O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Correio Braziliense. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Correio Braziliense. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

O jornalismo como história da política externa brasileira: - Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

 Correio Braziliense, 28/10/2024

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2024/10/6974261-o-jornalismo-como-historia-da-politica-externa-brasileira.html 

OPINIÃO

O jornalismo como história da política 

externa brasileira

O livro Política externa e jornalismo é uma  historiografia da política externa brasileira, 

assim como da evolução do sistema internacional, nas décadas mais intensas 

da reinserção mundial do Brasil.

 Paulo Roberto de Almeida

Os primeiros historiadores são os jornalistas, antigamente chamados de cronistas dos eventos correntes ou de memorialistas do cotidiano. Não importa muito o nome; se não fosse por eles, não teríamos outra história que não aquela feita nos gabinetes de Estado, nos atos da imprensa governamental, reportando a atividade dos donos do poder e suas interpretações exclusivas. Sem eles, a história se resumiria a um longo desfilar de relatos oficiais.

Na política externa, sobretudo, a atividade jornalística é fundamental, uma vez que relações exteriores são conduzidas basicamente pelos governos, em nome do seus Estados. Em meus exercícios de historiador da diplomacia brasileira, além de recorrer ao exame dos documentos oficiais, sempre apelei aos relatos dos fatos correntes feitos por jornalistas brasileiros e estrangeiros. Mas esse tipo de material sempre foi mais abundante nas questões de política interna ou de economia, do que na informação e discussão dos fatos relativos à política externa. No plano interno, Carlos Castelo Branco talvez tenha sido o mais importante cronista da política brasileira, mas faltava alguém na área da política externa que pudesse competir com o seu padrão. Agora não falta mais: Maria Helena Tachinardi acaba de ocupar com maestria, e constância, um espaço que poucos jornalistas brasileiros souberam até aqui preencher: o relato circunstanciado, meticuloso, bem-informado, mas também opinativo, sobre mais de três décadas de política externa brasileira, um verdadeiro manancial de relatos objetivos que constituem um aporte decisivo a todos os historiadores que necessitam reconstruir os passos de nossa diplomacia desde os anos 1970 até nossa própria época. 

Entre fevereiro de 1974, data de sua primeira matéria, e junho de 2015, o último artigo catalogado no anexo do livro Política externa e jornalismo, foram 305 reportagens no total, selecionadas dentre milhares de outras, geralmente veiculadas na Gazeta Mercantil, entre 1980 e 2003, incluindo sua fase como correspondente em Washington, de 1996 a 1988. O núcleo do livro está organizado por governos e décadas, começando pela Guerra Fria, ainda nos anos 1980, que compreende também a nossa "década perdida", seguida pela globalização, nos anos 1990, logo agitada pelas manifestações antiglobalizadoras, até adentrar nos anos problemáticos da "guerra ao terror", nos anos 2000, que também testemunharam os primeiros desajustes nas relações internacionais, com novas tensões surgindo no horizonte. 

 

Mas, antes de percorrer todas essas décadas e governos, com base nas três centenas de trabalhos que redigiu ao longo de reportagens, viagens e estágios no exterior, ela oferece em três dezenas de páginas introdutórias os seus Princípios de política externa nas reportagens, com as ênfases sucessivas e as definições fundamentais dessa política: "soberania, autodeterminação, realismo, pragmatismo, autonomia e não intervenção" (página 33), que são também os eixos diretrizes com os quais sempre trabalhou a diplomacia brasileira. Para isso, ela se valeu não só de investigações e estudos próprios, bem como de ensaios acadêmicos e de declarações de diplomatas — entre eles, os embaixadores Rubens Barbosa (que assina o prefácio) e Fernando de Mello Barreto, que ofereceu uma orelha. 

Acompanhei alguns atos de "fabricação" dessas matérias, sobretudo ao longo das negociações comerciais multilaterais da Rodada Uruguai, da difícil construção do Mercosul e dos embates da Alca. Maria Helena interrogou pacientemente diplomatas, empresários, autoridades estrangeiras e glosou notícias que vinham do mundo todo, em coberturas sempre certeiras. O resultado é uma historiografia da política externa brasileira, assim como da evolução do sistema internacional, nas décadas mais intensas da reinserção mundial do Brasil, desde o período final da ditadura militar até o capítulo conclusivo, que remete à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e ao primeiro ano de Lula III.

As notas, ao final, complementam a informação sobre alguns episódios e fornecem alguma bibliografia. A obra termina por onde começou, ao citar Gabriel Garcia Marques, que relatou sua "paixão insaciável" pela "melhor profissão do mundo". Maria Helena possui essa paixão, e conseguiu convertê-la num livro essencial aos historiadores do passado, assim como aos diplomatas do futuro.   

 

O jornalismo como história da política externa brasileira - Paulo Roberto de Almeida (Correio Braziliense)

 O jornalismo como história da política externa brasileira

Paulo Roberto de Almeida

Correio Braziliense, 28/10/2024

Resenha do livro:

Maria Helena Tachinardi

Politica Externa e Jornalismo

São Paulo: Contexto, 2024


Os primeiros historiadores são os jornalistas, antigamente chamados de cronistas dos eventos correntes ou de memorialistas do cotidiano. Não importa muito o nome; se não fosse por eles, não teríamos outra história que não aquela feita nos gabinetes de Estado, nos atos da imprensa governamental, reportando a atividade dos donos do poder e suas interpretações exclusivas. Sem eles, a história se resumiria a um longo desfilar de relatos oficiais.

Na política externa, sobretudo, a atividade jornalística é fundamental, uma vez que relações exteriores são conduzidas basicamente pelos governos, em nome do seus Estados. Em meus exercícios de historiador da diplomacia brasileira, além de recorrer ao exame dos documentos oficiais, sempre apelei aos relatos dos fatos correntes feitos por jornalistas brasileiros e estrangeiros. Mas esse tipo de material sempre foi mais abundante nas questões de política interna ou de economia, do que na informação e discussão dos fatos relativos à política externa. No plano interno, Carlos Castelo Branco talvez tenha sido o mais importante cronista da política brasileira, mas faltava alguém na área da política externa que pudesse competir com o seu padrão. Agora não falta mais: Maria Helena Tachinardi acaba de ocupar com maestria, e constância, um espaço que poucos jornalistas brasileiros souberam até aqui preencher: o relato circunstanciado, meticuloso, bem-informado, mas também opinativo, sobre mais de três décadas de política externa brasileira, um ver- dadeiro manancial de relatos objetivos que constituem um aporte decisivo a todos os historiadores que necessitam reconstruir os passos de nossa diplomacia desde os anos 1970 até nossa própria época.

Entre fevereiro de 1974, data de sua primeira matéria, e junho de 2015, o último artigo catalogado no anexo do livro Política externa e jornalismo, foram 305 reportagens no total, selecionadas dentre milhares de outras, geralmente veiculadas na Gazeta Mercantil, entre 1980 e 2003, incluindo sua fase como correspondente em Washington, de 1996 a 1988. O núcleo do livro está organizado por governos e décadas, começando pela Guerra Fria, ainda nos anos 1980, que compreende também a nossa “década perdida”, seguida pela globalização, nos anos 1990, logo agitada pelas manifestações antiglobalizadoras, até adentrar nos anos problemáticos da “guerra ao terror”, nos anos 2000, que também testemunharam os primeiros desajustes nas relações internacionais, com novas tensões surgindo no horizonte.

Mas, antes de percorrer todas essas décadas e governos, com base nas três centenas de trabalhos que redigiu ao longo de reportagens, viagens e estágios no exterior, ela oferece em três dezenas de páginas introdutórias os seus Princípios de política externa nas reportagens, com as ênfases sucessivas e as definições fundamentais dessa política: “soberania, autodeterminação, realismo, pragmatismo, autonomia e não intervenção” (página 33), que são também os eixos diretrizes com os quais sempre trabalhou a diplomacia brasileira. Para isso, ela se valeu não só de investigações e estudos próprios, bem como de ensaios acadêmicos e de declarações de diplomatas — entre eles, os embaixadores Rubens Barbosa (que assina o prefácio) e Fernando de Mello Barreto, que ofereceu uma orelha.

Acompanhei alguns atos de “fabricação” dessas matérias, sobretudo ao longo das negociações comerciais multilaterais da Rodada Uruguai, da difícil construção do Mercosul e dos embates da Alca. Maria Helena interrogou pacientemente diplomatas, empresários, autoridades estrangeiras e glosou notícias que vinham do mundo todo, em coberturas sempre certeiras. O resultado é uma historiografia da política externa brasileira, assim como da evolução do sistema internacional, nas décadas mais intensas da reinserção mundial do Brasil, desde o período final da ditadura militar até o capítulo conclusivo, que remete à guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e ao primeiro ano de Lula III.

As notas, ao final, complementam a informação sobre alguns episódios e fornecem alguma bibliografia. A obra termina por onde começou, ao citar Gabriel Garcia Marques, que relatou sua “paixão insaciável” pela “melhor profissão do mundo”. Maria Helena possui essa paixão, e conseguiu convertê-la num livro essencial aos historiadores do passado, assim como aos diplomatas do futuro.


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Escalada de Maduro na Venezuela pressiona Lula a subir o tom com o ex-aliado - Henrique Lessa (Correio Braziliense)

 Escalada de Maduro na Venezuela pressiona Lula a subir o tom com o ex-aliado

Henrique Lessa
Correio Braziliense - Online | Política
11 de setembro de 2024



Oposição venezuelana organizou protestos em frente à representação brasileira em Caracas. Para especialistas, o Brasil perdeu oportunidade de se posicionar de forma adequada em relação à postura autocrática do regime de Maduro

Com as ameaças de invasão da embaixada da Argentina em Caracas, hoje sob a guarda do , e o aumento da pressão internacional contra Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cada vez mais é pressionado para subir o tom com o regime bolivariano. Também a coalizão opositora ao governo atual protestou, nesta quarta-feira (11/9), em Caracas, em frente à embaixada brasileira no país, para pedir que Lula interceda pelos presos políticos do país.

"Nos mobilizamos, na Venezuela e no mundo, para a sede diplomática do governo brasileiro para solicitar sua mediação na libertação de todos os presos políticos e o fim da repressão", dizia uma das convocações nas redes sociais, atribuída a María Corina Machado, principal líder da oposição. O protesto ocorreu em uma praça do centro da cidade. Os manifestantes encerraram o protesto em frente da representação diplomática brasileira.

Com o recente cerco à embaixada da Argentina, sob responsabilidade do governo venezuelano, a situação do governo Lula fica ainda mais difícil, aponta o embaixador aposentado Paulo Roberto de Almeida. "O Lula tem a sua diplomacia personalista, diminuída sistematicamente desde que ele começou. Convocou uma reunião em maio de 2003, para refazer a Unasul, que foi um fracasso. O Celso Amorim e Lula têm uma postura dúbia em relação à , que se mantém até hoje", criticou o diplomata.



Itamaraty ressalta que o vem se posicionando contra os desmandos de Maduro, e alertam que a postura tem sido a do diálogo, e apontam como prioridade manter a inviolabilidade das instalações da embaixada da Argentina em Caracas. "O que nos cabe é manter a inviolabilidade das instalações e a integridade física de quem está ali dentro", disse ao Correio uma fonte da diplomacia, sob reserva.

Para a professora de relações internacionais da ESPM Denilde Holzhacker, a postura do governo é cautelosa, mas aponta que Lula falha em não cobrar de forma mais enfática a manutenção da democracia no país vizinho. "O governo brasileiro tem usado aí uma estratégia de manter uma certa cautela nas ações com relação a ao , para não ampliar ainda mais o conflito. Mas a gente já poderia ter, por exemplo, sinalizado um apoio maior para a oposição nos órgãos internacionais é ter feito uma nota mais contundente com relação a questão da embaixada", avalia a professora.

Para especialistas ouvidos pelo Correio, o cenário mais provável é a permanência de Maduro no comando da e um agravamento da situação no país vizinho.

"O cenário é a permanência do Maduro e o aumento da repressão criando mais fissuras, mas são impactos na oposição. A oposição deve se enfraquecer, a saída de (Edmundo) González (candidato da oposição) já demonstra uma fragilidade para a manutenção do processo (de oposição). A oposição, ainda que bastante unida e com capacidade de mobilização, com, cada vez mais, apoio internacional, pode gerar mais pressão e repressão", aponta a professora Holzhacker.

Segundo a organização não governamental venezuelana Foro Penal, o país contabiliza quase 1,8 mil prisões políticas - 1.659 desde o final de julho, após o início dos protestos contra os resultados divulgados da eleição dando a vitória a Nicolás Maduro.

O não reconhece a vitória de Maduro nem da oposição, como já fizeram os Estados Unidos e outros países. Mesmo com o interesse da diplomacia brasileira em preservar os canais de comunicação com o governo de Caracas, analistas avaliam que falta ao governo Lula uma postura mais enérgica e alinhada aos compromissos brasileiros com a democracia.

"Está feio, e o vai sair feio. Qualquer coisa que o faça agora em relação ao Maduro, perdeu o tempo, vai ficar feio. Muito tarde e muito pouco", disse o embaixador Paulo Roberto Almeida. Para o diplomata, ninguém espera que  Lula venha a romper as relações com o país vizinho.

terça-feira, 3 de setembro de 2024

O Brasil no admirável mundo dos BRICS - Luiz Carlos Azedo Correio Braziliense

Análise: 

O Brasil no admirável mundo dos BRICS

"Essa mudança geopolítica está por trás da crise da Venezuela, que rompeu com o Ocidente. Essa não pode ser a nossa, defendemos a democracia e nossos interesses", observa o jornalista

Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense, 27/08/2024

https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/08/6928465-analise-o-brasil-no-admiravel-mundo-dos-brics.html#google_vignette

O economista Paulo Gala, professor da economia da EESP/FGV, é um dos maiores especialistas em política industrial e comércio exterior do Brasil. Muito ativo nas redes sociais, vem chamando a atenção do grande público para a importância dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), em particular, para o Brasil. Estabelecido em 2006, o grupo pesa cada vez mais nas relações internacionais, com destaque para a China e a Índia.

Segunda maior economia do mundo, depois dos Estados Unidos, segundo Gala a China se estabeleceu como um líder global em inovação e tecnologia, com empresas como a Huawei, Tencent e Alibaba, que atuam em setores como telecomunicações, comércio eletrônico e inteligência artificial. E passou por um grande avanço na infraestrutura, com a construção de sua rede de ferrovias de alta velocidade e projetos ambiciosos de logística, como a iniciativa do Cinturão Econômico da Rota da Seda.

A Índia também emergiu como líder global em serviços de tecnologia da informação e terceirização de processos de negócios. Cidades como Bangalore são centros tecnológicos, com empresas de TI de renome.

O país é um dos maiores produtores de medicamentos genéricos do mundo. Destaca-se, também, na pesquisa espacial, com realizações notáveis, incluindo a Missão Marte Orbiter (Mangalyaan) e o lançamento de inúmeros satélites para diversos fins.

Em postagem recente no X (antigo Twitter), Gala elencou diversas razões para que o G-7 (Canadá, Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, Alemanha e Japão), o grupo de países mais desenvolvidos e industrializados do mundo, passe a levar mais a sério a existência dos BRICS, que somarão, em breve, 3,7 trilhões de habitantes — ou seja, 46% da população mundial. Vamos a elas.

China, Índia e Brasil estão entre as 10 maiores economias do mundo. Os indianos também pousaram na Lua, e os BRICS (Rússia, oito; China, três; e Índia, um) estão quase igualando o número de missões lunares dos EUA (15).

Os BRICS representam 32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7. Em 2024, cinco países se associaram: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Etiópia, Egito e Irã.

Em 2023, a Índia tornou-se a maior população do mundo, com o maior número de usuários do Facebook, Instagram, You- Tube e WhatsApp, e exportou mais em software (US$ 133 bilhões) do que a Arábia Saudita em petróleo (US$113 bilhões). Em 2022, a China comprou 97% de todo o lítio da Australia, o maior produtor mundial, e responde por 57% dos carros elétricos do planeta.

A maioria das pessoas no Ocidente não conhece a Saudi Aramco, a petroleira da Arábia Saudita, que, agora, faz parte dos BRICS e fatura U$ 48 bilhões/ano, mais do que a Tesla, Meta, Apple e Microsoft juntas, que somam US$ 45 bilhões/ano. As duras sanções do Ocidente contra a Rússia são quase inúteis, porque os russos estão inundando a Ásia com petróleo — e os chineses inundando a Rússia com produtos industrializados.

Pragmatismo

Os chineses lideram a distribuição de supercomputadores. A indiana Tata Motors comprou a Jaguar e a Land Rover. A chinesa Geely comprou a Volvo, e a vietnamita Vinfast abriu capital na Bolsa de Nova York e já vale mais do que a General Motors.

O leste da Ásia (China, Índia, Coréia do Sul, Taiwan e Japão) formam o bloco econômico mais importante do mundo, maior do que os EUA ou a Zona do Euro, pois 70% do crescimento do mundo este ano vem da Ásia — a China, sozinha, responde por 1/3 do crescimento mundial.

Mais de 20 países querem entrar nos BRICS. Bangladesh, por influência da Índia; Egito, Etiópia e Marrocos, da Rússia; Belarus e Cazaquistão, antigas repúblicas soviéticas, também fizeram a solicitação.

Tailândia e Vietnã pediram para ingressar no bloco, e Argélia busca aproximação. Países ligados aos Emirados Árabes Unidos — como a Palestina, Nigéria e Bahreim — já manifestaram interesse. O Irã não fica atrás.

Na América Latina, países como Cuba, Honduras e Venezuela querem ingressar no bloco. O próximo encontro do BRICS será em Moscou e caminha nessa direção.

É uma grande mudança geopolítica. Entretanto, há contradições políticas relevantes entre esses países. Exemplo: a Rússia é aliada da China, porém, a Índia é aliada dos Estados Unidos. É um erro avaliar que esses países formam um bloco monolítico, tanto quanto é insensato, no caso do Brasil, um alinhamento que não leve em consideração as relações históricas com os EUA e a União Europeia.

Nosso principal parceiro comercial é a China, que compra nossas commodities minerais e de alimentos, e nos vende a maior parte dos produtos industrializados que consumimos. Isso está matando a nossa indústria e nos toma mercado. Essa mudança geopolítica está por trás da crise da Venezuela, que rompeu com o Ocidente democrático e se tornou aliada incondicional da China.

Essa não pode ser a nossa. Defendemos a democracia e uma política externa independente e pragmática, cujo eixo são nossos interesses. Devemos nos relacionar igualmente com os países dos BRICS e o Ocidente democrático, ao qual pertencemos.


segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Livro esmiúça 'primeiro golpe' do Brasil, liderado por D. Pedro: Ricardo Lessa (CB)

 Livro esmiúça 'primeiro golpe' do Brasil, liderado por D. Pedro

Segundo o jornalista e escritor Ricardo Lessa, D. Pedro I "estava longe de ser a figura ideal de libertador, como algumas correntes históricas o definem


Correio Braziliense, 20/08/2024

Nas salas de aula, quando se fala em golpes de Estado no Brasil, os atos de 1930, que levaram Getulio Vargas ao poder, e os de 1964, com o início dos governos militares, são sempre os mais lembrados. No entanto, o jornalista e escritor Ricardo Lessa volta ao início do século XIX para contar sobre o processo conturbado da independência do Brasil e a primeira Assembleia Nacional Constituinte, que culminaram no que ele defende ser o "primeiro golpe" do país.

"É um golpe militar que, na época, foi caracterizado assim, inclusive por alguns monarquistas. Um golpe violento, tal como eu cito no livro, e ele abre uma história de golpes militares", afirma Lessa ao Correio Braziliense, em referência ao recém-lançado O primeiro golpe do Brasil. O jornalista foi apresentador do programa Roda Viva, na TV Cultura, além de ter passado por redações de alguns dos veículos de imprensa do país, como o Correio.

Após a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, uma série de episódios tomaram conta dos bastidores do alto escalão da monarquia brasileira. Com o retorno de D. João VI a Portugal, o filho mais velho, D. Pedro I, decidiu ficar no país para manter o legado do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, que antecedeu o período do Império brasileiro.

Com o Brasil independente e Pedro de Bragança no trono, era necessário formar uma constituição para o novo país. Uma primeira assembleia constituinte foi convocada para maio de 1823, motivada por ideias liberais que pretendiam alinhar o Brasil com os novos países que surgiram na América desde o fim do século XVIII. Apesar disso, lembra Lessa, a assembleia foi dissolvida pelo imperador, que perseguiu republicanos, promoveu censura aos meios de imprensa e alimentou-se do escravismo, como trata o autor, em sua obra.

No ano seguinte, o próprio monarca liderou uma nova assembleia constituinte que culminou na Carta Magna de 1824, outorgada, e a primeira do país, que vigorou até o fim do Império, em 1899. "D. Pedro I fez uma constituição outorgada em que ele estava acima da Lei. Então, isso é uma contradição, em termos de você ter um rei acima da Constituição. As constituições foram inventadas para submeter os reis. A gente está cercado de repúblicas por todos os lados e ficamos sendo uma monarquia escravista no ocidente, enquanto não havia mais isso no mundo", frisa Lessa.


O jornalista faz uma comparação do ocorrido em 1823, no Brasil, com o que se passou anos antes, na França, com Napoleão Bonaparte. O déspota francês destituiu o Diretório da Revolução e substituiu-o por um consulado, no que ficou conhecido como o "Golpe do 18 Brumário". "Isso é conhecido como 'coup d'etat' na França e, aqui, nós chamamos de golpe de Estado. Houve o fechamento de um órgão constitucional pela força das armas. Isso é um golpe militar no dicionário de política que todo mundo segue", acrescenta o autor.

No livro, ele também desmistifica a figura heroica do primeiro imperador do Brasil. Na sua visão, D. Pedro I estava longe de ser o ideal de libertador, como algumas correntes históricas o definem. "A monarquia é do gosto de quem quer o despotismo. Quem quer governar acima das leis, que foi o que Dom Pedro I fez. Porque a Constituição que ele outorgou não era igual à que estava sendo discutida e que foi apresentada a ele em setembro", sugere Lessa.

Dias atuais

Com o avanço do autoritarismo em países de diferentes continentes ao redor do mundo, como Venezuela, Coreia do Norte e Nicarágua, a definição de déspota pode ser atualizada para os tempos modernos. Na visão de Lessa, o sonho dos déspotas é o governo de um homem só, como está subentendido na formação da palavra "monarquia", que vem da junção do prefixo "mono" e significa "um" com o termo grego "arquia", que indica "chefia".

"Os déspotas modernos não têm uma raiz de família como era na Idade Média, quando a Igreja abençoava uma família, como os Habsburgo ou os Bragança. Eram famílias aristocráticas que tinham o poder divino de governar grandes territórios, só que o 'trem da história' tirou o poder dessas famílias", sustenta o jornalista. "O que você tem hoje é o ressurgimento de déspotas, que querem submeter o Legislativo e o Judiciário, que são bases para a República, às suas vontades", completa.

=========

Terei o prazer de coordenar os debates em torno da obra do jornalista Ricardo Lessa em torno de um assunto bastante atual, mas que começou lá atrás, em 1823. "O Primeiro Golpe do Brasil", Dom Pedro I fecha a Constituinte - Lançamento do livro, IHG-DF, 22/08, 19hs. Ricardo Lessa: O Primeiro Golpe do Brasil: Dom Pedro I fecha a Constituinte - Lançamento de livro, IHG-DF, 22/08, 19hs 







segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Lula e Boric não devem formar consenso sobre Maduro durante encontro - Ingrid Soares, Victor Correia (Correio Braziliense)

Ao final, transcrição de algumas declarações minhas aos jornalistas.

Lula e Boric não devem formar consenso sobre Maduro durante encontro

Mesmo sendo ambos de esquerda, chefes de Estado divergem quando o assunto é Venezuela. Petista busca reafirmar papel de liderança em viagem ao Chile nesta segunda-feira (5/8)

Ingrid Soares, Victor Correia

Correio Braziliense,  04/08/2024 03:55 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversa nesta segunda-feira (5/8) com o líder chileno Gabriel Boric em meio à tensão regional causada pelas eleições venezuelanas. Apesar de o Itamaraty afirmar que o assunto não configura como temática central do encontro, a expectativa é de que os chefes de Estado aproveitem a ocasião para debater o cenário. Do ponto de vista da política externa e interna, o petista enfrenta um dos maiores testes diplomáticos e de gestão de seu mandato enquanto busca manter o papel de liderança política na América do Sul. Na avaliação de especialistas, porém não haverá concordância política na visita.

"É mais do que natural que dois presidentes conversem sobre a região, especialmente em um encontro privado. É o momento de falar mais livremente", respondeu a secretária de América Latina e Caribe do Itamaraty, embaixadora Gisela Maria Figueiredo Padovan, ao ser questionada por jornalistas durante o briefing da viagem.

Os presidentes divergem. Boric adotou uma posição mais dura contra o regime Maduro, dizendo ser "difícil de acreditar" na reeleição do ditador. O Chile se alinhou com países, como a Argentina, Uruguai, Estados Unidos e Peru.

Como consequência, as nações tiveram seus corpos diplomáticos expulsos. O Brasil assumiu a embaixada argentina a pedido do governo de Javier Milei, para proteger os seis opositores de Maduro que estão refugiados no local, e que foram ameaçados de prisão pelo governo chavista. Questionada se o Brasil pode assumir a Embaixada do Chile, que também foi esvaziada, Gisela não comentou.

Lula e Boric dificilmente vão formar um consenso sobre as eleições na Venezuela, mesmo sendo ambos líderes de esquerda. Vale lembrar que o chileno já fez, publicamente, duras críticas à proximidade entre o petista e Maduro.

Em março do ano passado, quando Lula chamou de "narrativas" as acusações de violação dos direitos humanos pelo regime chavista, Boric rebateu. "É uma realidade séria. Eu tive a oportunidade de vê-la nos olhos de centenas de milhares de venezuelanos que vivem na nossa pátria e que exigem uma posição firme e clara de respeito aos direitos humanos em todo o lugar, independentemente da coloração política do governante do momento", disse na ocasião.

Cooperação bilateral

Segundo a embaixadora Gisela, a visita de amanhã marca a reaproximação entre os dois países e o objetivo é diversificar uma relação que já é sólida. O Brasil é o terceiro maior sócio comercial da nação vizinha, com um fluxo de US$ 12 bilhões, levemente superavitário para o lado brasileiro. "Temos um comércio relativamente equilibrado com o Chile, mas acho que falta um pouco de diversificação. Nós exportamos basicamente petróleo, automóveis e carne, e importamos cobre, pescados e minério."

Um dos objetivos do Brasil é construir uma base de indústria de Defesa na região, considerando que os dois países já possuem parcerias militares. Por exemplo, o Chile negocia com a Embraer desde os anos 1970, e opera 22 caças brasileiros Super Tucano. O Brasil se coloca à disposição para quando o governo chileno renovar sua frota, e pretende também vender o cargueiro C-390.

Por sua vez, os interesses chilenos incluem segurança pública, segurança cibernética, combate ao crime e atuação em desastres naturais, já que o país é frequentemente atingido por terremotos, deslizamentos e outras catástrofes.

Segundo o chefe da divisão de Argentina, Uruguai e Chile, ministro Carlos Fernando Gallinal Cuenca, pelo menos 17 acordos de cooperação estão prontos para serem assinados em Santiago, e outros 10 estavam na fase final de negociação. "Nesse sentido, o adiamento facilitou para que uma lista que já era grande ficasse ainda mais longa", brincou o diplomata.

Os acordos incluem a certificação eletrônica de vinhos e bebidas, na agricultura, mineração, turismo, cooperação entre as academias diplomáticas dos dois países sobre questões de gênero — área em que o Chile lidera — cooperação em saúde pública, direitos humanos, governo digital, ciência espacial, e um novo acordo de extradição.

Outro projeto de interesse que será discutido com o governo chileno é a finalização do Corredor Bioceânico de Capricórnio, que ligará Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, ao litoral norte do Chile. A meta é criar um caminho rodoviário mais barato para escoar a produção do Centro-Oeste para a China e outros países da Ásia, por meio do Oceano Pacífico. A rota envolve Brasil, Chile, Argentina e Uruguai, e a estrada já está praticamente pronta. As nações discutem agora a modernização dos serviços aduaneiros e logísticos.

"Sem contar o desenvolvimento do próprio corredor. Ou seja, ao existir uma estrada, tem posto de gasolina, restaurante, então você vai criando um movimento ao longo da própria estrada", argumentou Gisela. 

Sem concordâncias

Para a professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso, a tomada de posição brasileira e da América Latina sobre a situação do pleito venezuelano certamente será tema da reunião.

"Lula deve buscar uma posição concertada. Daí porque Chile, Colômbia, Bolívia e Peru são países importantes. O Brasil não pode ficar numa posição isolada de apoio a Maduro nem de neutralidade. Terá que se posicionar. A guerra da Ucrânia e os últimos acontecimentos no Oriente Médio também estarão na pauta das reuniões", acredita.

O Brasil reivindica o papel de líder regional e usa essa estratégia para se cacifar como player global, como um representante dos países da região nos fóruns multilaterais e como representante de países periféricos de modo geral. Para tanto, precisa costurar um consenso representativo na América do Sul, analisa a professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mayra Goulart.

"Para que Lula seja bem-sucedido nessa dinâmica é fundamental que exerça um papel de ente estabilizador nos conflitos da região, ele não pode ser visto como um ator que coloca fogo na disputa, mas sim um player que atua para garantir a institucionalidade, e é dessa maneira o presidente brasileiro tem buscado se posicionar", observa.

"Lula tem deixado bem claro que nenhum outro país ou mesmo a OEA pode intervir de modo a exigir recontagem ou interferir de maneira deliberada na realização de processos e escolhas de outros países, no sentido de respeitar a autodeterminação dos povos. Para exercer essa função de liderança, cabe ao presidente fazer o que ele está fazendo no Chile, encontrar-se com as outras lideranças, articular um posicionamento o mais comum possível, o mais representativo de todos os entes aqui da região. Acredito que essa viagem deve ser entendida nessa direção", acrescenta.

O diplomata e professor Paulo Roberto de Almeida ressalta que Boric e Lula pertencem a duas famílias diferentes da esquerda.

"Boric é de uma esquerda renovada, democrática. Lula, pela formação do PT, que é um partido socialista esquerdista atrasado, adere a concepções anacrônicas do velho anti-imperialismo latino-americano. No caso da Venezuela, desde a reunião de líderes da América do Sul feita em Brasília no fim de maio de 2023, alguns representantes da esquerda e vários da direita condenaram a leniência com que Lula recebeu o ditador Nicolás Maduro. Ali, já ficaram bastante claras as diferenças entre as concepções dos dois dirigentes", aponta.

Na visão de Almeida, não há que se esperar concordância entre os presidente sobre questões políticas. "Veremos a retórica vaga geral em favor da integração, do desenvolvimento, da unidade latino-americana e do tratamento político dos conflitos, mas o encontro não configura uma reaproximação, uma vez que Lula e o PT continuam confirmando o apoio ao ditador Maduro enquanto que Boric e outros dirigentes já reafirmaram que as eleições não foram legítimas", frisa

"Não cabe esperar uma aproximação simpática entre ambos. Na minha previsão, será um encontro um pouco hipócrita da parte de ambos. O Boric vai se esforçar pra não chocar muito o Lula sobre o apoio que este dá a Maduro e outras ditaduras. Evidentemente, o presidente vai se esforçar para não confrontar a posição mais decisiva de Boric no confronto com a Venezuela", conclui.


segunda-feira, 22 de julho de 2024

Relembre a passagem do pai de Kamala Harris pela UnB nos anos 1990 - Jéssica Moura Correio Braziliense

Relembre a passagem do pai de Kamala Harris pela UnB nos anos 1990

Pai da vice-presidente dos Estados Unidos, Donald Harris esteve no Distrito Federal nos anos 1990. Ele deixou sua marca em cursos na Universidade de Brasília e levou consigo as impressões da cidade

Jéssica Moura

Correio Braziliense, 21/07/2024

https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2021/01/4901593-relembre-a-passagem-do-pai-de-kamala-harris-pela-unb-nos-anos-1990.html

(crédito: Universidade de Stanford/Divulgação)

A história de família da primeira mulher a ocupar a vice-presidência dos Estados Unidos carrega um pedacinho de Brasília. O motivo? O pai de Kamala Harris passou várias vezes pelo Brasil e pelo Distrito Federal. Quando aquele homem esguio, de óculos e roupa social entrou no auditório do departamento da Faculdade de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em abril de 1997, houve um grande frisson entre os estudantes e professores que se reuniram para acompanhar seu seminário. Nas horas seguintes, eles ouviram Donald J. Harris discorrer sobre suas ideias consideradas heterodoxas sobre economia política e teoria econômica.

O convite para palestrar veio do então chefe do Departamento de Economia da UnB, Joanílio Teixeira. “Queria dinamizar a perspectiva de economia heterodoxa”, explica. Naquele período de início da internet, em que a conexão era precária e discada, e as ligações internacionais custavam pequenas fortunas, toda a comunicação entre os dois foi por e-mail. “Naquele tempo, ainda não era comum usar celular”, lembra Joanílio. Ainda que jovem, Harris tinha uma produção frutífera, era considerado um economista de corrente marxista, e seus textos integravam a bibliografia de cursos de graduação.

Ao desembarcar na capital federal, Donald Harris se surpreendeu com a geografia da cidade de avenidas largas. “Ele achou muito interessante que aqui, em Brasília, a gente ficava muito dependente de automóvel”, diz Teixeira, já que, em seu trabalho, Harris desenvolveu uma crítica em relação aos problemas da acumulação de capital e distribuição de renda. Também se espantou diante da organização da universidade pensada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. “Ele achou surpreendente encontrar uma universidade bem organizada em um país em desenvolvimento”.

Mas, a surpresa durou pouco e ele logo se misturou aos colegas economistas e também aos alunos, que apresentaram os costumes da comunidade universitária: às sextas-feiras, depois do pôr do sol, o grupo de intelectuais cruzava a L2 Norte rumo a algum dos restaurantes da Asa Norte para se refrescar com uma cerveja gelada após uma semana inteira de atividades acadêmicas.

Àquela altura, Donald e Shyamala Gopalan, mãe de suas duas filhas, Kamala e Maya, já estavam separados. Uma de suas obras mais célebres, Capital Accumulation and Income Distribution (1978), é dedicada às filhas. O processo do divórcio foi conturbado, e as garotas foram morar com a mãe. Uma das pretensões de Donald foi continuar a transmitir às filhas a herança jamaicana, e as levava para shows de Bob Marley quando passavam férias juntos nos Estados Unidos, onde vivia desde 1960, quando emigrou do país de origem.

Nos Estados Unidos, Harris cursou o doutorado e ficou internacionalmente conhecido pela pesquisa de abordagem neo-keynesiana, e por ser o primeiro homem negro a conquistar uma cátedra de economia na universidade americana de Standford, em 1972. “Quando fui para Stanford, ele era o único negro do departamento. Mesmo no Brasil, no departamento de economia, era muito raro encontrar pessoas negras como professores. Ainda é difícil hoje, naquele tempo, você nem imagina”, pondera Teixeira. “Um economista heterodoxo, negro, em uma universidade conservadora, não é surpreendente?”, indaga.

Feijoada aos sábados

E foi com a ajuda desse título que ele desembarcou no Brasil para atuar como professor visitante em cursos nos departamentos de economia da UnB e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre 1990 e 1991. “Ele gostou muito da UnB, tanto que quis voltar”, assegura Teixeira, de quem ficou amigo. Ele foi bolsista pela Fundação Fullbright por dois anos e depois voltou ao país para ministrar seminários. 

Em meio a esses debates, Harris acabou hospedado na casa de Joanílio Teixeira, no Lago Sul, onde ocupou o segundo andar do sobrado por quase dois meses. Além das discussões acadêmicas, Harris se agregou à vida familiar, mas, como ele não sabia nada de português, toda a comunicação era na língua inglesa, inclusive com os filhos e a esposa de Joanílio. A falta de traquejo com o idioma não o impediu de compreender com satisfação que, aos sábados, era dia de feijoada.

Depois de partir, Harris chegou a convidar docentes da UnB para uma temporada em Stanford, no Vale do Silício. Teixeira chegou à cidade como bolsista para desenvolver uma pesquisa de pós-doutorado e se encontrou com o amigo. Naquele tempo, Kamala Harris já era adulta e não estava mais com o pai, que morava sozinho. O divórcio foi concluído quando ela tinha sete anos. “Ele não cozinhou. Pediu uma pizza e ficamos jantando e batendo papo”, lembra o professor, que não conheceu a filha do amigo pessoalmente.

Discreto

Em 1990, Kamala cursava economia na universidade de Howard, no estado da Califórnia, seu reduto político. Após aquela visita, os dois amigos perderam o contato. Quando soube da candidatura de Kamala, os colegas da UnB chegaram a tentar retomar o contato, mas não conseguiram. “Foi difícil”, sentencia o professor. Mesmo na imprensa americana, Donald Harris é discreto ao comentar sobre a carreira política da filha. “Certamente, ele deve ter trocado ideia com ela sobre América Latina, Brasil e também Brasília”, diz Teixeira.

Há quase 30 anos, Donald Harris, hoje com 82 anos, não poderia imaginar que sua filha mais velha chegaria a um dos cargos mais importantes do mundo. “Quando Kamala ficou tão famosa, o pessoal da UnB ficou surpreso e contente por ele ter passado aqui e deixado essa marca. Alguns se lembravam com grande prazer da presença dele”, recorda Teixeira. Há dois meses, poucos poderiam crer que, após o governo do republicano Donald Trump, seria Kamala a primeira mulher, negra e descendente de indianos e jamaicanos, a compor o comando do país. E menos ainda que seu pai tivesse passado pela UnB.


quarta-feira, 17 de julho de 2024

Memórias de Rubens Ricupero: Diplomata humanista - Cristovam Buarque (Correio Braziliense)

 Diplomata humanista

Memórias, de Rubens Ricupero, tem todas as oito qualidades que se deseja em um bom livro sobre a vida do autor: deslumbra, descreve, ensina, informa, aproxima, sensibiliza, declara e inspira.

Cristovam Buarque
Correio Braziliense, 17/07/2024


A primeira qualidade de um livro é deleitar ao leitor. Rubens Ricupero consegue a façanha da primeira à última das 700 páginas de seu livro Memórias, publicado pela Editora da Unesp.

A segunda é contar boa história de vida. Ricupero lembra o nascimento, resultado da ousadia migratória dos quatro avós desde a Itália. Descreve sua infância em bairro pobre na cidade de São Paulo. Conta a saga de um homem que viveu a aventura de seu tempo como estudante, diplomata, estadista, professor, autor e cientista de relações internacionais.

A interligação da biografia com a história é a terceira qualidade do Memórias. Ao ler, vamos colecionando informações sobre o que se passou ao longo dos 87 anos em que sua vida coincidiu com a história do Brasil e do mundo no incrível período de meados do século 20 à terceira década do 21. Uma vida entrelaçada com o período histórico do pós-guerra até o atual mundo global integrado e dividido.

O livro tem a quarta qualidade de nos apresentar grandes personagens, lugares especiais e ideias marcantes. São mais de mil personagens com as quais sua vida se entrelaçou: autores do passado ou contemporâneos, estadistas, políticos, artistas, amigos, colaboradores e colegas, alguns muito conhecidos, outros anônimos, que ele cuida com respeito e carinho. Sobre cada um, Ricupero tem uma história para contar e um reconhecimento a fazer.

Mas, dificilmente, temos memórias interessantes se o autor não conta fatos importantes dos quais participou. O Memórias tem essa quinta qualidade: muito jovem, Ricupero participou da concepção da nossa política externa independente, assistiu por dentro à renúncia de Jânio Quadros, junto a San Tiago Dantas viu o regime parlamentarista em funcionamento, esteve presente em momentos decisivos das relações do Brasil com a Argentina, acompanhou Tancredo Neves no giro internacional depois da eleição para presidente, marcou o mundo como secretário geral da Comissão das Nações Unidas para o Comércio, a Indústria e o Desenvolvimento, foi ministro do Meio Ambiente e da Amazônia quando o mundo e o Brasil começavam a tomar conhecimento desses temas. E, sobretudo, foi o ministro da Fazenda que coordenou a implantação do Plano Real. Sua vida está ligada à vitória contra a inflação endêmica no Brasil, nosso maior equívoco e empecilho ao progresso, depois da escravidão e da desigualdade educacional.

Além dessas cinco qualidades, dificilmente um livro de memórias tem grandeza sem tragédia. Apesar da sua vida feliz, Ricupero descreve o drama na noite em que ele, em momento relaxado no estúdio de televisão, disse a frase que nada tinha do que ele sentia, em nada sintonizada com seu caráter e sua maneira de ser, mas gravada por acaso, vista inesperadamente, divulgada indiscretamente, que o transformou de "santo do real" em um "demônio da política". A descrição dessa tragédia, a candura como a analisa, 30 anos depois, é a sexta qualidade do Memórias.

Bom livro de memórias exige também uma boa história de amor. Isso não falta no Memórias de Ricupero. Ele declara seu amor por Marisa, companheira de todo tempo, conselheira em cada momento, impedindo, como ele descreve, erro que estava prestes a cometer; amor ao Brasil, à Itália, à cidade de São Paulo, à cultura, ao Instituto Rio Branco, a Brasília, da qual ele foi um dos pioneiros; assim como aos avós, pais, filhos e netos.

Memórias de Ricupero tem a sétima qualidade de revelar sentimentos íntimos que ele transmite ao reconhecer períodos de depressão, expressar sua  espiritualidade cristã e seu sofrimento com a pobreza e com a desigualdade social.

A oitava qualidade, rara em outras memórias, é concluir a descrição da vida apontando para o futuro, na esperança de um mundo melhor. Ele deixa entrever a necessidade de uma nova diplomacia. Ricupero é um dos primeiros diplomatas no mundo que percebe o fato de que, atualmente, "cada país é um pedaço do mundo", diferentemente do tempo em que o "mundo era a soma de países". Ele faz parte daqueles ainda raríssimos diplomatas, como André Aranha Corrêa do Lago, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente, no Itamaraty, que defendem o seu país sem esquecer que ele é parte do mundo ao qual estamos ligados. O Memórias lembra o nacional apontando para o futuro planetário. Não é por acaso que repete (páginas 598 e 612) o poema de Khalil Gibran: "A Terra é minha pátria, a humanidade é minha família".

O Memórias de Ricupero tem todas as oito qualidades que se deseja em um bom livro sobre a vida do autor: deslumbra, descreve, ensina, informa, aproxima, sensibiliza, declara, inspira. E lembra que tudo foi resultado da boa educação que recebeu.


segunda-feira, 20 de maio de 2024

Petrobras: Sucesso e fracasso - André Gustavo Stumpf (Correio Braziliense)

 Petrobras: Sucesso e fracasso

Agora, o presidente Lula demonstra sua inclinação a repetir as políticas de seus dois primeiros governos e o de sua sucessora do Planalto. A Petrobras está segurando o preço dos combustíveis para aliviar a inflação e, ao mesmo tempo, favorecer seus candidatos na eleição de novembro.

André Gustavo Stumpf
Correio Braziliense, 20/05/2024

A Petrobras, empresa brasileira de petróleo, impressiona pelo seu tamanho, imenso valor (mais de US$250 bilhões), importância na economia brasileira e enorme capacidade de ser vítima da ação dos políticos. Seu sucesso é seu fracasso. No governo Lula 2, foi descoberto o fabuloso pré-sal que vai da costa do Espírito Santo até a de São Paulo com cerca de 15 bilhões de barris de petróleo. A descoberta permitiu que o Brasil assumisse a posição de importante exportador de petróleo. As necessidades do mercado interno foram atendidas, mas com o preço internacional.

No governo Dilma, a Petrobras foi para o centro do debate político por motivo inglório. Foi descoberto o rentável esquema de corrupção na petroleira. Diretores admitiram receber fortunas para beneficiar empresas que redistribuíam parte dos lucros para o Partido dos Trabalhadores. Em 2006, a Petrobras pagou 360 milhões de dólares por 50% da refinaria de Pasadena, no Texas. Em 2008, a petroleira brasileira e a empresa belga de petróleo se desentenderam e uma decisão judicial obrigou a Petrobras a comprar a parte de sua sócia. A aquisição da refinaria de Pasadena acabou custando 1,18 bilhão de dólares à Petrobras, mais de 27 vezes o que a Astra teve de desembolsar. Foi o começo da história cabulosa.

A Operação Lava-Jato da Polícia Federal, a partir de março de 2014, apurou um esquema de lavagem de dinheiro suspeito de movimentar mais de R$ 10 bilhões montante que, atualizado, alcança mais de R$ 20 bilhões. Até abril de 2014, a operação envolveu 46 pessoas indiciadas pelos crimes de formação de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro nacional, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e 30 foram presas, entre elas o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Pedro Barusco disse que o esquema de pagamento de propinas na Petrobras começou em 1997. 

Em 14 de novembro de 2014, foram presos os presidentes e diretores de grandes empresas do Brasil, como OAS, Iesa Óleo e Gás, Camargo Corrêa, UTC Engenharia e Construtora Queiroz Galvão. A força-tarefa da Lava-Jato identificou R$ 10 bilhões em propinas, recuperou R$ 870 milhões, bloqueou outros R$ 2,4 bilhões e prendeu 105 envolvidos no escândalo. Em novembro de 2015, a PF estimou que o prejuízo da Petrobras com corrupção chega a R$ 42 bilhões, mas somente R$ 6 bilhões foram divulgados oficialmente pela empresa. A estimativa tem como base laudo da perícia criminal baseado em tabelas que mostram os pagamentos indevidos envolvendo 27 empresas apontadas como integrantes do cartel na Petrobras. 

O governo Temer, que sucedeu o de Dilma Rousseff, tratou a empresa como ente privado. Saneou as dívidas, proporcionou ótimos dividendos para os acionistas. A mesma fórmula foi repetida no governo Bolsonaro. Agora, o presidente Lula demonstra sua inclinação a repetir as políticas de seus dois primeiros governos e o de sua sucessora do Planalto. A Petrobras está segurando o preço dos combustíveis para aliviar a inflação e, ao mesmo tempo, favorecer seus candidatos na eleição de novembro. Ele entende que o lucro da empresa deve ser investido em projetos sociais que gerem empregos. O mais conhecido deles é o sonho da indústria naval, que foi tentado várias vezes e virou pesadelo na forma de prejuízos monumentais.

O presidente Lula tem exibido sua face analógica e a dificuldade em se situar no novo cenário globalizado e informatizado. Os novos negócios e os recentes caminhos do comércio internacional modificaram as referências no mundo moderno. Mas os dirigentes do PT ainda não perceberam. O chefe do governo custou a entender que ele precisaria definir uma pessoa para atuar em nome do governo federal no Rio Grande do Sul. Demorou muito. Escolheu o ministro Paulo Pimenta, que se tornou um evidente candidato ao governo daquele estado. Fez o anúncio em comício na cidade de São Leopoldo. O assembleísmo do PT ditou o rumo dos acontecimentos. Politizou o problema.

A substituição de Jean Paul Prates na presidência da Petrobras está dentro da moldura da política petista, que pretende botar a mão nos lucros da empresa. Magda Chambriard, que dirigiu a Agência Nacional do Petróleo durante o governo Dilma, foi funcionária da Petrobras por mais de 20 anos. Conhece bem o assunto e sabe das intenções do presidente Lula. Os presidentes da Petrobras não costumam ficar muito tempo no cargo. Eles estão sempre no meio de interesses multimilionários e da vontade política do partido que está no poder. A substituição na presidência da Petrobras é apenas mais um capítulo na luta entre acionistas privados e o governo federal. O perigo é que os dois terminem perdendo dinheiro e o cidadão brasileiro pague o prejuízo ao final.


quinta-feira, 9 de maio de 2024

O Brasil no Conselho de Segurança da ONU - Jorio Dauster (Correio Braziliense)

O embaixador Jorio Dauster propõe uma espécie de gestão compartilhada, com todos os países latino-americanos, na hipótese do exercício efetivo do Brasil no CSNU, se e quando ele for admitido na condição de novo membro permanente, caso ocorra a reforma da Carta da ONU e a ampliação do seu principal órgão decisório (o que atualmente parece bastante difícil).

A Argentina, que sempre se opôs a essa candidatura, talvez concorde com essa "solução", ou expediente, para remediar sua contrariedade, o que também é uma hipótese. 

É uma proposta conciliatória, que talvez tenha boa repercussão entre os pequenos países latino-americanos, o que parece improvável entre os grandes, que vão, provavelmente, insistir na tese da rotatividade, ou seja, uma cadeira permanente, mas para a região, não para um país. 

Existe um erro no artigo de Jorio Dauster, ao proclamar que os cinco membros permanentes do CSNU eram "potências nucleares", quando eles eram apenas os vencedores, a China e a França com muitas dificuldades, pois que tiveram de ser ajudadas pelas duas potências ocidentais.  Como lembrou Ricardo Seitenfus, a nuclearização dos cinco membros foi em datas diferidas, os EUA inclusive só depois, efetivamente, de assinada a Carta da ONU.

Estados Unidos, 1945 

URSS, Rússia, 1949

GB, 1952

Franca, 1960

China, 1964

A miragem do "bilhete de ingresso" no CSNU via armamento nuclear foi durante muito tempo entretido pelos militares brasileiros e até por vários diplomatas, alguns deles até chegando a considerar o FHC um "traidor da pátria", por ter feito o Brasil aderir ao TNP em 1996. Ora, recorde-se que a China e a França só aderiram ao TNP no início dos ANOS 1990!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9/05/2024

 


O Brasil no Conselho de Segurança da ONU

Jorio Dauster, Embaixador aposentado, consultor de empresas e tradutor

Correio Braziliense, 28/04/2024

 

A inoperância do Conselho de Segurança das Nações Unidas ao ser defrontado com os trágicos conflitos na Ucrânia e em Gaza trouxe de novo ao debate público a questão de sua reforma. Na verdade, esse é um tema que remonta praticamente à criação da ONU, uma vez que o órgão supostamente encarregado da manutenção da paz foi sempre tolhido pelo exercício do poder de veto por um ou mais de seus membros permanentes. Até março do corrente ano, a Rússia (e antes a União Soviética) usou o poder de veto 128 vezes; os Estados Unidos, 85 vezes; o Reino Unido, 29 vezes; a China, 19 vezes; e a França, 16 vezes.

Mais recentemente, após serem vetadas diversas propostas sobre Gaza, o Conselho de Segurança, em 25 de março último, aprovou unanimemente uma resolução (com a abstenção dos Estados Unidos) exigindo o cessar-fogo imediato entre Israel e o Hamas, bem como a libertação imediata e incondicional de todos os reféns. Apesar dessa rara concordância, em que pela primeira vez os Estados Unidos não vetaram uma decisão rechaçada por Israel, a guerra continua sem nenhuma trégua e sem a entrega de qualquer refém.

Malgrado esse retrospecto decepcionante, ou antes devido a ele, a necessidade de reforma do sistema destinado a salvaguardar a paz mundial se torna cada vez mais urgente diante da exacerbação das tensões em vários pontos do globo. De fato, a composição do Conselho de Segurança reflete a configuração de poder presente no fim da Segunda Guerra Mundial, espelhando as condições excepcionais de que dispunham então as cinco potências nucleares.

No entanto, de lá para cá, inclusive em consequência do gradual enfraquecimento da hegemonia norte-americana e da emergência de outras potências, em especial da China, é natural que se busque novos arranjos mais compatíveis com a multipolarização em curso. Ao longo das últimas décadas, várias reformas já foram sugeridas, inclusive uma apresentada há quase 20 anos conjuntamente por Brasil, Índia, Japão e Alemanha, pela qual esses quatro países se tornariam membros permanentes (sem poder de veto) e seriam criados ainda mais dois assentos permanentes (para países africanos) e quatro não permanentes. Obviamente, todas as diversas propostas de reforma têm encontrado diferentes tipos de oposição, sendo, inclusive, conhecidas as posturas da Argentina contra a pretensão brasileira, a da China contra a presença do Japão, a dos Estados Unidos contra a entrada da Alemanha.

Entretanto, cabe persistir embora pareça pouco produtivo que o Brasil simplesmente reitere as reivindicações que faz há pelo menos três décadas. Assim, com vistas a injetar um sopro novo nesse debate até hoje infrutífero, sugiro que o Brasil, sem abdicar da candidatura à condição de único membro permanente da região, ofereça aos outros 32 países da América Latina e do Caribe, caso eleito, a possibilidade de participarem efetivamente das deliberações do Conselho de Segurança ampliado. Com isso, se estaria reconhecendo de modo implícito que os debates conducentes ao alargamento do Conselho deram caráter irrevogavelmente "regional" à futura representação dos países em desenvolvimento, inclusive no caso da África em que, ao contrário da posição reconhecidamente excepcional de que gozam o Brasil e a Índia em suas respectivas regiões, nenhum país ostenta condições idênticas a desses dois.

Em sintonia com os princípios que regem a política externa do governo do presidente Lula, o mecanismo proposto deve ser apresentado como exemplo de democratização das relações internacionais, objetivo advogado por nós e por numerosas nações latino-americanas desde os primórdios da ONU. Serviria assim tanto para atenuar a frustração dos países que não seriam membros permanentes quanto para aumentar a adesão à causa do Brasil pelos países médios e pequenos da região.

Como o objetivo desse novo mecanismo consistiria em permitir o amplo envolvimento dos 32 países associados nos trabalhos do Conselho de Segurança sob a liderança e a coordenação do Brasil, deveria ser estabelecido um sistema de consultas sistemáticas em Nova York com as representações de tais países acerca dos itens constantes da pauta daquele órgão. Por fim, de modo a garantir a efetiva coparticipação dos associados nas matérias levadas a voto, o Brasil lhes submeteria o projeto definitivo de resolução e, dentro de prazos compatíveis com a mecânica decisória do Conselho, receberia suas indicações de "voto virtual": sim, não ou abstenção. Inexistindo consenso devido à posição divergente de três ou mais associados, o Brasil se absteria. Caso o projeto de resolução fosse rejeitado pelo Brasil ou pela maioria dos associados, a posição de todos na região seria explicitada em declaração de voto feita pela delegação brasileira.

Sem dúvida essa ideia pode e deve ser trabalhada pelos meus colegas na ativa, mas estou convencido de que, além de ser superior ao conceito de rotatividade dos novos membros permanentes, pode facilitar as acomodações em outros continentes caso também adotada por eles. Eventualmente, poderíamos então contar com uma frente sólida de 152 nações em desenvolvimento para pressionar pela imprescindível reforma do Conselho de Segurança.