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domingo, 24 de março de 2024

E por falar em Lincoln Gordon, minha homenagem a ele, no seu 90 aniversário - Paulo Roberto de Almeida

 Elogio a um Andarilho do Século XX: Homenagem ao Embaixador Lincoln Gordon em seu 90º aniversário

Paulo Roberto de Almeida

 

Nonagenários estão se tornando mais comuns em nossos dias, bem mais, é verdade, entre as mulheres do que entre os homens. Não é todavia ainda muito frequente a comemoração dos 90 anos de alguém em plena saúde física e vigor mental, sendo por isso motivo de grande satisfação participar de um evento como este, o nonagésimo aniversário do Embaixador Lincoln Gordon. Tenho não apenas o imenso prazer de estar presente neste aniversário, como sinto-me no direito de esperar que ele também possa estar presente em minha festa de 90 anos, daqui a exatamente 37 anos.

Nonagenários, eu dizia, são mais frequentes atualmente, mas eles não o eram no século que atravessou, e ao qual sobreviveu, o professor e diplomata Lincoln Gordon. O “breve século XX” – no dizer de Eric Hobsbawm, pois começou apenas em 1914 e já tinha terminado em 1989 – foi também, para todos os efeitos humanos, um dos mais mortíferos e destruidores de toda a história da civilização humana sobre este planeta. Algumas dezenas de milhões de indivíduos – e também espécies animais, não esqueçamos, assim como cidades inteiras – foram eliminados da face da terra pelas máquinas mortíferas criadas pelo homem: canhões, armas químicas e nucleares, ou então simples machetes foram usados para eliminar “excedentes demográficos”, substituindo-se às igualmente devastadoras epidemias naturais, hoje menos comuns do que nos séculos precedentes.

O embaixador Lincoln Gordon, um andarilho de quase todo o século XX, foi portanto um sobrevivente, algo mais fácil de ser, sendo americano, do que se tivesse nascido em alguma outra região, não apenas nos continentes do hemisfério meridional, mas igualmente do outro lado do Atlântico. Apenas para ficar nas hecatombes e processos destruidores mais “eficientes” deste breve século XX, vamos listar de maneira algo impressionista os eventos e catástrofes a que sobreviveu o nosso personagem. 

Tendo se atrasado por um ano para o naufrágio do Titanic (1912), o evento que simbolizou durante tanto tempo – de certa forma até hoje – a impotência humana em face de certos fenômenos naturais, o Embaixador Lincoln Gordon conseguiu também escapar incólume de muitos desastres provocados pela mão do homem (ou sobreviveu, no sentido positivo, a outros tantos eventos políticos e sociais). Minha lista pessoal comportaria os seguintes fatos e processos a que sobreviveu ou dos quais escapou Lincoln Gordon:

 

1)    à Primeira Guerra Mundial;

2)    aos dez dias que abalaram o mundo e ao nascimento do sistema soviético;

3)    à gripe espanhola e à NEP leninista;

4)    ao tratado de Versalhes e suas consequências econômicas;

5)    a proibição do álcool nos Estados Unidos;

6)    às consequências econômicas dos senhores Churchill, Coolidge e Hoover;

7)    à crise de 1929 e à estupidez protecionista da Tarifa Hawley-Smoth;

8)    a estudos em Harvard, em Oxford e a uma Europa em processo de nazificação;

9)    ao fim do padrão-ouro e à teoria geral da intervenção dos governos na economia;

10) ao filme “Gone with the Wind” e a J. Edgar Hoover;

11) a Pearl Harbor, a uma grande guerra quente e à toda a Guerra Fria;

12) ao nascimento, crise e fim posterior do sistema de Bretton-Woods;

13) ao macartismo de MacCarthy e ao existencialismo de Jean-Paul Sartre;

14) aos coquetéis da vida diplomática e à Aliança para o Progresso;

15) à crise dos foguetes em Cuba e aos longos discursos de Fidel;

16) aos discursos do Brizola, à inflação brasileira e à morte de John Kennedy; 

17) à Revolução Cultural Chinesa e ao debate estruturalismo versus monetarismo;

18) a Woodstock, a Richard Milhous Nixon e a vários aumentos e quedas do dólar;

19) aos ecologistas anti-econômicos e aos politicamente corretos de modo geral;

20) ao sistema DOS e depois ao Windows, inventados por Bill Gates;

21) à queda do muro do Berlim e ao desaparecimento do sistema soviético; 

22) ao fim das ideologias, à morte das religiões e ao fim da História;

23) a dois choques do petróleo, a dois ou três blackouts e a muitas crises financeiras; 

24) a novos e repetidos discursos do Brizola e à transformação do PT em partido socialdemocrata e,

25) finalmente, como que provando que a evolução intelectual não segue uma linha reta nem é irreversível, ele tem sobrevivido, mais ou menos bem, ao imenso arsenal de globobagens dos atuais anti-globalizadores, ludditas de uma nova era e arautos de uma volta a tempos que nunca existiram.

 

Por tudo isso, e ainda por muitos eventos mais, que falhamos em registrar aqui, podemos ver no embaixador Lincoln Gordon um sobrevivente do século 20, mas também um jovem andarilho do século 21, como todos nós aliás. Comparando sua vida com a de muitos outros seres humanos, dentre os mais de 3 bilhões de habitantes deste planeta, ele pode se considerar como um verdadeiro felizardo, pois que finalmente produziu um rico legado de realizações intelectuais e práticas que enriqueceu esta mesma humanidade.

Mas para enriquecer ainda um pouco mais a parte de felicidade de seus muitos amigos e admiradores, ele precisaria avançar e terminar, o quanto antes, o seu projeto de depoimento pessoal para a história. Nele teremos um quadro das ideias, dos principais eventos e das realizações concretas que formulou, a que assistiu, ou de que participou, ao longo de uma longa vida rica de experiências marcantes nos campos político, econômico, diplomático e intelectual.

Portanto, ele não está autorizado a se aposentar antes de terminar a redação de suas memórias do século passado, bem como suas reflexões para este nosso século, como testemunha e pensador que foi, e ainda é, de um mundo em transformação.

Longa vida ao embaixador Lincoln Gordon!

 

Paulo Roberto de Almeida

Washington, 7 de setembro de 2003

Texto entregue com um presente (livro de Peter Watson, The Modern Mind) ao Emb. Lincoln Gordon em almoço com Paulo Sotero e John Williamson no National Press Club, dia 9/09/2003.

 

 

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