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sexta-feira, 22 de março de 2024

O que aguardava o Brasil em 2024? Escrito em dezembro de 2023. Mudou alguma coisa?

Quatro meses atrás, eu escrevi o artigo abaixo, publicado no começo deste ano.
O que se manteve, o que mudou? 

O que aguarda o Brasil em 2024?
Paulo Roberto de Almeida. Prognósticos para o novo ano. Revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531.
Quatro meses depois, o que ficou, o que mudou?
Cabe reler, e corrigir...


1543. O que aguarda o Brasil em 2024?”, revista Crusoé (n. 297, 12/01/2024, link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Originais n. 4531. 

 

 

Os prognósticos eram quase todos promissores ao início de 2023, quando Lula iniciou seu terceiro mandato. Logo em seguida ocorreu o 8 de janeiro, a tentativa golpista dos adeptos do ex-presidente fugido, o que chocou o Brasil e o mundo, inclusive vários dirigentes estrangeiros que tinham vindo para a posse. Os economistas, por sua vez, faziam estimativas sombrias para o crescimento econômico, menos de 1% do PIB, com inflação e juros ainda nas alturas. A maioria conservadora do Congresso, do seu lado, se encarregou de reduzir as expectativas do governo quanto às grandes mudanças propostas pelo presidente eleito. A grande revelação foi o ministro da Fazenda, que conseguiu arrancar, a trancos e barrancos, algumas das medidas econômicas mais relevantes para o futuro do Brasil. 

O ano de 1924 será, portanto, dominado pela regulamentação da reforma tributária e pelo continuado esforço do ministro da Fazenda de fazer cumprir sua meta de déficit zero, a despeito das intenções do presidente de continuar gastando – ou “investindo”, como ele prefere – como se o Brasil estivesse ainda navegando na bonança econômica do início do século (metade pelas reformas “neoliberais” do tucanato, a outra metade pela demanda da China por nossos produtos de exportação). O crescimento pode voltar a surpreender, apesar das estimativas modestas dos economistas e dos organismos internacionais. Em todo caso, os principais desafios do Brasil não estão principalmente na economia.

A política doméstica continuará dominada pela divisão do país, mesmo quando o próprio governo optou pelo slogan “união e reconstrução”. A luta política, voltada em 2024 para as eleições locais, parece cristalizar uma polarização que só interessa aos dois blocos opositores nas eleições de 2022. A “solução”, para o governo, parece situar-se nos mesmos métodos empregados nos dois primeiros mandatos, isto é, a mobilização, pela via de cargos e recursos, de partidos e parlamentares individuais para cada uma das medidas a serem votadas. Com uma diferença, porém: o poder do parlamento cresceu de modo significativo, no modelo completamente distorcido das emendas individuais, de bancada e de comissão, que passaram a desfigurar completamente a noção de aplicação racional dos recursos disponíveis. 

O grande ativo do terceiro mandato, no plano interno e no externo, deveria ser a política ambiental, mais proclamada do que efetivamente implementada, sobretudo se as promessas de preservação do meio ambiente e de transição energética se chocarem com os projetos e veleidades petrolíferas do presidente, inclusive na região amazônica. Durante a conferência das partes sobre mudanças climáticas em 2023, o governo resolveu associar o Brasil ao cartel dos produtores de petróleo, como se Lula pudesse cumprir sua promessa de convencer os líderes da OPEP a dar início à conversão para energias renováveis. Esse tipo de contradição também está presente em outras posturas de política externa do governo, nas quais pretende intermediar negociações de paz entre partes em confronto, ao mesmo tempo em que coloca num mesmo plano agressores e agredidos (em função das simpatias ideológicas do partido do poder). Nessa vertente, o Brics não é tanto um ativo diplomático como se pretende, quanto é um passivo geopolítico, sobretudo em função de sua recente ampliação a novos membros peculiares. Enquanto isso, a OCDE permanece no limbo.

Os mais relevantes problemas brasileiros – além e à margem dos quase eternos desequilíbrios regionais e desigualdades sociais – estão na educação e na segurança cidadã, áreas na quais o governo ainda não apresentou propostas abrangentes e integradas para reduzir deficiências notórias, que se agravaram nos últimos anos. A criminalidade tornou-se igualmente abrangente, nas grandes metrópoles e nas regiões recuadas, assim como mais sofisticada, alcançando as novas tecnologias de informação e de comunicação. Um dos grandes problemas econômicos é justamente a falta de competitividade da produção manufatureira do Brasil, resultado dos níveis medíocres de produtividade do capital humano, o que deriva da baixa qualidade da educação brasileira (como refletida nos exames do PISA).

A miséria residual e a pobreza mais extensiva poderão ser reduzidas por meio dos canais existentes de distribuição de renda e de auxílio focalizado, mas não parece haver hipótese de mudança estrutural nesse perfil iníquo da sociedade brasileira apenas através de programas governamentais. O subsídio ao consumo dos mais pobres deveria ter como objetivo principal a redução dos beneficiários pela via do mercado de trabalho, não o aumento quantitativo da população assistida. A reforma tributária ficou concentrada apenas no consumo, não na renda e no patrimônio, sendo que a regressividade impositiva poderá ainda ser agravada por um nível anormalmente alto da taxação pelo valor agregado (dados os subsídios remanescentes ou as exclusões e regimes preferenciais criados). Os novos poderes do parlamento, assim como do mandarinato estatal (a começar pela aristocracia do judiciário) não facilitarão a correção das principais desigualdades distributivas. 

Alguns dos principais desafios do terceiro mandato de Lula se situam no âmbito da política externa, uma vez que o Brasil estará, em 2004, no comando do G20, com propostas até bem-vindas no campo social e ambiental, mas também com a ilusória pretensão de uma grande reforma na estrutura da governança global, o que parece impossível, dado o aumento das tensões mundiais já identificadas a uma nova “Guerra Fria”. Nesse terreno, as opções de Lula se chocam com o seu tratamento leniente dos grandes violadores da paz e da segurança internacionais, por acaso proponentes de uma “ordem global não ocidental”, pela qual o presidente já manifestou diversas vezes sua predileção. Mais adiante virá a organização da conferência sobre aquecimento global na própria Amazônia, onde estarão em curso os novos projetos da Petrobras de exploração dos recursos eventualmente detectados in e off shore. No intervalo, continuarão as discussões com os parceiros do Mercosul e da União Europeia em torno dos projetos de reforma do bloco – no qual o Brasil estará relativamente isolado, em face de governos bem mais liberais – e da possibilidade de concluir um acordo que se arrasta penosamente em face dos protecionistas dos dois lados há mais de duas décadas. 

Surpresas certamente advirão no decorrer de 2024, tanto no plano interno, quando no cenário externo, para as quais o presidente e seu governo precisam estar preparados, pois sucessos e insucessos de alternarão ao longo dos próximos meses. Ainda não se tem um documento de governo claramente definido em função dos seus grandes objetivos, inclusive porque, tanto na arena da política doméstica quanto no teatro da política externa, o Executivo não dispõe de comandos suficientes para controlar a marcha e o conteúdo de suas propostas e reações aos desafios que inevitavelmente surgirão. O personalismo no ambiente interno e a diplomacia excessivamente presidencial no cenário internacional podem não ser as alavancas adequadas para uma governança efetiva em face da complexidade dos problemas que marcam o Brasil e o mundo na presente conjuntura histórica de transformação geopolítica. 

Os paradoxos de uma globalização fragmentada – crescimento, crise e concentração ao mesmo tempo – afetaram o funcionamento do multilateralismo contemporâneo e os grandes Estados (com a possível exceção da União Europeia) apresentam visível tendência a atuar unilateralmente, inclusive porque suas políticas internas também se encontram divididas em grupos ou lideranças mais radicais que disputam o poder. A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos. Lula terá algumas difíceis escolhas a fazer, num e noutro ambiente, daí a importância de se cercar de boas assessorias: econômicas, políticas e diplomáticas.

 

Paulo Roberto de Almeida

 

Brasília, 4531, 26 dezembro 2023, 3 p.

Publicado na revista Crusoé (n. 297; 12/01/2024; link: https://crusoe.com.br/edicoes/297/o-que-aguarda-o-brasil-em-2024/). Relação de Publicados n. 1543.

 














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