pudesse cumprir sua promessa de convencer os líderes da OPEP a dar início à conversão para energias renováveis. Esse tipo de contradição também está presente em outras posturas de política externa do governo, nas quais pretende intermediar negociações de paz entre partes em confronto, ao mesmo tempo em que coloca num mesmo plano agressores e agredidos (em função das simpatias ideológicas do partido do poder). Nessa vertente, o Brics não é tanto um ativo diplomático como se pretende, quanto é um passivo geopolítico, sobretudo em função de sua recente ampliação a novos membros peculiares. Enquanto isso, a OCDE permanece no limbo.

Os mais relevantes problemas brasileiros – além e à margem dos quase eternos desequilíbrios regionais e desigualdades sociais – estão na educação e na segurança cidadã, áreas na quais o governo ainda não apresentou propostas abrangentes e integradas para reduzir deficiências notórias, que se agravaram nos últimos anos. A criminalidade tornou-se igualmente abrangente, nas grandes metrópoles e nas regiões recuadas, assim como mais sofisticada, alcançando as novas tecnologias de informação e de comunicação. Um dos grandes problemas econômicos é justamente a falta de competitividade da produção manufatureira do Brasil, resultado dos níveis medíocres de produtividade do capital humano, o que deriva da baixa qualidade da educação brasileira (como refletida nos exames do PISA).

A miséria residual e a pobreza mais extensiva poderão ser reduzidas por meio dos canais existentes de distribuição de renda e de auxílio focalizado, mas não parece haver hipótese de mudança estrutural nesse perfil iníquo da sociedade brasileira apenas através de programas governamentais. O subsídio ao consumo dos mais pobres deveria ter como objetivo principal a redução dos beneficiários pela via do mercado de trabalho, não o aumento quantitativo da população assistida. A reforma tributária ficou concentrada apenas no consumo, não na renda e no patrimônio, sendo que a regressividade impositiva poderá ainda ser agravada por um nível anormalmente alto da taxação pelo valor agregado (dados os subsídios remanescentes ou as exclusões e regimes preferenciais criados). Os novos poderes do parlamento, assim como do mandarinato estatal (a começar pela aristocracia do judiciário) não facilitarão a correção das principais desigualdades distributivas. 

Alguns dos principais desafios do terceiro mandato de Lula se situam no âmbito da política externa, uma vez que o Brasil estará, em 2004, no comando do G20, com propostas até bem-vindas no campo social e ambiental, mas também com a ilusória pretensão de uma grande reforma na estrutura da governança global, o que parece impossível, dado o aumento das tensões mundiais já identificadas a uma nova “Guerra Fria”. Nesse terreno, as opções de Lula se chocam com o seu tratamento leniente dos grandes violadores da paz e da segurança internacionais, por acaso proponentes de uma “ordem global não ocidental”, pela qual o presidente já manifestou diversas vezes sua predileção. Mais adiante virá a organização da conferência sobre aquecimento global na própria Amazônia, onde estarão em curso os novos projetos da Petrobras de exploração dos recursos eventualmente detectados in e off shore. No intervalo, continuarão as discussões com os parceiros do Mercosul e da União Europeia em torno dos projetos de reforma do bloco – no qual o Brasil estará relativamente isolado, em face de governos bem mais liberais – e da possibilidade de concluir um acordo que se arrasta penosamente em face dos protecionistas dos dois lados há mais de duas décadas. 

Surpresas certamente advirão no decorrer de 2024, tanto no plano interno, quando no cenário externo, para as quais o presidente e seu governo precisam estar preparados, pois sucessos e insucessos de alternarão ao longo dos próximos meses. Ainda não se tem um documento de governo claramente definido em função dos seus grandes objetivos, inclusive porque, tanto na arena da política doméstica quanto no teatro da política externa, o Executivo não dispõe de comandos suficientes para controlar a marcha e o conteúdo de suas propostas e reações aos desafios que inevitavelmente surgirão. O personalismo no ambiente interno e a diplomacia excessivamente presidencial no cenário internacional podem não ser as alavancas adequadas para uma governança efetiva em face da complexidade dos problemas que marcam o Brasil e o mundo na presente conjuntura histórica de transformação geopolítica. 

Os paradoxos de uma globalização fragmentada – crescimento, crise e concentração ao mesmo tempo – afetaram o funcionamento do multilateralismo contemporâneo e os grandes Estados (com a possível exceção da União Europeia) apresentam visível tendência a atuar unilateralmente, inclusive porque suas políticas internas também se encontram divididas em grupos ou lideranças mais radicais que disputam o poder. A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos. Lula terá algumas difíceis escolhas a fazer, num e noutro ambiente, daí a importância de se cercar de boas assessorias: econômicas, políticas e diplomáticas.

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Brasília, 4531, 26 dezembro 2023, 3 p.

Publicado na revista Crusoé (n. 297; 12/01/2024; link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Publicados n. 1543.

 














segunda-feira, 11 de março de 2024

Cuba vai ajudar a formar os diplomatas do Itamaraty - Eduardo Teixeira (revista Crusoé)

Cuba é o farol da justiça social e do igualitarismo para os companheiros (menos para os apparatchiks dos dois partidos, que vivem às custas do Estado que eles controlam).

(PRA) 

Eduardo Teixeira:

https://crusoe.com.br/diario/o-aperto-de-maos-das-diplomacias-do-brasil-e-cuba/

Agora Cuba vai ajudar a formar os diplomatas do @ItamaratyGovBr. Somos um país a serviço de uma ditadura caribenha: 

https://twitter.com/DudaTeixeira/status/1767281920314933565

 @RevistaCrusoe

sábado, 9 de março de 2024

O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (1) - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 Mais recente trabalho publicado: 

1551. O que falta para o Brasil ser um país desenvolvido? (1)”, Revista Crusoé (n. 305, 8/03/2024; link: https://crusoe.com.br/o-caminho-do-dinheiro/o-que-falta-ao-brasil-para-ser-um-pais-desenvolvido-terceira-parte/). Relação de Originais n. 4594.


O que falta ao Brasil para ser um país desenvolvido? (1) 

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo da série “desenvolvimento” para a revista Crusoé

  

Em dois artigos anteriores, focalizei a questão de saber por que o Brasil ainda é um país não desenvolvido: Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/); “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)”, revista Crusoé (n. 303, 23/02/2024, link: https://crusoe.com.br/cronica/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido-segunda-parte/). Pretendo focar agora, neste terceiro artigo, nos elementos estruturais e institucionais que obstam, e que já obstaram, a que o Brasil se apresente ao mundo como um país de renda média alta, sem os miseráveis que povoam as ruas, sem o flagelo da fome e sem tantos outros males históricos de nossas renitentes carências sociais.

Não faltam recursos naturais, os mais diversos, que ainda são abundantes, e o serão pelo futuro indefinido. Tampouco falta ao Brasil energia renovável, agora, e certamente nos anos à frente. A pirâmide demográfica ainda é positiva, mas já no movimento inverso ao do bônus, com uma tendência recente, e indesejável, à emigração de cérebros, por fatores não de todo obscuros. Os problemas principais radicam na baixa produtividade do capital humano, na insegurança jurídica e no caráter errático das políticas macroeconômicas e setoriais; por fim, há essa introversão protecionista historicamente persistente, que nos mantêm pouco inseridos nos circuitos mais dinâmicos da economia global.

(...)

O que, sobretudo, nos faltou, ao longo de décadas e de séculos, foi a componente educacional da produtividade do capital humano, e não necessariamente em nível de graduação ou pós-graduação. Nossas ciências até que acompanham o estado da arte dos avanços científicos no mundo, pelo menos no plano dos estudos nas ilhas de excelência dos estabelecimentos oficiais, embora o lado tecnológico seja menos brilhante, pela já referida baixa interação entre universidades e empresas privadas, que acabam recorrendo a “caixas pretas” importadas. O que realmente distancia o Brasil dos países mais produtivos do planeta é a qualidade deplorável do ensino de massa nos graus elementares do ensino público: se o atraso quantitativo nas taxas de escolarização foi em grande medida sanado – embora com um atraso de mais de um século comparativamente aos pioneiros da educação –, não se pode dizer o mesmo da deterioração qualitativa dos primeiros ciclos de ensino. É certo que a ampliação do recrutamento escolar – acompanhando os processos de urbanização e de democratização do acesso ao ensino público – responde em parte pela perda de qualidade, mas o investimento público no fundamental e a mediocridade da formação de professores respondem pelo núcleo duro das deficiências detectadas nos exames do PISA. 

 

(Continua no quarto e último artigo desta série, com a discussão das políticas apropriadas para um processo de desenvolvimento sustentado.)

 

Brasília, 4594, 7 março 2024, 4 p. 

 


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? 1 e 2 - Paulo Roberto de Almeida

Um primeiro artigo da série foi publicado ao início do mês. O segundo acaba de ser publicado, como informado abaixo sob n. 1547, mas um artigo ainda escrito no final do ano passado.

Transcrevo alguns trechos do segundo artigo.

1546. “Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (1)”, revista Crusoé (n. 301, 9/02/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/301/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido/); divulgado parcialmente no blog Diplomatizzando (9/02/2024; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/02/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais.html ). Relação de Originais n. 4509.

 

1547. Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)”, revista Crusoé (n. 303, 23/02/2024, link:https://crusoe.com.br/cronica/por-que-o-brasil-ainda-nao-e-um-pais-desenvolvido-segunda-parte/). Relação de Originais n. 4510.

 

Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? (2)

 

Paulo Roberto de Almeida 

 

Raymundo Faoro, em sua tese de 1958 sobre os Donos do Poder, analisou o lento desenvolvimento do patrimonialismo ibérico até as formas modernas de corporativismo dos “estamentos burocráticos” que dominam o Estado e as relações contratuais nesses países. O patrimonialismo veio sendo transformado ao longo das novas formas de organização política nos países latino-americanos, sem jamais ter sido extirpado ou reduzido nas modernas repúblicas formalmente democráticas. 

Acresce a essas características do centralismo ibérico, o fato histórico relevante da contrarreforma, um movimento regressista, obscurantista, cientificamente obstrutor do progresso científico, ou seja, reacionário no plano da liberdade de ideias e no de sua transmissão. A ausência completa de uma revolução científica e, mais importante ainda, a completa omissão dessas sociedades na questão da alfabetização de massa impactou profundamente a trajetória posterior dessas sociedades, comparativamente às nações da tradição protestante, nas quais a leitura individual da Bíblia e a escolarização generalizada conduziram a patamares mais elevados de educação formal, que é a base da produtividade do capital humano, o grande diferencial das sociedades modernas.


Em 1900, no momento em que o Brasil consolidava seu regime republicano, a taxa de matrículas na escola primária era de apenas 258 estudantes para cada 10 mil habitantes, vis-à-vis as taxas de 1.969 estudantes para os Estados Unidos e de 1.576 para a Alemanha. (...)


Por que o Brasil ainda não é um país desenvolvido? Uma resposta simples seria representada pela inépcia das elites, todas as elites, as tradicionais, as “modernas”, as supostamente representativas dos trabalhadores e dos setores populares, os empresários, os banqueiros, os acadêmicos, os políticos, os altos funcionários públicos. Uma resposta ainda mais simples poderia ser encontrada numa realidade bem prosaica: ideias erradas, não ausência de capital, explicam o atraso do Brasil na atualidade.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13 de novembro de 2023

 

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

O que aguarda o Brasil em 2024? - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 Artigo mais recente publicado: 

1543. “O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531. 

Alguns trechos: 

O que aguarda o Brasil em 2024?

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Prognósticos para o novo ano.

1543. “O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531. 

  

Os prognósticos eram quase todos promissores ao início de 2023, quando Lula iniciou seu terceiro mandato. Logo em seguida ocorreu o 8 de janeiro, a tentativa golpista dos adeptos do ex-presidente fugido, o que chocou o Brasil e o mundo, inclusive vários dirigentes estrangeiros que tinham vindo para a posse. Os economistas, por sua vez, faziam estimativas sombrias para o crescimento econômico, menos de 1% do PIB, com inflação e juros ainda nas alturas. A maioria conservadora do Congresso, do seu lado, se encarregou de reduzir as expectativas do governo quanto às grandes mudanças propostas pelo presidente eleito. A grande revelação foi o ministro da Fazenda, que conseguiu arrancar, a trancos e barrancos, algumas das medidas econômicas mais relevantes para o futuro do Brasil. 

(...)

Alguns dos principais desafios do terceiro mandato de Lula se situam no âmbito da política externa, uma vez que o Brasil estará, em 2004, no comando do G20, com propostas até bem-vindas no campo social e ambiental, mas também com a ilusória pretensão de uma grande reforma na estrutura da governança global, o que parece impossível, dado o aumento das tensões mundiais já identificadas a uma nova “Guerra Fria”. Nesse terreno, as opções de Lula se chocam com o seu tratamento leniente dos grandes violadores da paz e da segurança internacionais, por acaso proponentes de uma “ordem global não ocidental”, pela qual o presidente já manifestou diversas vezes sua predileção. Mais adiante virá a organização da conferência sobre aquecimento global na própria Amazônia, onde estarão em curso os novos projetos da Petrobras de exploração dos recursos eventualmente detectados in e off shore. No intervalo, continuarão as discussões com os parceiros do Mercosul e da União Europeia em torno dos projetos de reforma do bloco – no qual o Brasil estará relativamente isolado, em face de governos bem mais liberais – e da possibilidade de concluir um acordo que se arrasta penosamente em face dos protecionistas dos dois lados há mais de duas décadas. 

Surpresas certamente advirão no decorrer de 2024, tanto no plano interno, quando no cenário externo, para as quais o presidente e seu governo precisam estar preparados, pois sucessos e insucessos de alternarão ao longo dos próximos meses. Ainda não se tem um documento de governo claramente definido em função dos seus grandes objetivos, inclusive porque, tanto na arena da política doméstica quanto no teatro da política externa, o Executivo não dispõe de comandos suficientes para controlar a marcha e o conteúdo de suas propostas e reações aos desafios que inevitavelmente surgirão. O personalismo no ambiente interno e a diplomacia excessivamente presidencial no cenário internacional podem não ser as alavancas adequadas para uma governança efetiva em face da complexidade dos problemas que marcam o Brasil e o mundo na presente conjuntura histórica de transformação geopolítica. 

Os paradoxos de uma globalização fragmentada – crescimento, crise e concentração ao mesmo tempo – afetaram o funcionamento do multilateralismo contemporâneo e os grandes Estados (com a possível exceção da União Europeia) apresentam visível tendência a atuar unilateralmente, inclusive porque suas políticas internas também se encontram divididas em grupos ou lideranças mais radicais que disputam o poder. A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos. Lula terá algumas difíceis escolhas a fazer, num e noutro ambiente, daí a importância de se cercar de boas assessorias: econômicas, políticas e diplomáticas.

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Brasília, 4531, 26 dezembro 2023, 3 p.

Publicado na revista Crusoé (n. 297; 12/01/2024; link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Publicados n. 1543.

 


terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Brics ampliado nasce com 80% de autocracias - Redação revista Crusoé

 Brics ampliado nasce com 80% de autocracias Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Irã e Etiópia passam a fazer parte do Brics nesta segunda, 1º de janeiro de 2024. 

Redação revista Crusoé

 Com isso, o bloco passa a contar com dez membros. Em alguns lugares, o grupo tem sido chamado de Brics 10. A Argentina, que estava cotada para entrar no bloco, desistiu após a eleição do presidente Javier Milei. O Brics 10 nasce com uma maioria de ditaduras e autocracias. É o que se pode concluir após analisar como os dez membros se encaixam nas quatro categorias do V-Dem, o instituto que mede as democracias no mundo e fica em Gotemburgo, na Suécia. 

 Dos dez países do Brics 10, nenhum se encaixa na categoria de democracias liberais em que, além de eleições, há ampla liberdade de expressão e liberalismo econômico. Na categoria das democracias eleitorais estão apenas Brasil e África do Sul. No time das autocracias eleitorais, em que regimes fechados realizam eleições protocolares, estão quatro países: Índia, Egito, Etiópia e Rússia. Entre as autocracias fechadas estão mais quatro: China, Irã, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. De acordo com o último ranking do V-Dem, pela primeira vez desde 1995, há mais autocracias fechadas no mundo que democracias liberais. 

O Brics ampliado, portanto, é um reflexo desse mundo cada vez mais autocrata. Um dos maiores entusiastas do Brics ampliado é o ditador chinês Xi Jinping. Em declarações que deu em agosto, na cúpula dos Brics que aconteceu na África do Sul, Xi disse que a expansão do bloco é histórica e um novo começo para a cooperação entre os países. No mesmo evento, Lula também enalteceu a ampliação do grupo, que foi criado por iniciativa do petista Celso Amorim e do russo Sergey Lavrov. “Nós éramos chamados de terceiro mundo, depois cansaram e começaram a chamar de países em via de desenvolvimento e agora nós somos o Sul Global. Veja a mudança de nome, que pomposo. 

O que é importante nisso é que o mundo está mudando. A economia também começa a mudar, a geopolítica começa a mudar porque as coisas vão acontecendo e a gente vai ganhando consciência de que nós temos que nos organizar”, disse Lula. “O nosso [bloco, o Brics] não pensa só economicamente, o nosso também pensa politicamente. E é por isso que eu acho que o Brics está consolidado como uma referência. 

Qualquer ser humano, jornalista, cientista político que quiser discutir a geopolítica econômica, a geopolítica científica e tecnológica, a geopolítica de qualquer coisa vai ter que conversar com o Brics também, não é só com Estados Unidos e G7 [grupo de sete dos países mais industrializados do mundo]”, afirmou o presidente. Como afirmou Lula, o Brics também pensa politicamente. E seu pendor é claramente pelas autocracias do mundo.  


sábado, 23 de dezembro de 2023

O ponto de fusão: Imigrantes na construção do Brasil e na política - Paulo Roberto de Almeida revista Crusoé

 Sou colunista da revista Crusoé, o que implica em resguardar por certo tempo os direitos autorais da editora responsável. Considero que depois de duas ou três semanas seja razoável divulgar por este canal a íntegra dos meus artigos, vários deles de natureza conjuntural. É o que faço agora.

1535. “O ponto de fusão” [título original: “Imigrantes na construção do Brasil e na política”], revista Crusoé (n. 293, 8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/). Relação de Originais n. 4513.

 

Imigrantes na construção do Brasil e na política

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé revista Crusoé (n. 293, 8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/). 

 

A história da humanidade, desde tempos imemoriais, é formada por um cadinho e por um turbilhão de povos, de culturas e de influências recíprocas, ainda que assimétricas por sua própria natureza: expansão demográfica natural, dominação violenta por hordas de invasores militarmente superiores, emigração voluntária ou forçada, epidemias e endemias seguindo as trilhas da inovação técnica e da disseminação de espécies vegetais e animais mais produtivas. Esse processo durou milhares de anos, e continua de maneira intensa nos nossos dias, com as novas facilidades de transportes e comunicações; mas a marcha a pé, dos campos para as cidades, de uma região a outra, ainda continua a ser a forma mais usual de transmigração. 

Darcy Ribeiro, em suas obras sobre o processo civilizatório, fazia uma distinção entre povos historicamente ancestrais, os da Eurásia e da África, e os “povos novos”, que seriam os que resultaram das grandes navegações a partir daquele grande continente e o espraiamento de seus contingentes humanos sobre o “Novo Mundo” aberto aos europeus desde as primeiras “descobertas” de vikings e de Colombo. Os “ancestrais” do hemisfério americano foram sendo subjugados, eliminados ou transformados pela supremacia das armas e das técnicas: alguns dos ocupantes originais permaneceram, onde sua densidade demográfica e avanços materiais estavam consolidados, comparativamente ao destino mais infeliz daqueles povos ainda situados no paleolítico ou no neolítico superior. 

A conformação de alguns desses “povos novos” é caracteristicamente imigrante, a partir de suas fontes europeias, a América do Norte, Brasil e Argentina ao sul, Austrália e Nova Zelândia no Índico. A Argentina foi, proporcionalmente, o povo mais “importado” do mundo, ainda que os Estados Unidos, numericamente, sejam os campeões absolutos no seu componente imigratório. O Brasil ficou fechado ao mundo, por decisão da metrópole durante os primeiros séculos, mas também recebeu levas de imigrantes a partir do final do século 19 e início do seguinte. Antes dos europeus, japoneses, médio-orientais, armênios e tutti quanti integrou essas levas de trabalhadores incansáveis, os “cristãos novos” já tinham colorido o tecido social originalmente apenas lusitano. Voltaram, mais tarde, com novas diásporas produzidas pelo antissemitismo europeu, aliás precedidos pelos expelidos pela crise do império otomano mais de cem anos atrás. O Brasil foi feito basicamente pelos imigrantes, crescentemente diversificados, mais até do que pelos portugueses, o tronco humano central, mas provavelmente não o mais produtivo ou empreendedor neste último século. Integrados e misturados ao substrato colonial, já naturalmente mesclado, esses imigrantes foram decisivos na construção da nação, antes de serem influentes no governo e na política, desde as décadas de modernização econômica e social da era Vargas (que se confunde com o meio século de grandes transformações culturais e materiais desde a Revolução de 1930). Dificuldades e percalços nas políticas domésticas partir dos anos 1980 reduziram o formidável ímpeto do crescimento econômico nacional, quando o mundo, superada a grande divisão ideológica do imediato pós-Segunda Guerra, ingressava justamente em nova onda globalizadora, que impactou sobretudo antigos povos asiáticos, submetidos durante alguns séculos à hegemonia europeia. A Ásia Pacífico inverteu posições com a América Latina, no comércio mundial, na tecnologia nos trinta anos seguintes à descolonização de velhos impérios europeus. 

O Brasil continuou relevante na América do Sul por seu próprio peso específico no continente, não exatamente por um dinamismo extraordinário: mesmo na retomada de taxas de crescimento mais robustas, no começo do milênio, sua expansão média ficou abaixo da América Latina, abaixo da média mundial e três vezes menos do que os emergentes mais dinâmicos da Ásia Pacífico. Mas os nomes dos imigrantes são cada vez mais visíveis, na política interna, nos empreendimentos econômicos e até na política externa, com destaque para os levantinos, influentes pela riqueza, pela participação nos negócios e na governança. 

Os judeus, povo martirizado no Holocausto de meados do século passado, voltam novamente às primeiras páginas dos jornais, não mais por uma nova Intifada contra sua nação recriada, mas por uma verdadeira tentativa de eliminação do Estado e de todo o seu povo por um movimento terrorista dispondo de poderosos apoios na região e fora dela. Por razões não de todo racionais no âmbito da política interna, o Brasil ficou dividido nessa nova onda de antissemitismo explícito, mais ainda do que nos sombrios anos 1930, quando se relutou de forma mesquinha em acolher os perseguidos pelos pogroms nazistas. Bandos de alucinados chegaram a manifestar apoio aos perpetradores de ataques terroristas contra o povo judeu, em Israel e mundo afora. Não se trata exatamente do componente árabe ou muçulmano integrado à população brasileira, mas mais exatamente uma espécie de reflexo de deformações políticas incorporadas à política externa desde algum tempo, por acaso coincidentes com as escolhas ideológicas do partido que controla temporariamente o governo.

Depois de muito tempo hegemonizada pelas oligarquias dominantes no Império e na República Velha, a diplomacia brasileira recebeu o aporte de imigrantes árabes e judeus em seu corpo profissional. Mesmo de fora da carreira, dois judeus de sobrenome Lafer, tio e sobrinho, ocuparam a chefia da diplomacia a meio século de distância. Ambos tiveram posturas impecáveis na condução geral da política externa, inclusive com respeito aos dramas humanos e diplomáticos que continuaram agitando o Oriente Médio, desde muito tempo e novamente no período recente. Celso Lafer, por sinal, contou com a preciosa ajuda de um descendente de libaneses na secretaria geral das relações exteriores.

Na verdade, a ascendência étnica e cultural de muitos imigrantes na política brasileira teve um peso relativamente menor na definição das grandes linhas da política externa do país, dada a quase total integração desses “importados” ao main stream da governança nacional. Todos, agora, são basicamente brasileiros, pelos hábitos e pela cultura, mais do que outras comunidades de “oriundi” em diversos outros países, que conservam comunidades agregadas pela língua, pela religião e pelos costumes. Festas, futebol e comidas mesclaram quase todos os povos que aportaram no Brasil desde a República laica, mas profundamente religiosa. 

Eventuais divisões decorrentes de preferências políticas relativamente sectárias serão provavelmente passageiras, superado o grande drama que agita novamente o Oriente Médio. As duas comunidades temporariamente em confronto de opiniões não contaminarão de forma excessiva a diplomacia profissional, nem conseguirão infletir a postura sempre equilibrada da política externa vis-à-vis conflitos no cenário mundial. Nunca fomos atingidos por qualquer “choque de civilizações”, nem o drama atual importará ódios manifestados em outras partes do mundo. O “melting pot” brasileiro, basicamente racial e cultural, é resiliente ao ponto de diluir fricções existentes no exterior. Somos todos imigrantes perfeitamente integrados.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4513, 18 novembro 2023, 3 p.

 Publicado como “O ponto de fusão” [título original: “Imigrantes na construção do Brasil e na política”], revista Crusoé(n. 293, 8/12/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/293/o-ponto-de-fusao/). Relação de Originais n. 4513; Relação de Publicados n. 1535.


Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula - Paulo Roberto de Almeida revista Crusoé

Sou colunista da revista Crusoé, o que implica em resguardar por certo tempo os direitos autorais da editora responsável. Considero que depois de duas ou três semanas seja razoável divulgar por este canal a íntegra dos meus artigos, vários deles de natureza conjuntural. É o que faço agora.

4511. “Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula”, Brasília, 16 novembro 2023, 3 p. Artigo para a revista Crusoé; publicado em 24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/). Relação de Publicados n. 1533. 

Diferenças entre a ‘velha’ e a ‘nova’ diplomacia de Lula

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

revista Crusoé (24/11/2023 (link: https://crusoe.com.br/edicoes/291/diferencas-entre-a-velha-e-a-nova-diplomacia-de-lula/).

  

Países evoluem, geralmente no caminho do desenvolvimento econômico e social, da democracia representativa e das liberdades individuais. Nem todos eles: alguns conhecem ditaduras e mesmo totalitarismo, como a Alemanha de Weimar, nos anos 1930-40, enquanto outros passam por involução econômica e retrocessos sociais, e temos exemplos disso aqui mesmo, bem pertinho. As pessoas geralmente também vão mudando ao longo dos anos, do voluntarismo e do radicalismo juvenil para posturas mais sensatas, talvez conservadoras, com a idade madura, a família, filhos e netos, a percepção da complexidade social, enfim.

Espera-se que essa seja, por exemplo, a típica transição dos políticos profissionais, desde as posições extremadas do começo de carreira para uma convergência com posturas mais conciliadoras com outras forças e movimentos partidários. Nem sempre, todavia, é assim. Alguns acentuam velhos hábitos, outros aprofundam comportamentos sectários e certo radicalismo tardio, muitas vezes anacrônico. Isso parece ter ocorrido com Lula, a despeito de uma notável continuidade nas características básicas: o populismo, a modulação do discurso para cada plateia, as alianças preferenciais dentro do mesmo, velho, espectro partidário. Tais características são especialmente válidas no campo da diplomacia e da política externa. 

Cabe aqui uma constatação inicial, visível desde o início do seu terceiro mandato: a diplomacia basicamente pessoal de Lula vem convertendo-se no principal problema para a diplomacia profissional do Itamaraty, que se esforça para manter um razoável equilíbrio nas relações com os principais parceiros externos. O personalismo do chefe da diplomacia tendeu a se reforçar no período recente, comparativamente aos dois primeiros mandatos. Na verdade, a diplomacia lulopetista foi exacerbadamente pessoal, em todos eles, mas ela acentuou o personalismo desde a campanha presidencial de 2022, levando ao exagero a própria noção de diplomacia presidencial. Vamos às evidências da mudança.

A antiga diplomacia lulopetista (2003-2010) também tinha uma grande carga de personalismo de quem se acreditava o melhor de todos os diplomatas, com seus improvisos que frequentemente desprezavam os discursos burocraticamente bem escritos pelo Itamaraty. Mas ela conseguia preservar certo equilíbrio de racionalidade ideológica entre os três grandes formuladores e executores: Lula, Amorim e Marco Aurélio Garcia, este mais conhecido entre os diplomatas como “chanceler para a América do Sul”, dada a sua dedicação aos partidos de esquerda da região, sem esquecer os amigos cubanos e alguns centro-americanos. A “pizza diplomática”, nessa época, era composta por seis fatias puramente diplomáticas, isto é, os temas tradicionais do Itamaraty, e duas fatias de diplomacia partidária, como as boas relações com os amigos socialistas, os bolivarianos, os antiamericanos de maneira geral. Lula deu o tom de suas grandes iniciativas naquele período: orientação mais política do que comercial para o Mercosul, tentativa de liderar a América do Sul na oposição ao projeto americano da Alca – que ele conseguiu implodir com a ajuda dos companheiros Chávez e Kirchner –, os grandes encontros de presidentes da América do Sul e seus contrapartes da África e dos países árabes, assim como a criação da Unasul, logo dominada pelos bolivarianos.

A política externa era em grande medida dominada pelas concepções lulopetistas, mas apoiadas no profissionalismo do Itamaraty, que se esforçava para oferecer ao “nosso Guia” – como Amorim se referia a Lula – as condições ideais para o desempenho de sua diplomacia pessoal. Ele tinha presença garantida em diferentes foros plurilaterais, aos quais comparecia como convidado ou parte legítima – G7 e G20, por exemplo – ou como um dos promotores originais: IBAS, com Índia e África do Sul, a Unasul e, logo em seguida, o BRIC, ao lado da Rússia, da Índia e da China, no que, ao início, era um foro de países dinâmicos na economia.

Ausente durante treze anos de seu projeto de liderança regional, impedido de exercer seus talentos no contexto de um diáfano Sul Global – um “ente” bem mais teórico do que um foro dotado de consistência efetiva –, Lula voltou ao comando do país prometendo retomar seus antigos projetos políticos, sob o slogan “O Brasil Voltou!” Talvez tenha até voltado, mas não exatamente da forma como Lula gostaria, pois nem sua presença no G7 de Hiroshima, nem as duas reuniões de cúpula sul-americana do primeiro semestre de 2023, lhe trouxeram os dividendos políticos esperados: Zelensky, no primeiro caso, concorrentes da esquerda sul-americana, no segundo caso, tolheram o brilho que ele esperava recolher nesses encontros.

O que se registrou, na verdade, foi uma acentuação do seu personalismo diplomático, doravante em estado puro, sem algum real substrato fornecido pela retórica mais comedida da diplomacia profissional. Lula passou a disparar invectivas e recriminações contra velhos e novos adversários, por acaso todos eles situados no campo ocidental. Sua “neutralidade” favorável à Rússia no caso da guerra de agressão à Ucrânia já era bem conhecida desses interlocutores ocidentais, que ficaram ainda mais chocados com sua postura enviesada em favor de uma “resistência palestina” que escondia mal a disfarçada ausência de condenação formal do terrorismo do Hamas, completamente “esquecido” nos primeiros pronunciamentos, do próprio Lula e, de forma ainda mais constrangedora, nas notas da diplomacia oficial.

A operação de resgate dos refugiados da Faixa de Gaza foi muito mais cercada das atenções presidenciais do que tinha sido o retorno dos refugiados de Israel, o que era de certa forma previsível; a recepção pessoal deu-lhe oportunidade para uma nova série de improvisos pouco diplomáticos sobre o “genocídio israelense”, que chocou um espectro ainda maior da opinião pública nacional e internacional. Lula ainda não parece ter percebido que invectivas daquele teor, sem o devido aconselhamento de conselheiros menos afoitos, prejudicam a si próprio, a imagem do país, assim como a diplomacia de ambos, a oficial e a personalista.

Na verdade, esse tipo de descontrole verbal não começou no caso da guerra Hamas-Israel, com um inédito acúmulo de tragédias humanas, mas vinha se manifestando desde antes da vitória eleitoral em 2022, quando Lula atribuiu igual responsabilidade aos dois contendores no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia. Suas contínuas defesas de Putin têm mais a ver com a miragem de uma nova ordem internacional não ocidental do que com os interesses diplomáticos brasileiros de longo prazo.

O mesmo tipo de atitude pode ter continuidade de uma maneira ainda mais dramática do ponto de vista do Brasil no caso de uma eventual guerra de agressão da Venezuela contra a Guiana. Lula talvez desconheça o histórico envolvimento do Brasil nessa questão, pois que o Essequibo na mira do ditador venezuelano foi o foco da controvérsia arbitrada mais de cem anos atrás contra o Reino Unido. Ele não deveria permanecer indiferente a uma questão de Direito Internacional cuja violação criaria um conflito em terras anteriormente brasileiras. 

Lula carece de preparação adequada para manejar a complexidade de uma diplomacia atuando em múltiplas frentes como é a do Brasil. Entre intromissões indevidas e omissões não justificadas, ele está destruindo sua reputação de estadista, assim como a credibilidade conquistada pela diplomacia ao longo de muitas décadas de construção de uma autonomia reconhecida por todos. A bizarra expansão do Brics conduzida por duas grandes autocracias e endossadas pela diplomacia personalíssima de Lula ameaça fissurar o edifício desenhado por Rio Branco e Rui Barbosa, defendido em anos sombrios pela coragem de um Oswaldo Aranha e confirmado no plano dos conceitos jurídicos por um intelectual da estatura de San Tiago Dantas. Lula 3 escolheu uma trajetória política que afasta a diplomacia nacional das concepções centrais dos grandes nomes de sua política externa. Até quando?

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4511, 16 novembro 2023, 3 p.

 

Desafios da diplomacia brasileira na atualidade Paulo Roberto de Almeida revista Crusoé

  Sou colunista da revista Crusoé, o que implica em resguardar por certo tempo os direitos autorais da editora responsável. Considero que depois de duas ou três semanas seja razoável divulgar por este canal a íntegra dos meus artigos, vários deles de natureza conjuntural. É o que faço agora.

1531. “Desafios da diplomacia brasileira na atualidade”, revista Crusoé (10/11/2023; link: https://crusoe.com.br/edicoes/289/desafios-da-diplomacia-brasileira-na-atualidade/)Relação de Originais n. 4505.


Desafios da diplomacia brasileira na atualidade

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

 

“O Brasil voltou”, proclamou várias vezes Lula, desde que ganhou as eleições em outubro de 2022. Certamente que Lula voltou, mas menos triunfalmente do que desejaria e, ao que parece, indiferente às mudanças ocorridas no Brasil e no mundo desde 2010. O Brasil também voltou ao noticiário internacional, isolado que estava durante todo o mandato do presidente anterior, que fazia questão de exibir uma diplomacia ideológica, bem mais sectária do que a diplomacia partidária que Lula e o PT praticaram durante os anos da “ativa e altiva”, como eles tinham apelidado sua política externa daqueles anos. 

Ou seja, não funcionou como Lula gostaria: o retorno triunfal de uma política externa que pretenderia fazer do BRICS e de um diáfano Sul Global as bases diplomáticas de sua liderança regional e até mundial, teria de saudado por todos, o que não ocorreu. As razões podem ser encontradas no mundo a que Lula e o PT voltaram, depois de oito anos fora do poder. Ambos avaliaram mal a amplitude das mudanças objetivas ocorridas no Brasil, no entorno sul-americano e no mundo, com incertezas marcantes na economia mundial, com a deterioração do ambiente multilateral e o abandono prático do diálogo entre os líderes de nações relevantes e com o crescimento da direita em diversos países, inclusive no Brasil.

As bondades econômicas e o ambiente de relativa convivência entre as grandes potências que marcaram os anos 1990 e o início dos 2000 já não existem mais. A pandemia da Covid, os problemas econômicos dela decorrentes, as agressões russas à Ucrânia (desde 2014) e o acirramento das tensões geopolíticas entre as mesmas potências contaminaram o ambiente político internacional de uma forma que talvez não tenha sido visto desde as fases sombrias da Guerra Fria, como as tensões em torno de Berlim ou na crise dos mísseis soviéticos em Cuba, em 1962. Rumores de uma nova guerra nuclear foram ouvidos aqui e ali.

Lula acumulou contrariedades, sobretudo na própria região, com resultados limitados nas duas reuniões regionais que ele patrocinou no primeiro semestre de 2023: a cúpula dos presidentes sul-americanos, na qual ele esperava contar com o apoio de todos para a sua proposta de reviver a Unasul e de operar o acolhimento do governo chavista no seio da família sul-americana, e a cúpula dos países amazônicos, da qual esperava igual assentimento para medidas de proteção ambiental e de transição energética. Por outro lado, a calorosa recepção que grandes líderes mundiais lhe devotaram no momento de sua eleição começou a esfriar logo em seguida às suas primeiras declarações, já em 2022 e no início de 2023; no tocane à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, Lula mal disfarçou sua postura objetivamente favorável ao país agressor, em especial em relação a Putin, colega no BRICS.

A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia representou um primeiro desafio à política externa e à diplomacia de Lula, e um dos mais complicados, uma vez que ela implicou a negação de valores e princípios tradicionais da diplomacia brasileira – como o respeito à Carta da ONU e ao Direito Internacional –, assim como de cláusulas de relações internacionais da própria Constituição brasileira, como o respeito à soberania e à integridade territorial, a não interferência nos assuntos internos de outros Estados, ou o cometimento de crimes de guerra, sancionados em protocolos humanitários e sobre as leis da guerra subscritos pela maioria da comunidade mundial. Tal desafio já existia no governo Bolsonaro, mas foi continuado sob Lula, ambos sendo objetivamente pró-Rússia nessa violação aberta da Carta da ONU e do Direito Internacional.  Na verdade, ele remonta a 2014, quando da invasão e anexação ilegais da Crimeia pela Rússia, à qual o governo do PT, então sob Dilma Rousseff, se mostrou completamente indiferente, quando muitos países condenaram a invasão russa e introduziram sanções contra o país agressor.

Registre-se que a doutrina jurídico-diplomática brasileira sempre condenou tais atos de agressão: mesmo o Estado Novo de Vargas não admitiu a violação da soberania da Polônia pela Alemanha nazista, em 1939, ou a incorporação dos Estados bálticos pela União Soviética em 1940. Mas Dilma chegou a afirmar que a ocupação ilegal da Crimeia era um “problema interna da Ucrânia”, como se a invasão e anexação do território por um Estado estrangeiro pudesse ser considerado uma questão doméstica. Lula não esteve muito distante desse absurdo, quando chegou a sugerir que a Ucrânia entregasse partes do seu território para terminar com a guerra de agressão do vizinho mais poderoso. Essa postura causou mal-estar entre diversos dirigentes de democracias avançadas e a “neutralidade” de Lula gerou reações abertas de estranheza por parte de vários deles, e ainda não foi digerida por essas nações. 

O segundo desafio é mais recente, e está obviamente configurado pela guerra do Hamas contra Israel, iniciada pelos ataques terroristas perpetrados em graus elevados de atrocidades pela organização terrorista da Faixa de Gaza, agressor e atos insidiosamente obscurecidos nas primeiras notas e comentários do governo Lula a esse respeito, depois parcialmente corrigidos nos dias seguintes. Não é nenhum segredo diplomático que o governo de Lula 2 foi um dos primeiros Estados, em 2010, a reconhecer a Autoridade Nacional Palestina e seu “governo” na Cisjordânia ocupada por Israel. 

Tampouco é uma novidade constatar que a diplomacia brasileira aceita desde longo tempo – praticamente desde a partilha de 1947, operada sob a condução de Oswaldo Aranha na presidência da Assembleia Geral da ONU – o princípio de dois Estados na antiga Palestina sob tutela britânica durante a vigência da Liga das Nações. Mas, o militantismo pró-palestino do PT, assim como das esquerdas em geral no Brasil, se confunde com uma velha postura anti-imperialista e antiamericana, o que os colocam ao lado das mais execráveis ditaduras naquela região e no mundo. Essa postura, que contamina o governo e a diplomacia, pode estar na origem da frustração do Brasil quando do veto ao projeto de resolução apresentado no Conselho de Segurança durante a presidência brasileira e no tocante à longa espera imposta ao resgate de brasileiros da faixa de Gaza pela fronteira egípcia. 

O terceiro desafio, ainda não consumado na prática, mas subjacente desde muitos anos, é constituído pela pretensão da Venezuela, sob governos chavistas, de incorporar à sua soberania 74% do território da vizinha Guiana, a pretexto de que aquele território seria originalmente pertencente à antiga capitania geral da Venezuela. Maduro foi recebido com honras de chefe de Estado por Lula um dia antes da cúpula sul-americana de maio; ele agora pretende realizar um plebiscito de cartas marcadas no início de dezembro, e que poderia ser o prelúdio a uma invasão armada, pretensão já discutida e recusada na OEA e em outros foros internacionais, como a Corte Internacional de Justiça. Esse é um desafio ao qual o Brasil não poderá ficar indiferente, inclusive porque parte daquele imenso território era originalmente considerado português, portanto, brasileiro, no Império, mas reivindicado pelo Reino Unido e objeto de uma arbitragem defendida por Joaquim Nabuco, mais de um século atrás, quando o rei italiano Vitorio Emanuel resolveu concedê-lo graciosamente à rainha Vitória. 

Estes desafios devem ocupar intensamente a diplomacia brasileira nos meses, talvez anos, à frente; outros, igualmente complicados, certamente virão. A corporação profissional do Itamaraty está plenamente capacitada para administrar a parte que lhe cabe nas grandes questões que lhe estão afetas; o problema é que a condução da política externa nem sempre é compatível com os princípios e valores com os quais sempre trabalhou a Casa de Rio Branco. Aliás, o grande patrono da diplomacia preparou cuidadosamente os subsídios com os quais trabalhou Joaquim Nabuco na defesa dos direitos brasileiros na questão da Guiana. Se o Barão fosse o atual chanceler certamente expediria uma nota de protesto contra a Venezuela.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4505, 4 novembro 2023, 3 p.

 

O terrorismo que as esquerdas toleram - Paulo Roberto de Almeida (revista Crusoé)

 Sou colunista da revista Crusoé, o que implica em resguardar por certo tempo os direitos autorais da editora responsável. Considero que depois de duas ou três semanas seja razoável divulgar por este canal a íntegra dos meus artigos, vários deles de natureza conjuntural. É o que faço agora.

1529. O terrorismo que as esquerdas toleram”, revista Crusoé (13/10/2023, link: https://crusoe.com.br/edicoes/285/o-terrorismo-que-as-esquerdas-toleram/). Relação de Originais n. 4489.


O mau terrorismo e o terrorismo tolerável pelas esquerdas

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Artigo para a revista Crusoé

  

O PT, os petistas, as esquerdas em geral, possuem uma estranha postura em face do terrorismo. Existem aqueles atos condenáveis, vindos da extrema direita, de governos de tendências contrárias às deles, e existem os atos terroristas que são pelo menos toleráveis, segundo eles se dirigem contra alvos “imperialistas”, e que podem, portanto, ser justificados como resposta de populações oprimidas contra “potências imperiais”. Tal tipo de deformação moral revelou-se plenamente a propósito dos ataques terroristas perpetrados pelas forças do Hamas contra a população civil israelense adjacente ao território palestino da Faixa de Gaza. A despeito de que o próprio presidente condenou, numa postagem em rede, os “ataques terroristas”, a nota oficial do governo brasileiro – que é o que conta do ponto de vista da expressão formal do governo em face de um evento de repercussão mundial – incorreu num vezo já amplamente registrado em relação à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e o morticínio cometido cotidianamente pelas forças comandadas por Putin.

A nota à imprensa liberada pelo Itamaraty no próprio dia dos ataques, 7 de outubro, apenas “condena a série de bombardeios e ataques terrestres realizados hoje em Israel a partir da Faixa de Gaza”, expressa condolências às vítimas e reitera “que não há justificativa para o recurso à violência, sobretudo contra civis”; mas ela repete a típica atitude de isenção que tem sido registrada em relação ao caso da Ucrânia: “exorta todas as partes a exercerem máxima contenção a fim de evitar a escalada da situação”, como se as “partes” detivessem responsabilidades equivalentes na violência. As notas seguintes se referem bem mais ao repatriamento de brasileiros de Israel e de Gaza, do que o ao próprio evento em si. 

A reunião de emergência convocada pelo Brasil no domingo 8/10, exercendo a presidência do Conselho de Segurança, suscitou uma outra nota no dia seguinte. Nela, o governo volta a “lamentar profundamente a perda de vidas”, condena “ataques contra civis” – sem dizer quais eram – e, mais uma vez, sublinha “que as partes devem se abster da violência contra civis e cumprir suas obrigações perante o direito internacional humanitário”, como se essas “partes” estivessem agindo reciprocamente. Em nenhum momento, a nota se refere ao Hamas como autor primeiro dos atentados terroristas; jamais usa essa expressão.

Esse tipo de postura não é inédito vindo de um governo do PT; talvez expresse realmente o que o PT pensa, como partido, a respeito de atos terroristas visando alvos civis. Pode-se remontar aos ataques terroristas de setembro de 2001, contra as torres gêmeas de Nova York e o Pentágono em Washington (que fizeram mais de três mil vítimas inocentes), para retirar exemplos lamentáveis dessa distinção feita a respeito de atos terroristas toleráveis e justificáveis, segundo a ideologia do perpetrador. Tendo assistido de perto, se ouso dizer, ao segundo ataque – ao residir em Alexandria, na Virgínia, muito próximo ao Pentágono –, recolhi, estarrecido, nos dias seguintes, declarações inaceitáveis de militantes partidários e até de líderes do PT, tal como publicadas pela imprensa brasileira. Transcrevo aqui algumas das pérolas registradas naquela ocasião.

Num desses exemplos, a mídia recolheu declarações do deputado estadual Roque Grazziotin (PT-RS), segundo as quais o parlamentar considerava o atentado a “consequência do processo de dominação” norte-americana no mundo (OESP, 12/09/2001). Outro deputado do PT gaúcho, Edson Portilho, disse que, “por coerência”, lamentava que “milhares de vidas tenham sido ceifadas” nos Estados Unidos, mas comparou o atentado a outros episódios em que o governo norte-americano foi responsável: “São as mesmas cenas [sic] que o mundo repudiou no Vietnã e no Oriente Médio e que foram patrocinadas pelos Estados Unidos”, afirmou. Por sua vez, a então deputada estadual (depois federal) Luciana Genro disse que “essa tragédia é de responsabilidade do governo norte-americano, porque os Estados Unidos promovem o terrorismo de Estado no mundo inteiro” (OESP, 12/09/2001).

Estas são “explicações” que tentam racionalizar ou mesmo “justificar” os atos terroristas, colocando a responsabilidade principal sobre os ombros da potência imperial. Existe também outro tipo de “racionalização” desse tipo de atentado – quando cometido contra um alvo “imperialista”, entenda-se – que tenta minimizar os bárbaros fatos que ceifam vidas inocentes em nome de não se sabe bem qual causa política. Assim, por exemplo, o deputado (depois senador e ministro) Aloízio Mercadante (PT-SP), então secretário de Relações Internacionais do partido, minimizou a importância dos atentados. Para ele, não se deve “exagerar na dimensão do episódio. Qualquer terremoto ou furacão na Flórida faz mais vítimas e provoca estragos muito maiores” (Jornal da Tarde, 18/09/2001). Esse tipo de afirmação é no mínimo insensível e, em última instância, revela um certo desprezo pela perda de vidas humanas, quando resultando de algum tipo de “enfrentamento político” que possa colocar num dos lados da balança o tradicional “opressor imperialista”.

O que expressar, em face desse tipo de manifestação “política”, que revela certo anti-imperialismo primário, que se desdobra em antiamericanismo visceral, capaz de embotar determinadas mentes, que aparentemente não se dão conta de que estão coonestando os mais bárbaros atentados aos direitos humanos (no plano individual) ou aos direitos civis de grupos humanos (quando organizados contra países e sociedades), ao mesmo tempo em que, aqueles que assim procedem, conseguem ser condescendentes com forças reacionárias ou intolerantes no plano da civilização humana, desde o Iluminismo pelo menos? Alguém pensou em Putin?

 

Cada um tem o terrorista que merece? Apenas uma questão semântica?

O que esse tipo de atitude de políticos brasileiros, e também das esquerdas em geral, revela é o estranho acolhimento” que certos tipos de terrorismo encontram em meios políticos do Brasil quando cometidos em determinadas circunstâncias que o tornam, ou parecem convertê-lo em politicamente “palatável”. Tal postura já estava amplamente demonstrada no caso da guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, estranhamente ausente de qualquer nota do Itamaraty, quando o órgão submisso se esmera em emitir notas de solidariedade por qualquer acidente natural ou desastre humano ocorrido em qualquer canto do planeta. Ela acaba de ser escancarada no caso dos bárbaros assassinatos perpetrados contra inocentes civis, entre eles mulheres, crianças e até bebês. Uma nota específica chega a ser propriamente ridícula, ao falar do “falecimento” de um brasileiro, “vítima dos atentados” ocorridos no dia 7/10, assim genericamente, sem qualquer autor. Em nenhum momento, as notas se referem ao terrorismo, termo inexistente em qualquer uma delas, como referido pelo jornalista Duda Teixeira em matéria sobre essa estranha dicotomia (https://crusoe.com.br/diario/itamaraty-nao-ve-terrorismo-agora-em-israel-mas-viu-na-siria-turquia-paquistao/).

Nessa mesma linha, chega a ser patética, senão abjeta, a postura do MST, que exaltou a “brava resistência” palestina em Gaza após os atentados terroristas. Como vimos pelos exemplos acima, não deveria haver nenhuma surpresa nesse tipo de postura. Os governos do PT, aliás, objetaram a adotar uma legislação consistente contra o terrorismo exatamente em função desses pruridos emessetistas. Tampouco deveria haver qualquer tipo de ingenuidade, como a demonstrada no mesmo dia pelo embaixador de Israel em Brasília: segundo entrevista conduzida por Eliane Oliveira, “Daniel Zonshine, afirmou esperar que o Brasil, como presidente do Conselho de Segurança da ONU, lidere uma dura condenação internacional contra o Hamas” (Globo, 10/10/2023). Como essa “ousadia” não tem qualquer chance de ocorrer, é possível que algum outro diplomata israelense volte a chamar o Brasil de “anão diplomático.  Seria a consequência lógica de se ter uma definição à la carte do terrorismo, na qual a caracterização depende do autor preferido e da vítima designada.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4489, 10 outubro 2023, 3 p.