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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 16 de novembro de 2024

É correto dizer que o agro não traz industrialização? - Marcos Fava Neves (Revista Veja)

É correto dizer que o agro não traz industrialização?

Ao contrário do que alguns pensam, há grande contribuição para o desenvolvimento industrial

Por Marcos Fava Neves

Revista Veja, 16/11/2024


O protagonismo do Brasil no cenário agrícola mundial não é ao acaso, mas sim proveniente de diversas vantagens comparativas e competitivas: dimensões continentais (1); condições climáticas favoráveis (2); e o investimento consistente em pesquisa e desenvolvimento (3). Dessa forma, foi possível expandir culturas como a soja e milho para regiões como o Cerrado, além de desenvolver cultivares adaptados e práticas agrícolas sustentáveis, como o plantio direto, irrigação, integração Lavoura-Pecuária, entre outras. 

Segundo dados da Conab, nos últimos 30 anos, a produção brasileira de grãos saltou de 58 milhões de toneladas, em 1990, para mais as esperadas 322 milhões de toneladas em 2024, enquanto a área plantada cresceu em proporção muito menor, de 38 milhões para cerca de 82 milhões de hectares (+ 97%).

Mesmo assim, é comum nos depararmos com colocações de que o agro não contribui com a necessária industrialização do Brasil, são produtos “primários”, sendo importante mostrarmos que estas não estão corretas por dois motivos principais.

Primeiro equívoco é que estas colocações não consideram as indústrias que estão dentro do agro, provavelmente pelo desconhecimento do conceito de agro. A agricultura é uma grande promotora do desenvolvimento industrial, gerando oferta e demanda para dezenas de tipos de indústrias nas mais variadas cadeias. Impulsiona segmentos como: as indústrias de bioenergia (a), que guiam o país para uma transição energética mais limpa e renovável (exemplos: usinas de cana-de-açúcar, usinas de etanol de milho, de biogás, biodiesel, biometano e outras, além dos seus fornecedores); as indústrias frigoríficas e laticínios (b), que transformam proteína animal nos mais variados cortes e produtos processados; indústrias têxteis (c) que processam o algodão para transformá-los em roupas e trajes (fiações, tecelagens, malharias e confecções); indústria de máquinas e equipamentos (d); a gigante indústria de alimentos (e), que processa, desde o suco de laranja e o café até frutas e vegetais; a indústria de papel e celulose (f), que nos proporciona as embalagens, os papeis com finalidade sanitária e outros; a indústria de móveis (g), que transformam a madeira cultivada em nossas mesas, cadeiras e bancadas; a indústria da borracha (h), que nos proporciona o pneu e outros produtos; a indústria de couro (i), para as botas, bolsas e casacos; além das indústrias de insumos agrícolas (j) e nutrição animal (k).

O Brasil é referência nestas indústrias citadas que foram historicamente impulsionadas por uma agricultura eficiente e fazem parte do agro. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), somente as agroindústrias são responsáveis por empregar 4,7 milhões de pessoas; além de representar cerca de

5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

E em relação ao futuro, devem continuar demandando grandes investimentos industriais, apenas a título de exemplo temos a Eurochem e a recente fábrica de fertilizantes inaugurada em Serra do Salitre (MG), com investimento de R$ 8,2 bilhões. No setor de papel e celulose, indústrias têm sido instaladas principalmente no Mato Grosso do Sul, com investimentos que superam os R$ 20 bilhões por unidade. No etanol de milho, cada planta traz investimentos na ordem de R$ 1,2 bilhão e muitos projetos estão anunciados. Na área de processamento de grãos, diversas cooperativas anunciam investimentos em unidades industriais para fabricação de farelo e óleo na casa de R$ 1 bilhão, impulsionando o

desenvolvimento regional e gerando empregos e oportunidades.

O segundo equívoco do pensamento que o agro não traz industrialização é que por ser gerador de uma renda anual nas atividades agrícolas e pecuárias próxima a R$ 1,2 trilhão e por exportar cerca de R$ 900 bilhões por ano, esta renda toda gera consumo e movimenta as indústrias de automóveis, cosméticos, construção civil, aviação, eletrodomésticos, eletrônicos e outros bens de consumo industriais, além do setor de serviços. Se não fosse esta renda e consumo, estes setores seriam muito menores no Brasil.

As críticas, apesar de equivocadas, não tiram o necessário processo de se caminhar para mais industrialização nos produtos a serem vendidos principalmente ao exterior, se possível agregando cada vez mais valor. A título de exemplo, caso o Brasil não exportasse carne de frango e de suínos, que são produtos industrializados, e exportasse o equivalente em soja e milho que os animais comeram ao longo do seu desenvolvimento, as exportações anuais cairiam de US$ 13 bilhões para US$ 3 bilhões.

O sonho a ser perseguido é o de ocupar o máximo do mercado de produtos primários, tais como a soja e o milho, que tem sim valor agregado e são muito importantes ao Brasil, e paralelamente caminhar para uma industrialização cada vez maior, exportando produtos prontos, embalados, encaixotados, que podem ir direto para as gôndolas dos supermercados internacionais.


Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino.


O Fundo Soberano que não era soberano, nem fundo, só caixa preta - Juliana Elias Revista Veja

 O bônus de 1 trilhão de reais: os rumos nebulosos do fundo do pré-sal

Criado para distribuir a riqueza do petróleo, até agora ele é mais um caso de fortuna nacional desperdiçada

Por Juliana Elias

Revista Veja, 16/11/2024


O presidente Lula poderia estar decepcionado com os rumos que as rendas bilionárias do pré-sal tomaram mais de uma década depois de sua descoberta, não estivesse ele próprio de volta ao Palácio do Planalto e com o comando desse oceano de dinheiro nas mãos. “O pré-sal é o nosso passaporte para o futuro”, disse ainda em seu segundo mandato, em um pronunciamento feito em 2008, gigantesca reserva de petróleo a

mais de 7 000 metros abaixo da superfície do mar na costa brasileira. “Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso: nossos filhos e nossos netos”, concluía. 

A camada do pré-sal se revelou, de fato, tão ou mais exuberante do que qualquer prognóstico mais otimista pudesse antever. O mesmo, porém, não pode ser dito da principal ferramenta de proteção para as riquezas cada vez mais robustas geradas por ela — o Fundo Social, uma poupança nacional criada por Lula em 2010 para preservar o dinheiro do petróleo e investir no desenvolvimento do país. Aos 14 anos de vida, o fundo não cumpriu o seu objetivo original e tomou rumos nebulosos, que permanecem incertos até hoje em dia.

O aspirante a fundo soberano brasileiro não tem gestor designado, nunca definiu seus planos de investimentos, foi desconfigurado por uma série de leis que vieram depois e já gastou quase toda a fortuna que recebeu — embora ninguém saiba direito como, já que seus mecanismos de divulgação e transparência são opacos. Em tempos de penúria nas contas públicas, o desperdício pode ser considerado ainda mais chocante. “Estamos falando de muito dinheiro e ninguém está olhando para isso”, diz o e economista Beni Trojbicz, autor do livro Política Pública de Petróleo no Brasil.

Os números envolvendo essa poupança mal gerida são vultosos. De sua criação, em 2010, até 2023, o valor total de royalties e participações do petróleo depositados em sua conta somou 180 bilhões de reais, de acordo com uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU). No fim do ano passado, porém, restavam em caixa pouco mais de 30 bilhões de reais disso tudo. Cerca de 80 bilhões de reais teriam ido para a educação, obedecendo a uma lei de 2013 que definiu que 50% dos recursos deveriam ir para a educação básica e a saúde.

Outros 64 bilhões de reais, por sua vez, foram usados em 2021 e 2022 para abater a dívida pública, projeto incluído pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, na PEC Emergencial. “A ideia do Fundo Social de transferir a renda petrolífera para a sociedade é mais do que justa”, diz Helder Queiroz, coordenador do Grupo de Economia da Energia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP). “Mas, como ele carece de regulamentação até hoje, o uso de seus recursos acabou sofrendo uma série de desvios.”

O piso nacional da enfermagem, de 2022, o Pé-de-Meia, nova bolsa de Lula para estudantes de baixa renda, e parte do socorro ao Rio Grande do Sul, após as

enchentes de abril, são outros remendos que vieram depois permitindo mais saques da poupança do petróleo. “Algumas destinações até são previstas, como o combate às mudanças climáticas, mas elas são feitas sem planejamento e foram acabando com o projeto inicial, de criar uma poupança de longo prazo”, afirma Ticiana Alvares, diretora técnica do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo.

O marco legal do pré-sal, que criou o Fundo Social em 2010, determinava que apenas o valor de seus rendimentos seria usado para investir nas políticas públicas, uma inspiração no modelo do fundo do petróleo da Noruega, um dos maiores e mais bem-sucedidos do mundo. A legislação original também definiu as áreas estratégicas para onde esses recursos deveriam ir: educação, saúde, cultura, esportes, inovação e meio ambiente. Até o ano passado, porém, as quatro últimas dessa lista não tinham recebido um centavo sequer.

Se a primeira década do Fundo Social já foi bilionária, a segunda chegará perto do trilhão. A conta do TCU é que, de 2024 até 2032, quando a produção do pré-sal atingirá seu auge, o fundo receberá mais 930 bilhões de reais. Dali em diante, as projeções do próprio governo são de que a produção do megacampo, seguindo o destino inexorável de todo recurso natural não renovável, começará a declinar. “O volume de dinheiro por vir é estrondoso, mas ele não vai continuar por muito tempo”, diz o economista especializado em contas públicas Murilo Viana. “É por isso que a essência desses fundos é fazer bons investimentos e gerar renda ao longo do tempo, sabendo que suas receitas são voláteis e finitas.”

Para que o país não perca mais uma década, o TCU deu ao governo, em abril, um prazo de 180 dias para apresentar os projetos de regulamentação do Fundo Social. O prazo se encerrou em outubro e foi prorrogado por mais 100 dias. A exigência do tribunal inclui a criação dos dois comitês que deveriam ser os responsáveis pela gestão dos investimentos financeiros e sociais do fundo, um aparato que está previsto e pendente desde a lei que o criou. Um programa estruturado de aplicações financeiras, investimentos no exterior (para proteger as receitas das flutuações do dólar), definição de como financiar as áreas sociais e relatórios semestrais dos resultados são outros mecanismos também previstos na legislação e que seguem até hoje sem ser criados.

Procurada, a Casa Civil, braço do Executivo responsável pelo Fundo Social, informou por nota que, em resposta ao ultimato de regulamentação do TCU, “o governo federal está trabalhando com os órgãos envolvidos na elaboração de uma proposta”. Não respondeu, porém, a outras perguntas da reportagem, como quanto dinheiro há na conta do fundo ou qual é a equipe responsável por geri-lo enquanto a regulamentação não vem. “Não há uma distribuição transparente dos recursos, e mesmo os repasses declarados para a educação não necessariamente chegaram aonde deveriam”, diz Daniel Cara, professor de economia da educação na Universidade de São Paulo e coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “O resultado é que não vimos nenhuma diferença, e agora já perdemos uma geração.” É urgente que os problemas apontados pelo TCU sejam resolvidos para garantir que ao menos as próximas gerações sejam beneficiadas pela dádiva do pré-sal.


sábado, 5 de outubro de 2024

Santa raiva: A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão - Cristovam Buarque (revista VEJA)

 . Nem sentimos incômodo pelo fato de nosso desprezo à educação amarrar o país, impedir o aumento da renda média e manter a sua trágica concentração devido ao sistema escolar dividido entre “escolas senzala” e “escolas casa grande”, determinando o futuro de uma criança desde o dia de seu nascimento; salvo raras exceções, tanto quanto antes era por causa da cor da pele durante a escravidão...

 

 

sábado, 5 de outubro de 2024

Cristovam Buarque - Santa raiva

Veja

A tragédia educacional precisa ser vista como a da escravidão

 

O movimento abolicionista só cresceu quando, em vez da simpatia à liberdade dos escravos, passou a usar a raiva contra a perversidade da escravidão e a denunciar a estupidez desse sistema para o progresso do país. Há décadas, nossos educacionistas defendem o direito de todos a uma escola com qualidade, mas a educação continua entre as piores e mais desiguais do mundo; sabe-se que a deseducação é uma barreira para nosso progresso, mas o eleitor não vota por educação, sobretudo se o candidato lembrar que essa prioridade exige relegar outros gastos.

Apenas com discurso simpático, educação não estará entre as prioridades dos políticos. Ainda mais agora, quando os resultados eleitorais são motivados mais pela raiva aos políticos do que por simpatia a uma causa.

Mais do que ser favorável à educação, os educacionistas precisam criar uma santa raiva contra a falta de educação, tanto quanto os abolicionistas contra a escravidão. Vergonha por termos entre 12 milhões e 14 milhões de adultos analfabetos plenos, incapazes de ler o lema escrito na bandeira; e quase 100 milhões despreparados para o mundo contemporâneo, sem um mapa que facilite sua busca pela felicidade pessoal nem as ferramentas necessárias a sua participação na promoção do progresso do país. Indignação por estarmos entre os piores do mundo em educação: 52º lugar em leitura, 65º em matemática, 62º em ciência, e termos o mais desigual sistema escolar do mundo conforme a renda e o endereço do aluno. Raiva por sabermos que essa situação deixará o Brasil atrasado, insustentável, injusto, ineficiente, continuando a escravidão mesmo 136 anos depois da abolição, que ficou incompleta por desprezo com a educação dos libertos.

“É vergonhoso termos entre 12 milhões e 14 milhões de adultos analfabetos plenos”

Medo coletivo diante do fato de que 40 milhões de nossos 50 milhões de brasileiros em idade escolar neste ano de 2024 serão deixados para trás e não desenvolverão o potencial necessário para construir um país rico, justo, civilizado; no máximo 10 milhões deles chegarão à vida adulta plenamente alfabetizados para a contemporaneidade. A raiva seria imensa se poços de petróleo fossem tapados, já temos raiva porque queimamos florestas, mas não há uma santa raiva contra a queima dos cérebros deixados para trás por falta de escolas com qualidade.

Nem sentimos incômodo pelo fato de nosso desprezo à educação amarrar o país, impedir o aumento da renda média e manter a sua trágica concentração devido ao sistema escolar dividido entre “escolas senzala” e “escolas casa grande”, determinando o futuro de uma criança desde o dia de seu nascimento; salvo raras exceções, tanto quanto antes era por causa da cor da pele durante a escravidão.

Felizmente, aprendemos a ter raiva da corrupção que domina a política, mas ainda não sentimos desconforto com a pior delas: o roubo de inteligência, negação de escola com qualidade para as crianças sem renda suficiente para pagar algumas das raras boas escolas privadas ou, com sorte, para entrar em uma das raras públicas com qualidade, em geral federal. Sentimos raiva porque o SUS não funciona bem, mas nenhuma raiva porque o Brasil, com 136 anos de República, ainda não tem um Sistema Único Público de Educação de Base com qualidade para todos.

A política só vai priorizar a educação quando os educacionistas, inspirados nos abolicionistas, promoverem um sentimento de santa raiva e vergonha diante da tragédia educacional, sua injustiça com os brasileiros e estupidez com o país.

 

Publicado em VEJA de 4 de outubro de 2024, edição nº 2913

sábado, 16 de março de 2024

Os impactos desastrosos da interferência do governo na Petrobras e na Vale - Juliana Machado e Pedro Gil (Veja)


Os impactos desastrosos da interferência do governo na Petrobras e na Vale

Gestão Lula mexe na distribuição de dividendos da petroleira e embaralha a sucessão do presidente da Vale. Péssimo para as empresas, pior para o Brasil

Por Juliana Machado e Pedro Gil

Veja, 16 março 2024


Poucas empresas na história do Brasil, talvez nenhuma, foram tão maltratadas pelos governantes de ocasião quanto a Petrobras. Desde a sua criação, em 1953, pelo presidente Getúlio Vargas, a petrolífera tem sido alvo de pressões políticas que frequentemente determinam os caminhos que ela deverá seguir. Foi assim com o próprio Getúlio, que inventou a campanha “o petróleo é nosso”, e com os governos militares, que fizeram a estatal trabalhar a favor do slogan “Brasil grande”. Os governos petistas, contudo, têm especial predileção por mexer com a companhia. Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula e na gestão Dilma, o esquema conhecido como petrolão custou aos cofres da Petrobras, segundo investigação da Polícia Federal, prejuízos estimados em 43 bilhões de reais. Apesar das péssimas experiências no passado, o PT decidiu novamente usar a empresa como instrumento político — com impactos econômicos, mais uma vez, desastrosos.

Há alguns dias, a estatal anunciou, em conjunto com a apresentação do balanço do quarto trimestre, que não pagará dividendos extraordinários aos acionistas, ou seja, não distribuirá recursos acima do mínimo estabelecido no seu estatuto social. A decisão tomada pelo conselho de administração atendeu a um pedido do presidente Lula e contrariou avaliações técnicas feitas por boa parte dos diretores e conselheiros da empresa, incluindo o seu próprio presidente, Jean Paul Prates. A inapropriada ingerência de Lula fez a Petrobras perder, em apenas um dia, 56 bilhões de reais em valor de mercado em razão da queda de 10% do valor de suas ações na bolsa de valores. “A Petrobras faz política social ao pagar impostos e royalties e ao gerar empregos e investimentos”, afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura “Agora, o governo quer voltar ao passado com uma política que nunca deu certo.”

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O argumento de Lula para cortar o pagamento de dividendos é que os recursos que seriam distribuídos aos acionistas voltarão ao Brasil na forma de investimentos feitos pela Petrobras. Trata-se de uma visão torta — os gestores da empresa, e não o presidente da República, deveriam estabelecer o destino do dinheiro e a partir de critérios meramente técnicos. Note-se também que o próprio governo federal sai perdendo. “O governo está tentando aumentar a arrecadação, mas nega receber os dividendos da empresa que poderiam ser usados para ajudar a fechar as contas do país”, disse a VEJA Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras. “É uma decisão irracional.” Castello Branco conhece bem a mão pesada dos políticos. Ele foi demitido do comando da companhia pelo então presidente Jair Bolsonaro, que o instava a reduzir o preço dos combustíveis. O executivo resistiu quanto pôde. “Essas pressões prejudicam o ambiente de negócios e afugentam investidores”, afirma. “Iniciativas intervencionistas são perniciosas para a avaliação de riscos.”

O cenário de ingerência não está restrito à petrolífera. A Vale, outra empresa estratégica para os políticos, também tem sofrido com o barulho provocado por Lula, que tentou emplacar o ex-ministro Guido Mantega no comando da companhia e com suas atitudes tem embaralhado o processo sucessório do atual presidente, Eduardo Bartolomeo. No caso da Vale, as investidas de Lula são ainda mais chocantes. Trata-se de uma empresa de controle privado, que não deveria dar satisfação aos palpiteiros de Brasília. Lula, de fato, tem provocado estragos com seu jeito peculiar de fazer política. Em carta de renúncia apresentada aos colegas, o conselheiro independente da Vale José Luciano Penido afirmou que a transição na mineradora vem sendo conduzida “de forma manipulada, não atende ao melhor interesse da empresa, e sofre evidente e nefasta influência política”.

Sob os ruídos políticos, e mais queda de preço do minério de ferro, a Vale recentemente viu evaporar 69 bilhões de reais em valor de mercado desde a cotação mais alta de suas ações. Ou seja, quem tem recurso investido na empresa perdeu dinheiro. “Minha impressão é que incomoda ao Penido não só a intervenção do governo, mas os interesses de cada um dos acionistas que têm representantes no conselho e olham para si próprios e para suas empresas, como é o caso de Cosan, Bradespar e Mitsui”, afirma um gestor de ações de uma grande casa. “É uma empresa disfuncional no modelo de governança.”

Não é difícil ver os impactos danosos das ingerências políticas em empresas que deveriam caminhar com as próprias pernas. Como gigantes da bolsa, ao ser abaladas, Petrobras e Vale acabam afastando investidores locais e estrangeiros e contaminando, assim, todo o mercado — juntas, suas ações representam 24% do Ibovespa, principal índice da bolsa de valores. Para ter ideia, em 2024 o indicador está no campo negativo, enquanto as bolsas nos Estados Unidos, Europa e Japão alcançaram recentemente as suas máximas históricas. Outro dado alarmante é a debandada de investidores estrangeiros da bolsa brasileira, que deveria atrair capital de risco. Em 2024, eles já sacaram 21 bilhões de reais da B3 — e o ano mal começou. Para efeito de comparação, a bolsa registrou em 2023 captação positiva de 56 bilhões de reais.

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A desvalorização das ações das empresas e a consequente perda de bilhões de dólares em valor de mercado afetam as suas capacidades de competir com rivais estrangeiros. No caso da Petrobras, a ação já é historicamente negociada com um nível de “desconto” maior em relação a pares globais, incorporando os riscos de uma companhia com controle compartilhado com o governo. Nos últimos dias, os problemas dessa mistura ficaram evidentes. Enquanto os governantes teimarem em achar que grandes empresas existem para servir aos seus interesses políticos, o mundo corporativo brasileiro e o desenvolvimento do país estarão ameaçados.

 

 

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O Nobel da insensatez - Revista Veja

 O Nobel da insensatez

Revista Veja | Brasil
23 de fevereiro de 2024


A obsessão do presidente pela busca de protagonismo internacional produz mais um vexame diplomático e empurra o Brasil outra vez para o lado errado da história Daniel Pereira

O PRESIDENTE Lula traçou dois grandes objetivos para o seu terceiro mandato. No plano interno, pavimentar o caminho para a sua reeleição, em 2026. No externo, tornar-se um líder global, status com que sonha desde a sua primeira passagem pelo Palácio do Planalto. Aos olhos de hoje, a segunda meta parece bem mais difícil. Para alcançá-la, o governo brasileiro tenta ser protagonista no debate sobre proteção ao meio ambiente e costurar no âmbito do G20 - grupo que reúne as dezenove maiores economias do mundo, além da União Africana e da União Europeia - uma aliança global contra a fome e a pobreza. Se der certo, o petista pode até ser laureado com o Prêmio Nobel da Paz, apostam alguns de seus principais assessores, como o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias. O problema de Lula não é o tamanho de sua ambição, mas a forma como ele faz política externa, principalmente quando abandona a tradição brasileira de mediação e conciliação, distorce fatos históricos, tem recaídas ideológicas e entoa discursos irresponsáveis como se estivesse num palanque eleitoral, arranhando a imagem e prejudicando os interesses do país.

A diplomacia é, entre outras coisas, a arte de medir bem as palavras. É justamente o que o presidente não fez, mais uma vez, ao comparar as ações do Exército de Israel em Gaza, deflagradas em resposta aos ataques terroristas do Hamas, ao extermínio de 6 milhões de judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, pelo regime nazista de Adolf Hitler. "O que está acontecendo na Faixa de Gaza com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu, quando Hitler resolveu matar os judeus", disse o presidente brasileiro durante uma entrevista na Etiópia. A comparação é um despropósito completo. Feita de forma improvisada, por ignorância ou ma-fé, ela serviu de estopim para uma crise diplomática entre Brasil e Israel. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, puxou a reação, escrevendo numa rede social que as palavras de Lula eram vergonhosas e graves. "Isso banaliza o Holocausto e prejudica o povo judeu e o direito de Israel de se defender. Comparar Israel ao Holocausto nazista e a Hitler é cruzar a linha vermelha". Sob ordens de Netanyahu, o chanceler de Israel intensificou o revide, aproveitando para constranger publicamente o embaixador do Brasil no país, Frederico Meyer.

Como ocorre em casos

dessa natureza, Meyer foi convocado pelo governo de Israel a prestar esclarecimentos sobre a fala de Lula. O encontro entre ele e o chanceler israelense, Israel Katz, ocorreu num importante memorial do Holocausto. Lá, sob as lentes e os microfones da imprensa, Katz declarou o presidente brasileiro persona non grata, o que significa que ele não é bem-vindo em Israel enquanto não se retratar, e exigiu um pedido de desculpas. Tudo em hebraico, e sem a presença de um intérprete, o que pode ter impossibilitado a compreensão do que era dito pelo embaixador brasileiro. A crise estava definitivamente instalada. No Brasil, Lula, contrariado, determinou a convocação do embaixador de Israel para prestar esclarecimentos. De nada adiantou. O chanceler Katz continuou a fustigar o presidente brasileiro nas redes sociais: "Sua comparação é promíscua e delirante. Uma vergonha para o Brasil e um cuspe no rosto dos judeus brasileiros. Ainda não é tarde para aprender história e pedir desculpas". Em resposta, o ministro de Relações ExterioresMauro Vieira, declarou que as manifestações de Katz eram inaceitáveis na forma, mentirosas no conteúdo e funcionariam como uma cortina de fumaça.

Para o governo brasileiro, Netanyahu está aproveitando o caso para fugir de explicações sobre denúncias de crimes de guerra cometidos pelas forças israelenses contra civis palestinos. Pode até ser verdade, mas quem deu a deixa, como uma declaração desatinada e irresponsável, foi Lula. As recaídas ideológicas e os improvisos têm feito mal ao presidente na área internacional. Como se sabe, a esquerda brasileira e o PT nutrem simpatia pela causa palestina e defendem a existência de dois Estados independentes na região, o que é rechaçado por Israel. Até aí, tudo dentro da normalidade. A situação começa a desandar quando desce aos detalhes. Após as barbaridades perpetradas pelo Hamas em 7 de outubro, Lula resistiu quanto pode a chamar de terroristas os atos praticados pelo grupo contra civis israelenses, que incluíram assassinatos, torturas, sequestros e estupros. A duras penas, a diplomacia brasileira, um nicho de excelência no serviço público brasileiro, conseguiu convencer o presidente a fazer o que devia ser feito: chamar os terroristas pelo nome. Lula, por sinal, foge das cascas de banana que ele mesmo costuma espalhar pelo caminho ao seguir o roteiro dos diplomatas profissionais.

Dias antes de sua declaração desastrosa, o presidente divulgou uma mensagem nas redes sociais em que, fazendo jus à tradição brasileira, dizia que o ataque do Hamas era indefensável e merecia condenação veemente, mas que a reação de Israel era desproporcional, indiscriminada e inaceitável, tendo resultado na morte de cerca de 30 000 civis, incluindo mulheres e crianças. Por isso, Lula defendia um imediato cessar-fogo. Essa posição enfática, manifestada de forma ponderada, foi logo atropelada pela entrevista na Etiópia, que ainda serviu de pretexto para os radicais de sempre e os áulicos de plantão tentarem dourar a pílula do desatino retórico cometido pelo chefe. Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, o ex-chanceler Celso Amorim afirmou que a fala de Lula "sacudiu o mundo e desencadeou um movimento de emoções que pode ajudar a resolver uma questão que a frieza dos interesses políticos foi incapaz de solucionar", conforme relatado pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo. O senso de protagonismo brasileiro nesse caso não é apenas exagerado. Simplesmente não aconteceu.

Além de causar problemas no cenário externo, Lula conseguiu dar um tiro no pé na política interna, tomando para si o protagonismo da agenda negativa, que até então estava toda no colo de seu principal adversário, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Embora algumas vozes desatinadas tenham dado apoio, a exemplo da deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, que atacou Netanyahu dizendo que o israelense não tem autoridade moral nem política para apontar o dedo para ninguém, o bom senso foi a tônica no Congresso. Conhecido por seu perfil conciliador, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, cobrou de Lula, de quem é aliado, uma retratação por comparar a ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto. "Ainda que a reação do governo de Israel (aos atos terroristas do Hamas) venha a ser considerada desproporcional, excessiva, violenta, indiscriminada, não há como estabelecer um comparativo com a perseguição sofrida pelo povo judeu no nazismo", disse o senador. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner, um dos poucos quadros no PT com coragem para dizer o que pensa ao presidente da República, seguiu caminho parecido. Durante a sessão plenária, Wagner relatou ter dito o seguinte a Lula: "Não tiro uma palavra do que vossa excelência disse, a não ser o final, porque, na minha opinião, não se traz à baila o episódio do Holocausto para nenhuma comparação".

Desde a campanha eleitoral de 2022, Lula vem usando a política externa para fazer um contraponto a Bolsonaro, cuja gestão chegou a se gabar de ter transformado o Brasil num pária internacional. No primeiro ano de seu terceiro mandato, o petista privilegiou a agenda internacional e visitou mais de vinte países, tentando conquistar um pouco de visibilidade positiva no cenário internacional. Essa ofensiva, se bem-sucedida, pode render dividendos de imagem, acordos em diferentes áreas e ganhos financeiros. Também pode lustrar a própria imagem de Lula, que chegou a ser chamado de "o cara" por Barack Obama. Anos depois, em sua biografia, o ex-presidente americano relatou que o petista lhe causara boa impressão, mas ressaltou também que, segundo constava, tinha escrúpulos de um chefão de uma organização criminosa.

Pelo menos até 2026, a forma como o Brasil será visto no exterior dependerá de como Lula se portará em temas tão distintos como meio ambiente, combate à miséria e negociações de paz. Na quarta-feira, o presidente recebeu o chefe da diplomacia dos Estados Unidos, Antony Blinken, e ouviu dele que os americanos concordam com a solução de dois Estados independentes na região, mas rechaçam veementemente a comparação feita por Lula entre a ação de Israel em Gaza e o Holocausto. Hoje, o Brasil é um importante líder regional, com pretensão de ascender à primeira prateleira dos países protagonistas no cenário internacional. As oportunidades para ganhar relevância estão dadas. O Brasil sediará em novembro a reunião do G20, quando Lula espera sacramentar a aliança global contra a fome e a pobreza. Além disso, será palco no ano que vem da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. De olho ou não no Nobel da Paz, o presidente petista pode conseguir avanços importantes nesses dois encontros. Basta deixar a ideologia, a tentação do palanque e o improviso desrespeitoso de lado. Como bem ressaltou o ex-embaixador Marcos Azambuja, a diplomacia é feita de "palavras cuidadas", ponderadas, bem pensadas. A crise diplomática com Israel é uma prova disso.

domingo, 10 de dezembro de 2023

Austeridade fiscal? No Brasil?? Contenção de gastos??? - Alexandre Schwartsman (Veja)

 Acredite quem quiser

Nosso passado recente não bate com promessas de austeridade

Por Alexandre Schwartsman

Veja, 9/12/2023

Na semana passada, o STF, provocado pelo Ministério da Fazenda, decidiu que a emenda constitucional aprovada no fim de 2021, conhecida como “PEC dos precatórios”, estabelecendo, entre outras coisas, um limite para o pagamento de precatórios, é inconstitucional.

Por mais que me cause estranheza uma emenda constitucional ser inconstitucional (não sou jurista, embora saiba da existência das chamadas “cláusulas pétreas”), meu dever como economista é analisar o impacto dessa decisão não só sobre as contas públicas, mas principalmente sobre a forma como este país se organiza, ou melhor, como não se organiza.

Recapitulando, precatórios “são requisições de pagamentos expedidas pelo Judiciário para cobrar” de entes governamentais “valores devidos após condenação judicial definitiva”. Ao final de 2021, o então governo apresentou a proposta como maneira de “driblar” o teto de gastos e abrir espaço para elevar outras despesas, aumentando, assim acreditou, suas chances na eleição presidencial, movimento depois reforçado pela chamada “PEC Kamikaze” em 2022.

Os valores não pagos em 2022 e 2023 não desapareceram, é claro. Apenas foram varridos para debaixo do tapete e, como consequência, houve um forte acúmulo de pagamentos para os anos seguintes, no melhor estilo bola de neve.

A decisão do STF permite que a atual administração pague os valores atrasados, montante que se estima ao redor de 90-95 bilhões de reais (0,9% do PIB). Nesse sentido, nada a corrigir: o “pecado original” consistia no calote contra os credores do governo; saná-lo foi uma decisão correta.

Ao mesmo tempo o STF definiu que tais pagamentos (até 2026) não devem ser computados para fins da adequação do total de despesas ao limite criado pelo “novo arcabouço fiscal”. Da mesma forma, também não serão considerados para fins de aferição da meta de resultado primário. Isso, até onde entendo, não significa que precatórios quitados deixarão de ser contabilizados como despesas, nem que desapareçam das estatísticas de dívida pública. Parece ser adequado. Evita-se que o erro do passado contamine o desempenho, para fins legais, dos gastos federais.

Ainda assim, um pouco de reflexão nos leva a uma conclusão no mínimo esquisita. Havia uma regra para o gasto em 2021, “driblada” pela PEC original. Há uma regra para as despesas hoje, agora “driblada” pela decisão do STF. Muito embora ambas as intervenções possam ser consideradas legais, na prática diferentes governos conseguiram, por manobras distintas, gastar mais do que o originalmente permitido, seja pela legislação do teto de gastos, seja pelo “novo arcabouço fiscal”.

Isso, leitores, é puro “suco de Brasil”. Muito embora ambas as restrições tenham sido criadas por nós mesmos, conseguimos, com jeito e malemolência, gastar além dos limites.

É possível dar qualquer verniz legal para isso. Não impede, porém, que despesas em excesso da receita resultem em elevação do endividamento, assim como taxas de juros mais altas do que as que prevaleceriam com gastos controlados.

Acredite quem quiser nas promessas de austeridade. Nosso desempenho em passado nada remoto conta uma história muito diferente.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

A novela do TPI, desde o G20 da Índia, até 14/09/2023 - revista Veja, FSP, Hoje no Mundo Militar

Much ado about nothing?

O Itamaraty e o discurso de Lula sobre o Tribunal Penal Internacional

  • Na Índia, o presidente disse que estudaria por que o Brasil aderiu ao TPI; já Flávio Dino comentou que "a diplomacia brasileira pode rever essa adesão"

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/o-itamaraty-e-o-discurso-de-lula-sobre-o-tribunal-penal-internacional/amp/#amp_tf=De%20%251%24s&aoh=16947102346044&referrer=https%3A%2F%2Fwww.google.com 

Até o momento, pelo menos, ficou só no discurso do presidente Lula e na defesa do ministro Flávio Dino a ideia de rever a adesão ao Tribunal Penal Internacional. No Itamaraty, não houve nenhuma instrução nesse sentido.

Durante sua passagem pela Índia, onde participou da Cúpula do G20, Lula causou polêmica ao defender, em uma entrevista, a visita do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao Brasil na reunião do grupo que acontecerá no Rio de Janeiro em 2024 e dizer que ele não será preso no país se ele for presidente.

A questão é que o Brasil é signatário do chamado Tribunal de Haia, que emitiu um mandado de prisão contra Putin, acusado de ter deportado forçadamente crianças ucranianas, e seria obrigado a cumprir a ordem.

“O que eu posso dizer para você é que se eu for presidente do Brasil e ele for para o Brasil não há por que ele ser preso, ele não será preso”, disse o petista ao jornal “Firstpost”, da Índia.

Após a repercussão das declarações, ele foi questionado sobre o assunto e tentou recuar, afirmando que a eventual decisão seria da Justiça brasileira. Disse ainda que desconhecia o TPI e questionou por que países como os Estados Unidos e a própria Rússia não aderiram ao tribunal.

“É importante, eu, inclusive, quero estudar muito essa questão desse Tribunal Penal porque os Estados Unidos não é signatário dele. A Rússia não é signatário dele. Então eu quero saber por que o Brasil virou signatário de um tribunal que os Estados Unidos não aceita. Por que nós somos inferiores e temos que aceitar uma coisa, sabe? Agora, quem toma decisão é a Justiça, o Brasil tem um Poder Judiciário que funciona, e funciona perfeitamente bem”, comentou.

Indagado se tiraria o Brasil do tribunal, Lula disse não saber e que iria estudar o tema. “Eu quero saber por que que nós entramos. A Índia não entrou, a China não entrou, a Índia não entrou, os Estados Unidos não entrou, a Rússia não entrou e eu vou saber por que o Brasil entrou”, declarou.

Nesta quarta-feira, o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, também foi questionado sobre as falas do chefe e comentou que “muitos países do mundo, inclusive os mais poderosos”, não aderiram ao Tribunal de Haia.

“Então, o que o presidente Lula alertou, alertou corretamente, é que há um desbalanceamento, em que alguns países aderiram à jurisdição do Tribunal Penal Internacional e outros, não, como os Estados Unidos, a China e outros países importantes do mundo. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever essa adesão a esse acordo, uma vez que não houve essa igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento”, declarou.

“É um alerta que o presidente fez. É claro que a diplomacia brasileira vai saber avaliar isso em outro momento”, acrescentou Dino.

Na sequência, o ministro usou suas redes sociais para esclarecer que “não há nenhuma proposta, nesse momento, de saída do Brasil do Tribunal Penal Internacional”.

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Dino diz que Tribunal Penal Internacional é desequilibrado e endossa críticas de Lula Ministro afirma que Itamaraty pode debater participação do Brasil no Estatuto de Roma 


 BRASÍLIA O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), afirmou nesta quarta-feira (13) que o TPI (Tribunal Penal Internacional) hoje funciona de modo "desequilibrado" e endossou críticas do presidente Lula (PT) ao fato de o Brasil ser signatário do tratado da corte enquanto países como Estados Unidos e China não o são. "O TPI é de algumas nações e não de todas, e é esse o alerta que o presidente fez, no sentido da necessidade de haver igualdade entre os países. Ou seja: ou todos aderem ou não faz sentido um tribunal que seja para julgar apenas uns e não outros", disse o ministro. É o momento em que, nessa projeção mundial que o presidente Lula tem, quem sabe haver essa revisão do estatuto", sugeriu Dino em referência ao Estatuto de Roma, tratado fundador do Tribunal de Haia. "Ou todos os países aderirem. 

Ou, de fato, haver o reconhecimento de que é um tribunal que funciona de modo desequilibrado", completou ao participar de evento no Senado. O ministro disse que rever a participação do Brasil no TPI ainda é "um debate muito novo". Ele, no entanto, também afirmou que a diplomacia brasileira poderá avaliar a questão em "algum momento" —sem responder se ele, pessoalmente, era contra ou a favor disso. "O presidente Lula alertou corretamente que há um desbalanceamento em que alguns países aderiram à jurisdição do TPI e outros não. Isso sugere que, em algum momento, a diplomacia brasileira pode rever a adesão a esse acordo, uma vez que não houve igualdade entre as nações na aplicação desse instrumento." Na última segunda-feira (11), Lula disse que "não sabia da existência" do tribunal e que iria investigar as razões de o Brasil ser signatário do Estatuto de Roma. "Me parece que os países do Conselho de Segurança da ONU não são signatários, só os 'bagrinhos'",afirmou o petista durante entrevista coletiva em Nova Déli, na Índia, após o encerramento da cúpula do G20. 

 Na verdade, dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança —colegiado no qual a participação é uma demanda antiga do Brasil—, EUA, Rússia e China não aderiram ao TPI. França e Reino Unido, porém, são signatários do Estatuto de Roma e membros da corte. No total, a instituição reúne 123 países. A adesão do Brasil ao estatuto voltou a ser tema de debate depois de um comentário do petista a uma emissora indiana no último sábado (9). Na ocasião, ele afirmou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, poderia ir ao Rio de Janeiro em 2024, para a cúpula do G20 sob a presidência brasileira, sem correr risco de ser preso. A questão é que o russo é desde março alvo de um mandado de prisão do TPI por supostos crimes de guerra na Ucrânia. E o Brasil, como signatário do documento fundador do tribunal, em tese deveria se comprometer a cumprir suas ordens —neste caso, prender Putin, que sempre negou as acusações. 

 O mandado do Tribunal de Haia, que acusa o presidente russo de não agir para impedir a deportação ilegal de crianças ucranianas de territórios ocupados por seu Exército, já o impediu de comparecer a pelo menos um evento internacional de peso neste ano —a cúpula do Brics, realizada em Joanesburgo, na África do Sul. Com sede em Haia, na Holanda, o Tribunal Penal Internacional foi criado em 1998 e é responsável por investigar e julgar pessoas acusadas de infrações como crimes de guerra e crimes contra a humanidade. 

 O Brasil assinou o documento em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e o incorporou à legislação em 2002, mesmo ano em que o TPI passou a funcionar de fato —portanto, antes de o petista assumir seu primeiro mandato na Presidência, em 2003.

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Hoje no Mundo Militar, 14/09/2023

O Tribunal Penal Internacional (TPI) inaugurou um escritório em Kiev com o objetivo de facilitar a investigação em curso sobre os supostos crimes de guerra ocorridos durante a invasão russa da Ucrânia.

As investigações preliminares resultaram em dois mandados de prisão: um contra Vladimir Putin e outro contra Maria Alekseyevna Lvova-Belova, ambos acusados de crimes de guerra que envolvem a deportação forçada de crianças ucranianas para a Rússia.

Recentemente, o presidente Lula afirmou que não cumprirá o mandado de prisão caso Putin vá ao Brasil, apesar de o país ser signatário do TPI. Em resposta, o Ministro da Justiça, Flávio Dino, criticou o TPI como "desequilibrado" e indicou que o Brasil está reavaliando sua participação no único tribunal internacional habilitado para investigar e julgar crimes como genocídio e crimes contra a humanidade em contextos de guerra.

Se o Brasil sair do TPI, Lula poderá então receber Putin de braços abertos.