Em abril de 2016, ou seja, antes da queda do governo podre anterior, do corrupto regime lulopetista, e antes que se tivesse certeza de que haveria realmente impeachment contra a dirigente altamente inepta que consolidou o que eu chamei de
A Grande Destruição, eu tinha sido convidado por um grupo de estudantes liberais para fazer uma preleção.
Depois da minha fala, razoavelmente aplaudida -- OK, estávamos em face de um público já propenso à adoção de reformas liberais -- eu ainda respondi a diversas perguntas da audiência. Mas como sempre ocorre nesse tipo de evento, nunca se tem tempo de discorrer adequadamente sobre cada uma das questões. Como sempre faço, também, eu peço que me enviem perguntas por escrito, com nome e e-mail, para que eu possa responder depois. Foi o que fiz nesse encontro de mais de quatorze meses atrás. Reproduzo abaixo o teor das perguntas e de meus comentários, agregando ao final minhas propostas de reformas de que o Brasil necessita, urgentemente, para avançar na elaboração das bases fundamentais para a consecução de um processo de crescimento econômico sustentado, com mudanças estruturais no sistema produtivo e distribuição social dos benefícios desse processo.
Como sempre, respondo e assumo responsabilidade pelo que escrevo e publico.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 9 de junho de 2017
Paulo Roberto de Almeida
[Respostas a perguntas colocadas por ocasião do
encontro [de estudantes xxx, em Xxxxx, em 2/04/2016]
Formulo abaixo respostas
tentativas a questionamentos de um pequeno grupo de estudantes que me
encaminharam perguntas por escrito ao término de uma palestra-debate que
mantive na tarde do sábado 2 de abril de 2016, nas dependências da UFXX, no
quadro de encontro organizado [por xxxx], seção Xxxxx. Nem todas as
perguntas foram acompanhadas de e-mail, e nem sempre foi possível identificar
corretamente o endereço manuscrito, por isso permito-me veicular publicamente
todas as perguntas e minhas respostas, embora não correlacionando autores das
primeiras, e não podendo, previsivelmente satisfazer todas as curiosidades.
1) A sociologia pode ser um ramo de estudos isento de
ideologia?
Paulo Roberto de Almeida
(PRA): Dificilmente. Todas as
ciências humanas, ou sociais, são o fruto da chamada teoria social, que é o
lento acumular de “explicações”, mais ou menos “científicas”, sobre a
organização social, o comportamento humano, a psicologia coletiva, as formas de
associativismo, o reflexo de crenças ancestrais (geralmente religiosas), a
construção progressiva de um conjunto de “respostas” a problemas
inevitavelmente colocados pela ação humana, individual ou coletiva: estrutura
familiar, organização social da produção, divisão do trabalho, formas de
exploração do trabalho, de dominação política, de padrões de ordenamento
político, enfim, um conjunto de interações sociais que estão sendo esmiuçadas
por filósofos e pensadores sociais desde a mais remota antiguidade. A
sociologia enquanto tal é construída no contexto do Iluminismo, da revolução
industrial, da revolução francesa e de todos os progressos feitos pelo engenho
humano nos terrenos da própria filosofia, do direito, da economia, da política,
e mesmo da religião. Seus primeiros “sistematizadores” foram justamente
“engenheiros sociais” – ou seja, pessoas interessadas em como melhor organizar
o mundo e a sociedade – que, na época da revolução francesa, passaram a ser
chamados de ideólogos, ou seja, pensadores de gabinete, reformadores sociais,
ou assessores dos líderes políticos que estavam à frente de Estados soberanos
na passagem da era moderna para a contemporânea. Geralmente se parte de Saint
Simon, para Tocqueville, Marx, Auguste Comte, Max Weber, e vários outros, que
escreveram obras de referência no terreno da “teoria social”. Quero crer que, inevitavelmente,
esse trabalho de explicação social – em vários casos de propostas de grandes
reformas sociais – estará contaminado pelas “teorias” e preconceitos próprios a
cada época, pois ninguém consegue ser totalmente isento de seu contexto social,
e das ideias-força que marcam cada época: industrialismo, pobreza, conflitos
sociais (ou de classe), guerras, sistemas políticos autoritários ou
democráticos, preconceitos raciais e concepções sobre a superioridade de certas
raças sobre outras, ou qualquer outro problema que se coloque a cada época:
descobrimentos, colonialismo, revolução científica, revolução industrial,
grande indústria, imperialismo, teorias racistas, liberalismo, fascismo,
comunismo, democracia, liberdades, todos esses processos, eventos, ideias são
refletidos no pensamento e nas obras de “sociólogos”, que portanto expressam
suas próprias ideias e propostas no meio desse caldeirão de concepções teóricas
e práticas sobre o mundo que os cerca.
Eu, por exemplo, como
sociólogo, mais do que como diplomata, sou um perfeito ideólogo, ou seja, estou
sempre lendo, refletindo, expressando minhas opiniões, sobre os problemas de
minha época, de meu país. Posso até fazer pesquisas tendencialmente, ou
alegadamente, “científicas”, ou seja, dotadas de alguma base empírica, mas também
é certo que dificilmente vou escapar das ideias de meus predecessores nessa
área: tanto Marx, quanto Weber e vários outros influenciaram meu pensamento, e
isso é, de certa forma, inevitável. Melhor ser honesto e reconhecer a validade
relativa de nossas ideias e opiniões. Sociólogos são sempre ideólogos, mesmo
quando não o reconhecem.
PRA: Não sou do ramo do Direito, mas da sociologia
econômica, e minha tendência é a de considerar que o Direito é uma consolidação
de certo consenso social, que se expressa contratualmente: Constituição, leis,
códigos, normas, etc. Como tal, ele pode, em determinadas circunstâncias, mudar
a economia de um país, pela “imposição”, ou pela livre aceitação, de um
conjunto de regras e normas para guiar ou enquadrar as relações econômicas que
se estabelecem livremente ou naturalmente no quadro da sociedade civil: leis de
limitação do trabalho a 8 horas diárias, por exemplo, lei do salario mínimo, de
compensações extra (ou seja impostas pela autoridade, não derivadas de
contratos livres) por algum tipo de atividade especial, etc. Não quero com isso
dizer que tudo isso seja benéfico à economia, à produtividade, ao bem-estar ou
acumulação de riqueza por indivíduos ou pela sociedade. Leis que buscam
redistribuir renda de forma compulsória podem até ser interessantes do ponto de
vista da maioria, mas elas também podem ser poderosas indutoras de baixo
crescimento, de evasão fiscal, de informalidade e de economia clandestina. Em
economia não existe a “positividade” do direito, ou seja, a norma vale para
todos, ela é impessoal e supostamente reguladora de “boas” relações sociais.
Economia é uma relação social que tem a ver com a escassez relativa de bens e
serviços, em face de necessidades “infinitas” por parte de indivíduos: não se
pode obter NENHUM bem econômico sem antes um ato de produção, ou seja, de
investimento próprio nos fatores de produção: recursos naturais, trabalho
humano, capital (em suas diferentes formas). O Direito não pode, simplesmente,
decretar uma forma ou outra de uso ou interação desses fatores, pois isso
depende da ação humana voluntária, não coercitiva. Pode até haver formas de
coerção, mas elas jamais serão superiores às formas livremente escolhidas pelos
indivíduos, que normalmente buscam sua satisfação no atendimento de suas
próprias necessidades (não apenas em bens materiais, mas também em poder, prestígio
social, reconhecimento coletivo, etc.).
Resumindo meu
pensamento: o Direito pode, sim, ajudar a transformar, para melhor, a economia
do Brasil, mas ele não pode pretender se substituir à livre interação dos
indivíduos buscando sua satisfação pessoal por meio de atividades econômicas. O
Brasil, justamente, é um exemplo de leis pessimamente concebidas para
distribuir felicidade a todos e a cada um, sem uma adequação dessas normas às
realidades imanentes no terreno da economia: distribuir sem produzir é uma
delas, e é justamente o que se tentou fazer nos últimos 13 ou 14 anos, com
péssimos resultados.
3) Comente o recente episódio de um diplomata
alertando colegas sobre um “golpe” iminente no Brasil. Como a diplomacia
brasileira é vista no mundo diante de episódios como esse?
PRA: Esse episódio não teria tido a menor importância, e
não teria de forma nenhuma afetado a diplomacia brasileira ao redor do mundo,
se tivesse sido circunscrito ao terreno que era o seu, originalmente: o de
simples circulares internas (ou seja, não dirigidas a outros governos, como são
as notas diplomáticas), expedidas a postos do Brasil no exterior, e destinadas
a produzir efeitos internos; elas foram prontamente abafadas e anuladas por uma
circular superior, que as eliminou da série oficial de circulares expedidas. O
fato de que tenham sido “vazadas” para a imprensa ocasionou uma discussão que
ultrapassa em muito sua importância real. Seu autor, um diplomata que pode ser
classificado literalmente como “diplomata do MST”, foi aparentemente advertido
pela chefia da Casa, e proibido de ter acesso ao sistema de expedição de
expedientes da Secretaria de Estado. É um fato que ele solicitava, na circular,
que os postos indicassem diplomatas para “dialogar” com “movimentos sociais” em
cada país, para alertar sobre os perigos ou ameaças desse “golpe” imaginado
(que aliás é o mesmo discurso do Executivo, do partido e dos movimentos ditos
“sociais” que o sustentam). Mas, é de se imaginar, também, que nenhum chefe de
posto sensato, de embaixada, delegação ou consulado brasileiro, fosse levar a
sério circulares manifestamente desequilibradas, em total descompasso com as
normas e práticas da diplomacia profissional brasileira. Ninguém faria nada:
apenas consideraria aquilo algo ridículo, e deixariam passar, sem nenhuma
atitude prática: no máximo, seria objeto de risos.
Com essa repercussão
externa, é possível que o prestígio da diplomacia brasileira se veja abalado
moderadamente, mas na verdade as chancelarias dos demais países iriam
certamente considerar que, nos mais respeitáveis serviços diplomáticos, se
escondem personalidades bizarras ou militantes fervorosos de uma causa
qualquer. Em resumo: eu não daria a menor importância a um episódio como esse
no plano externo, a não ser a constatação, lamentável, que mesmo um serviço
altamente profissional como o Itamaraty se vê, por vezes, contaminado por essa
diplomacia partidária que se apossou até de um órgão de Estado que deveria
estar acima de esquizofrenias governamentais.
4) De que forma a próxima geração de líderes e de
defensores do liberalismo no Brasil pode construir uma organização de Estado e
de relação do público e privado de forma a combater a má gestão e a corrupção
endêmica no país?
PRA: Pergunta
extremamente complexa, e difícil de responder em poucos parágrafos, pois ela
abarca toda a estrutura da organização política e social, e os fundamentos da
atividade econômica no país. Para que líderes “liberais” pudessem conduzir tal
obra gigantesca em suas dimensões e complexidade seria preciso, em primeiro
lugar, que eles ocupassem posições de mando, no mundo político, na esfera
econômica, no mundo das ideias, no comando das universidades, das organizações
sociais. Ora, essa possibilidade é para mim altamente questionável, senão
impossível nas circunstâncias atuais do Brasil, um país fortemente marcado pelo
centralismo estatizante de raiz luso-ibérica, pelo patrimonialismo disseminado
desde séculos, pelo mandonismo das elites (geralmente identificadas com seus
próprios interesses de “casta” ou de corporação), e minimamente identificadas
com a construção daquelas condições mínimas que estabelecemos como necessárias para
que tais objetivos se realizem: Estado de Direito e economia de mercado.
Por isso mesmo, eu diria
que que o principal objetivo dos “liberais” no Brasil – e coloco entre aspas
pois lhes falta tradição, aprofundamento doutrinário, um ambiente de debate de
ideias tendente ao liberalismo, coisas extremamente raras no país – seria
realizar um esforço didático de convencimento das elites, da opinião pública
esclarecida (ou seja, universitários em geral), empresários ou simples cidadãos
educados, de que uma economia de mercado, com menor peso do Estado é uma
condição essencial para que o país disponha de condições para construir aquilo
que desejamos, um Estado de Direito (que é aquele que reconhece que as leis e
normas impessoais são o fundamento das relações sociais, e não os vínculos
privilegiados com detentores de poder político).
Acredito, também, que a
atual crise política e econômica, que é também uma crise moral, derivada da
descoberta do maior caso de corrupção já ocorrido em nosso país, conduzido pelo
próprio partido que ocupa o poder, pode desempenhar, ainda que parcialmente,
esse papel didático de conscientizar cidadãos e elites (algumas sendo presas)
de que a construção do Estado de Direito e de uma economia de mercado é uma
exigência do momento presente e da organização futura do sistema político e da
vida econômica em nosso país. Devemos ser especialmente gratos ao pequeno grupo
de valentes batalhadores da “República de Curitiba”, que está resgatando o
sentido de honradez e dignidade que deveria ser a norma básica do
relacionamento social e, sobretudo, do exercício da governança política e
econômica no Brasil. Vai ser difícil, mas precisamos vencer essa batalha, se
quisermos viver num país “normal”.
Vejam que sequer falei
em um país “liberal”, mas apenas em país normal. Apenas isso já seria um
avanço. Depois disso vamos lutar por uma economia de livres mercados, de
partidos políticos representativos, sem financiamento estatal, e também por um
Estado verdadeiramente mínimo, que é a melhor garantia de não haver mais esses
tristes episódios de corrupção no país. Eu disse exatamente Estado mínimo,
ainda que tenha plena consciência de que se trata de um objetivo distante,
quiçá inatingível. Mas, para mim, o Estado mínimo permanece na esfera dos
valores e princípios, pois eu não sou um “ideólogo liberal” para acreditar
ingenuamente que ele seja aplicável agora.
5) Com o acesso crescente da imprensa internacional
aos fatos do Brasil, e vice-versa, nosso acesso à imprensa de fora, qual seria
a visão dos estrangeiros sobre a situação do governo no Brasil e de um eventual
governo Temer?
PRA: Impossível comentar esses aspectos: a chamada
imprensa internacional é extremamente variada, em cobertura e na diversidade de
opiniões, assim como na presença, ou não, de correspondentes dos principais
órgãos – Economist, New York Times, Financial Times, BBC, agências de notícias,
etc. – em nosso país. Todos eles seguem muito profissionalmente o que se passa
aqui, e apenas veículos a serviço de certos governos distorcem os fatos que
assistimos todos os dias pela televisão. Ou seja, é impossível esconder o que
se passa no Brasil. Governos responsáveis, em geral, se abstêm de se imiscuir
nos assuntos internos de outros países, mas também assistimos a episódios
ridículos de líderes estrangeiros se pronunciando nos mesmos termos que são
empregados pelo Executivo e seu partido: direita, golpe, ilegalidade, e outras
bobagens.
Grandes órgãos de
imprensa – Economist, Washington Post, por exemplo – já se pronunciaram pela
saída da presidente (renúncia ou impeachment), mas não depende deles essa
saída, ainda que isso possa reforçar as correntes coincidentes com esse tipo de
posição no país: quando grandes veículos como esses chegam a esse tipo de
“intrusão” nos assuntos internos de um país, é porque a situação realmente
chegou a um ponto de ruptura, e a uma percepção de que não existe outra saída.
Assim, mesmo aqueles veículos neutros, ou até favoráveis ao governo atual, vão
passar a julgar que o final está próximo, e isso pode ser positivo, tanto
interna quanto externamente. Todos reconhecem que o Brasil precisa de uma nova
direção, um novo governo, para superar a presente crise econômica e a situação
de total anomia política, com a virtual paralisia do governo, e a uma grave
divisão do país (mas claramente a favor do final do governo, numa proporção aproximada
de 80 a favor e 10 contra esse final).
Não creio que esses
veículos se pronunciarão agora sobre um eventual governo Temer, pois a
especulação seria demasiada nas circunstâncias presentes. A maioria desses
órgãos desejam uma saída constitucional e pacífica da atual situação de caos.
Consumada a transição, seus correspondentes e as agências de imprensa começaram
a enviar informes analíticos sobre as chances de um governo concreto no Brasil,
que pode ser Temer, ou qualquer outro arranjo derivado de um entendimento
político no país. No momento a situação é a de que uma solução pacífica, ou
seja, não venezuelana, seja encontrada para a presente crise econômica e
política no Brasil.
6) Quão responsável foi o governo petista por prejudicar
a atividade diplomática brasileira?
PRA: Minha posição é “suspeita”, pois eu mesmo sou
diplomata, da ativa, ainda que não exercendo atividades vinculadas à atual
diplomacia, e isso desde o início do governo petista, uma vez que fui
imediatamente percebido como “opositor” do regime lulopetista (com imenso
orgulho, aliás, por não ter sido obrigado a defender posições de um governo ao
qual sou oposto, e cuja política externa considero equivocada em suas grandes
linhas). Levando isso em consideração, devo dizer que essa diplomacia
partidária gozou de ampla e imensa aceitação na academia brasileira, e em
largos extratos da opinião pública, influenciada por correntes identificadas
com o nacionalismo primário, o anti-imperialismo infantil, um terceiro-mundismo
ingênuo, que são posturas com as quais o governo lulopetista está claramente
identificado.
Na própria diplomacia
profissional, o acolhimento dessas posturas ingênuas e claramente equivocadas
foi muito discreto, embora muitos tenham saudado, no início, a renovação de
algumas posições diplomáticas (supostamente mais independentes, ou “autonômas”,
e não “submissas” a um fantasmagórico “Consenso de Washington”, ou às
“potências hegemônicas”). Muitos o fizeram por carreirismo, oportunismo, por
mero interesse pessoal, pois estar alinhado e servir fielmente a um determinado
governo pode sempre render promoções, boas posições de chefia e bons postos no
exterior. De modo geral, a diplomacia brasileira se identifica em grande medida
com algumas ideias defendidas pelos companheiros no poder: o desenvolvimentismo
à la Cepal, o forte papel do Estado na promoção do crescimento, a seleção de
investimentos estrangeiros que se “coadunem” com um suposto “projeto nacional”
de desenvolvimento, a autonomia na definição de políticas nacionais (os
chamados “policy spaces”, pelos quais se deveria lutar, em lugar de liberalizar
amplamente, ou abrir-se economicamente) ou quaisquer outras ideias que sempre
tiveram o favor de acadêmicos e mesmo de líderes de nossa indústria (geralmente
protecionista e demandante de subsídios estatais).
Considero tudo isso
profundamente equivocado, mas sou provavelmente parte de uma minoria
extremamente reduzida (com perdão pela redundância) que se pauta por ideias
liberais, a favor da globalização sem restrições, e amplamente defensor de
valores e princípios democráticos, sem qualquer concessão a regimes
autoritários e despóticos, como são exatamente aqueles privilegiados atualmente
pelo governo companheiro. Por isso mesmo, considero que os governos petistas
fizeram muito mal à diplomacia profissional brasileira, à nossa política
externa e aos interesses nacionais do Brasil como um todo. Trata-se de uma fase
sombria de nosso itinerário político, e não apenas na diplomacia e na política
externa, mas sobretudo e principalmente na vida política nacional, com
episódios lamentáveis de corrupção e de inépcia comprovada na condução dos
negócios públicos. Todos esses episódios lamentáveis foram direta e
expressamente provocados por um governo dominado por um partido que se
identifica mais com uma organização criminosa do que com um movimento político
normal.
7) Qual seria a solução para esse governo mal
administrado?
PRA: De fato, não apenas mal administrado, ou seja,
incompetente, mas também profundamente corrupto e corruptor, de uma forma como
nunca tínhamos visto antes no Brasil. Infelizmente não possuímos o instrumento
do “recall”, ou seja, um referendo popular que visa destituir um governo desse
tipo. Com mais de 80% de desaprovação, os ineptos e corruptos no poder já
teriam sido expulsos do poder, independentemente de também serem julgados e
condenados pelos crimes que cometeram. Tampouco possuímos um dispositivo como o
existente na Constituição do Paraguai, que simplesmente permite o impeachment
de um presidente por simples incompetência, justamente, pelo julgamento
político de uma maioria qualificada do Senado, sem necessidade de se comprovar
qualquer crime de responsabilidade. Se esses dois expedientes existissem, na
institucionalidade brasileira, o governo petista teria provavelmente acabado
nos primeiros meses de 2015, mesmo que o Senado pudesse resistir (por motivos
que adivinhamos) a um tal “julgamento” expedito (o que não ocorreria no caso do
“recall” popular, mas que ainda assim precisaria ser aprovado pelo parlamento
para que fosse realizado).
No caso do Brasil, onde
existe uma nítida e constante tensão entre a maioria presidencial (o voto
direto dos eleitores) e a maioria congressual (necessariamente dispersa e
sujeita ainda, no caso brasileira, a essa formidável fragmentação partidária),
o que sempre foi fonte de instabilidade política, uma saída sem crise é muito
difícil, e as rupturas tendem a ser dolorosas, como já experimentamos em
diversas ocasiões de nossa história: 1954, 1955, 1961, 1964, 1992 e agora.
Respondendo
objetivamente à questão: a resposta para um governo mal administrado é eleição
e substituição de lideranças, mas isso em circunstâncias normais. No caso da
profunda, extremamente grave crise tripla que enfrentamos – política, econômica
e moral – não temos solução a não ser pressão pela renúncia ou condução de um
processo de impeachment, na devida forma constitucional. Não será fácil, pois o
governo inepto e corrupto dos lulopetistas foi extremamente eficiente no total
aparelhamento de toda a máquina estatal (inclusive nos tribunais superiores) e
domina amplamente os espectros sindical e dito “social” de organizações de
massa, dispondo ainda de vastos recursos “não contabilizados”, para
literalmente comprar apoios nessas esferas, como geralmente fazem organizações
criminosas (quando não pela ameaça de violência ou de distúrbios sociais). Eles
ainda contam com muita simpatia até em altas esferas das elites, por razões
ideológicas ou por interesses pecuniários.
Estamos em face,
portanto, de um processo extremamente difícil, que pode custar muito ao país
para encontrar uma via ulterior de normalização e de estabilidade, e que pode
inclusive levar a grandes divisões na sociedade, dada a capacidade de
mobilização e de “convencimento” (em suas variadas formas) dessa organização
criminosa que passa por ser um partido político.
8) Tendo em vista que o sistema democrático brasileiro
ter sido destruído pela plutocracia cleptocrática atual, o que recomenda para o
Brasil e para os brasileiros no que tange a reconstrução do sistema
democrático-republicano?
PRA: Sempre considerei, e afirmo isso, que nossa
democracia é de muito baixa qualidade, por diferentes motivos que não cabe aqui
explicar, mas que são facilmente constatáveis quando se observa o funcionamento
dos três poderes (eu disse dos três poderes). Reconstruir algo profundamente
deformado é muito difícil, inclusive porque o tipo de representação política
proporcional no Congresso – inventado, e deformado, pelo “pacote de abril” de
1977, no regime militar, portanto – torna extremamente complicado obter-se
maiorias para quase tudo de relevante, sobretudo no plano da própria
representação política, da organização partidária, da estrutura tributária, da
redistribuição de competências e recursos nos três níveis da federação, das
próprias emendas constitucionais que devem regular matérias que NUNCA deveriam
estar numa carta constitucional (literalmente esquizofrênica, em especial no
capítulo econômico).
Ou seja, os problemas
não derivam apenas de termos uma máfia dirigindo o país atualmente, ou de que
algumas elites econômicas se tenham prostituído no apoio a essa organização
criminosa em troca de vantagens financeiras, mas sim derivam de uma longa
acumulação de desacertos construídos nas últimas décadas, desde praticamente a
era Vargas (a legislação laboral, por exemplo), o regime militar (extrema
centralização e peso excessivo do Estado na economia e em toda a vida da
nação), até chegar na fase da redemocratização, quando a esquizofrenia do
redistributivismo ingênuo e ignorante se impôs previamente às simples
evidências de que era preciso primeiro ficar rico antes de pensar em distribuir
benesses estatais (que só poderiam existir com base numa extração crescente de
recursos da sociedade).
Os problemas do Brasil são,
portanto, estruturais, embora eles tenham sido exacerbados, agravados, levados
ao ponto de ruptura pela citada cleptocracia que se apossou do poder e começou
a fazer exercícios de “engenharia social” na mais profunda ignorância das boas
regras da vida econômica, mas também começou a assaltar o Estado, toda a nação,
as empresas públicas e privadas com uma voracidade poucas vezes antes vista na
história MUNDIAL. O grau de corrupção existente no Brasil atualmente, aceito e
praticado pelo poder central, e rapidamente disseminado em TODAS as esferas da
administração pública, encontra poucos paralelos na história do mundo, só
existente em outros estados cleptocratas menos importantes ou menos conhecidos.
Impossível, na verdade, dimensionar a extensão do assalto ao país conduzido
pela horda de bárbaros que tomou conta do Brasil a partir de um certo momento,
mas os números já revelados impressionam pela desfaçatez dos atores.
O ideal seria que se
conseguisse fazer uma limpeza completa do sistema cleptocrático: de um lado
pela expulsão dos bandidos do poder, e numa próxima eleição pelo banimento de
todos os corruptos já identificados da vida pública; de outro lado, pela ação
eficiente de alguns setores do judiciário (MPF e PF basicamente) que podem e
devem julgar e condenar bandidos políticos e empresários promíscuos, assim como
todos os personagens envolvidos na gigantesca rede de corrupção atualmente sob
investigação. Esse seria o ideal. Não creio, porém, que consigamos atingir uma
limpeza completa.
Mas, independentemente
dessas tarefas punitivas, o mais importante é justamente o esforço didático
para convencer a maioria dos cidadãos de que o Brasil precisa funcionar em
outras bases, completamente diferentes das que vêm servindo de base, atualmente
e nas últimas décadas, para a governança política e para a organização da vida
econômica em nosso país. Se ouso sugerir minha própria lista de reformas
INDISPENSÁVEIS para essas tarefas, alinho aqui algumas propostas nesse sentido.
1)
Redução radical do peso do Estado na vida da nação, começando pela diminuição à
metade do número de ministérios, com a redução ou eliminação concomitante de
uma série de outras agências públicas, na linha do que já propus nesta
“mensagem” ao Congresso Nacional: http://domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4955;
2) Fim
do Fundo Partidário e financiamento exclusivamente privado dos partidos
políticos, como entidades de direito privado que são;
3)
Redução e simplificação da carga tributária, com seu início mediante uma
redução linear, mas geral, de todos os impostos atualmente cobrados nos três
níveis da federação, à razão de 0,5% de suas alíquotas anualmente, até que um
esquema geral, e racional de redução ponderada seja acordado no Congresso
envolvendo as agências pertinentes das unidades da federação dotadas de
capacidade arrecadatória;
4)
Eliminação da figura inconstitucional do contingenciamento orçamentário pelo
Executivo; a lei orçamentária deve ser aplicada tal como foi aprovada pelo
Parlamento, e toda e qualquer mudança novamente discutida em nível congressual;
fica também eliminadas as emendas individuais ou dotações pessoais apresentadas
pelos representantes políticos da nação; todo orçamento é institucional, não
pessoal;
5)
Extinção imediata de 50% de todos os cargos em comissão, em todos os níveis e
em todas as esferas da administração pública, e designação imediata de uma
comissão parlamentar, com participação dos órgãos de controle e de
planejamento, para a extinção do maior volume possível dos restantes cargos,
reduzindo-se ao mínimo necessário o provimento de cargos de livre nomeação;
extinção do nepotismo cruzado;
6)
Eliminação total de qualquer publicidade governamental que não motivada a fins
imediatos de utilidade pública; extinção de órgãos públicos de comunicação com
verba própria: a comunicação de temas de interesse público se fará pela própria
estrutura da agência no âmbito das atividades-fim, sem qualquer possibilidade
de existência de canais de comunicação oficiais;
7)
Criação de uma comissão de âmbito nacional para estudar a extinção da
estabilidade no setor público, com a preservação de alguns poucos setores em
que tal condição funcional seja indispensável ao exercício de determinadas
atribuições de interesse público relevante;
8)
Início imediato de um processo de reforma profunda dos sistemas previdenciários
(geral e do setor público), para a eliminação de privilégios e adequação do
pagamento de benefícios a critérios autuarias de sustentabilidade
intergeracional do sistema único;
9)
Reforma radical dos sistemas públicos de educação, nos três níveis, segundo
critérios meritocráticos e de resultados;
10)
Reforma do Sistema Único de Saúde, de forma a eliminar gradualmente a ficção da
gratuidade universal, com um sistema básico de atendimento coletivo e
diferentes mecanismos de seguros de saúde baseados em critérios de mercado;
11)
Revisão dos sistemas de segurança pública, incluindo o prisional-penitenciário,
por meio de uma Comissão Nacional de especialistas do setor;
12)
Eliminação de todas as isenções fiscais e tributárias, ou privilégios
exorbitantes, associados a entidades religiosas;
13)
Reforma da Consolidação da Legislação do Trabalho, no sentido contratualista, e
extinção imediata do Imposto Sindical e da unicidade sindical, conferindo
liberdade às entidades associativas, sem quaisquer privilégios estatais para
centrais sindicais; no limite, extinção da Justiça do Trabalho, que é, ela
mesma, criadora de conflitos e de extrema litigiosidade, impondo um custo
enorme à sociedade;
14)
Revisão geral dos contratos e associações do setor público, nos três níveis da
federação, com organizações não governamentais, que em princípio devem poder se
sustentar com recursos próprios, não com repasses orçamentários oficiais;
15)
Privatização de todas as entidades públicas não vinculadas diretamente a uma
prestação de serviço público sob responsabilidade exclusiva do setor público.
Eu teria muitas outras
propostas de reformas a fazer – como por exemplo a extinção do salário mínimo
para permitir pleno emprego no Brasil, a abertura ampla ao comércio e aos
investimentos internacionais –, mas me contento no momento com estas quinze
reivindicações para a melhoria do Brasil.
Como se pode verificar,
nada disso é muito fácil, ou será conduzido de maneira exitosa nos próximos
anos, ou décadas. Mas estas me parecem ser ideias mais ou menos condizentes com
um Brasil liberal, ou seja, um país totalmente diferente do que tem sido
historicamente e até hoje.
Ilusão, utopia da minha
parte. Não creio. Nenhuma dessas propostas apresenta dificuldades técnicas, são
socialmente prejudiciais ao desenvolvimento do país (ao contrário, elas
permitiriam o crescimento e o desenvolvimento) ou apresentam efeitos nefastos
do ponto de vista social. Elas são apenas politicamente difíceis, não porque
sejam impossíveis de serem conduzidas pela via legislativa, mas porque ainda
não nasceram (ou apareceram) estadistas capazes de conduzi-las, ou porque nossa
classe política, nossas elites, de forma geral, estão despreparadas para
enfrentar esse rol de reformas modernizadoras.
Cada vez me convenço
mais que não temos propriamente um problema de atraso material a vencer, mas
sobretudo alguns bloqueios mentais a serem superados. O trabalho dos liberais,
nos anos e décadas à frente deve contudo orientar-se nessa direção: menos
Estado, mais liberdades econômicas, mais responsabilização da classe política,
maior participação e consciência cidadã.
O caminho está dado,
vamos empreende-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de abril de 2016