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sexta-feira, 7 de agosto de 2015
CPI do BNDES: beaucoup du pain sur la planche... (matérias de jornais)
Paulo Roberto de Almeida
Escancarando o capitalismo de laços
Sérgio Lazzarini
O Estado de S.Paulo, 25/06/2015
Dois grandes movimentos recentes têm lançado luz sobre as imbricadas relações empresa-Estado no Brasil. O primeiro, grande parte centrado na Operação Lava Jato, revelou um leque de operações ilícitas envolvendo empresários, gestores públicos e políticos. O segundo, pela ação das agências de controle e do Judiciário, trouxe uma enxurrada de dados sobre contratos e transações com capital público.
Examinemos, por exemplo, o financiamento a empreiteiras no exterior. Logo após o Congresso da República Dominicana pôr à disposição em seu site da internet o contrato de financiamento do país com o BNDES e o STF determinar que não deve haver sigilo nessas operações, o banco resolveu abrir dados sobre as condições de empréstimo. Imediatamente, analistas se debruçaram nos dados, revelando detalhes interessantes e ainda pouco compreendidos. Por exemplo, a maioria dos empréstimos tem prazo em torno de 12 a 15 anos, embora alguns contratos com Cuba destoem por terem prazos de até 25 anos. As taxas de juros estão entre 3% a 6% ao ano, em dólar.
Quando analistas começaram a perguntar por que prazos tão longos e taxas tão baixas - ao menos comparando com os nossos juros locais -, o BNDES se justificou dizendo que as condições são compatíveis com o que outros bancos internacionais fazem em contratos similares. Uma justificativa insatisfatória. Não importa se bancos em outros países praticam taxas baixas. Precisamos saber os benefícios e custos para a economia brasileira antes de embarcar nessa prática. O financiamento desses contratos se dá via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que recebe, nesses casos, remuneração atrelada a taxas internacionais. Mas estas são muito mais baixas do que o custo que o próprio governo consegue captar, aqui ou no exterior. E o próprio Tesouro tem coberto rombos no FAT.
Como os dados estavam disponíveis, foi possível ter ideia do custo dessas operações ao Tesouro. Em estudo com Marcos Lisboa e Pedro Makhoul, comparamos as taxas que o BNDES cobra de outros países com as que o Brasil tem de pagar para se financiar com moeda estrangeira sob prazos similares. O resultado: custo de R$ 1,1 bilhão por ano com esses contratos de financiamento. Vale a pena? Diz o BNDES que, apesar de as obras serem no exterior, sua execução é feita por empreiteiras brasileiras articulando uma longa cadeia produtiva local. Justificativa também insatisfatória, já que pode ser possível gerar mais renda aqui, no Brasil, sem ter de bancar altos custos para equiparar taxas praticadas no exterior.
Portanto, ainda há muito a explicar. Mas o ponto é que a maior disponibilidade de dados permitiu não só maior entendimento desses contratos, mas também um debate mais informado e transparente sobre o papel do Estado no apoio de grandes grupos do País. Da mesma forma, as investigações da Lava Jato têm aumentado nosso entendimento de como empresas e partidos triangulam capital para obter benefícios privados com recursos públicos. Com a agravante de que, neste caso, são evidências que podem levar à punição dos envolvidos. A prisão de grandes executivos de empreiteiras demarcou de forma muito saliente o rumo que as investigações podem tomar.
É fato que corrupção e transações opacas no Brasil sempre existiram. Mas, até pouco tempo, o discurso era de que "é assim que o Brasil funciona". Se quisermos mudar o que aí está, muitos diziam, o País correria o risco de parar. É claro, um discurso que interessava tanto a uma elite empresarial entrelaçada com o governo quanto a uma elite política dependente de patrocínio empresarial - o cerne do nosso capitalismo de laços. Com maior pressão para transparência e punição, entretanto, não há mais espaço para esse modelo. É hora de repensarmos nossas estratégias privadas, orientando-as para maior produtividade e menos dependência de suporte público, e as formas de atuação do governo, buscando maior disciplina na análise dos custos e benefícios de suas políticas.
Sérgio Lazzarini
* Professor titular do Insper, é autor de 'Capitalismo de laços' e de 'Reinventando o capitalismo de Estado'.
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CORREIO BRAZILIENSE, 03 Junho 2015
Crédito do BNDES a Cuba teve taxa de 4,44%
US$ 11,9 bilhões
Operações do banco no exterior entre 2007 e 2015
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cobrou taxas de juros entre 4,44% e 6,91% ao ano nos polêmicos financiamentos para a construção do Porto de Mariel, em Cuba, que somaram US$ 682 milhões em cinco diferentes contratos. Os encargos são mais baixos do que boa parte das operações feitas com empresas brasileiras. Até agora tratada como sigilosa, a informação consta do site BNDES Transparente, que a instituição colocou ontem em funcionamento.
A novidade foi anunciada pelo presidente do banco, Luciano Coutinho, e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Armando Monteiro. Num primeiro momento, o site vai disponibilizar dados de empréstimos feitos a 42 países entre 2007 e 2015, que totalizam US$ 11,9 bilhões. No Brasil são R$ 320 bilhões, distribuídos por 1.753 contratos assinados a partir de 2012.
Antes, as informações eram disponibilizadas em planilhas de Excel, mas o acesso era mais difícil e os dados, limitados a nome da empresa, país de destino, valor e data. "O nível de avanço mostra o compromisso com a transparência e a disposição de esclarecer os órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunal de Contas da União (TCU). O banco está desejoso de prestar informações a todos os órgãos do governo e, mais do que nunca, à sociedade", frisou Coutinho.
Nem todas os dados sobre as operações do BNDES, porém, serão publicados. "Há um núcleo que se deve proteger e está apoiado na lei de sigilo bancário", ressaltou Monteiro. "O sigilo diz respeito a informações sobre a intimidade da empresa, estratégias de negócio, situação financeira, estrutura de endividamento, que geralmente, resultam em rating ou nota de crédito da empresa", complementou Coutinho.
Para o presidente da instituição, os custos dos financiamentos a Cuba são "perfeitamente compatíveis com operações creditícias internacionais praticadas no mercado".
No Brasil, os contratos com empresas nacionais são regulados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), atualmente em 6% ao ano, acrescida de uma taxa de risco. No caso do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), que geralmente conta com juros subsidiados, os juros começam em 6,5% ao ano.
Segundo especialistas em contas públicas, todo empréstimo com juros abaixo da taxa Selic é subsidiado, ou seja, é o contribuinte brasileiro que paga a conta. Para José Matias-Pereira, professor de economia pública da Universidade de Brasília (UnB), "a transparência é um bom começo, mas o governo continua perdulário e as caldeiras do BNDES continuam fervendo. São empréstimos a taxas mais do que generosas, que não fazem o menor sentido econômico, trazendo ganhos apenas para as empresas e os países beneficiados, com o custo posto nas costas do contribuinte brasileiro".
O Porto de Mariel foi construído pelo Grupo Odebrecht. O financiamento do BNDES foi criticado na época sob o argumento de que os recursos poderiam ter sido empregados na modernização de portos brasileiros, que apresentam graves problemas de ineficiência. Há casos polêmicos também no Brasil. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal determinou que o banco fornecesse ao Tribunal de Contas da União (TCU) todos os dados sobre operações feitas ao grupo JBS.