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segunda-feira, 7 de agosto de 2023

A tragédia do ensino fundamental no Brasil - Cristovam Buarque (Veja)

PRIMEIRO, O ALICERCE

Cristovam Buarque

Veja, 5/08/2023

A EDUCAÇÃO DE BASE deve oferecer o conhecimento do mapa necessário para cada pessoa caminhar na busca da felicidade individual e participar da construção do país. Sem isso, asfixiamos a juventude no analfabetismo e sufocamos a universidade por falta de alunos bem preparados. Mas a política educacional nas últimas décadas se caracterizou por uma espécie de neoliberalismo social orientado para atender à demanda de alguns por diploma universitário, ignorando a necessidade de educação de base para todos. Entre 1995 e 2020, multiplicamos por 5 o número de alunos no ensino superior, e apenas por 2 o número de concluintes do ensino médio, sem melhorar a qualidade do que eles aprendiam.

Com a promessa de oferecer o teto, o Brasil abandonou a construção do alicerce e degradou o edifício da educação. Tratada como um bem de consumo, não como ferramenta para cada pessoa orientar-se na vida e construir o país. Com o slogan “Universidade para todos” passamos a ilusão de que o futuro da pessoa e do país depende do diploma universitário, mesmo sem conhecimento, nem emprego nem renda. Apesar do positivo salto no número de universitários, há vinte anos o Brasil tem o mesmo número de 10 milhões de adultos analfabetos; apenas 50% de nossos jovens concluem o ensino médio, no máximo metade desses com a qualificação que se espera para enfrentar as dificuldades da vida social. Estima-se que menos de 10% dos que ingressam na universidade são proficientes em português e matemática, raros em inglês. O resultado é um imenso exército com dezenas de milhões de jovens analfabetos para a contemporaneidade e sem preparo para um curso superior. Por isso, em 2011, a evasão nas universidades foi de 2,5 milhões de alunos, 36,6% do total de matriculados no ensino superior; dos que conseguiram concluir, grande parte se graduou em cursos sem qualidade, nem chance de empregabilidade e renda.

Essa visão chega a tal ponto que no Brasil os três anos posteriores ao ensino fundamental não se chamam “conclusivo da educação de base”, mas “médio”, visto como degrau para o superior. Não é boa estratégia, mas tem sido promovida para seduzir eleitores que preferem a ilusão de comemorar o ingresso no ensino superior, mesmo em um curso sem perspectiva, do que comemorar a conclusão da educação de base, em um curso que prepare para o futuro.

A educação brasileira, inclusive nas universidades, estaria melhor se tivéssemos dado mais atenção à educação de base, oferecendo ensino fundamental sólido e a etapa conclusiva de qualidade. Todos alfabetizados para a contemporaneidade: sabendo falar e escrever bem o idioma português; ser fluente em pelo menos um idioma estrangeiro; conhecer os fundamentos da matemática, ciências, geografia, história, artes; debater com competência os temas de filosofia, política, antropologia e sociologia relacionados aos principais temas do mundo moderno; saber usar as ferramentas digitais; dispor de pelo menos um ofício que permita emprego e renda. Prontos para a vida e o país, de modo a seguirem estudando em curso superior, conforme a vocação e os conhecimentos adquiridos. Mas isso exige colocar a solidez do alicerce na frente da ilusão do teto, o que é uma boa estratégia para o futuro do país, mas não para a próxima eleição.


sábado, 9 de janeiro de 2021

Cristovam Buarque quer unidade das oposições a Bolsonaro: em 2022 será tarde

 Cristovam Buarque pede apenas, por enquanto, a unidade das oposições para barrar a continuidade do degenerado. Mas isso é ignorar que a insanidade do desmiolado vai se agravar e a situação pode se agravar ainda mais até 2022. As oposições precisam se unir para libertar o Brasil da insanidade e da perversão desde AGORA.

Paulo Roberto de Almeida

Basta e basta

Cristovam Buarque

Basta do governo insano e da oposição dividida. 

O maior erro dos democratas foi não manterem a unidade da luta contra a ditadura, na hora de construir a democracia, com eficiência econômica, justiça social, sustentabilidade ecológica, fiscal e educacional. Continuamos divididos, mesmo diante do risco de reeleger um regime miliciano no lugar do antigo regime militar.

Em 1985, os democratas se uniram para barrar a continuação do regime militar com o civil Maluf; com exceção do PT, que não votou contra a ditadura, para não se aliar a democratas conservadores. Com poucos deputados, sua opção não impediu a vitória da democracia. Quase quarenta anos depois, outra vez os democratas têm a chance de deixar suas divergências para barrar um regime militarista, obscurantista, candidato a autoritarismo. 

Desta vez o PT não é mais o pequeno partido de antes. Apesar de todo seu desgaste, por seus erros ou por manipulações na justiça, o PT é um partido grande o suficiente para definir o rumo das eleições em 2022: unindo-se aos demais democratas para barrar a continuação do atual governo, ou repetir o isolamento e correr o risco de reeleger o governo atual, com todas as consequéncias.

Se repetirmos agora o divisionismo, seja porque o PT não se alia aos demais democratas ou porque estes não aceitam se unir ao PT, há grande chance de outra vez chegarmos ao segundo turno com um nome que não entusiasma ao conjunto dos democratas, e, ainda mais grave, um nome ou um partido com mais rejeição do que o atual presidente. Como aconteceu em 2018, onde Fernando Haddad era muito mais preparado, mas perdeu por causa da rejeição ao PT.

Basta deste governo insensato.

Basta também da insensatez dos democratas que se dividem.

Em 1985, Brizola, Arraes, Ulisses, deixaram de lado suas divergências mútuas e abriram mão da proposta nobre das eleições diretas, adiando-a por quatro anos; se aliaram a Sarney e Marco Maciel, que até a véspera estavam aliados a ditadura mas aceitaram a aliança com seus adversários para iniciar a redemocratização, que sem eles teria sido adiada por anos. Foi a aliança entre adversários discordantes e o nome sem rejeição, do Tancredo, que permitiu barrar a ditadura. Outra vez precisamos que nossos líderes de hoje barrem a reeleição deste presidente que se reelegeu por causa de nossa divisão em 2018. Para tanto, precisam fazer como fizeram aqueles outros 40 anos atrás: explicitarem a unidade, os motivos dela, e escolherem um nome com pequena pequena rejeição na opinião pública. Que assuma o compromisso de abolir o negacionismo, aceitar diálogo e tolerância, respeitar a democracia, rechaçar o armamentismo e conduzir o país por quatro anos. É como se estivéssemos outra vez adiando as Diretas, mas abrindo o debate sobre o progresso futuro, graças a barrar a decadência que o Brasil sofre.

Basta da insanidade do desgoverno ou do divisionismo das oposições.

quarta-feira, 15 de junho de 2016

PT: das teses politicas 'as narrativas mistificadoras - Cristovam Buarque

Acredito que Cristovam Buarque é ingênuo, ou se faz de ingênuo, para não romper totalmente com sua "clientela de esquerda", pois não reconhece todas as falcatruas deliberadamente perpetradas por essa organização criminosa. Ainda assim, seu artigo pode oferecer um relato aceitável para aqueles que ainda não se deram conta de todas as mentiras petistas e petralhas.
Paulo Roberto de Almeida

Teses e narrativas
Cristovam Buarque
14/06/2016

O Partido dos Trabalhadores adotou, durante anos, a prática democrática de debater teses apresentadas por seus grupos organizados, chamados de “tendências”.

 Ao chegar ao poder, esta prática foi reduzida pela centralização criada para fazer o governo funcionar. As “tendências” foram perdendo força e suas teses, aos poucos, abandonadas.

Nos últimos meses, o partido passou a adotar “narrativas”, criadas conforme a interpretação de alguns dirigentes ou seus marqueteiros, para serem transformadas em lendas acreditadas sem contestações, o contrário do debate de teses. À exceção de alguns poucos líderes, a exemplo de Tarso Genro, que se mantêm fiéis a teses.

Foi propalada a lenda de que os programas de transferência de renda foram inventados e criados, em 2004, pelo governo Lula. A narrativa ignora o programa Bolsa Escola, criado pelo governo do PT no Distrito Federal, em 1995, espalhado para diversas cidades, inclusive São Paulo, no governo da Marta Suplicy, e depois adotado pelo governo Fernando Henrique, em 2001.

O programa foi ampliado com o nome de Bolsa Família, mas, ao relegar o aspecto educacional, transformou-se em instrumento de assistência social.

Em 2009, foi criada a narrativa de que o pré-sal era um produto do governo Lula e que suas receitas salvariam o Brasil, especialmente educação e saúde. Anos depois, estes setores não viram os resultados prometidos, e a Petrobras luta para sobreviver após a rapinagem do petrolão.

Vendeu-se a narrativa de que o Brasil havia superado o quadro de pobreza e que 35 milhões ingressaram na classe média, como a família que recebesse em 2012 renda per capita mensal entre R$ 291 e R$ 1.091. Este baixo valor e a elevada e persistente inflação desmoralizaram a narrativa.

Apresentaram a lenda de que as generosas desonerações fiscais seriam capazes de transformar a crise mundial em uma marolinha brasileira.

Graças às cotas, positivas, mas localizadas e restritas a raras pessoas, houve a narrativa de que os filhos de todos os pobres tinham vagas nas universidades, mesmo sem a melhoria da educação básica, porque raríssimos pobres terminam o ensino médio com qualidade.

Agora, passa-se a narrativa de que o impeachment é golpe, mesmo se for comprovado crime de responsabilidade previsto na Constituição. Individualmente, cada um pode ter razões para duvidar se as gravidades dos fatos apresentados na petição do impeachment justificam a destituição de uma presidente eleita por mais de 53 milhões de votos.

Mas não há razão para acreditar na narrativa de golpe, se o procedimento estiver seguindo as normas, leis e ritos constitucionais, conforme seguiu no caso do ex-presidente Fernando Collor. Esta narrativa é, porém, um direito do partido na estratégia eleitoral para 2018.

É lamentável, porém, que o partido das “teses” tenha se transformado no partido das “narrativas”.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Situacao politica: Parlamente continua tao irresponsavel quanto o Executivo - Cristovam Buarque, Paulo Roberto de Almeida

O Senador Cristovam Buarque, de quem já fui um eleitor, mas parece que ele continua divagando, deu uma entrevista ao Valor Econômico, que reproduzo abaixo, seguindo de meus comentários, que enviei ao mesmo email do qual recebi a entrevista.
O Senador confirma que não está a altura das responsabilidades de um parlamentar, e portanto deixará de ter o meu voto.
Paulo Roberto de Almeida

On Jun 4, 2015, at 02:06, Mensagem Cristovam <mensagem-cristovam@senado.gov.br> wrote:

O senador Cristovam Buarque concedeu recentemente uma entrevista de quatro páginas ao jornal Brasil Econômico, na qual avalia o cenário político atual e fala sobre temas polêmicos como reforma política e fiscal, fator previdenciário, Frente Parlamentar Progressista e federalização do ensino público, além de propor uma autocrítica da esquerda, apontar erros do PT e defender a saída do PDT da base do governo.

Acompanhe no link a entrevista na íntegra ou leia-a logo abaixo:

'É triste ver a picuinha entre Parlamento e o Executivo', diz Cristovam Buarque
Criador do programa Bolsa Escola, que deu origem ao Bolsa Família, o senador considera caótico o cenário político. “Os partidos estão todos desfeitos”, diz

Brasília - Conhecido como o criador do programa Bolsa Escola, de onde surgiu o Bolsa Família do PT, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) revela sua “profunda frustração” por não ter ficado para a história como o homem que erradicou o analfabetismo no Brasil, sonho castrado por sua demissão, por telefone, do cargo de ministro da Educação no primeiro mandato do presidente Lula. Ainda na adolescência, quando frequentava a Ação Católica Operária, aprendeu com um analfabeto a defender o direito à eleição para quem não sabe ler. “A lei que eu quero eu conheço. Para escrever, uso um doutorzinho como o senhor”, teria dito a ele o velho operário. Sobre a proposta de reforma política em debate no Parlamento, Cristovam se diz nada otimista e clama por mudanças substanciais. “O Congresso está vazio”, lamenta em tom melancólico. “A política está caótica e os partidos estão todos desfeitos”. No Executivo, para ele, a situação é ainda pior, com a presidenta Dilma Rousseff “prisioneira” do PMDB e do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “Houve um golpe de Estado no Brasil, dado pela própria presidente quando entregou a articulação política a Temer — que está intimamente ligado a Eduardo Cunha e a Renan Calheiros — e a política econômica a Levy”. O senador propõe uma “autocrítica vermelha” ao falar da crise por que passam as ideologias socialistas: “A esquerda deixou de ser portadora da utopia”.

O Senado terá uma semana decisiva para o ajuste fiscal. Como o sr. vai votar nas MPs que alteram as regras do Trabalho e da Previdência?
Vou votar contra as medidas. Elas são desnecessárias e não estão do tamanho da crise. É irrelevante o que se pretende ganhar com aquilo. Aqueles penduricalhos que estão colocando não me convenceram. Além disso, não foram fruto de um entendimento. A gente não precisa fazer apenas um ajuste, precisa salvar o país. Para salvar o país, só um entendimento maior, e não um pequeno ajuste. Eu não gosto da ideia de pacotes porque vem um, depois o outro, e depois outro. O país anseia por uma reforma ampla. Nem sei se a oposição aceitaria, mas deveria partir do governo a iniciativa de propor, e não propor apenas o voto. Esse governo gosta de pedir voto e não gosta de pedir colaboração. E, pior, pede votos oferecendo cargos ou emendas em troca. Para pedir que o Congresso vote no ajuste, a presidenta deveria reconhecer que errou. Dilma errou gastando mais do que devia durante os quatro anos do seu primeiro mandato, que foi irresponsável do ponto de vista fiscal. Tanto que precisou mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para fazer de conta que não era irresponsável. Eu gostaria de colaborar e oferecer minhas propostas para uma reforma mais ampla. Mas o governo não se abre a isto.

Qual seria sua colaboração?
Primeiro, o plano bom deve penalizar os que ganharam dinheiro e não os trabalhadores e aposentados. Não pode atingir a infraestrutura, especialmente na educação. Não pode ser contra os pobres, tem que ser em cima dos ricos. E não pode ser uma medida brusca. Tem que acontecer aos poucos, em um prazo de cinco anos, por exemplo, e não paralisar o país. As duas MPs significarão uma economia de R$ 14 bilhões. Se for aumentado o Imposto de Renda dos bancos, dos atuais 15% para 30%, a economia seria de R$ 17 bilhões. Só com isso. O país tem ativos dos quais pode se desfazer para melhorar o caixa. O governo brasileiro tem uma imensidão de terrenos Brasil afora. Pode vender. Qualquer pessoa, quando está endividada, vende o carro. O governo deveria fazer o mesmo para não se endividar mais, se desfazendo de alguns ativos. Mas prefere se endividar. O Congresso aprovou, a pedido do governo, a liberação de R$ 50 bilhões para o BNDES. É absurdo que o mesmo Congresso que quer fazer o ajuste fiscal aprove a liberação de mais R$ 50 bilhões para o BNDES. O Brasil está como está porque gastou mais do que devia. Não faz sentido gastar mais ainda com o BNDES. Outra proposta que eu incluiria seria sanear algumas estatais. E quando digo sanear falo, em alguns casos, de fechar a empresa ou privatizar. Claro que não pode privatizar as empresas estratégicas como Petrobras, Banco do Brasil ou Embrapa e universidades.

O sr. incluiria o imposto sobre grandes fortunas em sua reforma fiscal?
Incluiria. É demagogia achar que o imposto sobre fortuna vai render muito para o Brasil. Não vai, porque se der muito, não vai dar nada, porque o pessoal leva o dinheiro para fora. Mas eu incluiria, sim, em uma reforma.

É favorável ao fim do fator previdenciário?
É um ponto que ainda estou analisando. Do ponto de vista do bem-estar de quem se aposenta, é bom. Mas é preciso pensar nas implicações disso. A aposentadoria mais cedo acaba por prejudicar os mais jovens, que vão ter que pagar. O aumento da expectativa de vida tende a quebrar a Previdência. Essa proposta tem que ser analisada com muito cuidado. Ouço opiniões muitos contraditórias. Consta que a mudança que foi feita na Câmara vai beneficiar o Tesouro neste momento, mas vai quebrar daqui a oito anos. E como ficam os jovens de hoje? Sem aposentadoria no futuro? É por isso que digo que o país precisa de reformas amplas e verdadeiras.

O que deveria constar da reforma política?
A reforma política não pode se concentrar apenas em mudanças nas eleições, no Legislativo ou no Executivo. Reforma para valer tem de ser ampla e estruturante, transformando a cultura política do país. A reforma que eu proponho fala de eleições, fala de mudanças no Legislativo, no Executivo, no Judiciário. Fala também de reformas culturais na sociedade e reformas moralizadoras. Proponho uma moratória partidária, dando seis meses para a reaglutinação das forças partidárias e, aí, nessa reorganização, definir duas pernas: a identidade ideológica e a identidade ética. Vamos votar em pessoas que pensam e se comportam como nós.

Como avalia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que deve ser votada esta semana na Câmara?
Não tenho o menor otimismo de que sairá algo substancial dessa reforma política discutida no Congresso. A reforma que proponho é muito mais profunda. Envolve mudanças na cultura e na mentalidade do que é política no Brasil. Passa pela política profissional, pelo sistema eleitoral, mas passa também por temas como educação e cidadania.

Há pontos que o sr. apoiaria no substitutivo do relator Marcelo Castro (PMDB-PI)?
Gosto da proposta que reduz todos os mandatos de senadores a cinco anos.

O relator voltou atrás, mas foi sugerida por senadores a ideia de aumentar o tempo de mandato de senador.
Não com a minha aprovação. É absurda a ideia de ampliar o mandato de senador para 10 anos. Deveríamos era reduzir dos atuais oito anos.

É favorável à coincidência de datas para as eleições nacionais e locais?
Não. Sou a favor de que não haja essa coincidência de datas. Eleição tem um papel pedagógico. Quanto mais eleição, mais a gente amadurece a população para pensar a política. A política não pode ser vista como um espetáculo que acontece a cada quatro anos. A propaganda política tem que ser rotina na vida das pessoas.

O sr. tem um trabalho histórico envolvendo a alfabetização de adultos. Acha que uma reforma política deveria incluir o direito de o analfabeto se candidatar?
Sou totalmente a favor da ideia de que o analfabeto tenha cargo eletivo. Ele pode não saber escrever, mas sabe o que quer. Tem muita gente alfabetizada que não sabe o que quer. E, falando com franqueza, conheço muitos que não sabem escrever. Aliás, saber o que se escreve no parlamento é difícil para qualquer um. Ler os nossos projetos com todas aquelas terminologias jurídicas me dá um certo mal-estar. A reforma poderia incluir essa simplificação. Não se consegue nem entender a lei. Sou favorável à candidatura de analfabetos, mas proponho como ponto da reforma política a erradicação do analfabetismo. Enquanto isso não acontece, que seja retirado o lema da bandeira nacional para que todos percebam que 13 milhões de brasileiros não conhecem a bandeira do Brasil, porque não sabem que ali está escrito Ordem e Progresso.

Na semana passada, em entrevista ao “Financial Times”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso declarou que o sistema político brasileiro, uma mistura entre parlamentarismo e presidencialismo, está quebrado.  O sr. concorda?
A política está caótica, os partidos estão todos desfeitos, quebrados, desorganizados, sem metas, sem propostas e sem identidade. O PT é a principal marca desse desfazimento, mas todos estão desfeitos. O Psol, que é pequeno, está totalmente partido.

Tem sido difícil votar projetos importantes para o país com o Congresso medindo forças com o Executivo?
É muito triste ver a picuinha entre o Parlamento e o Executivo. O PT foi contra o Plano Real por picuinha. Era claro que era um plano bom. Agora, o PSDB está votando contra certas medidas do ajuste, que estão de acordo com o que era o Plano Real, por pura picuinha.

A briga entre os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), com o Planalto, onde está não apenas Dilma, mas também o vice-presidente Michel Temer, atrapalha a pauta legislativa?

Houve um golpe de Estado no Brasil, dado pela própria presidenta, quando entregou a articulação política a Temer, que está intimamente ligado a Eduardo Cunha e a Renan, e a política econômica a Levy. Existem quatro pessoas hoje de quem Dilma não tem como se livrar. Três delas têm mandato. A quarta, se cair, cai a Bolsa, cai a credibilidade e cai o grau de investimento. Dilma hoje é uma prisioneira e quando o presidente é prisioneiro, significa que as instituições estão frágeis.

Isso inclui o Congresso?
O Congresso está vazio. É frustrante o tempo que a gente perde ali dentro. Sem contar a lentidão provocada por essas picuinhas. Só eu tenho mais de 100 projetos aguardando para serem votados. Falta espírito público, falta o vigor transformador em todos os partidos e na maioria de nós, políticos. Há muito interesse pessoal.

Na semana passada o sr. reagiu indignado à rejeição do nome do embaixador Guilherme Patriota para o cargo de representante do Brasil na OEA. Foi por causa dessa picuinha?
Foi um equívoco a rejeição à indicação do embaixador Patriota. O Senado não pode usar a sua soberania contra um profissional de carreira. Os militares caçaram a carreira de Vinícius de Moraes. O Senado praticamente fez o mesmo com o embaixador Guilherme. Ele vai ficar marcado. Foi uma atitude política, porque tecnicamente ele é bem preparado.

O argumento foi de que ele já não foi bem na sabatina na Comissão de Relações Exteriores. Ele não falhou na sabatina?
Usaram o argumento de que ele é esquerdista, bolivariano, mas ele disse na sabatina que é um profissional de Estado. É o governo que vai dizer como ele deve se comportar. O funcionário segue o que o governo decide politicamente. Se o governo decidir que a relação com a Venezuela é boa, o profissional tem que seguir. Se decidir que quer cortar relações, traz de volta.

O sr. faz parte da Frente Parlamentar Progressista, contrária aos projetos conservadores que vem sendo apresentados no Congresso. Por que foi necessário criar essa frente?
Essa frente é hoje muito necessária. O maior mal do PT no governo foi fazer com que o povo brasileiro caminhasse para a direita. O PT, que era o principal representante da esquerda, ao chegar ao poder, fez essas besteiras todas que estamos vendo, se desmoralizou eticamente e não cumpriu o prometido. Agora, o povo não quer saber mais disso. Junte-se a isso uma violência crescente no país. Daí surge o problema da redução da maioridade penal. Com a decepção com a política, cresce o fundamentalismo evangélico. Evangelização não é ruim, mas é ruim o conservadorismo que vem acompanhando esse crescimento — por exemplo, na definição de família, com reação à ideia do casamento gay. O PT também tinha forte a defesa da agricultura familiar e orgânica. É mais uma bandeira que as pessoas abandonaram para defender o fim da rotulação dos alimentos transgênicos, que a Câmara aprovou. Isso tudo foi um desastre. Por isso estamos criando a frente, para impedir essa direitização dos costumes. O PT hoje simboliza o fracasso da esquerda no Brasil. Veja a influência da bancada da bala, que pode produzir um Fraga (Alberto Fraga, do DEM-DF) governador ou um Bolsonaro (Jair Bolsonaro, do PP – RJ) presidente. Hoje, não há ninguém que encarne uma proposta alternativa de esquerda.

Esse conservadorismo está bem presente nas manifestações das ruas. Onde a esquerda errou?
A esquerda deixou de ser portadora da utopia. A esquerda precisa fazer um movimento que chamo de autocrítica vermelha e se perguntar aonde errou. Antigamente nós, da esquerda, fazíamos o maior esforço para botar o povo na rua. Hoje o nosso esforço é para entender porque o povo não quer bandeira vermelha na rua.

Qual é a cor desse movimento?
Para eu saber qual é a cor desse novo movimento que hoje vai para rua, precisaria saber qual é a cor da raiva. Essas manifestações, sem proposta, só refletem raiva.

O sr. diz que a culpa é do PT. Qual foi o grande erro desses anos de governo petista?
A bem da verdade, Lula não errou tanto. Quem errou feio mesmo foi Dilma. A política econômica do presidente Lula foi muito centrada, conservadora e cuidadosa. Seu erro como presidente foi ter sido tolerante com o mensalão e com a corrupção na Petrobras, porque não foi com Dilma que se deu o Petrolão. Começou na época de Lula. O erro de Lula foi deixar a corrupção correr frouxa e adotar a lógica do poder pelo poder. Lula é o grande culpado pela perda do vigor transformador do PT. Eu saí do PT antes dos escândalos, que estavam começando naquele momento, em 2004. Saí quando senti que o PT não era mais o partido da transformação.

Há quem diga que essa sua crítica é fruto da mágoa por ter sido demitido do Ministério da Educação por Lula...
Quando os petistas dizem que sou magoado com Lula por ter me demitido por telefone, fazem uma crítica ao próprio Lula, porque reconhecem que ele foi grosseiro.

Qual foi seu sentimento em relação a este episódio?
Saí frustrado do governo porque queria entrar para a história como aquele que erradicou o analfabetismo. O Lula me tirou do governo porque ele queria focar o ensino superior, que dá resultado mais rápido. Eu achava e acho que a revolução na educação começa pelo ensino básico, mas o resultado vem no longo prazo. Cheguei a iniciar no MEC o meu projeto de federalização do ensino público, criando 28 escolas.

Mas a sua proposta de federalização do ensino é bastante criticada pelos municipalistas.
Eles são contra a União controlar uma escola lá na ponta, no interior. Eu também sou. Mas também acho que nem mesmo o prefeito deve controlar uma escola. A proposta de federalização do ensino contém centralização gerencial e liberdade pedagógica. Na verdade eles não gostam da minha proposta porque tira a escola do controle dos prefeitos e do governo federal. Proponho que cada escola seja administrada por ela própria, pelos professores, pelos pais e alunos mais velhos. O que proponho é a carreira nacional do professor, transferir para o governo federal a responsabilidade de construir e equipar as escolas, tornar obrigatório o turno integral. Na sala de aula quem manda é o professor, que terá liberdade pedagógica. O governo não pode dizer como o professor deve dar aula.

O sr. já apresentou essa proposta ao ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro?
Não, mas sei que ele conhece e já se manifestou contra. Eu acho que quem é de São Paulo tem medo da ideia de federalização do ensino, por achar que, ao se misturar com o resto do Brasil, vai piorar. Por isso, hoje proponho que o projeto seja feito nas cidades que desejarem. Quando os prefeitos começarem a pedir a federalização de suas escolas à União, aí esse processo não para mais. O governo deve estabelecer um limite por ano. Não se deve mudar de vez o sistema atual, mas assumir o novo sistema educacional e implantar aos poucos, em um prazo de 20 anos.

O que há de errado no modelo atual?
Em primeiro lugar, a desigualdade. O futuro da criança não pode depender do lugar onde ela nasce ou da renda da família. Os municípios são muitos desiguais e hoje uma criança que nasce numa cidade pobre terá grandes dificuldades para ter uma boa educação. Só 0,6% dos alunos brasileiros hoje estão nas escolas públicas federais. Já pensou se cada cidade brasileira tivesse a sua moeda? A moeda de um país é uma coisa importante, mas educação também. Educação é a maior riqueza de um país. Por isso, o primeiro passo é criar a carreira nacional dos professores. Como os alunos vão respeitar o professor se sabem que ele não ganha bem? Em uma sociedade capitalista, o valor do salário pesa no respeito. Também não vão respeitar o professor se não há condições mínimas nas instalações. O professor passou a ser desrespeitado em sala de aula por causa do salário, das condições de trabalho, da ausência frequente e das greves. Some-se a isso o fato de que a sociedade é violenta.

Isso explica o fato de haver violência dentro da sala contra os professores?
Às vezes me pergunto se a criança é mesmo violenta na escola, ou se não é a escola que é violenta contra a criança. Hoje, uma aula no quadro negro é como um pau-de-arara intelectual. A criança está acostumada a ver o conteúdo escolar de outras formas, em 3D, na internet, pesquisa no Google e no Youtube. O quadro negro é uma violência. Os professores, por outro lado, não são motivados nem preparados para usar equipamentos como a lousa inteligente. Por isso, é preciso criar uma carreira nova.

Quanto custa o seu projeto?
Uma educação boa custa R$ 10 mil por ano, por aluno. Os municípios não têm condições de gastar isso. Se pagar R$ 10 mil ao professor por mês, o aluno vai custar R$ 10 mil por ano, supondo 30 alunos por sala e incluindo a estrutura física, construção, equipamento etc. Daqui a 20 anos, serão 55 milhões de alunos, o que vai custar R$ 550 bilhões. Se o PIB crescer 2% ao ano nesse período, o gasto com educação básica somará 6,4% do PIB. A Lei do Plano Nacional de Educação obriga a colocar 10%. Sobram 3,6% para universidades e para a pré-escola.

O sr. está entre os que defendem a saída do PDT da base do governo. Por que?
Em 2006 já defendia que o PDT não entrasse na base do governo. Enquanto o PDT se mantiver na base, será visto como um puxadinho do PT, sem condições de formular uma proposta alternativa para o país. Como o PDT poderá propor a existência de um governo ético, se está na base de um governo corrupto? A corrupção é nossa também.

O PDT está bem representado no governo?
No final do ano passado Dilma inventou uma coisa esquisitíssima: um Ministério da Fazenda com dois ministros (durante a transição, com Guido Mantega e Joaquim Levy). Mas também criou outra coisa esquisita: um ministro sem ministério, o do Trabalho. Manoel Dias é um ministro sem ministério porque o Trabalho foi totalmente esvaziado. Para se ter uma ideia, Dias não foi consultado sobre essas medidas de ajuste envolvendo seu ministério. O PDT precisa sair do governo para poder formular a sua proposta de país.

O sr. tem pretensões para 2018?
O ano de 2018 está muito distante de hoje. Está mais distante ainda do ano em que eu nasci. Não dá para eu ficar, agora, me preocupando com 2018. Estou muito envolvido com pretensões mais imediatas. Estou forte, firme, ativo, mas de qualquer maneira, gostaria de ver o surgimento de gente mais jovem no cenário político. Assim como o Congresso Nacional acaba de criar a lei da bengala para o Judiciário, acho que deveríamos criar a lei da bengala para os políticos também.

Que futuro o sr. vislumbra?
Falando de um sonho bem pessoal, meu desejo é viver no lugar mais distante que se possa imaginar de uma fronteira internacional. Esse lugar é Recife, onde nasci. Mas creio que serei enterrado em Brasília, por ter sido governador.





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Meus comentários (PRA):
  Sinto discordar de vários argumentos do Senador, que me parecem do tipo impressionista e nada objetivos.
    O Senador se coloca contra o ajuste fiscal, que os autores dizem ser feito para voltar ao crescimento, o que é obviamente uma mentira. Ele é feito apenas para evitar o agravamento de uma situação por si catastrófica, legada pela politica econômica absolutamente inepta da dupla Dilma-Mantega.
    De fato, todo esse esforço de economia está sendo feito para nada, pois toda a economia, e talvez mais, deve ser consumida pelo serviço da dívida.
    OK, muito ruim, mas qual seria a solução melhor?
    Os keynesianos de botequim que são contra tudo isso têm algo melhor a propor?
    Dificilmente, e provavelmente levariam o Brasil a uma crise mais rapidamente, pela retirada do investiment grade e a enorme fuga de capitais que se seguiria.
    Com a politica atual estamos apenas postergando o enfrentamento verdadeiro, que é o fato de que o Estado gasta demais…
    Esta realidade o Senador não reconhece.
    Ele apenas diz que houve um golpe de Estado. Sendo um político deveria ter mais cuidado com as palavras.
    O que ocorreu foi que a inepta presidente renunciou a controlar a politica politica e a politica economica, apenas isso, tanto por não ter condições próprias, como por dispor de assessores tão ineptos quanto ela.
    Continua mentindo descaradamente para a nação e não reconhece seus erros, que fizeram do Brasil uma terra economicamente arrasada.
    Não existe picuinha entre Parlamento e Executivo. Se trata de uma luta pelo poder, como sempre houve, e no caso de uma chantagem recíproca como sempre ocorreu. Apenas acontece que antes o Executivo dispunha de recursos para comprar — repito COMPRAR — deputados e senadores. Como esses recursos acabaram, foram dilapidados pela gestão inepta, os parlamentares se atiram com sede ao que resta, não apenas o poder, mas os recursos a ele associados.
    Algum comentário sobre a absurda triplicação do Fundo Partidário, uma excrescência que nem deveria existir, pois é um insulto à cidadania que trabalha e paga impostos?
    O Senador já se deu conta da indecência que é a remuneração dos parlamentares e magistrados — e de grande parte do funcionalismo público — num país cuja renda per capita diminui pela política predatória dos governantes?
    O Senador já se deu conta da indecência que são as prebendas e penduricalhos associados aos cargos politicos em geral, mas também cobrindo os parlamentares e os magistrados?
    Até quando pretendem continuar insultando os contribuintes?
    Senador, pare de falar bobagem sobre “autocritica vermelha”, resgate da esquerda, e outras bobagens utopicas…
    Enfrente a realidade Senador: a classe política, até aqui, tem sido tão inepta quanto essa presidente de araque em cuidar da política e da economia do Brasil, e não consegue oferecer nenhuma solução à vista.
    A realidade é esta Senador: o Estado brasileiro não cabe no PIB e por isso vive assaltando os contribuintes para extorquir ainda mais dinheiro.
    Quando é que o Parlamento vai assumir responsabilidade sobre isto?
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Paulo Roberto de Almeida 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Educacao: Cristovam Buarque quer um MEC sem universidades (nao e' louco...)

Acho que ele tem toda a razão: não só o MEC é um caos, como é praticamente impossível consertar as universidades. As máfias de funcionários e as associações de professores não deixam. Aliás, não vale a pena: as universidades vão para o brejo de qualquer maneira. Quanto mais cedo melhor...
Mas não sei o MEC saberia cuidar bem do ensino primário e secundário; ele continua a ser um dinossauro irrecuperável. Melhor fechar o MEC e começar a construir um outro sistema...
Paulo Roberto de Almeida

“Para ser ministro de Marina Silva, imponho minhas condições”
Senador Cristovam Buarque (PDT)
El País, 25/09/2014

O senador Cristovam Buarque (Recife, 1944), ex-governador do Distrito Federal e durante um ano ministro da Educação de Lula, tem um plano educacional para o Brasil e o conhece de memória. Tanto que é capaz em qualquer lugar, em uma cafeteria, por exemplo, de explicá-lo a qualquer um com meia dúzia de folhas de caderno e uma caneta. Enquanto faz isso, é interrompido por várias pessoas que se aproximam dele para felicitá-lo, incentivá-lo a prosseguir com sua atividade política ou simplesmente cumprimentá-lo. Sua obsessão é fazer com que o nível educacional do país, sobretudo o ensino primário e secundário, se eleve. Ele apoia Marina Silva nessas eleições. Seu nome aparece como possível ministro da Educação. Se assim for, poderá passar seu plano das folhas do caderno à realidade de um país de 200 milhões de habitantes.

Pergunta. Segundo os últimos estudos, o país não alcançou as metas educacionais propostas pelo Governo. O que acha desses dados?

R. E isso considerando que as metas eram modestas. É um autêntico fracasso.

P. E o que é preciso fazer?

R. Primeiro, reconhecer as causas. A primeira é que o Brasil está socialmente dividido. No Brasil, não temos classes sociais. Temos um autêntico apartheid social. E atualmente não se trabalha para solucionar os problemas dos de baixo: a saúde, o transporte, a educação... A segunda causa é cultural: aqui não se dá importância à educação, ela não é respeitada. Se alguém quer ser respeitado no Brasil, tem que possuir um carro, uma casa grande, uma conta bancária... Mas vamos supor que se supere isso. O que fazer? Ora, transformar o sistema para que seja um autêntico sistema nacional de educação, para que não dependa dos municípios, que são muito desiguais e não têm dinheiro. E criar, por exemplo, a carreira nacional do Magistério.

P. É um problema de orçamento?

R. Se for colocado agora mais dinheiro no atual sistema não haverá resultado. É preciso mudar a estrutura.

P. E por que o Governo não faz isso?

R. Porque o Governo atual (e os anteriores, de Lula) não dá importância à educação básica. O Governo de Lula era muito sensível ao voto. E a população se preocupa, sobretudo, com a universidade.

Se alguém quer ser respeitado no Brasil, tem que possuir um carro, uma casa grande, uma conta bancária...

P. Para chegar à universidade é preciso passar antes pela escola.

R. Sim, mas o brasileiro acha que pode saltar tudo. Embora não seja assim.

P. Há especialistas que dizem que o nível da universidade pública é bom, mas muitos estudantes da classe baixa não chegam até ela porque não possuem os conhecimentos necessários.

R. Isso mesmo. Além disso, somente 40% dos estudantes de escolas públicas terminam o ciclo de ensino. Nas escolas privadas todos concluem. Logo, os que vão para as escolas privadas passam para a universidade pública e os das escolas públicas acabam nas universidades privadas, porque não têm nível, e estudam à base de bolsas do Estado, por iniciativa do PT.

P. Esse sistema é perverso.

R. Sim, a solução seria que o ensino básico e secundário, público e privado, tivesse a mesma qualidade. Mas a qualidade está caindo. Sou professor universitário e vejo isso.

P. E como, então, se eleva o nível?

R. Voltando ao meu plano: é preciso criar uma carreira nacional do Magistério, com salários altos, seleções rigorosas e uma constante avaliação dos professores. No Brasil, se você é professor, nunca vão te demitir, a não ser que você seja ladrão ou pedófilo. Eu lhes daria um salário de 9.500 reais, mas com controles constantes. O segundo ponto seria a construção de escolas. E que sejam dotadas de equipamentos. Viaje ao Nordeste do país e me diga como estão as escolas por lá. Terceiro, que tenham horário integral. Aqui o aluno só fica quatro horas por dia na sala de aula. Nacionalizando tudo isso, acabaríamos com um problema crucial do Brasil: dependendo de onde você nasça e em que família, está marcado para toda a vida. Faltariam 200.000 escolas e dois milhões de professores. Se forem feitas em 250 cidades por ano, e com mais 100.000 professores a cada ano, em 20 anos se consegue. E o investimento não superaria 10% do que, por lei, é obrigatório investir em educação.

P. E o senhor não mostrou esse plano a Lula quando foi ministro?

R. Saí frustradíssimo do Governo de Lula. Ele nunca tinha tempo para falar disso. Nunca se interessou. Eu queria que o Ministério da Educação se ocupasse do ensino primário e médio, sem as universidades. Mas Lula não aceitou. Os sindicatos não queriam. E Lula é um político genial, mas ligado às suas origens, aos sindicatos. E as crianças são as únicas no Brasil que não têm sindicato. Ninguém se preocupa com elas, porque, além disso, tampouco votam.

P. Os pais se preocupam.

R. Veja: a escola agora é muito ruim, sim, só 40% dos alunos terminam o ensino médio. Mas há 30 anos, apenas 20% terminavam. As crianças de hoje estão muito melhor do que seus pais, que em sua grande maioria não foram ao colégio.

P. E o pai se conforma…

R. Nas pesquisas de opinião, os pais avaliam bem a escola brasileira. E é verdade que ela melhorou. Mas apenas em termos relativos, porque atualmente duas brechas aumentaram: a que separa o Brasil de outros países, já que a escola desses países melhora mais do que no Brasil; e a que separa a escola dos ricos da escola dos pobres. Além disso, agora há uma exigência maior. O problema é que a educação não é uma prioridade do povo, porque somos muito imediatistas, queremos as coisas para já, e isso não se consegue de um dia para o outro. No Brasil, só os ricos economizam para a escola de seus filhos. Na Europa não é assim. E isso que na Europa há uma boa escola pública. Lembro de um jogador de futebol brasileiro que jogava em Paris, que quando lhe perguntaram qual era a diferença entre o Brasil e a França, respondeu: “Que os filhos do meu motorista vão à mesma escola que os meus”.

P. A educação é uma prioridade da campanha?

R. Eduardo Campos [do Partido Socialista Brasileiro, morto em um acidente aéreo em agosto] foi o único candidato a dizer que o “Brasil não será um país decente até que o filho do trabalhador estude na escola do filho do patrão”. Marina Silva está demorando a dizer o mesmo.

P. O senhor está sendo cogitado como ministro da Educação se ela for eleita.

R. Bom, em primeiro lugar penso que Marina Silva vai precisar mais de mim no Senado. Segundo, já fui ministro e agora só aceitaria com certas condições: seria ministro da educação básica e média, sem as universidades. Já saí frustrado na outra vez.

P. O senhor acredita que Marina é a candidata dessa gente que saiu em massa às ruas há um ano e meio?

R. É a que está mais próxima deles. Se o senhor me perguntar se ela vai solucionar todos os problemas dessa gente, diria que não estou seguro disso. Mas tenho certeza que ela é a que dá mais esperança.

P. Por que aconteceram esses movimentos de protesto?

R. Durante os últimos vinte anos, o Brasil gozou, pela primeira vez, de estabilidade monetária e crescimento econômico. Mas, paralelamente, a democracia entrou em crise por causa das mentiras das campanhas, a desmoralização e a corrupção. O crescimento econômico foi estancado e a estabilidade monetária se esfumou pela inflação. O povo se cansou do ciclo do PT e do PSDB, de que as coisas não funcionem, e foi para a rua. O transporte público não funciona porque a prioridade foi aumentar as ventas de carros. A saúde não funciona porque a prioridade foi dar o Bolsa Família às famílias e não investir em saúde. A segurança também está mal. O povo talvez não faça essas análises, mas sente esses problemas. Entretanto, quem foi à rua foi apenas a classe média. Quando as classes mais pobres vão para as ruas, o fazem com violência. A população brasileira se divide entre descontentes e desesperados.

domingo, 29 de junho de 2014

A incivilidade brasileira - Cristovam Buarque

Cristovam Buarque
O Globo, 28/06/2014

A obscenidade contra a presidente da República na abertura da Copa, na frente de dois bilhões de pessoas no Mundo, devia merecer uma reflexão sobre suas causas. Mas, em vez de refletirem, os opositores comemoram o constrangimento criado, e o governo tira proveito, denunciando a grosseria.
A obscenidade foi contra todos os políticos, inclusive a presidente e seu partido, por serem iguais aos outros, depois de terem prometido ser diferentes. Foi contra a promiscuidade política e a desfaçatez dos partidos; foi um protesto contra o que ocorre na Petrobras, no metrô de São Paulo e outras corrupções; também contra a defesa dos novos corruptos alegando que os antigos também roubavam; foi manifestação de descrença na democracia da compra e venda de parlamentares, da troca de favores, do deboche de alianças inusitadas do poder pelo poder para propiciar negócios ilícitos; foi contra a violência nas ruas.
Não foi uma manifestação ideológica, porque ali estavam os beneficiados pela construção do estádio com recursos desviados de outras prioridades, como o saneamento necessário a poucos metros dali. Tampouco foi um protesto por perda de privilégios, porque os avanços sociais dos últimos governos foram feitos sem qualquer reforma estrutural, sem tocar nos beneficiados históricos do progresso brasileiro.
Nem foi um grito novo. Por 350 anos a sociedade brasileira gritou a mesma obscenidade contra milhões de negros vindos da África ou aqui nascidos para servirem como escravos; há décadas os gritos são feitos contra os pobres excluídos dos benefícios do progresso, os que usam transporte público, os que sofrem em filas nos hospitais, as crianças sem escola.
A incivilidade brasileira não é fenômeno apenas de uma tarde no estádio, é uma característica atávica da sociedade brasileira. Os gritos daquela tarde são ecos de nossa história, ouvidos há séculos no dia a dia da sociedade degradada que caracteriza nossa estrutura social, nosso padrão de distribuição de renda; nossas ruas violentas e maltratadas; nossos serviços públicos ineficientes; a corrupção no comportamento dos políticos e nas prioridades das políticas; o desprezo pela educação das crianças.
É injustificável aquela vergonhosa agressão à presidente e ao país, mas é injustificável que a presidente não reflita sobre o fato grosseiro e incivilizado, suas causas históricas e conjunturais; é triste que ela não busque explicações, não perceba sua responsabilidade, como de todos que fazemos política e lideramos o Brasil. Como é injustificável não darmos os passos necessários para orientar nosso progresso na direção de uma sociedade civilizada, sem gritos obscenos contra presidentes, políticos, escravos, pobres, crianças, doentes, desempregados, velhos...
Aqueles foram gritos de incivilidade. Não perceber isso, ou manipular o fato para tirar proveito da obscenidade, não buscar suas causas e soluções, é um gesto de cumplicidade com os que gritaram.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

sábado, 17 de maio de 2014

Pobreza da aritmética: miseria das politicas sociais do governo - Cristovam Buarque

A demagogia do governo é tão descarada que mesmo o ex-governador de Brasília pelo PT, e ex-introdutor do Bolsa Escola durante sua gestão no GDF, reconhece que o governo está exagerando no populismo rastaquera, e fazendo propaganda enganosa.
Parece que o governo vai deixar de merecer a confiança até daqueles que são supostos beneficiários de suas esmolas oficiais. O curral eleitoral pode não funcionar como deveria nas eleições de outubro.
Paulo Roberto de Almeida 

Pobreza da aritmética

por 

O Brasil passou a acreditar que 22 milhões de brasileiros teriam saído da pobreza extrema. Este discurso se baseava na ideia de que estas famílias passaram a receber complemento de renda suficiente para ultrapassar a linha de R$ 70 por pessoa por mês. Esta visão aritmética não resiste a uma análise social que efetivamente cuide da pobreza.
Nada indica que uma família sem adequada provisão de escola, saúde, cultura, segurança, moradia, água e esgoto saia da pobreza apenas porque pode comprar aproximadamente oito pães por pessoa a cada dia.
A linha da pobreza não deve ser horizontal, separando quem tem mais de R$ 2,33 por dia e quem não tem, mas uma linha vertical, separando quem tem e quem não tem acesso aos bens e serviços essenciais.
É como se, na época da escravidão, o povo fosse convencido de que o país era menos escravocrata apenas porque o proprietário gastava mais dinheiro na alimentação de seus escravos. A separação entre o escravo e o trabalhador livre não era uma linha horizontal definida aritmeticamente pela quantidade de comida que recebia, mas uma linha vertical separando quem tinha e quem não tinha liberdade.
Hoje, a linha da pobreza efetiva deve ser determinada por quem tem e por quem não tem acesso aos bens e serviços essenciais. E neste sentido, o Brasil não está avançando na educação, na saúde, no transporte e na segurança.
Mesmo dentro de sua lógica, o argumento aritmético fica frágil quando se observa como a renda dos pobres avança e regride dependendo da inflação. Entre março de 2011 e abril deste ano, a inflação medida pelo INPC foi de aproximadamente 19,6%, fazendo com que cerca de três milhões de brasileiros tenham regredido abaixo da linha aritmética da pobreza extrema. Mesmo com o aumento de 10%, anunciado dia 1º de maio, 1,5 milhão de pessoas regrediram abaixo dessa linha.
Outra forma de ver a fragilidade do argumento aritmético está na dependência em relação ao valor do câmbio. Pela paridade do poder de compra, em março de 2011, o benefício básico do Bolsa Família era equivalente a US$ 1,25 por pessoa, por dia, valor adotado pela ONU como abaixo da linha da qual se caracteriza a pobreza extrema.
Com a desvalorização cambial, houve uma perda de poder aquisitivo de aproximadamente 20%. Portanto, cerca de quatro milhões de brasileiros estão de volta à pobreza (mesmo considerando o aumento de 10%).
Pelo conceito social, não aritmético, de pobreza, considerando acesso à saúde, à educação e ao transporte de qualidade, o Brasil tem hoje pelo menos 22 milhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza extrema, número que não diminuiu nestes últimos anos.
Cento e trinta e seis anos atrás, o Brasil não aumentou a quantidade de comida nos pratos dos escravos, fez a Lei Áurea que os libertou. A Lei Áurea não foi um argumento aritmético, mas social. Por isso, ela se fez permanente, e nós a comemoramos nesta semana sem recaídas ocasionadas pela inflação ou pelo câmbio, sem a pobreza aritmética.

Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Limites ao crescimento: uma tarefa impossivel, e inutil... - Livro Skidelsky

Ainda não li o livro dos Skidelsky (mas conheço vários outros do pai, inclusive a biografia de Keynes e seu excelente The Road from Serfdom, que recomendo), mas vou buscá-lo na próxima vez que entrar numa Barnes&Noble, um dos meus exercícios habituais, sempre que tenho tempo.
Mas, a julgar pela resenha do senador, o livro é falho em seus argumentos principais, ou então a resenha é mal construída, mal argumentada, e simplesmente impossível de ser realizada na prática.
Existe uma tendência inerente ao ser humano que é a de consumir, sempre mais, sempre mais sofisticado. Não existe nada de mais necessário, na vida dos seres humanos, do que o supérfluo.
O supérfluo é o responsável por todas as inovações ocorridas na história humana, desde a revolução agrícola, quando a humanidade ultrapassou os limites da subsistência para patamares de consumo mais estáveis do que a simples caça e coleta diárias.
Existe uma outra tendências inata aos homens, e às sociedades mais complexas -- ou seja, as baseadas na divisão social do trabalho -- que é a de ampliar continuamente a capacidade produtiva, visando justamente a ampliação do consumo. Sem isso não haveria criação de riqueza, não haveria progresso, não haveria melhoria das condições de vida.
É simplesmente impossível acontecer o que o senador diz -- e o que, talvez, os economistas preconizam, mas eu tenho dúvidas de que seja assim tão simples, ou simplista -- e nem preciso alinhar outros argumentos para explicar por que: não acontecerá, pronto, e os homens, as sociedades vão continuar consumindo, produzindo, criando riqueza, provocando desperdícios, lixo, poluição e encontrando solução para todos os problemas, os bons, e os maus.
O senador está errado: ou ele é ingênuo, ou ele não é economista, como diz ser. Nos dois casos, a conversa em torno das limitações de consumo é simplesmente inócua, ou inútil.
Em todo caso, vou conferir o livro, e depois farei meus comentários.
Paulo Roberto de Almeida
How Much is Enough?
Quanto é o bastante: dinheiro e a vida boa'
por Cristovam Buarque
O Globo, 11/02/2013

'Quanto é o bastante: dinheiro e a vida boa' é um livro de Robert Skidelsky e Edward Skidelsky. Robert Skidelsky é o mais conhecido biógrafo de John Maynard Keynes. Ele nada tem de economista verde, nem de pessimista sobre o futuro do desenvolvimento. Mas, ele e seu filho Edward escreveram um belo livro sobre a ideia de um limite ao crescimento, não apenas ecológico, mas também moral e existencial.

A continuação do crescimento econômico é impossível e é desnecessário. As pessoas não vão conseguir consumir mais no mundo inteiro, e não precisam consumir mais para serem felizes.

Obviamente há um mínimo necessário do qual cerca de quatro bilhões de seres humanos estão excluídos. Porém há excedente no consumo de outros três bilhões. Isso impossibilita o mesmo padrão de consumo das classes médias e ricas do mundo para todos, não importa em que país a pessoa viva.

Apesar de que há uma forte resistência a esta constatação óbvia, fisicamente lógica e convincente moralmente, ela está cada vez mais aceita, menos na elite pensante brasileira, especialmente naqueles que são de esquerda.

Porque a direita, sem moral, mas, com lógica, não defende estender o consumo elevado para todos. A esquerda, por ilusão ou oportunismo, vende a ideia de que todos poderão ter um ou dois ou três automóveis. Oportunismo e egoísmo, porque não quer dividir o que tem, nem negar aos outros, e termina prometendo o impossível.

Recentemente, no debate relativo à redução nas tarifas de luz, um conhecido ator disse que um crítico ao incentivo à ampliação do consumo de luz, não queria que os pobres tivessem ar condicionado. Mas ele não aceitaria, diante da óbvia crise energética no futuro e do desperdício de hoje, que alternassem quem tem com quem não tem ar condicionado. Ele não quer ficar sem o dele durante um ano para que os pobres tenham. Então promete a mentira de que todos terão.

Também já está claro que todos terem automóveis privados será como se ninguém tivesse, todos ficariam paralisados em monumentais engarrafamentos, mas os que oferecem o impossível não aceitam uma regra de rodízio para que alguns tenham carro um ano e outros no ano seguinte.

Mas a crítica aos limites ao crescimento não se limita aos aspectos ecológicos, ela tem uma dimensão moral. A felicidade é um conceito sério demais para vincularmos como sinônimo de mais consumo. Não foram os economistas que começaram a falar isso, foram filósofos e os jovens hippies.

A humanidade precisa substituir seu padrão de bem estar, conforto e felicidade por algo mais substancioso moral e existencialmente do que a renda e o consumo.

Este livro do Skildelsky é um formidável texto para aqueles que resistem a isso, seja porque optam indecentemente para que apenas alguns consumam muito e outros consumam quase nada e para os que prometem a ilusão de que todos terão tudo.

Ele não fica apenas na divagação hippie, vai ao grande cientista do crescimento no século XX, o economista John Maynard Keynes, e tira dele até mesmo um número de quanto seria o limite máximo que cada pessoa precisa para ter a vida que deseja, sem a ilusão de uma abundância elusiva, na qual nunca chegaremos.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF
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How Much is Enough?

Money and the Good Life

How Much is Enough?
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US$ 19.99 (+ tax)
A provocative and timely call for a moral approach to economics, drawing on philosophers, political theorists, writers, and economists from Aristotle to Marx to Keynes.

What constitutes the good life? What is the true value of money? Why do we work such long hours merely to acquire greater wealth? These are some of the questions that many asked themselves when the financial system crashed in 2008. This book tackles such questions head-on.
   The authors begin with the great economist John Maynard Keynes. In 1930 Keynes predicted that, within a century, per capita income would steadily rise, people’s basic needs would be met, and no one would have to work more than fifteen hours a week. Clearly, he was wrong: though income has increased as he envisioned, our wants have seemingly gone unsatisfied, and we continue to work long hours.
   The Skidelskys explain why Keynes was mistaken. Then, arguing from the premise that economics is a moral science, they trace the concept of the good life from Aristotle to the present and show how our lives over the last half century have strayed from that ideal. Finally, they issue a call to think anew about what really matters in our lives and how to attain it.
   How Much Is Enough? is that rarity, a work of deep intelligence and ethical commitment accessible to all readers. It will be lauded, debated, cited, and criticized. It will not be ignored.
Other Press; June 2012
ISBN 9781590515082
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sábado, 5 de novembro de 2011

A corrupcao como retrato da sociedade brasileira - artigo de Cristovam Buarque


Cristovam Buarque, professor da UnB e senador pelo PDT-DF:

Diversos repórteres descreveram a rebelião em Canudos. Mas foi Euclides da Cunha quem ficou na história, porque no lugar de apenas descrever as aparências entre o que parecia um Conselheiro insensato e Generais sensatos, mostrou o que havia por baixo das aparências: a disputa entre Cidade e Campo, Império e República, Moderno e Arcaico.
Cem anos depois, estamos repetindo a mesma forma superficial de fazer reportagens sem descrições mais profundas da sociologia da corrupção. As notícias giram em torno de denúncia dos fatos visíveis: vídeos, contratos, fotos e propinas. Ainda não surgiu o Euclides da Cunha da corrupção. Estamos vendo e descrevendo o superficial.
Por trás dos fatos de políticos roubando dinheiro público, está a realidade de uma sociedade acostumada a desprezar o que é público. A indignação contra a corrupção é um bom sinal de que o interesse público começa a nascer, mesmo assim muito discretamente, porque as causas mais profundas não são denunciadas. Como Canudos, há uma barreira protegendo a percepção das causas mais profundas.
Depois de séculos em que até o trabalhador era propriedade privada e de décadas de uma democracia servindo aos interesses de minorias, o interesse privado ainda prevalece sobre o público. Fica explicado - não justificado, obviamente - porque tantos se sentem no direito de vandalizar os bens públicos, como se destruir bens públicos não fosse uma forma de corrupção. Fica explicada também a aceitação de expressões como “isto não é roubo”, ou “rouba, mas faz”, ou "mas, e daí, se todos roubam", ou a mais moderna e cínica “rouba, mas é um dos nossos”, ou ainda "rouba, mas não é para si, é para a campanha".
Até há pouco tempo, pelo menos existiam partidos e militantes que repudiavam essas afirmações. A democracia cooptou-os, absorveu-os e os fez tolerantes, criando uma geração de céticos e cínicos, porque a realidade da primazia do privado é mais forte do que as idéias, os sonhos e a vontade dos que querem defender o público. Isso faz com que os jovens que há poucos meses estavam sendo pisoteados pelas patas de cavalos da polícia, ao manifestarem-se contra a corrupção, não compareçam e até repudiem as recentes manifestações pela ética. Pode ser por ingenuidade ou por convicção de que os fins justificam os meios, ou pode ser por cinismo até porque as ações não mostram fins diferentes do ponto de vista dos interesses do público e do longo prazo.
Esse desprezo pelo interesse público induz e permite uma tolerância com o roubo dos recursos públicos a ponto de, eufemisticamente, chamá-lo de corrupção, no lugar de roubo. A sociedade aceita como natural o uso do dinheiro público para obras desnecessárias ou que beneficiam apenas uma minoria. Felizmente, cobrar propina na construção de prédio público já começa a provocar indignação, mas fazer obra fara?nica ou estádios ao lado de casas sem esgoto não escandaliza. A primazia do privado sobre o público, do indivíduo sobre a Nação, leva à "corrupção pelo vandalismo", à "corrupção nas prioridades" e à "corrupção do imediatismo", provocando o consumo de recursos que pertencem também às gerações futuras, como acontecerá com os royalties do petróleo, como se isto não fosse também uma corrupção.
É por isso que, nas palavras do professor Kurt Weyland, citado pelo jornalista Rudolfo Lago, no site Congresso em Foco: “O Brasil tem uma democracia estável, mas de baixa qualidade”. Porque a política não está comprometida com a causa pública. Felizmente, enquanto não surge um Euclides da Cunha, temos repórteres atuantes, desvendando segredos e descrevendo a realidade apenas nas aparências. Como os repórteres que foram a Canudos, os de hoje talvez tenham interesses e visão das minorias privilegiadas, viciadas no interesse particular da renda e do consumo privado, que impedem a visão das causas da corrupção que vão muito além do comportamento dos políticos imorais. A corrupção está na estrutura social, na qual o Estado pertence e existe para poucos.
Euclides da Cunha, além da genialidade literária, possuía uma habilidade sociológica que não dá para exigir de todos nós, nem dos nossos leitores que, provavelmente, não gostariam de tomar conhecimento de toda a verdade.
Mas dá para exigir que os militantes não sejam cínicos no presente, para que não sejam todos céticos quanto ao futuro.
Transcrito do Blog do Senador Cristovam Buarque
Publicado em 5 de novembro de 2011

Comentário Paulo Roberto de Almeida:
A ironia é o artigo é publicado quando o PDT do senador, e do ministro do Trabalho, está envolvido no mais recente (certamente não o último) escândalo da República. Já devia ter sido demitido há muito tempo...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O poder emburrece (por sorte nao é absoluto)

Bem, não só o poder, mas outras coisas também. Por exemplo, um pouco de reflexão, um mínimo que seja de considerações racionais em torno de simples relações de causa a efeito.
Isto a propósito de um projeto do Senador -- já foi governador do DF, já foi reitor da UNB, já foi até ministro da Educação, mas o processo começou lá atrás... -- que visa tornar obrigatória a projeção de filmes nacionais nas escolas públicas do Brasil.
Quando li, pensei: "Não é possível, o Cristovam está batendo pino, querendo fazer demagogia com a educação pública, ou tentando oferecer um maná aos medíocres cineastas nacionais..."
Pois é, quando eu era criança, ainda analfabeto (pois é, nasci analfabeto, deve ter sido um defeito da minha mãe, que tampouco tinha lá seu primário completo), frequentava uma biblioteca pública infantil: ainda não lia, mas toda quinta-feira tinha sessão de cinema, e lá ia eu contente, já que minha família não tinha dinheiro para nos levar, eu e meu irmão maior, ao cinema no fim de semana.
Passavam todos aqueles filmes de Hollywood (Tarzan, Roy Rogers, Hopalong Cassidy, Zorro, o do seu amigo Tonto, Três Patetas, Gordo e Magro, Buster Keaton, Charlie Chaplin, whatever), mais aqueles histórico-marmeladas de Cinecittà: Maciste, Hércules, Sansão e Dalila, enfim o besteirol italiano dos anos 1950.
Mas passavam também, e eu apreciava particularmente, o nosso próprio besteirol: Oscarito e Grande Otelo, Mazzaropi (nunca apreciei aquele caipira de araque), Zé Trindade, e os galãs tradicionais, mas geralmente era comédia pastelão mesmo. Uma gostosura...
Sobre o projeto do nobre Senador (que não mais merece o título), pretendia escrever algo, mas não tenho tempo para tudo.
Para remediar, trancreveo aqui a crônica, sempre saborosa e extremamente cáustica, do iconoclasta Janer Cristaldo (vale uma visita ao seu blog):
Paulo Roberto de Almeida

SENADO QUER ENFIAR GOELA ABAIXO O MEDÍOCRE CINEMA NACIONAL
Janer Cristaldo
Terça-feira, Maio 25, 2010

Quando não mais indignar-me, é porque estou envelhecendo, dizia André Gide. Se assim for, o Brasil me promete eterna juventude. Nos estertores do século passado, Cristovam Buarque, ex-governador do Distrito Federal, afirmava em seu cartão de fim de ano: “O século XX criou o computador e o flanelinha, a nave espacial e o trombadinha, o robô e o pivete, o internauta e o cheira-cola”. O sofisma não só passou impune, como foi citado como um momento de brilho do governador.

Fosse eu o século XX, processava por calúnia este senhor e ainda exigiria indenização por danos morais. Pois quem criou o computador e a nave espacial não foi o século, mas os Estados Unidos. Quanto aos flanelinhas, trombadinhas e cheira-colas, estas originais instituições são coisas nossas, made in Brazil. Sofismador de mão cheia, o governador junta avanço tecnológico e miséria no mesmo saco e os atribui ao tempo.

Que me conste, a Europa vive em nosso mesmo século e lá não encontramos os flanelinhas, trombadinhas e cheira-colas, instituições que, à semelhança dos juízes classistas, reitores eleitos por bedéis e cheques pré-datados, são tupiniquins. A frase do governador é típica de patrioteiros: o Brasil é lindo e suas mazelas são decorrências do tempo que passa.

No início deste ano, comentei brilhante projeto do analfabeto agora senador, que estava prestes a ser examinado na Comissão de Educação do Senado, propondo que os estudantes brasileiros das escolas públicas e privadas assistissem no período de um mês a pelo menos duas horas de filmes nacionais.

Ora, em dezembro passado, o sedizente filho do Brasil assinou decreto fixando a cota mínima de exibição de filmes brasileiros nas salas de cinema de todo o país. Cada sala deverá exibir 28 dias de 2010 de filmes nacionais. Parece que não foi suficiente. Sua biografia, apesar dos bilhetes distribuídos com desconto para sindicatos, encalhou. Até um outro vigarista, o Chico Xavier, atraiu mais público.

Rola na rede uma tese interessante, a de que Fábio Barreto cometeu um equívoco ao pintar seu personagem como um herói impoluto. Que brasileiro não gosta de heróis impolutos. Que se Lula fosse pintado como é, malandro adepto da lei de Gérson, o filme seria mais verossímil. Existe uma massa de jovens indefesos na rede escolar? Jogue-se então Lula, o filho do Brasil, goela abaixo dessas gerações.

A medida é de caráter obrigatório. Rosalba Ciarlini, senadora do DEM, partido tão venal como o PT, deu então dois pareceres totalmente diferentes sobre o projeto. Em maio passado, defendeu sua rejeição. “Esse tipo de norma, por sua rigidez, conquanto possa servir a interesses diversos e estranhos à escola, pouco ou nada contribui para a melhoria do ensino. Ao contrário, pode diminuir a margem de autonomia e de flexibilidade dos estabelecimentos de ensino".

Em novembro, por ocasião do lançamento do hagiológio ao analfabeto-mor, a senadora só teve elogios para a proposta, sob a alegação de que a obrigatoriedade das escolas exibirem filmes nacionais "será benéfica para ambos, estudantes e indústria cinematográfica. A produção nacional, com raras exceções, tem qualidade plástica e conteudista irretorquível, diversidade temática e de público-alvo". O que a senadora propõe, no fundo, é a exibição obrigatória de uma ficção sobre o presidente mais analfabeto, mais incoerente, mais mentiroso, mais corrupto e o maior acobertador da corrupção que o Brasil jamais teve em seus dias de república.

Leio hoje na Veja on line que o Senado aprovou o projeto de lei do estúpido senador. A proposta foi apreciada em caráter terminativo na Comissão de Educação, Cultura e Esporte e agora segue para a Câmara dos Deputados, antes de ser sancionada pelo presidente. Se a lei for colocada em prática, as unidades de ensino básico do país terão que separar pelo menos duas horas por mês da grade extracurricular para exibições do cinema nacional.

As artes nacionais, de tão excelentes, vivem hoje de esmolas do poder. Tanto escritores como cineastas, artistas plásticos, atores de teatros, são humildes pedintes de verbas governamentais, que estendem o chapéu ao Planalto e vivem de caridade pública.

Segundo Buarque, o projeto estimulará a formação de público para o cinema brasileiro. Ele acredita que as crianças e os adolescentes que tiverem acesso aos filmes agora vão desenvolver o senso estético e passar a apreciar a produção cinematográfica do país, hoje feita basicamente por meio de incentivos fiscais e verba pública. "A médio e longo prazo, o público poderá de fato financiar o cinema, como acontece em outros países", afirma o desinformado senador.

Que outros países, senador? Estará Vossa Excelência se referindo aos extintos países socialistas, onde toda arte dependia da complacência do poder? Ou aos Estados Unidos, onde um Kubrick quase foi à falência para produzir Apocalipse Now, mas não recebeu um vintém do Estado? Ou à Itália, que produziu um Fellini – e tantos outros cineastas de gênio – sem jamais meter a mão no bolso do contribuinte? Ou a outros países do Ocidente, onde cinema é uma questão de indústria e não de esmola estatal?

Para a cineasta e professora do curso de Audiovisual da Universidade de Brasília, Dácia Ibiapina, a proposta será muito bem recebida entre os produtores e diretores de cinema, que convivem com um mercado exibidor restrito. "O ideal era que naturalmente os brasileiros demandassem seu cinema, mas, como a gente vive num país em que a indústria cinematográfica tem muita dificuldade de se afirmar e muitos filmes nem chegam a ser lançados, mecanismos como essa lei podem ajudar a reverter essa situação".

Claro que será muito bem recebido por produtores e diretores de cinema, estes corruptos que não conseguem fazer arte decente e dependem do Estado para vender seus peixes podres. Porque cargas d’água eu, brasileiro, tenho de ver cinema brasileiro? Vejo o cinema que me agrada, ora bolas! Os distribuidores já nos impõem o cinema ianque, os Titanics, Arcas Perdidas e Avatares da vida. Agora o Estado brasileiro passa a impor os abacaxis nacionais. Os abacaxis do Norte pelo menos têm melhor gramática.

Não bastasse o contribuinte financiar esta mediocrada que faz cinema, teatro e literatura no Brasil, agora os filhos dos contribuintes terão de engolir goela abaixo as “obras” – no sentido pejorativo do termo – dos medíocres amigos do poder. A medida é de um viés totalitário que sequer foi sonhado pelos países comunistas. Aliás, nem precisava ser imposto, já que todo cinema era estatal. Mas pelo menos não era obrigatório nas escolas.

Nestes dias em que se luta contra o ensino de religião nas escolas, urge agora lutar contra medida mais grave, o projeto do senador. O Senado já o engoliu. A Câmara certamente o aprovará. E é óbvio que o filho do Brasil o sancionará.

Você imaginou seu filho sendo obrigado a assistir odes a Lula e Chico Xavier? Mais apologias a terroristas e traficantes de drogas? Esta corrupção, com patrocínio do Legislativo, jornal algum denuncia. Os jornais são cúmplices. Suas páginas abrigam e louvam escritores, atores e artistas que são gigolôs do poder. Que nada valem por suas obras e que só são conhecidos porque impostos a um público indefeso. A União Soviética morreu há duas décadas. E o Brasil continua financiando escritores e artistas venais, como faziam os comunistas no século passado.

A meu ver, o projeto do senador Cristovam Buarque é tímido. Bem que podia ir mais longe. Mais duas horas obrigatórias de teatro nacional. Mais outras duas de Rede Globo. Mais outras tantas de Caetano Veloso, Chico Buarque e Gilberto Gil. Mais duas de Xuxa e Sílvio Santos. E mais duas – por que não? – de Edir Macedo e R. R. Soares.

Tudo pela cultura nacional.