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domingo, 13 de setembro de 2015

Desafios para Sair da Crise - Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Bernardo Appy, Sergio Lazzarini


Os desafios para sair da crise

Economistas sugerem caminhos para a superação da crise econômica, com medidas para equilibrar as contas públicas e aumentar a produtividade no País

Bernard Appy, Marcos de Barros Lisboa, Marcos Mendes e Sérgio Lazzarini
O Estado de S. Paulo, 13 de setembro de 2015

Economistas apontam alternativas para o Brasil

O Brasil enfrenta uma grave crise econômica, refletida no recente rebaixamento de sua nota de crédito. A progressiva desaceleração da economia nos últimos quatro anos se transformou em uma profunda recessão. Desde 2011, interrompeu-se a redução na desigualdade de renda e a melhoria na qualidade de vida das famílias mais pobres, observadas durante a década de 2000. A piora da economia ameaça reverter os avanços sociais dos últimos 20 anos. 
A crise econômica tem como contraparte a crise política. Diversos projetos aprovados no Congresso minaram o ajuste fiscal. Os severos problemas financeiros e criminais nas empresas estatais adicionam injúria ao grave momento do País.
Para além dos problemas fiscais de curto prazo, agravados pela gestão da política econômica nos últimos anos, o Brasil tem um problema estrutural de crescimento das despesas públicas e de estagnação da produtividade. Se essas questões não forem resolvidas, não haverá como retomar o crescimento em bases sustentáveis.
Os problemas que o Brasil enfrenta hoje decorrem da incapacidade do País em reconhecer seus limites e de fazer escolhas, buscando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais que, quando agregadas, ultrapassam os recursos públicos disponíveis. Agravando o quadro, as regras existentes conduzem a um crescimento das despesas públicas maior que o crescimento da renda nacional no longo prazo. A questão central para o País não é um eventual ajuste fiscal de curto prazo. Se a trajetória de aumento das despesas não for revertida e a produtividade não aumentar, teremos uma economia com baixo crescimento, recorrente pressão inflacionária, juros elevados e a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para evitar a insolvência no pagamento da dívida pública. Essa trajetória é insustentável.
Este artigo propõe medidas voltadas para a superação do impasse econômico, estando organizado em dois blocos: sustentabilidade fiscal e aumento da produtividade. 


1. Sustentabilidade fiscal
A crise fiscal não é recente nem passageira. Desde 1991, as despesas públicas têm crescido mais do que o PIB, passando de 11% para 19% do PIB em 2014, sendo que mais de dois terços desse crescimento deveu-se ao aumento das despesas da previdência e assistência social (gráfico 1). 
Essa trajetória é agravada pelo aumento, em períodos de crescimento econômico, de despesas vinculadas à receita, como saúde e educação, que não podem ser ajustadas em períodos de desaceleração. O mesmo ocorre com os gastos com pessoal: a contratação de funcionários e os aumentos de salários em períodos de expansão não têm como contrapartida a sua redução em momentos de crise. Atualmente, cerca de 90% do Orçamento federal não pode ser ajustado em decorrência de restrições legais (ver tabela 1).
A situação é semelhante nos Estados e municípios. De cada R$ 100,00 arrecadados de ICMS em um Estado típico, R$ 62,50 já estão vinculados a alguma despesa e, do que resta, a maior parte destina-se a despesas de pessoal.
O ajuste das contas públicas em períodos de retração econômica acaba inevitavelmente sendo feito por aumento de tributos e corte dos investimentos. De 1991 a 2014, a carga tributária brasileira passou de 24% para 34% do PIB (gráfico 2), sendo entre 5 a 15 pontos porcentuais superior à da maioria dos países emergentes. 
Na década de 2000, a arrecadação tributária teve um crescimento excepcional, sobretudo em decorrência da alta do preço das commodities e do processo de formalização do mercado de trabalho, o que permitiu acomodar a expansão das despesas. Esse ciclo, porém, encerrou-se.
Parte do aumento das despesas nos últimos anos beneficiou a população de menor renda, como é o caso do Bolsa Família e da universalização do acesso à educação fundamental. Porém, muitos dos benefícios concedidos pelo setor público, e ampliados nos últimos anos são destinados a grupos com renda entre os 10% mais ricos, agravando a desigualdade em vez de reduzi-la, além de serem insustentáveis no longo prazo. Esse é o caso das aposentadorias precoces para pessoas com pouco mais de 50 anos, que beneficia a classe média alta urbana, e do crédito subsidiado a empresas selecionadas. Gasta-se com benefícios individuais e relegam-se as políticas que geram benefício coletivo, como é o caso do investimento em infraestrutura, que não ultrapassa 2% do PIB.
O ajuste das contas públicas requer que a sua gestão seja compatível com o crescimento do País, com um nível aceitável para a carga tributária e a sustentabilidade da relação dívida/PIB, o que implica: (i) reduzir a rigidez e o caráter pró-cíclico das despesas públicas; (ii) rever as regras de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais; (iii) reforçar as regras e instituições de responsabilidade fiscal. 

Redução da rigidez e do caráter pró-cíclico do gasto. As regras de vinculação do gasto devem ser reformuladas de modo a permitir que parte das receitas auferidas em períodos de crescimento seja poupada para financiar as despesas nos momentos de retração. As vinculações de receita poderiam ser calculadas tendo por base a receita média de vários anos, permitindo diluir as flutuações cíclicas, ou, ainda, substituídas por um critério de valor mínimo, como o gasto do ano anterior, corrigido pela inflação. A meta de resultado primário para a União deveria ser ajustada pelo ciclo econômico, enquanto, para Estados e municípios, deveria ser exigida uma amortização maior da dívida na fase de crescimento, de forma a permitir o aumento da dívida em períodos de desaceleração.

Previdência e assistência. As despesas com benefícios previdenciários e assistenciais correspondem a mais da metade das despesas primárias federais, com uma trajetória de crescimento insustentável nos próximos anos, em decorrência do envelhecimento da população e do aumento real do salário mínimo. 
Para reverter essa trajetória é preciso, em primeiro lugar, substituir progressivamente o atual regime de aposentadoria por tempo de contribuição (no qual os homens se aposentam em média com 55 anos e as mulheres, com 52 anos) por um regime em que se exija uma idade mínima de aposentadoria, a exemplo do que fazem os demais países (ver tabela 2). 
Em segundo lugar, é preciso completar a mudança do regime de pensões por morte, iniciada este ano, estabelecendo que as pensões devem ser reduzidas à medida que diminua o número de pessoas dependentes da pensão, seguindo o padrão internacional.
Por fim, deve-se estabelecer uma distinção entre os benefícios previdenciários - cujo valor deve ser proporcional às contribuições realizadas - e os assistenciais, que devem ser desvinculados do salário mínimo e concedidos para pessoas com idade mais elevada que a da aposentadoria por contribuição. Não se deve conceder benefícios assistenciais equivalentes ou melhores que os benefícios previdenciários, sob pena de desestimular a contribuição. 
O Brasil pode garantir renda mínima aos idosos, incluindo quem não pode contribuir para a previdência, mas não deve conceder benefícios assistenciais cujo custo é insustentável no longo prazo. Não se trata de revogar direitos adquiridos nem de fazer uma transição precipitada, mas sim de corrigir distorções que têm um elevado custo fiscal.

Regras e instituições de responsabilidade fiscal. 
Depois de 15 anos da sua promulgação, ainda não foram regulamentados ou postos em prática dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como, por exemplo, o art. 17, que estabelece a exigência de fontes de financiamento adequadas como precondição à criação de novas despesas obrigatórias de caráter continuado. Nos últimos anos, diversas medidas com impacto fiscal no longo prazo foram tomadas sem a contrapartida de recursos - como, por exemplo, a aprovação pelo Congresso da regra 85/95 para a previdência ou a ampliação de créditos do BNDES, cujos subsídios deverão custar R$ 184 bilhões ao Tesouro nas próximas décadas. 
Deve-se, igualmente, implantar o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) com um número menor de conselheiros que o previsto na LRF, para torná-lo operacional. O CGF tem como objetivo padronizar os critérios de contabilidade pública para os diversos entes da Federação. Se já estivesse em funcionamento, teria evitado diversas manobras contábeis que distorceram a análise das contas públicas, tanto da União (como no uso de bancos públicos para financiar o Tesouro), quanto dos Estados e municípios (via ocultação de despesa de pessoal ou cálculos criativos do resultado primário).
Cabe rever a legislação que regula o processo orçamentário, hoje consolidada na Lei n.º 4.320/1964, aperfeiçoando, sobretudo, os métodos de estimação da receita, usualmente superestimada, e das regras de execução da despesa - geradora recorrente de crescentes restos a pagar. Adicionalmente, deve-se criar uma entidade fiscal independente - como existe em vários países - com a atribuição de fazer projeções de receitas, despesas e dívida pública, e avaliar tanto a consistência fiscal do orçamento, quanto das políticas públicas que exijam elevados gastos por muitos anos.
Os limites de despesa de pessoal e endividamento para Estados e municípios deveriam ser revistos, de modo a torná-los mais compatíveis com a trajetória de longo prazo das contas públicas, e menos determinados pelo comportamento de curto prazo da arrecadação. Além disso, deveria ser instituído um limite para o endividamento da União.
Por fim, caberia regulamentar o direito de greve no setor público, previsto na Constituição. A estabilidade no emprego e a não responsabilização por greves abusivas ou pela interrupção inclusive de serviços essenciais tem resultado em longas e sucessivas paralisações, permitindo aumentos reais de remuneração incompatíveis com a realidade fiscal e com as remunerações praticadas no setor privado e em países com grau semelhante de desenvolvimento.

2. Aumento de Produtividade
A produtividade da economia brasileira estagnou após 2010, depois de uma década com crescimento semelhante ao observado nas principais economias. O pior desempenho externo contribuiu para a nossa desaceleração. Entretanto, o retrocesso observado no Brasil, significativamente maior do que nos demais emergentes, decorre igualmente de causas domésticas. 
A complexidade do sistema tributário - caracterizado pela multiplicidade de regras e benefícios concedidos discricionariamente - resulta em uma organização ineficiente da produção, em alto custo de cumprimento da lei para as empresas e em impressionante volume de litígio tributário. 
O crescimento também vem sendo prejudicado por políticas de proteção setorial, favorecendo empresas ou setores selecionados, quase sempre sem metas de desempenho, e escassa avaliação do custo de oportunidade dos recursos alocados. Esses benefícios - como a concessão de empréstimos subsidiados, reserva de mercado e incentivos tributários - destinam recursos a setores ineficientes ou que não precisam de proteção pública, prejudicando a produtividade dos setores à frente na cadeia produtiva. As regras de conteúdo nacional que protegem a indústria naval, por exemplo, implicam maiores custos para a produção de petróleo.
As políticas de proteção setorial podem ser eficazes em casos específicos, desde que resultem em ganhos sustentáveis de produtividade, e não apenas permitam a sobrevivência de empresas ineficientes.
O excesso de regulação e os elevados custos de contratação e demissão de trabalhadores induzem uma organização pouco eficiente das empresas e prejudicam a produtividade. Paradoxalmente, a legislação e o ativismo do judiciário, que têm a intenção de proteger o trabalhador, terminam por prejudicar a geração de empregos de maior qualidade e estimular o comportamento oportunista, de empresas e trabalhadores, que resulta em informalidade, alta rotatividade e baixa produtividade. 
A produtividade do trabalho é, adicionalmente, prejudicada pela baixa qualidade da educação. O gasto do governo federal em educação cresceu 285% acima da inflação entre 2004 e 2014, mas não foi acompanhado pelo aumento dos indicadores de aprendizado, o que sugere a necessidade de melhora na gestão e na disseminação das melhores práticas de ensino.
Por fim, o crescimento da produtividade é prejudicado pela infraestrutura deficiente e onerosa para seus usuários. Os problemas decorrem do baixo investimento público, da falta de planejamento adequado, assim como da regulação ineficaz, caracterizada por agências reguladoras enfraquecidas e sem governança adequada que permita uma negociação mais eficaz dos conflitos e maior previsibilidade para a execução dos projetos.
A agenda para a melhora da produtividade é extensa. Neste artigo, concentramo-nos em três linhas de ação: (i) transparência e governança, (ii) competição, e (iii) simplificação e isonomia.

Transparência e governança. As deficiências de governança e a falta de transparência do poder público contribuem para a ineficiência do País, além de aumentar o custo das políticas públicas. Para superar essas deficiências, sugerimos um conjunto de iniciativas.
Em primeiro lugar, toda política pública deveria estar submetida à avaliação de resultados, que ampliaria o debate democrático sobre suas prioridades e seus custos, e deveria ser extensiva a todos os destinos de recursos públicos: programas previstos no Orçamento, benefícios tributários, concessão de créditos subsidiados por bancos públicos e políticas de proteção setorial.
O debate democrático, fortalecido por análises sobre os custos envolvidos, os grupos beneficiados e o impacto social e econômico das políticas públicas, colaboraria para a escolha das políticas a serem mantidas e as que devem ser reformuladas. Essa análise deve incluir os impactos sobre os demais setores produtivos e o eventual uso alternativo dos recursos públicos. As políticas devem possuir metas claras de desempenho e avaliação de resultados transparentes, de preferência por instituições que sejam independentes do gestor público responsável pela sua execução.
No caso de políticas de proteção setorial, regras críveis devem garantir a progressiva redução da proteção, seja porque a política foi bem-sucedida, e a proteção não é mais necessária, seja pelo seu fracasso, o que significa que o País pode se tornar mais rico se deixar a livre alocação de mercado destinar os recursos para outros setores.
Em segundo lugar, é preciso rever a estrutura de governança das empresas estatais, que têm sido utilizadas como instrumentos de intervenção discricionária. A criação de um marco legal e a adoção de padrões de governança que explicitem o custo de ações específicas e os limites da atuação das empresas estatais seria uma importante contribuição para a melhoria do ambiente de negócios no País. Além disso, devem ser definidos critérios mais restritos para a composição da diretoria e do conselho de administração. Não deveria ser permitida a indicação de ministros ou secretários de governo como conselheiros, mesmo no caso de vagas cabíveis ao acionista controlador (Estado), em decorrência de possíveis conflitos de interesse. 
Como princípio geral, a Lei das S/A (Lei 6.404 de 1976) deveria ser fortalecida para as empresas controladas pelo Estado. No entanto, vários dos projetos de lei em discussão sobre o tema tentam criar um marco detalhado, sobrepondo-se à Lei das S/A e gerando insegurança jurídica pelo eventual conflito de dispositivos das diferentes leis.
De modo semelhante, deve-se rever a governança dos fundos de previdência de servidores públicos e de funcionários de estatais, limitando-se a indicação de conselheiros e dirigentes por parte do governo. Deve-se ressaltar que, nesses casos, não se trata de recursos públicos, mas sim dos participantes, e que, portanto, não deveriam ser aplicados com outros objetivos que não o de garantir um retorno seguro para os beneficiários.
Em terceiro lugar, deve-se fortalecer a governança das agências reguladoras, reforçando a segurança jurídica e a adoção de políticas com objetivos de longo prazo, protegendo-as dos interesses oportunistas. Quanto maior a segurança sobre o ambiente regulatório, menor o prêmio de risco requerido e menor o custo do investimento para a sociedade. Os diretores das agências devem ser independentes e qualificados tecnicamente. Contratos de gestão, com metas de desempenho, que reflitam as prioridades da política pública, permitem a avaliação dos resultados e a substituição dos diretores em caso de fracasso.
Por fim, deve-se melhorar a transparência e a governança de entidades públicas e quase públicas, que operam com recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o FGTS, o FAT e o Sistema S, além dos sindicatos de trabalhadores e patronais, que atualmente não são obrigados a publicar balanços sobre a utilização dos recursos recebidos. A abertura dos dados sobre o montante de recursos recebidos, os programas em que são alocados e os resultados obtidos colaborariam para o debate sobre a sua eficácia e a deliberação democrática sobre a utilização dos recursos da sociedade.

Competição. Existe uma vasta literatura acadêmica documentando a relevância de um ambiente favorável à competição para o crescimento da produtividade. No caso do Brasil, diversos trabalhos estimam o efeito positivo da abertura comercial dos anos 90 sobre o aumento da produtividade, assim como o impacto negativo das políticas de proteção adotadas desde meados da década passada. 
É preciso abrir mais a economia, se possível no âmbito de acordos bilaterais ou multilaterais. A redução de tarifas de importação pode ser feita de forma progressiva, permitindo-se o ajuste das empresas locais. Isso permitiria o maior acesso a insumos e bens de capital mais eficientes, aumentando a produtividade, estimulando o aumento do investimento e a expansão da produção.
Deve-se, igualmente, rever toda a estrutura de reservas de mercado, que prejudicam a concorrência e a expansão da produção. A não ser em situações excepcionais, e que precisam ser demonstradas, a proteção a empresas domésticas - como a obrigatoriedade de a Petrobrás ser operadora única e ter participação mínima de 30% nos campos do pré-sal e a preferência concedida a empresas nacionais nas licitações públicas - tem impactos negativos sobre os preços e a produtividade, beneficiando apenas grupos específicos, em detrimento do interesse geral. 

Simplificação e isonomia. A complexidade, ineficiência e ambiguidade do sistema tributário brasileiro têm consequências negativas sobre a produtividade e o crescimento. As regras existentes permitem que empresas ou produtos semelhantes sejam tributados desigualmente, induzindo uma organização ineficiente do setor produtivo. Além disso, a multiplicidade de regras coexiste com incerteza sobre as regras aplicáveis, resultando em imenso contencioso tributário e em elevado custo de observância da lei pelas empresas. 
Daí a necessidade de se buscar simplificação e isonomia, sendo propostas três mudanças nessa direção.
A primeira diz respeito à tributação de bens e serviços. A maioria dos países adota um único imposto sobre o valor adicionado (IVA), com base ampla, uma ou poucas alíquotas e possibilidade de dedução do imposto incidente em todas as aquisições das empresas. Já o Brasil possui uma multiplicidade de tributos (ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS), com bases fragmentadas, legislação complexa, restrições ao crédito tributário e uma profusão de alíquotas e regimes especiais.
Deve-se ter como meta simplificar e aproximar os tributos sobre bens e serviços do modelo do IVA, substituindo os atuais por um ou, no máximo, dois tributos sobre o valor adicionado (um federal e outro subnacional, cobrado no destino), além de um tributo seletivo (sobre fumo, bebidas etc.). As propostas do Governo Federal de reforma do PIS/Cofins e de disciplinamento da guerra fiscal dos Estados apontam na direção correta, mas são tímidas frente aos desafios da melhora da tributação indireta no país.
Um segundo foco de atenção são os vários regimes simplificados de tributação, como o Lucro Presumido e o Simples. Esses regimes geram distorções importantes, decorrentes da base inadequada de tributação (o faturamento), do alto limite de enquadramento (cerca de US$ 1 milhão por ano no Simples, contra um valor entre US$ 50 mil e US$ 150 mil nos demais países), e do enorme diferencial de tributação relativamente às grandes empresas. A consequência é um sistema que estimula a abertura de pequenos negócios, mas impede o seu crescimento.
É preciso rever completamente o modelo de tributação simplificada no Brasil, e não apenas fazer ajustes no Simples. Não se trata de aumentar o custo tributário dos negócios efetivamente pequenos, mas sim de criar um modelo que trate de forma semelhante os semelhantes, que estimule a formalização do trabalho qualquer que seja o porte da empresa, e que favoreça o crescimento das empresas.
Por fim, deve-se rever a distorção na tributação da renda pessoal decorrente da forma como é recebida. Isto ocorre, por exemplo, na distribuição de lucros pelas empresas do Simples e do Lucro Presumido, que são isentos na pessoa física. A tabela 3 mostra como os regimes simplificados podem gerar enormes distorções na tributação da remuneração de um profissional, a qual pode variar de 40% do rendimento para um trabalhador formal a menos de 10% para o sócio de uma empresa do Simples.
Medidas que estabeleçam a isonomia na tributação, além de socialmente justas, contribuiriam para reduzir as distorções decorrentes da multiplicidade de regimes tributários. Deve-se, no entanto, evitar tributar duas vezes a mesma renda, deduzindo-se da base tributária dos rendimentos pessoais os impostos pagos pelas empresas.
A grave crise fiscal reflete o crescimento dos gastos públicos acima da geração de renda, fruto de um conflito entre diversos grupos sociais que buscam, via Estado, a apropriação de parcela maior da renda. A intervenção pública mal focada, a proteção de interesses privados específicos e um dos piores sistemas tributários do mundo prejudicaram a produtividade e o crescimento. Os indicadores sociais, depois de uma década de avanço, estagnaram ou retrocederam nos últimos anos. 
A boa gestão pública requer disciplina fiscal, transparência e a avaliação dos resultados sobre os benefícios concedidos. Dessa forma, pode-se deliberar sobre as escolhas públicas, as políticas a serem preservadas e as que devem ser revistas. A proteção dos grupos sociais mais frágeis é importante, mas precisa caber nas possibilidades do País. A transferência de renda para os mais ricos é injustificável. 
A crise atual impõe escolhas difíceis. Postergá-las apenas tornará ainda mais custoso o ajuste das contas públicas. A alternativa ao ajuste é o agravamento da crise e o retrocesso econômico.

Bernard Appy é diretor do Centro de Cidadania Fiscal
Marcos de Barros Lisboa é presidente do Insper 
Marcos Mendes é consultor legislativo do Senado Federal
Sérgio Lazzarini é professor titular do Insper 

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

CPI do BNDES: beaucoup du pain sur la planche... (matérias de jornais)

Sérgio Lazzarini é o economista, professor do Insper, autor da expressão, e do livro, Capitalismo de Laços (poderíamos acrescentar: espúrios).
Paulo Roberto de Almeida

Escancarando o capitalismo de laços
Sérgio Lazzarini
O Estado de S.Paulo, 25/06/2015

Dois grandes movimentos recentes têm lançado luz sobre as imbricadas relações empresa-Estado no Brasil. O primeiro, grande parte centrado na Operação Lava Jato, revelou um leque de operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos. O segundo, pela ação das agências de controle e do Judiciário, trouxe uma enxurrada de dados sobre contratos e transações com capital público.
Examinemos, por exemplo, o financiamento a empreiteiras no exterior. Logo após o Congresso da República Dominicana pôr à disposição em seu site da internet o contrato de financiamento do país com o BNDES e o STF determinar que não deve haver sigilo nessas operações, o banco resolveu abrir dados sobre as condições de empréstimo. Imediatamente, analistas se debruçaram nos dados, revelando detalhes interessantes e ainda pouco compreendidos. Por exemplo, a maioria dos empréstimos tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem prazos de até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% a 6% ao ano, em dólar.
Quando analistas começaram a perguntar por que prazos tão longos e taxas tão baixas - ao menos comparando com os nossos juros locais -, o BNDES se justificou dizendo que as condições são compatíveis com o que outros bancos internacionais fazem em contratos similares. Uma justificativa insatisfatória. Não importa se bancos em outros países praticam taxas baixas. Precisamos saber os benefícios e custos para a economia brasileira antes de embarcar nessa prática. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas estas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.
Como os dados estavam disponíveis, foi possível ter ideia do custo dessas operações ao Tesouro. Em estudo com Marcos Lisboa e Pedro Makhoul, comparamos as taxas que o BNDES cobra de outros países com as que o Brasil tem de pagar para se financiar com moeda estrangeira sob prazos similares. O resultado: custo de R$ 1,1 bilhão por ano com esses contratos de financiamento. Vale a pena? Diz o BNDES que, apesar de as obras serem no exterior, sua execução é feita por empreiteiras brasileiras articulando uma longa cadeia produtiva local. Justificativa também insatisfatória, já que pode ser possível gerar mais renda aqui, no Brasil, sem ter de bancar altos custos para equiparar taxas praticadas no exterior.
Portanto, ainda há muito a explicar. Mas o ponto é que a maior disponibilidade de dados permitiu não só maior entendimento desses contratos, mas também um debate mais informado e transparente sobre o papel do Estado no apoio de grandes grupos do País. Da mesma forma, as investigações da Lava Jato têm aumentado nosso entendimento de como empresas e partidos triangulam capital para obter benefícios privados com recursos públicos. Com a agravante de que, neste caso, são evidências que podem levar à punição dos envolvidos. A prisão de grandes executivos de empreiteiras demarcou de forma muito saliente o rumo que as investigações podem tomar.
É fato que corrupção e transações opacas no Brasil sempre existiram. Mas, até pouco tempo, o discurso era de que "é assim que o Brasil funciona". Se quisermos mudar o que aí está, muitos diziam, o País correria o risco de parar. É claro, um discurso que interessava tanto a uma elite empresarial entrelaçada com o governo quanto a uma elite política dependente de patrocínio empresarial - o cerne do nosso capitalismo de laços. Com maior pressão para transparência e punição, entretanto, não há mais espaço para esse modelo. É hora de repensarmos nossas estratégias privadas, orientando-as para maior produtividade e menos dependência de suporte público, e as formas de atuação do governo, buscando maior disciplina na análise dos custos e benefícios de suas políticas.

Sérgio Lazzarini
* Professor titular do Insper, é autor de 'Capitalismo de laços' e de 'Reinventando o capitalismo de Estado'.
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CORREIO BRAZILIENSE, 03 Junho 2015
Crédito do BNDES a Cuba teve taxa de 4,44%
http://cliente.linearclipping.com.br/IMGs/2015/6/3/24187055.jpg
US$ 11,9 bilhões
Operações do banco no exterior entre 2007 e 2015

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cobrou taxas de juros entre 4,44% e 6,91% ao ano nos polêmicos financiamentos para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, que somaram US$ 682 milhões em cinco diferentes contratos. Os encargos são mais baixos do que boa parte das operações feitas com empresas brasileiras. Até agora tratada como sigilosa, a informação consta do site BNDES Transparente, que a instituição colocou ontem em funcionamento.
A novidade foi anunciada pelo presidente do banco, Luciano Coutinho, e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro. Num primeiro momento, o site vai disponibilizar dados de empréstimos feitos a 42 países entre 2007 e 2015, que totalizam US$ 11,9 bilhões. No Brasil são R$ 320 bilhões, distribuídos por 1.753 contratos assinados a partir de 2012.

Antes, as informações eram disponibilizadas em planilhas de Excel, mas o acesso era mais difícil e os dados, limitados a nome da empresa, país de destino, valor e data. "O nível de avanço mostra o compromisso com a transparência e a disposição de esclarecer os órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunal de Contas da União (TCU). O banco está desejoso de prestar informações a todos os órgãos do governo e, mais do que nunca, à sociedade", frisou Coutinho.

Nem todas os dados sobre as operações do BNDES, porém, serão publicados. "Há um núcleo que se deve proteger e está apoiado na lei de sigilo bancário", ressaltou Monteiro. "O sigilo diz respeito a informações sobre a intimidade da empresa, estratégias de negócio, situação financeira, estrutura de endividamento, que geralmente, resultam em rating ou nota de crédito da empresa", complementou Coutinho.

Para o presidente da instituição, os custos dos financiamentos a Cuba são "perfeitamente compatíveis com operações creditícias internacionais praticadas no mercado".

No Brasil, os contratos com empresas nacionais são regulados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6% ao ano, acrescida de uma taxa de risco. No caso do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que geralmente conta com juros subsidiados, os juros começam em 6,5% ao ano.

Segundo especialistas em contas públicas, todo empréstimo com juros abaixo da taxa Selic é subsidiado, ou seja, é o contribuinte brasileiro que paga a conta. Para José Matias-Pereira, professor de economia pública da Universidade de Brasília (UnB), "a transparência é um bom começo, mas o governo continua perdulário e as caldeiras do BNDES continuam fervendo. São empréstimos a taxas mais do que generosas, que não fazem o menor sentido econômico, trazendo ganhos apenas para as empresas e os países beneficiados, com o custo posto nas costas do contribuinte brasileiro".

O Porto de Mariel foi construído pelo Grupo Odebrecht. O financiamento do BNDES foi criticado na época sob o argumento de que os recursos poderiam ter sido empregados na modernização de portos brasileiros, que apresentam graves problemas de ineficiência. Há casos polêmicos também no Brasil. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal determinou que o banco fornecesse ao Tribunal de Contas da União (TCU) todos os dados sobre operações feitas ao grupo JBS.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Eleicoes 2014: ate o BNDES torce contra o continuismo dos companheiros no poder - Sérgio Lazzarini

Bem, não é exatamente isso o que o BNDES está dizendo, mas é isso, indiretamente, o que se deduz dos seus anúncios de "transparência" (a coisa que ele menos tem, na verdade): quanto mais as pesquisas eleitorais se encaminham para o desastre eleitoral da soberana dos companheiros, mais os resultados são favoráveis ao Banco, como aliás a todo o MERCADO, essa entidade maléfica tão desprezada pelos companheiros esquizofrênicos.
Acho que é isso: o BNDES gostaria que esses keynesianos de botequim fossem aposentados...
Paulo Roberto de Almeida

O real resultado do BNDES
Sérgio Lazzarini *
O Estado de S.Paulo, 27 de agosto de 2014

O BNDES reportou um lucro recorde de R$ 5,4 bilhões referente ao primeiro semestre deste ano, valor 67,8% superior ao obtido em 2013. Ao cidadão sem tempo para entrar nos detalhes do que gerou esse resultado, a impressão que fica é de um banco público de extraordinário desempenho e que refuta, com seus resultados, as críticas à acelerada expansão das suas operações nos últimos anos. Ao cidadão que decide investigar os números, entretanto, a realidade é outra.
"A transparência é um dos princípios que o BNDES preza no seu relacionamento com a sociedade", diz um trecho da sua página de internet. De fato, na seção denominada relação com investidores, o cidadão pode ver detalhes das demonstrações financeiras e diversas explicações sobre os resultados.
Especificamente sobre o resultado do primeiro semestre de 2014, o banco atribuiu o lucro recorde, entre outros fatores, à melhoria no desempenho do seu braço de investimentos, o BNDESPAR, que aplica sua carteira em participações societárias de empresas, muitas delas negociadas em Bolsa, e outros ativos financeiros.
Na página, o banco conclui ressaltando "a boa gestão das operações da carteira da BNDESPAR". A afirmação, contudo, merece ressalvas, uma vez que no primeiro semestre de 2013 o próprio relatório do BNDESPAR reportou perda de valor de sua carteira, que impactou negativamente o resultado naquele período. Essa mesma provisão para perda já havia ocorrido ao longo de 2012. Ao comentar o mau resultado daquele ano, o banco pôs a culpa no mercado, dizendo que sua carteira é "sensível a mudanças na situação econômica do País e do mundo".
E o que o fez o resultado do último semestre melhorar? A resposta está no próprio mercado: enquanto a Bolsa despencou ao longo do primeiro semestre de 2013, o inverso ocorreu este ano, permitindo ao banco reduzir as provisões para perda de valor dos seus ativos. Ou seja: quando sua carteira vai mal, o BNDES põe a culpa no mercado; quando vai bem, o mérito é da sua "boa gestão"! Ironicamente, o que acabou animando o mercado acionário neste ano foi justamente a queda de popularidade do atual governo, controlador do BNDES, aumentando as chances de segundo turno nas eleições.
Ainda seguindo com a sua explicação sobre o resultado do semestre, o BNDES diz que "outro fator que influenciou positivamente o lucro de junho foi o aumento de 19,3% do resultado de intermediação financeira". Essa rubrica engloba os repasses de crédito do BNDES e o resultado de rendimentos dos seus ativos. Porém, do total de receitas consolidadas com intermediação financeira no período, R$ 8,4 bilhões vieram não das operações de repasse de crédito em si (a atividade central do banco), mas de aplicações em títulos e rendas com operações vinculadas ao Tesouro. Esses itens representaram nada menos que 43% das receitas com intermediação do banco.
O que são essas operações? Como todo banco, o BNDES tem ativos e pode aplicá-los no mercado, rendendo juros. Não menos importante, como já detectado por especialistas em contas públicas como Mansueto Almeida e José Roberto Afonso, parte dos títulos do BNDES é de transferências do próprio governo, que se tem endividado para capitalizar o banco. Ocorre que o governo empresta ao BNDES dinheiro atrelado a uma taxa subsidiada, a TJLP, atualmente em 5% ao ano, muito inferior às taxas de mercado. E o contexto foi mais uma vez favorável: a taxa de referência do mercado, a Selic, saltou de 7,25% para 11% ao ano do começo de 2013 para cá.
Com isso, o governo se endivida e repassa ao BNDES ativos que rendem muito mais que a taxa subsidiada do governo. Ao aumentar o lucro da sua controlada, o governo pode, então, usar parte desse lucro como dividendos e inflar o seu superávit. Convenhamos: com tantas manobras, fica difícil de acreditar que a atual gestão do BNDES e o seu controlador realmente tenham transparência como um de seus pilares.

*Sérgio Lazzarini é professor titular do Insper, autor de 'Capitalismo de Laços' e de 'Reinventing State Capitalism'. Email: sergiogl1@insper.edu.br

sábado, 30 de novembro de 2013

A farsa das privatizacoes petistas: dinheiro publico para gruposprivados - Sergio Lazzarini

Posso apostar que a aposta petista na premiação antecipada dos seus capitalistas favoritos vai ser premiada posteriormente com generosas doações ao partido dos quadrilheiros, antes, durante e depois das eleições.
Paulo Roberto de Almeida 

Subsídios para quem não precisa

O Estado de S.Paulo, 28 de novembro de 2013 
Sergio Lazzarini
Sob a ótica do governo, os recentes leilões de concessão têm mostrado, ao contrário do que dizem os críticos, um imenso interesse do capital privado em projetos públicos. Os aeroportos do Galeão e de Confins, por exemplo, não somente atraíram vários grupos, como o ágio pago pela concessão teria, em tese, superado todas as expectativas.
Mas a verdade é outra. Novamente, para atrair capital privado, o governo se vale de maciços subsídios e capital público. No caso dos aeroportos, o BNDES deverá financiar cerca de 70% dos investimentos do grupo vencedor do leilão. A estatal Infraero, sócia minoritária com 49% do capital, também deve participar dos investimentos, bancada por aportes do Tesouro Nacional.
O curioso é que o próprio ministro da Secretaria de Aviação Civil, Moreira Franco, havia alertado que a entrada da Infraero nos consórcios seria um “sacrifício” de recursos. Moreira Franco foi prontamente corrigido por Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil, que insistiu na presença da Infraero para que a estatal aprenda com os parceiros privados como melhor gerir aeroportos.
Moreira Franco estava certo. Já com dificuldade de fechar as suas contas e enfrentando protestos por melhores serviços, o governo deveria colocar foco em atividades de alto impacto social e com menor interesse pelo setor privado. Mas um aeroporto de grande porte não só tende a atender populações de mais alta renda, como também é, por si só, um ótimo negócio – um monopólio local, com receitas mais ou menos estáveis, incluindo aquelas advindas de atividades acessórias como lojas e restaurantes. Por que, então, subsidiar grupos privados se o projeto, em si, é naturalmente lucrativo?
Em vez de querer que a Infraero aprenda como gerir aeroportos, é o próprio governo que deveria aprender como melhor gerir os nossos recursos


A resposta a essa pergunta reside numa prática muito recorrente em concessões e privatizações no Brasil: o uso de subsídios pela porta dos fundos para inflar o resultado dos leilões. No atual governo, com uma inclinação até mais forte de microgerenciar preços, a prática tem tomado proporções ainda maiores. Empresários têm dito que os subsídios são necessários para compensar a pressão do governo de limitar os lucros dos concessionários privados.
Mas isso é apenas trocar seis por meia dúzia, com a agravante de tornar o processo pouco transparente para a população. Além disso, chegamos a uma situação surreal em que o governo tem de compensar investidores privados pelos riscos de intervenção que ele próprio cria. Isso é ainda mais crítico no caso de projetos naturalmente mais arriscados que os aeroportos. No último leilão de transmissão elétrica, de 13 lotes leiloados, só 10 atraíram interesse, sendo 6 com forte participação de estatais.
Defensores desse modelo dizem que a presença estatal é uma forma de evitar a tão demonizada “privatização” dos serviços públicos. Mas, na prática, o que está sendo feito é simplesmente passar o controle da atividade para grupos privados à custa de subsídio e capital público coadjuvante. Como minoritária, a Infraero terá capacidade limitada de influenciar as operações. No fundo, não deixará de ser uma privatização irrigada por subsídios para quem não precisa.
A estratégia deveria ser outra. No caso de projetos naturalmente lucrativos, como os aeroportos, o governo deveria eliminar o financiamento público e criar um marco para monitorar os investimentos contratados, os preços cobrados e a qualidade dos serviços. Com isso, sobrariam mais recursos para apoiar projetos de maior impacto social e mais difíceis de serem financiados somente no âmbito do setor privado. Transporte urbano barato, saneamento básico, prisões e rodovias em áreas remotas são exemplos.
Em vez de querer que a Infraero aprenda como gerir aeroportos, é o próprio governo que deveria aprender como melhor gerir os nossos recursos, cada vez mais escassos.