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domingo, 31 de março de 2024

La Défaite de l’Occident, d’Emmanuel Todd - notas de Paulo Roberto de Almeida


 La Défaite de l’Occident, d’Emmanuel Todd


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Resenha curta do livro do antropólogo francês.



O título é nada menos do que espetacular e espetaculoso: A Derrota do Ocidente, do conhecido antropólogo, cientista político e historiador francês Emmanuel Todd é feito justamente para surpreender, confrontar e amedrontar os ingênuos ocidentais, que acreditam que a sua dominação sobre o mundo seria eterna. Obviamente que não é; como todos os impérios do passado, o ocidental — que na sua forma aglomerada, cristã-europeia, se estabeleceu nos últimos cinco séculos — também será fragmentado, “destruído”, mais exatamente superado por outras conformações civilizatórias, eventualmente imperiais, ou seja, preeminentes e dominantes sobre boa parte do mundo.

Mas Todd se apressa em já declará-lo derrotado, ou seja, vencido por alguma outra força maior. E qual seria essa força, ou quais seriam essas forças? Aparentemente uma, ou as duas grandes autocracias da atualidade, Rússia e China, na ordem de preeminência que se preferir.

O título é, portanto, assustador e prometedor, no sentido em que a decretação da “derrota” parece inevitável e inexorável. Mas já tinha sido assim com dois de seus livros anteriores, que lhe trouxeram fama, e talvez alguma fortuna: La Chute Finale (1976), sobre o fim do império soviético, e Après l’Empire (2002), sobre o declínio econômico dos Estados Unidos.

Nem um, nem outro acabaram ou desapareceram: o império soviético sobreviveu sob uma forma neoczarista, sem as satrapias da Ásia central ou o controle das repúblicas tuteladas e dominadas da Europa central e oriental, mas aparentemente em boas condições no seu novo formato de uma Federação Russa multinacional. O império americano, por sua vez, prossegue “declinando” muito lentamente, e relativamente a outros centros econômicos emergentes, a própria União Europeia a 27, com um PIB comparável, a China com seu capitalismo leninista, e finalmente a Rússia, grande potência militar, mas demograficamente em declínio e sem uma base econômica vigorosa, a não ser seus recursos naturais.

O Ocidente já foi derrotado? Segundo Todd sim, e ele usa como peça central de seu argumento a “vitória” de Putin em sua guerra de agressão contra a Ucrânia e a intimidação decorrente sobre as potências ocidentais, em especial as da Otan.

Seria isso verdade?

Meu argumento é que não, por uma série de razões que não vou expor neste momento, por razões de espaço e de oportunidade – reservando isso a uma resenha detalhada do livro –, mas que vou resumir na seguinte observação: o tal de Ocidente (que não existe como entidade homogênea e unificada, assim como não existe essa entidade mirifica de acadêmicos e demagogos políticos, chamado de Sul Global) não pode ser derrotado de forma integral e direcionada, pois que ele existe e sobrevive de diversas formas e formatos, alguns econômicos, outros políticos e mais geralmente culturais. 

Não se mata uma cultura, como se liquida um império, o que de resto foi provado pela própria sobrevivência do Império do Meio, ainda que o formato imperial tenha sido substituído há mais de um século por uma República, hoje dominada temporariamente por um partido leninista. Tampouco se liquidou a cultura imperial russa, agora na sua forma neoczarista, depois de 70 anos de um império escravocrata bolchevique, seguido por dez anos de confusões políticas e declínio econômico sob uma democracia de fachada, como já tinha sido o caso dos dez meses pré-putsch bolchevique de 1917.

O assim chamado “Ocidente” – muitas aspas, dado seu caráter multiforme – passa por mudanças, inevitáveis, como aquelas que afligem as duas grandes autocracias concorrentes, e aparentemente “vencedoras” na visão de Todd, mas esse “Ocidente” não está nem derrotado, nem será superado por algum outro império irresistivelmente ascendente (como poderiam ser os competidores russo ou chinês).

Os problemas atuais, políticos, econômicos, ou até culturais ou militares, desse "Ocidente" multiforme, serão acomodados e incorporados em novas formas de expressão de sua "fortaleza" cultural de caráter multinacional, multi religioso e multicultural, como é o destino de toda a humanidade no longo prazo.

No curto e no médio prazo, o "Ocidente" encontrará uma forma de salvar a Ucrânia, ainda que diminuída temporariamente territorialmente, e de incorporá-la em suas instituições mais proeminentes: a UE, no plano econômico e institucional, a OCDE, no plano da interdependência de políticas econômicas, ainda que por vezes contraditórias, e a OTAN, como ferramenta temporária de defesa militar, que se mantém há mais de 70 anos e ainda tem alguma utilidade (que o digam os bálticos, e agora a Finlândia e Suécia).

Todd não é um "putinófilo", como o acusam alguns no "Ocidente"; ele é apenas um provocador inteligente e bem articulado. Ele queria assustar os "ocidentais", épater les bourgeois, diriam os poetas e militantes antigamente, e o conseguiu. Seu livro é muito interessante e vale ser lido com o espírito desprevenido, aceitando algumas coisas, recusando certos exageros – como o do título, por exemplo – e sobretudo levando em consideração certos fatores que não dependem da vontade dos políticos, sejam eles estadistas – faltam muitos no Ocidente atualmente – ou os tiranos de autocracias aparentemente bem-sucedidas (no momento).

Vou fazer uma resenha completa assim que puder e terminar o livro. Já deve ter alguma edição brasileira em andamento, ou alguma inglesa já pronta.

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4621, 31 março 2024, 3 p.

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