O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador análise da economia brasileira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador análise da economia brasileira. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Deterioração da situação fiscal aponta para aumento de juros e mais inflação em 2023

 O Brasil é um asilo de lunáticos onde os pacientes assumiram o controle (Paulo Francis)

Prezados Senhores

Com uma previsão orçamentária da ordem de R$ 320,1 bilhões em renúncias fiscais para 2022, Bolsonaro abre mais um buraco da ordem de R$ 110,0 bilhões em renúncias fiscais, sem fontes de recursos definidos que, como sempre, serão cortadas das pastas da Tecnologia, Saúde e Educação.

Rogo a Deus que Bolsonaro seja reeleito para que, em seis meses do seu novo governo seja expulso do poder, juntamente com o seu bando refece de demônios, da mesma forma como ocorreu com Dilma. Por isso, e somente por isso, o Centrão sabendo que não haverá mais o que sugar de Bolsonaro já prepara a vice de Bolsonaro (Tereza Cristina).  

Ricardo Bergamini


 

 

Governo abre mão de R$110 bi de arrecadação em 2022 e analistas veem risco a próximo governo 

 

Por Bernardo Caram

ISTOÉ DINHEIRO, 15/06/22 

 

BRASÍLIA (Reuters) – A implementação de uma série de medidas que envolvem cortes de tributação significará uma perda de receita de ao menos 110 bilhões de reais aos cofres federais em 2022, com a maior parte das iniciativas adotadas neste ano eleitoral sob justificativa de que ações emergenciais são necessárias para reduzir a inflação.

 

Especialistas alertam, no entanto, que o movimento do governo embute riscos fiscais que geram pressões inflacionárias a médio prazo. A reversão de medidas temporárias a partir de janeiro de 2023 também empurra parte da inflação para o próximo governo. É esperado ainda que mesmo este ano os cortes de tributos não sejam repassados integralmente ao consumidor.

 

O levantamento das perdas reúne as medidas implementadas nos últimos meses e listadas pelo Tesouro Nacional por gerarem renúncia de receita. Inclui também o pacote anunciado e articulado pelo governo para baixar preços de combustíveis, que ainda depende de aprovação do Congresso e representa o maior custo estimado, num total de 64,8 bilhões de reais apenas para a União este ano –a maior parte das ações vale apenas até dezembro. 

 

O ex-secretário do Tesouro Nacional Jeferson Bittencourt, que deixou o cargo no ano passado após o governo sinalizar que driblaria o teto de gastos para reforçar programas sociais, afirma que a maior preocupação é com o efeito que será produzido pelas medidas em 2023, quando mais da metade dessas renúncias terá perdido a validade.

 

“Vamos ter o seguinte dilema no ano que vem: ou teremos uma inflação maior do que o projetado para 2023 (com a reversão dos cortes de tributo) ou teremos um fiscal pior do que o projetado para manter desonerações”, disse Bittencourt, que é economista da ASA Investments. 

 

Ele estima que 0,9 ponto percentual de inflação será empurrado deste ano para 2023 por conta das medidas.

 

O governo federal já havia zerado alíquotas de PIS/Cofins sobre diesel e gás de cozinha até dezembro, a um custo de 14,9 bilhões de reais. Agora, por mais 17 bilhões de reais, decidiu zerar também tributos sobre a gasolina, medida que era criticada pela equipe econômica por beneficiar famílias de classes média e alta.

 

O relator da proposta do Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), ainda incluiu no texto uma isenção sobre etanol e álcool anidro (usado na mistura da gasolina) até 2027, ao custo de 3,3 bilhões de reais neste ano.

 

O pacote, que está em análise pelos parlamentares e ainda pode ser alterado, vai além ao definir, em outra medida, um repasse de até 29,6 bilhões de reais da União aos governos regionais que aceitarem zerar cobranças de ICMS sobre diesel e gás de cozinha até dezembro deste ano. O pagamento será feito por fora da regra do teto de gastos, que opera no limite.

 

Com o novo cenário, Bittencourt acredita que cresce a pressão para que o Banco Central, que está agora inteiramente focado na inflação de 2023,mantenha a taxa básica de juros elevada por mais tempo, considerando os efeitos inflacionários a médio prazo.

 

“Claro que se a gente joga uma inflação imprevista de 2022 para 2023, com todos os custos de inércia, o Banco Central vai ter que começar a se preocupar e colocar isso na mesa para tomar suas decisões”, afirmou.

 

O BC vem implementando um agressivo ciclo de aperto monetário na tentativa de domar a inflação, que está acima de dois dígitos. Nesta quarta-feira, a diretoria da autarquia se reúne para definir o patamar da Selic e sinalizar passos futuros.

 

Na lista de medidas com maior perda de arrecadação para a União está ainda o corte permanente, já em vigor, de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em 35%, com renúncia de 23,4 bilhões neste ano.

 

Outra iniciativa tratada como emergencial pelo governo para segurar a inflação foi o corte linear das tarifas de importação, reduzidas em 20% de maneira unilateral pelo Brasil, sem o aval dos membros do Mercosul. Com ela, o Tesouro estima que deixará de arrecadar 6 bilhões de reais em Imposto de Importação neste ano.

 

A economista da XP Tatiana Nogueira afirma que o governo deve conseguir um efeito de baixa da inflação neste ano, mas que o movimento pode se inverter em 2023 após a retomada da cobrança de tributos reduzidos temporariamente.

 

“Você resolve um problema em 2022, mas encomenda um problema maior em 2023“, disse. ”Além disso, em um segundo momento, aumenta o risco fiscal”, acrescentou, ressaltando que grande parte da recente alta da arrecadação foi motivada por questões conjunturais como a inflação e a disparada de preços de commodities.

 

Na última semana, avaliação feita pela agência de classificação de risco Moody’s após os anúncios do governo sobre combustíveis apontou que a aprovação do pacote dos combustíveis com pagamentos fora do teto seria negativa para o crédito do Brasil.

 

“Controlar os gastos para cumprir o teto ajudou o governo a desenvolver força fiscal: exceções diminuem sua capacidade de controlar os gastos e preservar a credibilidade fiscal, especialmente antes das eleições de outubro”, disse.

 

Segundo Nogueira, da XP, a expectativa é que mesmo neste ano, o corte de tributos chegue ao consumidor final apenas parcialmente, com uma fatia das reduções sendo internalizada pelas cadeias do mercado. No caso de combustíveis, a XP estima que o repasse ficará entre 60% e 80%.

 

Em um exemplo dessa dificuldade, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mencionou na semana passada que o corte de Imposto de Importação de alimentos pelo governo com o objetivo de baixar preços não será sentido de imediato pelo consumidor.

 

Nogueira ressalta que no caso dos combustíveis há ainda o fator adicional da defasagem nos preços em relação ao mercado internacional. Dados de segunda-feira da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) apontam defasagem de 17% na gasolina e 16% no diesel. Eventual reajuste de preços pela Petrobras poderia anular efeitos do corte de tributos.

 

DISTORÇÕES

 

Relatório publicado pelo Santander na quinta-feira afirma que as medidas de desoneração para conter preços de bens e serviços podem distorcer tendências inflacionárias. O banco espera que as iniciativas reduzam a inflação deste ano em 1,4 ponto a 3,1 pontos percentuais, mas já vê uma pressão de alta do IPCA em 0,6 ponto em 2023.

 

Procurado, o Ministério da Economia não respondeu. A equipe econômica tem argumentado que o governo está registrando recordes de arrecadação e que os excessos de receita são em parte estruturais, podendo ser convertidos em corte de tributação, justificando também que o cenário atípico com resquícios da pandemia e a guerra na Ucrânia exige medidas emergenciais.

 

Para este ano o governo também contabiliza renúncias não relacionadas a situações emergenciais e que têm cifras menores de impacto. Entre elas, estão a renovação da desoneração da folha salarial para setores da economia (9 bilhões de reais), o regime especial de tributação para clubes de futebol (2,3 bilhões de reais) e a prorrogação de benefício tributário para a compra de veículos por pessoa com deficiência (1,3 bilhão de reais).

 

O número do levantamento não considera o custo que será arcado por Estados e municípios com o projeto que estabelece um teto permanente de 17% para a cobrança de ICMS sobre combustíveis, energia, comunicação e transporte coletivo. A Consultoria de Orçamentos do Senado estimou que esse impacto deve ficar em até 26,8 bilhões de reais para os entes apenas em 2022.

 

(Por Bernardo Caram; edição de Isabel Versiani)

 

sexta-feira, 2 de março de 2018

OECD report: Brazil economy must reform

Further reforms to spur trade and investment key for Brazil’s inclusive growth

28/02/2018 - Brazil is emerging from its long recession and is headed for solid growth in 2018 and 2019 as recent structural reforms start to bear fruit. Sustaining this recovery, unleashing Brazil’s full economic potential and spreading the benefits fairly will require additional efforts to rein in public spending, increase trade and investment, and further focus social spending on those most in need, according to a new OECD report.
The latest OECD Economic Survey of Brazil says that deepening reforms to strengthen institutions, improve business regulation and reap the benefits of tighter integration into the global economy could lift GDP by at least 20% over 15 years, which would boost household incomes and help compensate for the economic drag of a rapidly ageing population. Better targeting of welfare spending on the poorest households would be crucial for fostering inclusive growth.
“Brazil is back on a positive growth path, but there is no time for complacency,” said OECD Secretary-General Angel Gurría, presenting the Survey in Brasilia. “With the demographic dividend now over, getting the economy fully back up to speed will require greater investment, higher productivity and closer integration into the global economy. For this, Brazil needs to continue on the path of active structural reform to ensure the sustainability of its fiscal accounts and the inclusiveness of its growth.” (Read the speech in full)
                                <Download the data in Excel> 
‌The Survey says Brazil is foregoing the benefits of integration into the world economy due to a trade policy that has prioritised safeguarding domestic markets over facilitating access to foreign markets. Brazil has especially high tariffs on intermediate and capital goods, and non-tariff trade barriers such as local content rules and anti-dumping measures are widespread.                    
Lowering trade barriers would make Brazilian firms more competitive by allowing them to source inputs at lower prices. This would boost trade volumes and raise productivity and wages. It would also reduce prices for consumers, in particular low-income households.
Investment, already low compared to other Latin American and emerging economies, has declined in both real terms and as a share of GDP in recent years, weighing on the overall economy and adding to existing infrastructure bottlenecks. Reversing this trend will require concrete actions to improve infrastructure planning, open up new sources of finance, reduce administrative burdens, simplify taxes, and streamline licencing. Continuing to fight corruption with reforms to increase accountability would also help to draw investment and restore citizens’ trust in institutions.
                      
On public finances, the Survey warns that without a significant reform of mandatory public spending, Brazil’s fiscal accounts risk becoming unsustainable. To promote growth that is more inclusive while achieving fiscal targets, a comprehensive pension reform is the top priority for Brazil in the short term.
The Survey also recommends improving the allocation of social spending, much of which benefits middle-class households, to firmly target those most in need. For example, Bolsa Familia is a highly effective scheme but only accounts for 0.5% of GDP out of the 15% of GDP that goes to social spending. Shifting more resources towards this scheme while reforming other transfer programmes would help to decrease inequality and poverty.
Transfers to private companies, including through tax reductions, have risen strongly in recent years, creating fertile grounds for rent-seeking behaviour and political kick-backs without halting the substantial decline in investment.
As Brazil works to strengthen public governance and improve accountability for public spending, the OECD is also launching on the occasion of the Secretary-General’s visit to Brasilia a new 3-year project with the Tribunal de Contas da União, Brazil’s supreme audit institution, aimed at strengthening its capacity to improve the effectiveness and evidence base of policies and programmes in areas such as education, health and security.

For further information, journalists are invited to contact Catherine Bremer in the OECD Media Office (catherine.bremer@oecd.org, +33 1 45 24 97 00).
Note to Editors:
The Paris-based OECD is an international organisation that promotes policies to improve the economic and social well-being of people worldwide. It provides a forum in which governments can work together to share experiences and seek solutions to the economic, social and governance challenges they face.
The OECD’s 35 members are: Austria, Australia, Belgium, Canada, Chile, Czech Republic, Denmark, Estonia, Finland, France, Germany, Greece, Hungary, Iceland, Ireland, Israel, Italy, Japan, Korea, Latvia, Luxembourg, Mexico, the Netherlands, New Zealand, Norway, Poland, Portugal, Slovak Republic, Slovenia, Spain, Sweden, Switzerland, Turkey, the United Kingdom and the United States.
Three other countries – Colombia, Costa Rica and Lithuania – were formally invited to start accession discussions and are currently in the process of accession to the Organisation.
Brazil is one of the OECD’s five Key Partners, with China, India, Indonesia and South Africa. Key Partners contribute to the OECD’s work in a sustained and comprehensive manner. A central element of the Key Partners programme is the promotion of direct and active participation in the work of the substantive bodies of the Organisation. This includes partnerships in OECD Bodies, adherence to OECD instruments and integration into OECD statistical reporting and information systems. Further information on OECD cooperation with Brazil: www.oecd.org/latin-america/countries/brazil/.
In May 2017, Brazil submitted a formal letter to the OECD, expressing its interest in initiating an accession process to the Organisation. The OECD governing body, the Council, is currently considering this request, together with similar requests from Argentina, Bulgaria, Croatia, Peru and Romania.
Further information on the OECD accession process: www.oecd.org/legal/accession-process.htm

Working with over 100 countries, the OECD is a global policy forum that promotes policies to improve the economic and social well-being of people around the world.
Related Documents

domingo, 6 de agosto de 2017

A Ordem do Progresso (5): resenha de Marcelo de P. Abreu, por Gladson Miranda

Continuidade da transcrição da resenha de Gladson Miranda, desde as postagens anteriores:
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/a-ordem-do-progresso-4-resenha-de.html
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/a-ordem-do-progresso-3-resenha-de.html
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/a-ordem-do-progresso-2-resenha-de.html
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/a-ordem-do-progresso-1-resenha-de.html
http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/08/a-ordem-do-progresso-0-resenha-de.html


Abreu, Marcelo de Paiva (org.):
A Ordem do Progresso: dois séculos de política econômica no Brasil
2. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2014, ISBN 978-85-352-7859-0
íntegra da resenha 
(...)




CAPÍTULO 5 - POLÍTICA ECONÔMICA EXTERNA E INDUSTRIALIZAÇÃO, 1946-1951

Sérgio Besserman Vianna

1.     Introdução

O presente capítulo tem como escopo a política econômica do período em seguida ao final da Segunda Guerra. O governo Dutra teve dois marcos em sua política econômica. Primeiramente, houve uma mudança na “política de comércio exterior, com o fim do mercado livre de câmbio e a adoção do sistema de contingenciamento às importações”. O segundo marco foi a saída de Correa e Castro, ministro da Fazenda, na metade de 1949, “indicando a passagem de uma política econômica contracionista e tipicamente ortodoxa para outra, com maior flexibilidade nas metas fiscais e monetárias”. (pg.105)
Os Estados Unidos foram a única nação que saiu bem financeiramente da última guerra e era o único em condições de fornecer os suprimentos e bens que o restante do mundo necessitava. Como resultado, o mundo sofreu um desequilíbrio no que concerne ao dólar e ao ouro, passando inclusive por um período de escassez do primeiro. (pg.106)
Em 1950 foi criada a União Europeia de Pagamentos, a qual existiu apenas até o ano de 1958, após inúmeras discriminações que os Estados Unidos vinham sofrendo sem responder com retaliação. (pg.107)

2.     Políticas cambial e de comércio exterior

Tais políticas devem ser analisadas conforme as divisas. Os preços no Brasil variaram bastante, chegaram a dobrar em relação aos Estados Unidos nos anos de 1937 e 1945, o que demonstrava o sobre valor da taxa cambial. (pg.107)
Dentre os objetivos dessas políticas “atender à demanda contida de matérias-primas e de bens de capital para reequipamento da indústria, desgastada durante a guerra” e que “a liberalização das importações de bens de consumo (também objeto de forte demanda reprimida) forçasse a baixa dos preços industriais através do aumento da oferta de produtos importados pelo câmbio sobrevalorizado” estavam entre os principais. (pg.108)
Com o final da guerra a importação e a exportação brasileira também foi afetada, os mercados com os fornecedores anteriores retornaram e a economia iniciou sua recuperação. O Brasil estava decidido a manter a taxa de cambio fixa a fim de que esta pudesse ser revalorizada. (pg.109)
O déficit brasileiro conseguiu ter sua redução muito em razão de as importações as quais originavam das moedas conversíveis continuaram a declinar. Além disto, houve também a diminuição dos preços de importação. Esses fatores acabaram por ocasionar o aumento, com a consequente recuperação, dos preços do café. (pg.110)
“As importações permaneceram sob o sistema de controle e extremamente comprimidas. Há indicações de que, em 1949, começou a surgir novo posicionamento frente à questão das importações: o sistema de licenças prévias passava a ser encarado conscientemente como instrumento de promoção de substituição de importações, como se discutirá adiante”. (pg.112)
Os preços elevados do café juntamente com a demanda alta de importação, levaram a maior capacidade do Brasil como importador o que fez com que Dutra liberasse a concessão de licença para importar na segunda metade de 1950. (pg.112)

3.     Substituição de importações e crescimento industrial

Em 1947 foi estabelecido um mecanismo de controle exclusivamente com o objetivo de combater o desequilíbrio externo, a fim de que a moeda estrangeira fosse melhor utilizada e ainda de forma racional, contudo, esse mecanismo acabou por ser muito importante para a indústria após a guerra. (pg.112)
Em razão da “combinação de taxa de câmbio sobrevalorizada” notam-se três consequências: “efeito subsídio, associado a preços relativos artificialmente mais baratos para bens de capital, matérias-primas e combustíveis importados; efeito protecionista, através das restrições à importação de bens competitivos e efeito lucratividade, resultante do fato de que a taxa de câmbio sobrevalorizada tendeu a alterar a estrutura das rentabilidades relativas, no sentido de estimular a produção para o mercado doméstico em comparação com a produção para exportação”. (pg.113)         
No período do governo Dutra, houve a tentativa de estabelecer o Plano Salte, o qual apresentou inúmeras dificuldades em razão da ausência de definições das maneiras de financiamento. Sua implantação ocorreu em 1950 e no ano seguinte já não estava mais sendo utilizado. (pg.114)

4.     Relações internacionais e movimento de capitais

Durante o governo de Dutra, o presidente investiu no desenvolvimento de projetos internos com o objetivo de obter apoio dos Estados Unidos, entretanto, este já estava focado em outros países, mais especificamente na Europa. (pg.114)
Foi definida então uma política em 1948, estabelecendo no que o Brasil deveria se preocupar para poder atrair capitais internacionais, consistindo em três situações: “a reorientação dos capitais formados internamente, o aumento médio de produtividade e o afluxo de capitais estrangeiros”. (pg.115)
Foi então que em 1949, com o discurso do novo presidente dos Estados Unidos, que uma ponta de esperança apareceu, ao dizer que o país passaria a se comprometer em levar conhecimento para as partes menos desenvolvidas do mundo, ato conhecido como “Act of lnternational Development”. (pg.116)

5.     Política econômica interna

Durante o período de Dutra como presidente, a política econômica foi bastante severa, a inflação chegou a alcançar níveis de 14,9%e 20,6% e tornou-se o maior problema da política monetária a ser combatido. (pg.116)
Os primeiros anos de governo foram complicados, no mandato de Gastão Vidigal como ministro da Fazenda houve um déficit nas contas públicas em razão dos salários dos funcionários públicos. No final do ano de 1946 Correa e Castro voltou a ser ministro da Fazenda e implantou políticas mais rigorosas, alcançando um superávit em 1947, após muitos anos. (pg.116)
Por fim, conclui-se que o governo Dutra teve características de crescimento interno, ausência de equilíbrio financeiro, e externamente houve aumento das expectativas de financiamento dos programas de desenvolvimento pelo governo dos Estados Unidos. (pg.119)

(continua...)

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Economia brasileira: A arte de cortar na carne - Ilan Goldfajn

A arte de cortar na carne
Ilan Goldfajn
O Globo e O Estado de S. Paulo, 6/10/2015

Considero o núcleo da crise no Brasil a dificuldade política de equacionar o problema das contas públicas. O resto é consequência. Mas a equação fiscal/política é difícil. Muitos pedem para o governo reduzir as despesas, cortar na carne. Mas o que significa isso? O que é necessário para, de fato, cortar na carne?

Hoje, as crises política e econômica se realimentam. A situação fiscal é delicada e requer coesão política para adotar medidas firmes, que inevitavelmente desagradarão a poucos (ou muitos) no curto prazo, em prol de um benefício comum difuso, que só surgirá no futuro. Liderança e coesão política aqui são essenciais. Na ausência de condições políticas, a recessão se aprofunda, as receitas do governo caem e o problema fica maior. A insatisfação popular piora o clima político, fechando o ciclo vicioso.

Se a economia retomasse por conta própria, aliviaria a crise. Com a volta do crescimento do PIB, a receita dos impostos aumentaria, o desemprego pararia de crescer e o governo ganharia fôlego para administrar os problemas (sim, crescimento alivia, mas não resolve tudo). Mas a economia não retomará por conta própria. O problema fiscal/político impede a recuperação da economia.

Enquanto não houver clareza sobre como o problema fiscal será equacionado, dificilmente o investimento vai se recuperar. Há um ajuste fiscal em torno de 3,5% do PIB a ser feito (e mais 0,3% ao ano, por causa do crescimento dos gastos da Previdência). É o necessário para estabilizar a dívida em condições normais de “temperatura e pressão” da economia (quando a recessão acabar e os juros voltarem ao normal). Enquanto não ficar claro quais subsídios serão cortados, quais impostos serão elevados, quais benefícios diminuídos - enfim, quem pagará a conta -, vários projetos não sairão da gaveta. A atitude é esperar para ver.

Sem a volta do investimento, dificilmente a economia se recupera.  A melhora nas contas externas (induzida pelo câmbio depreciado) não será suficiente. O Brasil ainda é uma economia grande e fechada para que o setor externo mude o quadro por si só. O consumo não é capaz, hoje, de liderar a retomada (massa salarial em queda). A melhora nas contas externas precisaria induzir mais investimento.

Portanto, sem equacionar o fiscal, não haverá retomada da economia.

 Muitos são a favor do ajuste fiscal em tese, mas ninguém está disposto a pagar esta conta salgada. Aumentar impostos? Não, a carga já é alta demais. Cortar subsídios? Não, são “meritórios”. Cortar aumentos de salários ou benefícios?  Não, eles são “justificados”. Mas ninguém define o que seja “meritório” ou “justificado”.

O pedido coletivo é que o governo reduza seus próprios gastos, corte na própria carne. Mas como?

A intuição é que há espaço para cortar, já que se gasta 40% do PIB e a população não recebe os serviços públicos adequados. A percepção (correta) é que deve haver ineficiências que, se forem corrigidas, resultarão em economia de preciosos recursos. A boa gestão pública é essencial para o ajuste fiscal no longo prazo e para a sensação de direito e justiça no País.

O combate às ineficiências é um processo longo e requer mudanças de incentivos e regras. É urgente começar imediatamente. Mas os resultados virão no longo prazo. Para retomar a economia e sair dessa crise, será necessário de fato escolher entre aumento de impostos, corte de gastos e/ou benefícios.

Afinal, muito do que denominamos despesas do governo são apenas transferências entre cidadãos, estados e municípios: o governo apenas arrecada de um e transfere para outro.

Mas como cortar as despesas?

Infelizmente, o ajuste fiscal por meio de corte em despesas discricionárias - as que podem ser manejadas no curto prazo, sem mudanças nas leis - não é suficiente. O orçamento público é engessado por despesas garantidas por lei, que tendem a crescer no longo prazo. Hoje em dia, cerca de 75% do gasto do governo federal é obrigatório (por exemplo, gastos com Previdência, renda mensal vitalícia, pessoal). Outros 10% estão indexados à receita, como o gasto de custeio em saúde e educação. Menos de 15% das despesas são discricionárias. Se cortar metade dos gastos discricionários, a economia será de apenas 1,2 do PIB.

Na ausência de reformas, um ajuste unicamente pelo lado das despesas para ajustar 3,5% do PIB parece dramático. Não bastaria ter uma reavaliação total do programa Minha Casa Minha Vida e do investimento, cortes na contratação e  reajustes de pessoal, fortes ajustes nos critérios de concessões de diversos benefícios  e outros (veja detalhes em artigo recente meu com Luka Barbosa). Para cortar gastos de fato, é preciso uma ampla revisão nas regras que determinam os gastos, reavaliação das despesas sociais e do tamanho do Estado. Sem isso, a tendência dos resultados fiscais é seguir em trajetória de queda. Também é necessário permitir que o governo tenha controle sobre as despesas por meio da desvinculação das receitas das despesas, ampliando o escopo do projeto no Congresso (Desvinculação das Receitas da União - DRU), que propõe desvinculação de 30% das receitas oriundas das contribuições sociais e econômicas.

A reforma mais importante é a da Previdência, cujo gasto cresce 0,3% do PIB ao ano, o que não é sustentável. Será necessário aumentar a idade média de aposentadoria (alinhando com a expectativa de vida maior e a capacidade de pagamento) e desvincular o piso do benefício previdenciário do aumento do salário mínimo (que tem crescido acima da inflação). Para estabilizar os gastos previdenciários como proporção do PIB, seria preciso que a idade mínima de aposentadoria fosse ajustada para 65 anos de idade (hoje, cerca de 35% das pessoas se aposentam por tempo de contribuição com 55 anos) e que o reajuste aos aposentados fosse em linha com a inflação.

Em suma, para o governo cortar na própria carne e realizar um ajuste fiscal de 3,5% do PIB, serão necessários não somente cortes dramáticos em várias despesas discricionárias do governo, mas também a aprovação de reformas importantes no Congresso. Algo me diz que vamos continuar discutindo aumento de impostos.

Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco.

domingo, 13 de setembro de 2015

Desafios para Sair da Crise - Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Bernardo Appy, Sergio Lazzarini


Os desafios para sair da crise

Economistas sugerem caminhos para a superação da crise econômica, com medidas para equilibrar as contas públicas e aumentar a produtividade no País

Bernard Appy, Marcos de Barros Lisboa, Marcos Mendes e Sérgio Lazzarini
O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 2015

Economistas apontam alternativas para o Brasil

O Brasil enfrenta uma grave crise econômica, refletida no recente rebaixamento de sua nota de crédito. A progressiva desaceleração da economia nos últimos quatro anos se transformou em uma profunda recessão. Desde 2011, interrompeu-se a redução na desigualdade de renda e a melhoria na qualidade de vida das famílias mais pobres, observadas durante a década de 2000. A piora da economia ameaça reverter os avanços sociais dos últimos 20 anos. 
A crise econômica tem como contraparte a crise política. Diversos projetos aprovados no Congresso minaram o ajuste fiscal. Os severos problemas financeiros e criminais nas empresas estatais adicionam injúria ao grave momento do País.
Para além dos problemas fiscais de curto prazo, agravados pela gestão da política econômica nos últimos anos, o Brasil tem um problema estrutural de crescimento das despesas públicas e de estagnação da produtividade. Se essas questões não forem resolvidas, não haverá como retomar o crescimento em bases sustentáveis.
Os problemas que o Brasil enfrenta hoje decorrem da incapacidade do País em reconhecer seus limites e de fazer escolhas, buscando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais que, quando agregadas, ultrapassam os recursos públicos disponíveis. Agravando o quadro, as regras existentes conduzem a um crescimento das despesas públicas maior que o crescimento da renda nacional no longo prazo. A questão central para o País não é um eventual ajuste fiscal de curto prazo. Se a trajetória de aumento das despesas não for revertida e a produtividade não aumentar, teremos uma economia com baixo crescimento, recorrente pressão inflacionária, juros elevados e a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para evitar a insolvência no pagamento da dívida pública. Essa trajetória é insustentável.
Este artigo propõe medidas voltadas para a superação do impasse econômico, estando organizado em dois blocos: sustentabilidade fiscal e aumento da produtividade. 


1. Sustentabilidade fiscal
A crise fiscal não é recente nem passageira. Desde 1991, as despesas públicas têm crescido mais do que o PIB, passando de 11% para 19% do PIB em 2014, sendo que mais de dois terços desse crescimento deveu-se ao aumento das despesas da previdência e assistência social (gráfico 1). 
Essa trajetória é agravada pelo aumento, em períodos de crescimento econômico, de despesas vinculadas à receita, como saúde e educação, que não podem ser ajustadas em períodos de desaceleração. O mesmo ocorre com os gastos com pessoal: a contratação de funcionários e os aumentos de salários em períodos de expansão não têm como contrapartida a sua redução em momentos de crise. Atualmente, cerca de 90% do Orçamento federal não pode ser ajustado em decorrência de restrições legais (ver tabela 1).
A situação é semelhante nos Estados e municípios. De cada R$ 100,00 arrecadados de ICMS em um Estado típico, R$ 62,50 já estão vinculados a alguma despesa e, do que resta, a maior parte destina-se a despesas de pessoal.
O ajuste das contas públicas em períodos de retração econômica acaba inevitavelmente sendo feito por aumento de tributos e corte dos investimentos. De 1991 a 2014, a carga tributária brasileira passou de 24% para 34% do PIB (gráfico 2), sendo entre 5 a 15 pontos porcentuais superior à da maioria dos países emergentes. 
Na década de 2000, a arrecadação tributária teve um crescimento excepcional, sobretudo em decorrência da alta do preço das commodities e do processo de formalização do mercado de trabalho, o que permitiu acomodar a expansão das despesas. Esse ciclo, porém, encerrou-se.
Parte do aumento das despesas nos últimos anos beneficiou a população de menor renda, como é o caso do Bolsa Família e da universalização do acesso à educação fundamental. Porém, muitos dos benefícios concedidos pelo setor público, e ampliados nos últimos anos são destinados a grupos com renda entre os 10% mais ricos, agravando a desigualdade em vez de reduzi-la, além de serem insustentáveis no longo prazo. Esse é o caso das aposentadorias precoces para pessoas com pouco mais de 50 anos, que beneficia a classe média alta urbana, e do crédito subsidiado a empresas selecionadas. Gasta-se com benefícios individuais e relegam-se as políticas que geram benefício coletivo, como é o caso do investimento em infraestrutura, que não ultrapassa 2% do PIB.
O ajuste das contas públicas requer que a sua gestão seja compatível com o crescimento do País, com um nível aceitável para a carga tributária e a sustentabilidade da relação dívida/PIB, o que implica: (i) reduzir a rigidez e o caráter pró-cíclico das despesas públicas; (ii) rever as regras de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais; (iii) reforçar as regras e instituições de responsabilidade fiscal. 

Redução da rigidez e do caráter pró-cíclico do gasto. As regras de vinculação do gasto devem ser reformuladas de modo a permitir que parte das receitas auferidas em períodos de crescimento seja poupada para financiar as despesas nos momentos de retração. As vinculações de receita poderiam ser calculadas tendo por base a receita média de vários anos, permitindo diluir as flutuações cíclicas, ou, ainda, substituídas por um critério de valor mínimo, como o gasto do ano anterior, corrigido pela inflação. A meta de resultado primário para a União deveria ser ajustada pelo ciclo econômico, enquanto, para Estados e municípios, deveria ser exigida uma amortização maior da dívida na fase de crescimento, de forma a permitir o aumento da dívida em períodos de desaceleração.

Previdência e assistência. As despesas com benefícios previdenciários e assistenciais correspondem a mais da metade das despesas primárias federais, com uma trajetória de crescimento insustentável nos próximos anos, em decorrência do envelhecimento da população e do aumento real do salário mínimo. 
Para reverter essa trajetória é preciso, em primeiro lugar, substituir progressivamente o atual regime de aposentadoria por tempo de contribuição (no qual os homens se aposentam em média com 55 anos e as mulheres, com 52 anos) por um regime em que se exija uma idade mínima de aposentadoria, a exemplo do que fazem os demais países (ver tabela 2). 
Em segundo lugar, é preciso completar a mudança do regime de pensões por morte, iniciada este ano, estabelecendo que as pensões devem ser reduzidas à medida que diminua o número de pessoas dependentes da pensão, seguindo o padrão internacional.
Por fim, deve-se estabelecer uma distinção entre os benefícios previdenciários - cujo valor deve ser proporcional às contribuições realizadas - e os assistenciais, que devem ser desvinculados do salário mínimo e concedidos para pessoas com idade mais elevada que a da aposentadoria por contribuição. Não se deve conceder benefícios assistenciais equivalentes ou melhores que os benefícios previdenciários, sob pena de desestimular a contribuição. 
O Brasil pode garantir renda mínima aos idosos, incluindo quem não pode contribuir para a previdência, mas não deve conceder benefícios assistenciais cujo custo é insustentável no longo prazo. Não se trata de revogar direitos adquiridos nem de fazer uma transição precipitada, mas sim de corrigir distorções que têm um elevado custo fiscal.

Regras e instituições de responsabilidade fiscal. 
Depois de 15 anos da sua promulgação, ainda não foram regulamentados ou postos em prática dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como, por exemplo, o art. 17, que estabelece a exigência de fontes de financiamento adequadas como precondição à criação de novas despesas obrigatórias de caráter continuado. Nos últimos anos, diversas medidas com impacto fiscal no longo prazo foram tomadas sem a contrapartida de recursos - como, por exemplo, a aprovação pelo Congresso da regra 85/95 para a previdência ou a ampliação de créditos do BNDES, cujos subsídios deverão custar R$ 184 bilhões ao Tesouro nas próximas décadas. 
Deve-se, igualmente, implantar o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) com um número menor de conselheiros que o previsto na LRF, para torná-lo operacional. O CGF tem como objetivo padronizar os critérios de contabilidade pública para os diversos entes da Federação. Se já estivesse em funcionamento, teria evitado diversas manobras contábeis que distorceram a análise das contas públicas, tanto da União (como no uso de bancos públicos para financiar o Tesouro), quanto dos Estados e municípios (via ocultação de despesa de pessoal ou cálculos criativos do resultado primário).
Cabe rever a legislação que regula o processo orçamentário, hoje consolidada na Lei n.º 4.320/1964, aperfeiçoando, sobretudo, os métodos de estimação da receita, usualmente superestimada, e das regras de execução da despesa - geradora recorrente de crescentes restos a pagar. Adicionalmente, deve-se criar uma entidade fiscal independente - como existe em vários países - com a atribuição de fazer projeções de receitas, despesas e dívida pública, e avaliar tanto a consistência fiscal do orçamento, quanto das políticas públicas que exijam elevados gastos por muitos anos.
Os limites de despesa de pessoal e endividamento para Estados e municípios deveriam ser revistos, de modo a torná-los mais compatíveis com a trajetória de longo prazo das contas públicas, e menos determinados pelo comportamento de curto prazo da arrecadação. Além disso, deveria ser instituído um limite para o endividamento da União.
Por fim, caberia regulamentar o direito de greve no setor público, previsto na Constituição. A estabilidade no emprego e a não responsabilização por greves abusivas ou pela interrupção inclusive de serviços essenciais tem resultado em longas e sucessivas paralisações, permitindo aumentos reais de remuneração incompatíveis com a realidade fiscal e com as remunerações praticadas no setor privado e em países com grau semelhante de desenvolvimento.

2. Aumento de Produtividade
A produtividade da economia brasileira estagnou após 2010, depois de uma década com crescimento semelhante ao observado nas principais economias. O pior desempenho externo contribuiu para a nossa desaceleração. Entretanto, o retrocesso observado no Brasil, significativamente maior do que nos demais emergentes, decorre igualmente de causas domésticas. 
A complexidade do sistema tributário - caracterizado pela multiplicidade de regras e benefícios concedidos discricionariamente - resulta em uma organização ineficiente da produção, em alto custo de cumprimento da lei para as empresas e em impressionante volume de litígio tributário. 
O crescimento também vem sendo prejudicado por políticas de proteção setorial, favorecendo empresas ou setores selecionados, quase sempre sem metas de desempenho, e escassa avaliação do custo de oportunidade dos recursos alocados. Esses benefícios - como a concessão de empréstimos subsidiados, reserva de mercado e incentivos tributários - destinam recursos a setores ineficientes ou que não precisam de proteção pública, prejudicando a produtividade dos setores à frente na cadeia produtiva. As regras de conteúdo nacional que protegem a indústria naval, por exemplo, implicam maiores custos para a produção de petróleo.
As políticas de proteção setorial podem ser eficazes em casos específicos, desde que resultem em ganhos sustentáveis de produtividade, e não apenas permitam a sobrevivência de empresas ineficientes.
O excesso de regulação e os elevados custos de contratação e demissão de trabalhadores induzem uma organização pouco eficiente das empresas e prejudicam a produtividade. Paradoxalmente, a legislação e o ativismo do judiciário, que têm a intenção de proteger o trabalhador, terminam por prejudicar a geração de empregos de maior qualidade e estimular o comportamento oportunista, de empresas e trabalhadores, que resulta em informalidade, alta rotatividade e baixa produtividade. 
A produtividade do trabalho é, adicionalmente, prejudicada pela baixa qualidade da educação. O gasto do governo federal em educação cresceu 285% acima da inflação entre 2004 e 2014, mas não foi acompanhado pelo aumento dos indicadores de aprendizado, o que sugere a necessidade de melhora na gestão e na disseminação das melhores práticas de ensino.
Por fim, o crescimento da produtividade é prejudicado pela infraestrutura deficiente e onerosa para seus usuários. Os problemas decorrem do baixo investimento público, da falta de planejamento adequado, assim como da regulação ineficaz, caracterizada por agências reguladoras enfraquecidas e sem governança adequada que permita uma negociação mais eficaz dos conflitos e maior previsibilidade para a execução dos projetos.
A agenda para a melhora da produtividade é extensa. Neste artigo, concentramo-nos em três linhas de ação: (i) transparência e governança, (ii) competição, e (iii) simplificação e isonomia.

Transparência e governança. As deficiências de governança e a falta de transparência do poder público contribuem para a ineficiência do País, além de aumentar o custo das políticas públicas. Para superar essas deficiências, sugerimos um conjunto de iniciativas.
Em primeiro lugar, toda política pública deveria estar submetida à avaliação de resultados, que ampliaria o debate democrático sobre suas prioridades e seus custos, e deveria ser extensiva a todos os destinos de recursos públicos: programas previstos no Orçamento, benefícios tributários, concessão de créditos subsidiados por bancos públicos e políticas de proteção setorial.
O debate democrático, fortalecido por análises sobre os custos envolvidos, os grupos beneficiados e o impacto social e econômico das políticas públicas, colaboraria para a escolha das políticas a serem mantidas e as que devem ser reformuladas. Essa análise deve incluir os impactos sobre os demais setores produtivos e o eventual uso alternativo dos recursos públicos. As políticas devem possuir metas claras de desempenho e avaliação de resultados transparentes, de preferência por instituições que sejam independentes do gestor público responsável pela sua execução.
No caso de políticas de proteção setorial, regras críveis devem garantir a progressiva redução da proteção, seja porque a política foi bem-sucedida, e a proteção não é mais necessária, seja pelo seu fracasso, o que significa que o País pode se tornar mais rico se deixar a livre alocação de mercado destinar os recursos para outros setores.
Em segundo lugar, é preciso rever a estrutura de governança das empresas estatais, que têm sido utilizadas como instrumentos de intervenção discricionária. A criação de um marco legal e a adoção de padrões de governança que explicitem o custo de ações específicas e os limites da atuação das empresas estatais seria uma importante contribuição para a melhoria do ambiente de negócios no País. Além disso, devem ser definidos critérios mais restritos para a composição da diretoria e do conselho de administração. Não deveria ser permitida a indicação de ministros ou secretários de governo como conselheiros, mesmo no caso de vagas cabíveis ao acionista controlador (Estado), em decorrência de possíveis conflitos de interesse. 
Como princípio geral, a Lei das S/A (Lei 6.404 de 1976) deveria ser fortalecida para as empresas controladas pelo Estado. No entanto, vários dos projetos de lei em discussão sobre o tema tentam criar um marco detalhado, sobrepondo-se à Lei das S/A e gerando insegurança jurídica pelo eventual conflito de dispositivos das diferentes leis.
De modo semelhante, deve-se rever a governança dos fundos de previdência de servidores públicos e de funcionários de estatais, limitando-se a indicação de conselheiros e dirigentes por parte do governo. Deve-se ressaltar que, nesses casos, não se trata de recursos públicos, mas sim dos participantes, e que, portanto, não deveriam ser aplicados com outros objetivos que não o de garantir um retorno seguro para os beneficiários.
Em terceiro lugar, deve-se fortalecer a governança das agências reguladoras, reforçando a segurança jurídica e a adoção de políticas com objetivos de longo prazo, protegendo-as dos interesses oportunistas. Quanto maior a segurança sobre o ambiente regulatório, menor o prêmio de risco requerido e menor o custo do investimento para a sociedade. Os diretores das agências devem ser independentes e qualificados tecnicamente. Contratos de gestão, com metas de desempenho, que reflitam as prioridades da política pública, permitem a avaliação dos resultados e a substituição dos diretores em caso de fracasso.
Por fim, deve-se melhorar a transparência e a governança de entidades públicas e quase públicas, que operam com recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o FGTS, o FAT e o Sistema S, além dos sindicatos de trabalhadores e patronais, que atualmente não são obrigados a publicar balanços sobre a utilização dos recursos recebidos. A abertura dos dados sobre o montante de recursos recebidos, os programas em que são alocados e os resultados obtidos colaborariam para o debate sobre a sua eficácia e a deliberação democrática sobre a utilização dos recursos da sociedade.

Competição. Existe uma vasta literatura acadêmica documentando a relevância de um ambiente favorável à competição para o crescimento da produtividade. No caso do Brasil, diversos trabalhos estimam o efeito positivo da abertura comercial dos anos 90 sobre o aumento da produtividade, assim como o impacto negativo das políticas de proteção adotadas desde meados da década passada. 
É preciso abrir mais a economia, se possível no âmbito de acordos bilaterais ou multilaterais. A redução de tarifas de importação pode ser feita de forma progressiva, permitindo-se o ajuste das empresas locais. Isso permitiria o maior acesso a insumos e bens de capital mais eficientes, aumentando a produtividade, estimulando o aumento do investimento e a expansão da produção.
Deve-se, igualmente, rever toda a estrutura de reservas de mercado, que prejudicam a concorrência e a expansão da produção. A não ser em situações excepcionais, e que precisam ser demonstradas, a proteção a empresas domésticas - como a obrigatoriedade de a Petrobrás ser operadora única e ter participação mínima de 30% nos campos do pré-sal e a preferência concedida a empresas nacionais nas licitações públicas - tem impactos negativos sobre os preços e a produtividade, beneficiando apenas grupos específicos, em detrimento do interesse geral. 

Simplificação e isonomia. A complexidade, ineficiência e ambiguidade do sistema tributário brasileiro têm consequências negativas sobre a produtividade e o crescimento. As regras existentes permitem que empresas ou produtos semelhantes sejam tributados desigualmente, induzindo uma organização ineficiente do setor produtivo. Além disso, a multiplicidade de regras coexiste com incerteza sobre as regras aplicáveis, resultando em imenso contencioso tributário e em elevado custo de observância da lei pelas empresas. 
Daí a necessidade de se buscar simplificação e isonomia, sendo propostas três mudanças nessa direção.
A primeira diz respeito à tributação de bens e serviços. A maioria dos países adota um único imposto sobre o valor adicionado (IVA), com base ampla, uma ou poucas alíquotas e possibilidade de dedução do imposto incidente em todas as aquisições das empresas. Já o Brasil possui uma multiplicidade de tributos (ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS), com bases fragmentadas, legislação complexa, restrições ao crédito tributário e uma profusão de alíquotas e regimes especiais.
Deve-se ter como meta simplificar e aproximar os tributos sobre bens e serviços do modelo do IVA, substituindo os atuais por um ou, no máximo, dois tributos sobre o valor adicionado (um federal e outro subnacional, cobrado no destino), além de um tributo seletivo (sobre fumo, bebidas etc.). As propostas do Governo Federal de reforma do PIS/Cofins e de disciplinamento da guerra fiscal dos Estados apontam na direção correta, mas são tímidas frente aos desafios da melhora da tributação indireta no país.
Um segundo foco de atenção são os vários regimes simplificados de tributação, como o Lucro Presumido e o Simples. Esses regimes geram distorções importantes, decorrentes da base inadequada de tributação (o faturamento), do alto limite de enquadramento (cerca de US$ 1 milhão por ano no Simples, contra um valor entre US$ 50 mil e US$ 150 mil nos demais países), e do enorme diferencial de tributação relativamente às grandes empresas. A consequência é um sistema que estimula a abertura de pequenos negócios, mas impede o seu crescimento.
É preciso rever completamente o modelo de tributação simplificada no Brasil, e não apenas fazer ajustes no Simples. Não se trata de aumentar o custo tributário dos negócios efetivamente pequenos, mas sim de criar um modelo que trate de forma semelhante os semelhantes, que estimule a formalização do trabalho qualquer que seja o porte da empresa, e que favoreça o crescimento das empresas.
Por fim, deve-se rever a distorção na tributação da renda pessoal decorrente da forma como é recebida. Isto ocorre, por exemplo, na distribuição de lucros pelas empresas do Simples e do Lucro Presumido, que são isentos na pessoa física. A tabela 3 mostra como os regimes simplificados podem gerar enormes distorções na tributação da remuneração de um profissional, a qual pode variar de 40% do rendimento para um trabalhador formal a menos de 10% para o sócio de uma empresa do Simples.
Medidas que estabeleçam a isonomia na tributação, além de socialmente justas, contribuiriam para reduzir as distorções decorrentes da multiplicidade de regimes tributários. Deve-se, no entanto, evitar tributar duas vezes a mesma renda, deduzindo-se da base tributária dos rendimentos pessoais os impostos pagos pelas empresas.
A grave crise fiscal reflete o crescimento dos gastos públicos acima da geração de renda, fruto de um conflito entre diversos grupos sociais que buscam, via Estado, a apropriação de parcela maior da renda. A intervenção pública mal focada, a proteção de interesses privados específicos e um dos piores sistemas tributários do mundo prejudicaram a produtividade e o crescimento. Os indicadores sociais, depois de uma década de avanço, estagnaram ou retrocederam nos últimos anos. 
A boa gestão pública requer disciplina fiscal, transparência e a avaliação dos resultados sobre os benefícios concedidos. Dessa forma, pode-se deliberar sobre as escolhas públicas, as políticas a serem preservadas e as que devem ser revistas. A proteção dos grupos sociais mais frágeis é importante, mas precisa caber nas possibilidades do País. A transferência de renda para os mais ricos é injustificável. 
A crise atual impõe escolhas difíceis. Postergá-las apenas tornará ainda mais custoso o ajuste das contas públicas. A alternativa ao ajuste é o agravamento da crise e o retrocesso econômico.

Bernard Appy é diretor do Centro de Cidadania Fiscal
Marcos de Barros Lisboa é presidente do Insper 
Marcos Mendes é consultor legislativo do Senado Federal
Sérgio Lazzarini é professor titular do Insper 

Arminio Fraga: receita para vencer a crise

Só ficou faltando dizer quem vai fazer tudo isso, pois o governo que está aí não tem a mínima condição de implementar sequer um terço do que está exposto.
Paulo Roberto de Almeida

Opinião
Respostas à altura da crise
Armínio Fraga Neto
O Globo, 13/09/2015

Com frequência se diz por aí que nunca se viu situação econômica tão ruim quanto a atual. Discordo. Entre 1982 e 1993, a “década perdida” do caos da hiperinflação e da moratória externa, o Brasil amargou queda na renda por pessoa de cerca de 1% ao ano!

Mas o Brasil vive hoje, sim, uma crise grave, que escancara as consequências do modelo político e econômico atual.

Esse modelo se caracteriza pela captura, pelo agigantamento, pela incompetência e falência do Estado. Captura por interesses partidários e privados, que sem nenhum escrúpulo montaram não um, mas dois enormes esquemas de corrupção voltados para sua preservação no poder e enriquecimento pessoal. Agigantamento porque o gasto público se aproxima de 40% do PIB, um número elevado, especialmente para um país de renda média. Incompetência, por não entregar os serviços de qualidade que a sociedade demanda, apesar dos recursos despendidos. E falência pela perda da disciplina fiscal, fator que pesou na recente perda do grau de investimento, com destaque para a admissão pelo próprio governo de sua incapacidade de manter um superávit primário capaz de evitar a explosão da dívida pública.

Estamos em maus lençóis, pois não há na História caso de país que se tenha desenvolvido plenamente sem um Estado decente, eficaz e solvente.

Outras características do atual modelo econômico incluem elevado grau de dirigismo, claro desprezo pela eficiência em geral, e pelo mercado em particular, relativo isolamento do mundo, má alocação do capital (em boa parte feita pelos bancos públicos), políticas setoriais mal desenhadas, um sistema tributário complexo, que distorce e encarece a atividade empresarial, e um aparato regulatório desprestigiado e em alguns casos mal tripulado. Não surpreendentemente, a produtividade da economia vem sofrendo bastante.

As consequências disso tudo, em boa parte previsíveis, estão aí, visíveis a olho nu: juros estratosféricos, incerteza elevada, baixo investimento (especialmente em infraestrutura), profunda recessão e, o que é pior, uma economia incapaz de crescer. Os impactos sociais já se fazem sentir e tendem a se agravar. A esta altura não se pode descartar a hipótese de que o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff seja o início de uma nova década perdida.

Esta crise requer tratamento proporcional ao seu tamanho. Isso não tem sido possível em razão de barreiras ideológicas e de incompetência, além das naturais dificuldades de um governo corrigir algo feito por si mesmo, e da crise política, que deve perdurar.

Não surpreende, portanto, que a atual resposta à crise não venha obtendo bons resultados, limitando-se, na prática, a alguma austeridade fiscal, ao aperto monetário (posto que a inflação está há tempo bem acima da meta), à liberação de preços e ao anúncio de algumas boas reformas, no geral não implantadas. Ao mesmo tempo, medidas irresponsáveis do ponto de vista fiscal vêm sendo aprovadas, como o Plano Nacional de Educação (tema crucial, solução inadequada) e a revogação do fator previdenciário. Ademais, a queda nos preços das exportações e as paralisantes implicações de curto prazo da mais do que bem-vinda Lava Jato agravam ainda mais o quadro.

Com o intuito de ajudar a mapear os desafios no campo econômico, e sem ilusões quanto à superior importância da política em fazer as opções certas e conduzir o processo, listo abaixo dois conjuntos de respostas à crise. Se posto em prática, o primeiro sinalizaria o entendimento do Executivo e do Legislativo quanto à gravidade da situação. O segundo lista algumas questões mais fundamentais para que o Brasil volte a crescer e se desenvolver. As dificuldades de se efetuar um ajuste fiscal rápido são bem conhecidas: recessão, rigidez do gasto e a já elevada carga tributária.

Acredito que uma forma de ganhar tempo e afetar positivamente as expectativas seria compensar um inevitável gradualismo no ajuste com medidas que afetem positivamente a solvência do País no longo prazo. Outro campo fértil é o lado da produtividade, de natureza mais microeconômica, que merece bem mais espaço do que tenho aqui hoje.
Medidas emergenciais: 
1) Metas de saldo primário de 1%, 2% e 3% do PIB para os próximos três anos, baseadas em premissas realistas e em receitas recorrentes (as metas atuais não estão sendo cumpridas e de qualquer forma são insuficientes).
2)  Aprovação da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres (para gerações futuras) e reaprovação do fator previdenciário.
3) Desvinculação do piso da Previdência do salário mínimo (a vinculação é cara e regressiva).
4) Introdução de um limite para a dívida bruta do governo federal como proporção do PIB.
5)  Reforma do PIS/Cofins e do ICMS já proposta, acrescida da unificação e simplificação das regras do ICMS (por muitas razões, inclusive a integração interna do País).
6)  Mudança das regras trabalhistas também na mesa (em que o negociado se sobrepõe à lei).
7)  Aumento da integração do Brasil ao mundo (um primeiro passo seria transformar o Mercosul em zona de livre-comércio).
Sem algo nessa linha a crise deve se aprofundar e alongar.
Medidas mais fundamentais relativas ao Estado:
1) Discussão sobre o tamanho e as prioridades do Estado (requer limite ao crescimento do gasto, o que, por sua vez, demanda as reformas abaixo).
2)  Fim de todas as vinculações e adoção de um Orçamento base zero (sem prejuízo de espaços plurianuais, nunca permanentes).
3)  Meritocracia e a boa gestão no setor público.
4) Revisão da cobertura da estabilidade do emprego no setor público.
5) Revisão do capítulo econômico da Constituição (adotar a economia de mercado. Qualquer interferência do Estado deverá ser justificada e seus resultados posteriormente avaliados).
Sem algo nessa linha o Brasil dificilmente se desenvolverá plenamente.

*Armínio Fraga Neto é economista