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quarta-feira, 6 de março de 2019

Chanceler exerce "autoritarismo inedito no Itamaraty", diz diplomata punido - Jamil Chade

Chanceler exerce "autoritarismo inédito no Itamaraty", diz diplomata punido

Jamil Chade
Blogosfera, 5/03/2019
Em entrevista ao blog, Paulo Roberto de Almeida diz que foi exonerado por ter questionado Olavo de Carvalho e aponta que existe um clima de "temor" dentro do Itamaraty. Para ele, diplomatas continuam sem saber qual é a política externa do chanceler Ernesto Araújo.
GENEBRA – Os diplomatas brasileiros até agora não sabem qual é a política externa do governo de Jair Bolsonaro. Quem faz o alerta é Paulo Roberto de Almeida, embaixador que foi demitido nesta segunda-feira do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), entidade ligada ao Itamaraty.
A exoneração ocorreu depois de o diplomata publicar, em seu blog pessoal, textos em que se questionava a ação do Brasil na Venezuela. Oficialmente, o Itamaraty argumentou que a mudança já estava prevista. Mas a história não foi a mesma relatada em um telefonema em plena segunda-feira de carnaval ao embaixador.
Em entrevista ao blog, Almeida fez uma análise das diretrizes atuais da política externa e relatou o clima de medo que se vive hoje dentro de uma das instituições mais tradicionais do País. O embaixador também ataca Olavo de Carvalho, o acusa de "inepto" e "nefasto" para a política externa brasileiro e aponta que foi afastado de suas funções justamente por tê-lo questionado. "Eu ofendi aquele a quem o ministro de Estado deve seu cargo", lançou.
Mas ele também aponta: o atual chanceler Ernesto Araújo pratica uma espécie de "autoritarismo inédito" dentro da casa de Rio Branco.
Eis os principais trechos da entrevista:
P – Qual foi o argumento usado para sua exoneração?
Almeida – Eu fui despertado na manhã de segunda-feira de carnaval por uma chamada do chefe-de-gabinete do ministro de Estado. Na semana anterior, eu havia conversado com ele sobre meu futuro no Ipri. Com a mudança de governo, eu imaginava que haveria o desejo da administração, como é normal, de escolher novos assessores. Fui informado de que, naquele momento, não haveria mudança alguma. Ainda se aguarda o próximo presidente da Funag, que deve assumir em breve. E que Depois falaríamos sobre o Ipri. Devo dizer que, desde o início do ano, todas as atividades foram interrompidas por instruções expressas da nova chefia. O Ipri não deveria empreender nenhuma atividade até a aprovação de um novo programa de trabalho. Na ligação da segunda-feira, me foi dito que o ministro estava muito descontente com as minhas postagens, especialmente a última que foi feita no domingo. Eu tinha reunido os textos mais importantes de política externa, incluindo uma palestra de Rubens Ricupero, um artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e uma postagem do chanceler Araújo em seu blog, respondendo e atacando ambos. Coloquei isso no meu blog Diplomatizzando e convidei a um debate sobre a política externa, ou aquilo que poderia ser chamado de política externa desse governo.
P – E o que foi dito na conversa ao telefone?
R – Que eu teria extravasado os limites e que diplomatas, mesmo tendo certa liberdade de expressão, precisam guardar alguma disciplina nas manifestações públicas. Eu acho isso correto. Mas há uma alegação, que veio a posteriori, de que eu teria ofendido o ministro (Araújo) e de que fiz acusações pessoais. Não me lembro de ter feito isso. O que eu fiz, sim, foi dirigido ao Olavo de Carvalho, que eu considero uma presença nefasta na política externa. Trata-se de uma pessoa inepta em relações internacionais e que aparentemente tem influenciado algumas vertentes da política externa, como a questão do antiglobalismo, a luta contra o marxismo cultural, o "climatismo" e outras bobagens. É muito negativo o Itamaraty ter entre suas pessoas "inspiradoras" e mestre uma pessoa tão destrambelhada como o quem eu chamo de "sofista da Virgínia". Eu ataquei a pessoa que foi talvez mais influente na designação do ministro atual.
P – Como o sr. avalia essa influência de Olavo de Carvalho?
R – Eu não estou sendo punido por ter colocado artigos do Fernando Henrique ou palestras do Ricúpero. É apenas um pretexto. Isso de que eu tenha feito ofensas pessoais ao ministro é uma acusação indevida. Eu fiz sim ofensas a Olavo de Carvalho e isso é que motivou a punição. Eu acredito que essa seja a razão real. Eu ofendi aquele a quem o ministro de Estado deve seu cargo.
P – Como o pensamento de Olavo de Carvalho pode continuar a afetando a carreira diplomática e o Itamaraty? 
R – Olavo de Carvalho é um ser primitivo em relações internacionais, rústico mesmo. Exibe um estado de confusão mental. Ele explora esses jovens sedentos de alguma instrução filosófica ou política. Ele teve um papel importante na denúncia do Foro de São Paulo e o marxismo vulgar das nossas academias. Mas hoje ele tem um papel nefasto na política externa. Ele surfou na onda da crítica da direita à corrupção do PT e na onda anti-petista. Mas eu não vejo nenhuma influência boa para a política externa brasileira. Apenas um debate estéril sobre conceitos vagos, esse monstro metafísico do globalismo. São pessoas absolutamente ignorantes em relações internacionais.
P – Houve uma primeira nota do Itamaraty dizendo que a exoneração do sr. já estava planejada e depois, nas redes sociais, o assessor de política externa, Filipe Martins, indicou que, de fato, teria sido por supostas ofensas. 
R – Eu gostaria de saber quais são essas ofensas, por que não as fiz: falei dos eflúvios olavistas sobre a política externa. Essa talvez seja a razão do rancor do chanceler contra mim: ele se sentiu pessoalmente atingido por eu te depreciado o seu guru.

Foto: Vivi Zanatta/ Folhapres
Olavo de Carvalho

P – Outros embaixadores também já foram exonerados no atual governo. Qual o clima que se vive hoje dentro do Itamaraty?
R – É um clima deprimente. Desde o final de novembro, tivemos vários desencontros entre o chanceler designado e os diplomatas. O primeiro foi na própria montagem dos convidados à posse (de Jair Bolsonaro). O Cerimonial do Planalto convidou todos os países com os quais o Brasil tem relações diplomáticas. O chanceler mandou desconvidar Cuba, Venezuela e depois Nicarágua. A Convenção de Viena indica que se deve tratar todos os países com os quais temos relações diplomáticas de forma igual, sem discriminação com base em ideologia. Isso é sem precedentes na história do Itamaraty e o chefe do Cerimonial do Planalto foi defenestrado antes mesmo de começar o governo. Depois tivemos alguns casos de embaixadores que foram "despromovidos". Os subscretários-gerais, todos embaixadores, foram dispensados a partir de 1 de janeiro. As novas secretarias foram ocupadas por ministros de segunda classe, algo compatível com o chanceler, que é, por assim dizer, um embaixador júnior. Isso também é inédito no Itamaraty, por representar uma quebra de hierarquia. São coronéis mandando em generais. Em segundo lugar, houve uma espécie de isolamento dos assessores de Araújo e eles começaram a reformar o Itamaraty sem nenhuma consulta à casa. Isso foi especialmente chocante. O clima, portanto, é de desalento, de passividade, de inércia, de bastante temor. Ninguém ousa dizer nada. Houve uma espécie de acomodação mútua. A quebra da hierarquia e a imposição de uma reforma pelo alto são elementos chocantes. Mas o chanceler Ernesto vem exercendo uma espécie de autoritarismo inédito no Itamaraty.
P – E qual a percepção do que é a política externa do atual governo?
R – No plano substantivo, todos estão esperando para saber qual é de fato a política externa. O discurso de posse de Araújo foi extremamente decepcionante, pois não trouxe quaisquer indicações sobre o que seria, efetivamente, a política externa.
P – O sr. já tinha notado alguma indicação de que a preparação dos diplomatas seria modificada?
R – Sim, fui até mesmo consultado sobre isso e me recusei a participar desse exercício. Aleguei que não tinha conhecimento suficiente, por não ser professor do Instituto Rio Branco. Eu já previa, pelos discursos e artigos, que viria uma tempestade sobre o Rio Branco. Imaginei que fariam as transformações ideológicas que eu julgava nefastas. A única consideração que eu fiz foi a de consultar em primeiro lugar os alunos, depois o próprio Instituto Rio Branco e insistir mais na formação profissional. Soube que o estudo da América Latina saiu do currículo.
P – Existe hoje um espaço para um debate sobre política externa dentro do Itamaraty?
R – Não, não há. E isso fica evidenciado pelo tema principal atual, que é a Venezuela. Ele está sendo tratado pelo gabinete e sem os responsáveis pela área. No passado, era comum diplomatas "da base" serem chamados ao gabinete para debater os temas do momento com o chanceler. No caso da Venezuela, não há notícia de que esteja havendo uma interação política a partir da base.
P – Hoje, a política externa é resultado da avaliação do interesse nacional ou de uma ideologia?
R – É uma questão difícil de responder. Vemos um amalgama de influências espúrias sobre a política externa. O processo de tomada de decisões no Itamaraty foi sempre alvo de consultas, até fora da chancelaria. Isso foi muito alterado sob Lula. A presidência e o partido ditavam as grandes orientações. A base esperava a decisão da cúpula. Lembro-me de casos envolvendo barreiras da Argentina a produtos brasileiros. Sob FHC, o Itamaraty tinha uma posição clara de acionar os mecanismos de solução de controvérsias no Mercosul ou o GATT. Sob Lula não se fez isso, para "poupar" a Argentina. Pode ser que esse tipo de distorção venha a ocorrer novamente. Mas o mais importante é saber se existe realmente uma política externa. Essa é a questão mais importante. Eu me pergunto: qual é a política externa do atual governo? Eu não sei. Até hoje eu não sei. Aliás, os diplomatas também não sabem.
P – Mas Venezuela é uma questão concreta.
R – Claro. Mas aparentemente está sendo resolvida pelo Conselho de Defesa, com a cúpula militar. Há certa tutela dos militares sobre a política externa.
P – Como essa falta de clareza pode impactar o Brasil no exterior?
R – O Brasil já se submeteu ao ridículo de anunciar sua retirada – depois recuando – do Acordo de Paris, como também anunciou a mudança da embaixada para Jerusalem. Tivemos ainda a proposta de uma base americana no Brasil. A "desassinatura" do Pacto Global de Migrações também é outra medida que confronta nossa história e é ridícula.
P – Ao longo de sua carreira, o sr. também foi alvo de um isolamento por parte do governo do PT. Qual a diferença agora?
R – A forma é a mesma. São dois governos autoritários, ideologicamente motivados que afastam dissidentes. Desde sempre, expressei minhas opiniões. Nunca deixei meu cérebro em casa ao ir trabalhar. Eu sofri punições antes do lulopetismo por publicar artigos sobre a política externa sem autorização. Depois, sob o lulopetismo fiquei "congelado", sem qualquer função, sem nenhum cargo por treze anos. A biblioteca foi meu escritório por muitos anos e agora volto para lá. Ou, como se diz, o Departamento de Escadas e Corredores. Formalmente, não há diferenças. Mas, desta vez, houve uma animosidade pessoal e ideológica. Os petistas sabiam quem eu era e eu escrevia o que eu achava antes mesmo de eles tomarem posse. O ex-chanceler Celso Amorim me ofereceu uma embaixada no exterior, que eu recusei. Mas eu escrevia contra a política externa. Hoje, eu apenas sofro de uma animosidade pessoal dos atuais chefes da casa.

sábado, 12 de maio de 2018

Os programas economicos do Brasil com o FMI: corrigindo Paulo Gala

Recebi em minha caixa, a seguinte mensagem para uma nova aula de Paulo Gala, um professor de economia online que possui excelentes postagens informativas sobre a economia brasileira e mundial.
Esta, porém, decepcionou-me pela inexatidão do relato sobre as crises brasileiras e os programas com o FMI.
Ei-la:

On May 11, 2018, at 11:29 AM, Paulo Gala <pgala@uol.com.br> wrote:


Memórias de um latino-americano! Crises cambiais nos 90 foram abundantes

Brasil, 13 de Janeiro de 1999. O Banco Central brasileiro manda comunicado para o mercado de câmbio brasileiro avisando que não mais iria intervir para segurar nossa taxa. Chegava ao fim nossa âncora cambial implantada em setembro de 1994 para ajudar na estabilização de preços do plano real. Depois de algum crescimento, nossas contas externas saem do controle. O endividamento externo explode e passamos a sofrer recorrentes ataques especulativos contra nossa moeda. Nossos juros em dólar disparam e por aqui o Gustavo Franco aumenta a SELIC para 40% ao ano para tentar segurar a fuga de capital. Respostas do governo para a crise? Corte de gastos e austeridade fiscal. Temos que agradar o FMI para receber os empréstimos que nos ajudariam a não quebrar. Funcionou? Não! A economia brasileira não saía da recessão e nossa dívida interna e externa explodiam! Até que veio a crise de 1999 com a desvalorização gigante da moeda brasileira! Nosso pacote de empréstimo do FMI de 30 bilhões de dólares não deu conta.
BLOG de Paulo Gala Sao Paulo SP, SP 01313-902 Brazil

Respondi da seguinte maneira:

Sinto discordar. O pacote de 30 bi com o FMI deu conta, sim, tanto que desse dinheiro apenas a metade integrou as reservas brasileiras, o resto sendo "usado" como seguro.
O que você deveria registrar seria a sequência exata dos três pacotes de ajuda do FMI, o primeiro em 1998-99, de mais de 40 bi (mas apenas uma parte das entidades de Bretton Woods e dos bancos regionais, sendo o resto, metade, de países credores, inclusive a Grécia, por uma dessas ironias da história); depois o de 2001, de apenas 15 bi, por causa da crise argentina. Esse de 30 bi foi o terceiro, única e exclusivamente por causa do efeito Lula em 2002, sendo que as políticas de ajuste já tinham sido todas tomadas pelo Armínio em 1999 e estavam funcionando muito bem, tanto que já em abril de 2000 ele devolvia boa parte do dinheiro emprestado ou garantido no primeiro pacote.
O país estava pronto para retomar o crescimento depois desse ajuste e da desvalorização, mas foi vítima do apagão elétrico e da crise argentina. Já o terceiro problema não tem nada a ver com a consistência ou inconsistência das medidas adotadas em 1999, e tudo a ver com a esquizofrenia econômica petista.
Outra loucura petista: em 2005 Lula resolveu acabar deliberadamente e antecipadamente com o programa stand-by com o FMI, em antecipação das eleições de 2006, deixando de usufruir de um dinheiro barato, com os juros amigáveis do FMI, para ficar com empréstimos comerciais muito mais caros. Pura demagogia política, populismo barato, e um crime econômico contra o país.
A história a gente deve contar por inteiro...
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Paulo Roberto de Almeida

sábado, 30 de janeiro de 2016

Impeachment e Estado de Direito - Percival Puggina e comentaristas

Transcrevo artigo e comentários a partir do blog do meu colega de resistência democrática, gaúcho, Percival Puggina, como sempre lúcido, claro e objetivo.
Concordo inteiramente: um governo com 10% de aprovação num sistema parlamentarista já teria caído há muito tempo.
Num sistema presidencialista, só cai se cometeu crimes.
Mas, no Brasil, nem isso: enquanto ele tiver dinheiro para comprar parlamentares, e capacidade de subverter a corte suprema com seus servidores amestrados, ele não cai, mesmo se 90% da população quer o fim de um governo comprometido com corrupção, roubalheiras, fraudes e mentiras, ademais de ter provocado a maior recessão -- caminhando para uma depressão -- de toda a história do Brasil.
O Brasil é diferente? Certamente: na desfaçatez dos políticos, na conivência dos magistrados.
Assino embaixo, como sempre:
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 29/01/2016

IMPEACHMENT, DEMOCRACIA E ESTADO DE DIREITO

por Percival Puggina. Artigo publicado em
 Se o que se quer, na política, é promover o bem comum, as divergências terão como foco principal o conceito de bem comum, seu conteúdo e o modo de produzi-lo em cada momento histórico. No entanto, se o objetivo é apenas alcançar o poder, ou mantê-lo, então a honestidade intelectual se torna um transtorno e o senso moral deve ser apartado, assim como se retira o incômodo ferrão em picada de marimbondo. Sob tais padrões, a estratégia, a propaganda e a arte do convencimento são concebidas e mobilizadas apenas pelo desejo de convencer e vencer, aferindo-se a qualidade dos meios pela eficácia em relação aos fins desejados e não por sua relação com a verdade e o bem.
Digo isso porque a defesa do governo na questão do impeachment tem-se valido de todos os meios possíveis de enganação. Não estou recusando aos governistas o direito de escudar o governo. O que estou afirmando é que quase todos os seus argumentos, a partir do mais constantemente repetido, são concebidos para iludir. Repetem, insistentemente, que: 1) o impeachment fere a democracia; 2) impeachment é golpe. Ora, não é possível que experientes jornalistas e doutos congressistas dardejem fogo dos olhos em frêmitos de indignação afirmando que impeachment fere a democracia. A democracia, a soberania popular, senhores, é ferida quando quem governa só tem apoio de 10% da população!
Talvez se inquiete o leitor: "Nesse caso, todo governo que perde o apoio da maioria da população deveria cair?". A resposta a essa pergunta é afirmativa em praticamente todos os países parlamentaristas (cerca de 95% das democracias estáveis). No presidencialismo, eu afirmo, sem pestanejar: nas atuais condições, um governo de democratas deveria renunciar. E mais, há algo muito errado num sistema político em que governos rejeitados são mantidos por força da Constituição.
O que sustenta esse governo no poder, então, não é a "democracia", obviamente, mas a regra do jogo político, o Estado de Direito como o temos. Há em nossa Constituição uma norma que determina em quais situações e mediante quais procedimentos, quem preside a república pode ser afastado do cargo. E a perda da aceitação social não está entre elas.
Entendido isso, fica mais fácil compreender o quanto é falso chamar de golpe o pedido de impeachment da presidente Dilma. Essa demanda nacional, nascida nas ruas, sem partido nem patrocínio, sem tanques nem canhões, deu causa a três dezenas de requerimentos, Brasil afora. Como o processo de impeachment é jurídico e político, as motivações políticas dispensam apresentação. Estão nas vozes das ruas. As motivações jurídicas, por seu turno, foram avalizadas unanimemente pelo TCU e são de perfeito conhecimento público.
Golpe, portanto, de um lado, é usar o que pertence ao Estado para subornar votos no Congresso, como vem fazendo o governo de modo a evitar que o impeachment prospere. E, de outro, é golpe fazer do STF, com o mesmo fim, um puxadinho do partido governista.
Em resumo: quem atenta contra a democracia é o governo quando insiste em ancorar-se no poder, enterrando o futuro do país contra a vontade nacional; e é ele quem novamente golpeia as instituições quando se defende com os meios que para tanto vem empregando.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

Comentários

Ismael de Oliveira Façanha .

O único impedimento eficaz para por termo ao mandato de Dilma Roussef, "impeachment", é o TEMPO, mais precisamente, 31 de dezembro de 2018. Infelizmente.

Antonio de Brito Carvalho .

Senhor PUGGINA, excelente artigo, com a sabedoria que lhe é peculiar. PARABÉNS!

maria-maria .

Um risco real é a banalização do escândalo,que apresenta, a cada dia, uma nova roubalheira ,dificultando que se acompanhem os fatos delituosos cometidos no âmbito dos podres poderes com o aval do que deveria ser a oposição, estivéssemos vivendo numa democracia.

Claudio .

Argumentação perfeita, politicos honestos pegariam seu chapéu e iriam embora. Tanto pelo apoio ínfimo como pelas mentiras deslavadas que estão tendo que ser usadas para justificar o estelionato eleitoral. Logo, golpistas são eles, da quadrilha.

Carlos Edison Domingues .

PUGGINA . A fragilidade de nossa democracia está, exatamente, no Legislativo. Este Poder é o prolongamento de um povo que, na sua maioria, é indiferente aos acontecimentos. O Banco Central perde R$90 bilhões para conter o dolar. o governo promete R$ 83 bilhões "para reativar a economia" (Jornal do Comércio 29/31 janeiro) mas o sucesso de todo este emprendimento depende de R$15 bilhões arrancadoxs da sociedade através da C.P.M.F, É estarrecedora a insanidade do Executivo e a tolerância do Legislativo. Carlos Edison Domingues

Genaro Faria .

Voltei. Escaldado de tanto ver triunfar a fraude, o assalto ao patrimônio público, o estelionato, enfim, o projeto de poder dessa organização criminosa camuflada de partido político, até esta semana eu receei que os golpistas resistiriam. Mas agora eu estou convencido de que não haverá retorno e não tem como o bando de Lula escapar. Faltava um símbolo, algo visualizável, tangível como o Fiat Elba de Collor. O Apê do Guarujá e o sítio de Atibaia surgiram para preencher essa lacuna. A casa caiu. Além disso, a operação Triplo X atingiu o sistema nervoso, a ponta do novelo do laranjal do PT e seu esquema milionário de corrupção institucionalizada e internacional. A partir de então as penas e línguas alugadas da mídia camarada não vão poder esconder o elefante na sala de jantar e tentar nos desinformar. E o megalômano "dono da enchente" vai se afogar nela. Que a nossa juventude e as pessoas humildes, que são as maiores vítimas dessa quadrilha, não fiquem conformadas diante da calamidade desse "partido dos trabalhadores" e saiam às ruas para protestar e cobrar respeito à nação.

Luiz Felipe Salomão .

Artigo irretocável. Parabéns Professor!

Francisco .

Simplesmente brilhante Mestre!

Odilon Rocha .

Caro Professor Não é pessimismo, não! A Lava-Jato está cumprindo muito bem o seu papel, andando a passos largos e tal e montando teias que deixariam muita aranha com inveja. Temos ainda toda uma cúpula criminosa para prender. Quem diria que um dia eu estaria escrevendo isso sobre o governo do meu país! Ao mesmo tempo, pressinto que estão nos enrolando 'bonitinho' até 2018.

Gustavo Pereira dos Santos .

Há muito tempo ficou claro que o objetivo do atual governo é enterrar o País para consolidar um Estado Totalitário. A criação do Conselhão teve a missão de desviar o foco da deterioração em 2016, para tornar-se o vilão da tragédia. E, assim, eles vão empurrando com a barriga até 2018. O Olavo de Carvalho foi muito feliz na caracterização da situação atual num video antigo: https://www.youtube.com/watch?v=PuCks1Hi8f0

Ismael de Oliveira Façanha .

Dezoito estados dos EEUU, possuem em suas constituições o instituto o "RECALL"; o último caso, muito conhecido, foi o que ensejou a eleição de Arnold Schwarzenegger para o governo da Califórnia, na vaga de um governador afastado pelos eleitores, de forma pura e simples. O parlamentarismo é causa perdida; o RECALL tem chances.

Genaro Faria .

Rebater o argumento dos governistas, que se resume a um só, qual seja, o de que a lei fundamental do país, quem sabe por um cochilo do legislador constituinte, insculpiu o dispositivo do impeachment não como salvaguarda da soberania popular, mas como uma afronta ao preâmbulo que a proclama como um postulado do estado de direito, cá entre nós, é fazer como o cordeiro acusado pelo lobo de sujar, a jusante, a água que o canídeo bebia a montante. Os primeiros a saber que a tese defendida por eles não passa nem pelo crivo de um aluno do curso fundamental, o antigo primário, são seus próprios defensores. Não passa de uma anedota sem graça, sem pé nem cabeça, que afronta o mais meridiano raciocínio. Em suma, é um argumento de quem não outro argumento senão mentir descaradamente, na suposição de que sua repetição à exaustão acabe pelo menos confundindo a sociedade. É chamar urubu de meu louro até o compre, enganado pelo vendedor de que o psitacídeo é muito novo e, por isso, ainda não aprendeu a falar. Mas não podemos deixar de reconhecer que o golpe já apresentou resultados altamente positivo para os vigaristas. Milhões acreditaram que Lula fosse um estadista, Dilma fosse uma super gerente e que o PT é o partido que defende os pobres da exclusão social que lhe impuseram os ricos. Por que a Constituição não poderia ser revogada pelo emprego desse mesmo método? E lançada no rol dos culpados pela incitação à prática de um ilícito institucional? Para tanto, o que não falta são penas alugadas e papel, que aceita tudo.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Monsieur Piketty et le Bresil: licoes erradas, recomendacoes ruins - Roberto Macedo (OESP)

Eu comentei este artigo preventivamente, e reproduzo abaixo o que rescrevi ao autor, e tambem, o que havia escrito a ele quando recebi a apresentação feita em SP.
Lembro que eu já havia postado neste mesmo espaço meu artigo feito quando soube de algumas afirmações do economista em SP. As referências seguem aqui:
2720. “Miséria do Capital no Século 21: breve refutação não estatística de novas formas de criação da miséria”, Hartford, 30 novembro 2014, 3 p. Considerações sobre os equívocos da nova teoria do capital no século 21. Publicado no blog Diplomatizzando (link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/11/miseria-do-capital-no-seculo-21-paulo.html)
Paulo Roberto de Almeida

Piketty e suas lições para o Brasil
Roberto Macedo *
O Estado de S. Paulo, 4/12/2014

Thomas Piketty é um economista francês famoso internacionalmente após publicar, em 2013, o livro O Capital no Século XXI, um dos mais vendidos em vários países. Já existe também em português (Ed. Intrínseca, 2014).

Tem 43 anos e, aos 22, já era doutor em Economia. No biênio seguinte ensinou no famoso Massachusetts Institute of Technology, dos EUA. Tem outros livros, muitos artigos em boas revistas acadêmicas e recebeu premiações importantes. Convence, portanto, como personagem.

Na semana passada conheci-o na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Almoçou com professores e deu palestra em inglês para um auditório cheio. Resumiu então esse seu livro e a apresentação está disponível piketty.pse.ens.fr/en/files/piketty2014capital21csaopaulo1.pdf.

A obra é densa em números e análise. A versão em inglês tem 685 páginas e dela traduzi trechos citados abaixo. Raramente toca no índice de Gini, que domina a análise da distribuição pessoal de renda no Brasil. Tal índice varia de zero a 1, da distribuição igualitária para a totalmente concentrada, mas sem chegar a esses extremos nas suas aplicações. E abandonou Gini: "... é impossível resumir uma realidade multidimensional com um índice unidimensional sem indevidamente simplificar as questões e misturar coisas que não deveriam ser tratadas conjuntamente". Por essa e outras razões, concluiu ser "muito melhor analisar desigualdades em termos de tabelas de distribuição indicando as parcelas dos vários decis e centis na renda total e na riqueza total..." (pág. 266). Decis e centis são, por exemplo, os 20% ou 1% mais ricos e suas parcelas desses totais. E no livro há perto de cem gráficos que facilitam entender seus muitos números.

Estudos sobre o Brasil ganhariam com esse enfoque. Assim, o livro também convence pelo que informa e tem de metodologia. Sua tese principal: "Quando a taxa de retorno sobre o capital excede significativamente a taxa de crescimento da economia (como aconteceu por muito tempo na História... e provavelmente também acontecerá no século XXI), a consequência lógica é que a riqueza herdada cresça mais do que a produção e a renda... Nessas condições, é quase inevitável que a riqueza herdada dominará e por grande margem a riqueza amealhada por uma vida de trabalho, e a concentração do capital atingirá níveis extremamente altos e potencialmente incompatíveis com os valores meritocráticos e princípios de justiça social fundamentais às sociedades democráticas modernas" (pág. 26). Discordo, pois se uma economia seguir crescendo, com todos melhorando de vida, ainda que uns mais e outros menos, mesmo estes poderão não ver injustiça social no processo.
O livro não cita o Brasil uma vez sequer. A distribuição de sua atenção se concentra em EUA, Japão, Alemanha, França e Grã Bretanha. No nosso país a concentração de renda é muito alta e os dados existentes não permitem analisar adequadamente a distribuição de riqueza. Mas basta andar por aí para ver que também é fortemente concentrada.

Quanto ao que fazer, novas discordâncias. Piketty prega uma "tributação progressiva e global do capital", o que "exigiria considerável grau de coordenação internacional" (pág. 27). Na palestra: essa tributação "seria baseada na troca automática de informações bancárias". Ora, não há como ter a aprovação unânime dessa ideia. Mais países se tornariam paraísos fiscais para cidadãos insatisfeitos de países aderentes, como já ocorre hoje com relação a países de tributos mais altos.

Voltando ao Brasil, na apresentação recomendou: "... precisa de mais transparência quanto a (dados de) renda e riqueza; tributação progressiva sobre a renda, herança e riqueza seriam uma forma poderosa de produzir informação sobre como os diferentes grupos de renda e de riqueza se beneficiam do crescimento".

Ora, para avançar nessa direção é fundamental atentar para as condições locais. O.k. para maior transparência e tributação progressiva de renda e herança. Aqui há impostos sobre renda em geral, propriedade imobiliária e herança, chamados de diretos, e na Constituição há o Imposto sobre Grandes Fortunas, que carece de lei complementar e vai ficando no armário. Ademais, entre outras dificuldades esse imposto interferiria com o IPTU e o Territorial Rural. Ambos carecem de cadastros que reflitam melhor o valor das respectivas propriedades, o que também poderia levar a uma cobrança mais realista e progressiva.

Ademais, estudos mostram que impostos indiretos, como ICMS, IPI e outros, predominantes na arrecadação tributária, são regressivos, pois incidem sobre o consumo, cuja participação nos gastos das pessoas decresce com a renda. Entre outras distorções, pesam muito nos preços e levam muitos brasileiros a comprar no exterior. Caberia diminuir o gravame desses impostos e ampliar o dos diretos. Nossa tributação não tem caráter e prefere esconder impostos nos preços.

Pode-se também melhorar as condições dos mais pobres atuando sobre os gastos públicos, como os do Bolsa Família. E não dar tanto aos mais ricos, como nos financiamentos subsidiados do BNDES. Na mesma linha, permanece por enfrentar o ensino superior público gratuito, no qual predominam alunos cujos pais poderiam pagar por ele, gerando recursos prioritariamente para bolsas de estudo para estudantes pobres que sem elas têm de trabalhar. Ou seja, é preciso ir do ensino gratuito para o estudante pago.

Também é indispensável ponderar que o Brasil ainda não é rico. Os países que Piketty observou mais têm renda por habitante com valor perto de quatro vezes a do Brasil. Assim, os brasileiros precisam ser estimulados a estudar, trabalhar, poupar e investir mais, acumulando mais capital nas suas várias formas, sem que a insaciável sede tributária do governo os desvie desse caminho.

*Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard),
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Comentários Paulo Roberto de Almeida"

1) Em 3/12/2014:
    Gostei do artigo, mas minha observação, mais de ordem metodológica do que prática, focaliza num aspecto.
    Piketty faz um amalgama com o que chama de capital (que parece ser tudo o que não deriva diretamente do trabalho ou de fontes não diretamente monetárias), e acha que isso paira acima das gerações, sem cuidar de quem está fisicamente na posse desse capital e de como isso vai sendo utilizado no curso de uma vida e intergeracionalmente.
    Ou seja, no processo de reprodução do capital -- que parece para ele a mesma entidade metafisica com que se preocupava Marx, transformando-o num deus ex machina -- ele não se pergunta quantos empregos e renda adicional foram criados com e para outros que não os detentores diretos do capital nesse processo.
    Não sei se se pode admitir facilmente que a taxa de retorno do capital sempre vai exceder o crescimento da economia, uma vez que a valorização de ativos pode sofrer setbacks muito frequentes.
    Quem tinha ações da AOL antes da crise das dot.com, em 2000, pode ter vendido e se aposentado precocemente com milhões na conta, mas quem comprou na alta, pode estar sofrendo até hoje.
    Quem comprou ações da Petrobras a 40, usando seu FGTS, se pergunta hoje quando é que vai recuperar o seu capital com uma ação a menos de 13 atualmente.
    Enfim, eu posso estar errado, mas não consigo conceber esse amalgamento artificial de riquezas de diversas origens nessa categoria imanente chamada capital, e isso me parece ser um problema conceitual e de classificação de ativos que tem de ser resolvida pelos economistas.

    Agora volto a insistir num ponto. Ainda que tudo isso seja correto, ou seja, que existe realmente essa tendência inevitável dos mercados livres de fazer concentração da renda, a menos de medidas corretivas pelos governos, ou grandes desastres humanos e acidentes naturais, não veja nada de economicamente racional na decisão de tomar esse dinheiro dos detentores do capital para distribuir entre os detentores do trabalho. Tudo isso é uma decisão política, que pode resultar numa taxa ainda menor de crescimento e nesse caso todos perderiam.
    Meu ponto é: o francês fica propondo fórmulas para empobrecer os muito ricos, que são poucos, em lugar de encontrar maneiras de enriquecer os muito pobres, que são muitos...

2) Em 2014-11-30 20:35, Paulo R. Almeida escreveu:
 Roberto,
 Muito grato pela remessa da apresentação do Piketty em SP. Creio, pessoalmente, que ele parte de um bom case — a concentração crescente de renda e riqueza nos estratos superiores — para tirar as conclusões erradas: a de que é preciso um bom Estado distributivista para melhorar o perfil da distribuição e caminhar para uma situação de maior justiça fiscal e, supõe-se, de maior igualitarismo distributivo.
 Todo mundo sabe e todos concordariam em que os EUA apresentam maior dinamismo em seu sistema econômico, e um perfil distributivo mais desigual. Não se trata de opinião, ou de doutrina, são apenas fatos, baseados em dados reais. A Europa, justamente, por ser mais distributiva, tende a crescer menos, e portanto só poderá distribuir menos riquezas, cumulativamente ao longo do tempo. A China também, vem retirando um número impressionante de pessoas de uma miséria execrável e colocando-as numa situação de pobreza aceitável, em muitos casos até de relativo bem-estar. Isso com base num sistema igualmente dinâmico, e altamente concentrador de renda, o que provavelmente vai ser atenuado no futuro, com base em políticas fiscais corretivas e investimentos adequados nos equipamentos sociais, como mostrou Thomas Ballogh para os países avançados no decorrer do século 20.
 Creio que Piketty bate no gato errado: ele está tentando empobrecer os ricos, em lugar de usar toda a sua expertise analítica para enriquecer os pobres. É uma via que não se sustenta, tendo em vista a experiência já acumulada.
 Poucos ouviram falar na "Estratégia de Lisboa", um exercício prospectivo conduzido em meados dos anos 1990 pelos eurocratas e professores brilhantes da UE, que foi formalizado em 2000 (quando Portugal estava na presidência da UE. Se tratava de converter a UE, em 2010, na região mais avançada do mundo com base na economia do conhecimento. Bem, já em 2005 (bem antes da crise, portanto) era posssível perceber que a Europa demoraria muito para alcançar os EUA, e de fato está ficando para trás.
 Com base no seu dinamismo econômico, e um pouco na desigualdade, a renda per capita dos EUA mantém-se bem à frente da média europeia, inclusive dos países mais avançados. Não vale mencionar os casos do Luxemburgo, Lietchenstein ou Monaco, com renda superior a 120 mil dólares, pois essa é exatamente a renda de um morador de NY, e esses países são ricos supostamente porque também seguem bem mais um padrão americano, ou de Manhattan (serviços financeiros), do que europeu.
 Acho que cabe um esforço de despikettização mental sobre os verdadeiros problemas do mundo, que não estão no fato de existir um punhado de super-hiper-megabilionários, e sim a evidência de que existem muitos pobres ainda. Acho que os economistas fariam um melhor serviço para a humanidade se tentassem diminuir o número de pobres, não o de ricos.

domingo, 23 de junho de 2013

Brasilianista americano analisa o PSDB e o PT: Scott Mainwaring (com observacoes PRA)

Entrevista com um dos principais cientistas políticos americanos especialista na política brasileira.
Depois, eu faço minhas observações ao que ele disse.
Paulo Roberto de Almeida

Estabilidade foi 'imenso mérito' para PSDB, diz cientista político
Fabiano Maisonnave
Folha de S.Paulo, 23/06/2013

Especialista em América Latina da Universidade de Notre Dame (EUA), o cientista político norte-americano Scott Mainwaring entende que o PSDB valoriza pouco seu papel na conquista da estabilidade econômica. Leia trechos de entrevista:

Folha - Quais as principais características do PSDB e como o sr. vê o partido hoje?
Scott Mainwaring - O PSDB surgiu como de centro-esquerda e mudou, em 1994, com a coalizão com o PFL. É quase de centro-direita.
PT e PSDB se tornaram os partidos realmente importantes da democracia brasileira. O PSDB teve um imenso mérito no governo FHC ao estabilizar a economia. Isto é pouco valorizado: a estabilidade econômica foi um grande fator para a estabilidade política no Brasil.
PT e PSDB são os heróis da democratização brasileira. Transformaram um processo precário em outro com muita estabilidade e grandes conquistas nos últimos 20 anos.
O PSDB encontrou um discurso de oposição ao PT?
Há algumas diferenças importantes entre os partidos com relação ao papel relativo do mercado e do Estado no desenvolvimento econômico. E embora não seja um contraste extremo, o PSDB é mais orientado em relação ao mercado, enquanto o PT é mais orientado ao Estado.
É também correto dizer que o PT é de alguma forma orientado para resultados mais igualitários, e o PSDB, para investimento e eficiência.
Os dois partidos não são radicalmente opostos nessas dimensões, mas são contrastes perceptíveis para muitos brasileiros. Certamente, para as elites cultural e econômica, esses contrastes estão muito claros, assim como para a maioria dos brasileiros.
Os dez anos longe do poder produziram uma crise de identidade?
O que ocorreu no Brasil foi um processo muito salutar, no qual o PT conquistou o poder depois de diversas tentativas fracassadas. Teve êxitos muito importantes, incluindo a redução da pobreza, e conduziu uma crescente confiança no Brasil, tanto interna quanto no exterior.
O fato de o PT ganhar três vezes consecutivas não é razão suficiente para o partido experimentar a crise.

O PSDB chegou ao segundo turno, tem sido competitivo em Estados importantes nas campanhas para governador e, embora não seja um partido realmente grande no Congresso, é o principal partido de oposição.
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Comentários Paulo Roberto de Almeida:

Muito boa entrevista, mas um erro fundamental, ao dizer que o PSDB "mudou" ao se alinhar com a direita em 1994.
Permito-me aqui oferecer um depoimento sobre o que assisti, e o que vivi nesses anos todos.

Eu acompanhei a trajetória de FHC, especialmente no final do governo militar quando ele era senador substituto de Franco Montoro, entre 1977 e 1979 (antes da volta de todos os exilados, portanto), e estávamos todos empenhados em fundar um partido social-democrata verdadeiro, ao estilo SPD, ou uma espécie de PSF, tal como reformado por François Mitterrand. 
Para isso se necessitavam interlocutores válidos, tanto no meio político, quanto nos meios sindicais, quanto entre acadêmicos e intelectuais.
Eu estive pessoalmente com o Brizola, em Lisboa, logo depois que ele foi "expulso"  do Uruguai, e transitou por NY antes de se estabelecer em Lisboa. Ele não queria saber de nenhum partido socialista moderno, só queria recuperar o seu PTB (que perdeu para a Ivete Vargas).
Eu também dialogova com a esquerda, tanto os que ficaram, quanto os que estavam voltando do exilio e se reinserindo na politica.
Os sindicalistas ainda não estavam prontos, mas estavam divididos, entre os pelegos oportunistas, e os alternativos, que depois estariam com Lula, fundando o PT e a CUT e portanto não se seduziram pela ideia.
Os velhos acadêmicos do antigo PSB não queriam "concorrência" ao velho PSB, e os novos acadêmicos, conectados ou não à esquerda guerrilheira, tampouco queriam um partido socialista reformista. Eles visavam mais.
Conclusão: FHC continuou no MDB, até que se conseguiu formar o PSDB, já durante a Constituinte de 1987-88.
Na fase preparatória do Real -- e isso é patente, evidente, obvio ululante -- a esquerda comandada por Lula, ademais dos partidos de esquerda tradicional (PTB, Partidao, PCdoB), todos eles, foram contra o Plano Real e a estabilização, e isto é um fato, não uma opinião. A população aderiu, mas não os partidos de esquerda.
FHC queria fazer uma coalização progressista para empreender reformas social-democráticas avançadas no Brasil, mas se defrontou com o sectarismo da esquerda, e a hostilidade completa de Lula e dos guerrilheiros reciclados.
Não foi possível fazer uma coalizão à esquerda NAO por culpa de FHC ou do PSDB, mas porque a esquerda foi estúpida, sectária, atrasada. FHC não teve outra solução para governar senão aliar-se com aqueles que estavam dispostos a apoiar seu programa, inclusive a reforma de uma Constituição que já nasceu esclerosada, xenófoba, discriminatória, absolutamente irracional do ponto de vista econômico.
Ou seja, que não se acuse o PSDB de ter virado à direita, mas que se acuse, sim, a esquerda de ser tão estúpida e sectária e de recusar empreender reformas. Ela apostava no quanto pior melhor.
Aliás, até hoje ela, o PT, Lula e seus principais líderes, se opõem a qualquer ação comum com o PSDB em favor do Brasil: mesmo aplicando TODO o programa social-democrático do PSDB, Lula, o PT e todos esses grupelhos esquizofrênicos continuando sendo absolutamente desonestos, ao falar de neoliberalismo, de herança maldita, e de desmantelamento do Estado. São desonestos e mentirosos.

Sinto contradizer o Scott também ao dizer que o PT foi um "herói" da estabilização brasileira.
NAO FOI, nem na política, nem na economia.
Não assinou a Constituição, por sectarismo. E se opôs ferozmente a todas as etapas da estabilização, inclusive às vésperas de assumir o poder, quando ainda tentava derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ainda hoje o velho PT sabota as reformas previdenciárias, a reforma da legislação laboral herdada do fascismo getulista, cria um Estado monstruoso que absorve cada vez mais recursos da sociedade.
O PT é um partido reacionário, antimodernista, economicamente esquizofrênico e tendencialmente totalitário.
Acho que fui claro.
Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Limites ao crescimento: uma tarefa impossivel, e inutil... - Livro Skidelsky

Ainda não li o livro dos Skidelsky (mas conheço vários outros do pai, inclusive a biografia de Keynes e seu excelente The Road from Serfdom, que recomendo), mas vou buscá-lo na próxima vez que entrar numa Barnes&Noble, um dos meus exercícios habituais, sempre que tenho tempo.
Mas, a julgar pela resenha do senador, o livro é falho em seus argumentos principais, ou então a resenha é mal construída, mal argumentada, e simplesmente impossível de ser realizada na prática.
Existe uma tendência inerente ao ser humano que é a de consumir, sempre mais, sempre mais sofisticado. Não existe nada de mais necessário, na vida dos seres humanos, do que o supérfluo.
O supérfluo é o responsável por todas as inovações ocorridas na história humana, desde a revolução agrícola, quando a humanidade ultrapassou os limites da subsistência para patamares de consumo mais estáveis do que a simples caça e coleta diárias.
Existe uma outra tendências inata aos homens, e às sociedades mais complexas -- ou seja, as baseadas na divisão social do trabalho -- que é a de ampliar continuamente a capacidade produtiva, visando justamente a ampliação do consumo. Sem isso não haveria criação de riqueza, não haveria progresso, não haveria melhoria das condições de vida.
É simplesmente impossível acontecer o que o senador diz -- e o que, talvez, os economistas preconizam, mas eu tenho dúvidas de que seja assim tão simples, ou simplista -- e nem preciso alinhar outros argumentos para explicar por que: não acontecerá, pronto, e os homens, as sociedades vão continuar consumindo, produzindo, criando riqueza, provocando desperdícios, lixo, poluição e encontrando solução para todos os problemas, os bons, e os maus.
O senador está errado: ou ele é ingênuo, ou ele não é economista, como diz ser. Nos dois casos, a conversa em torno das limitações de consumo é simplesmente inócua, ou inútil.
Em todo caso, vou conferir o livro, e depois farei meus comentários.
Paulo Roberto de Almeida
How Much is Enough?
Quanto é o bastante: dinheiro e a vida boa'
por Cristovam Buarque
O Globo, 11/02/2013

'Quanto é o bastante: dinheiro e a vida boa' é um livro de Robert Skidelsky e Edward Skidelsky. Robert Skidelsky é o mais conhecido biógrafo de John Maynard Keynes. Ele nada tem de economista verde, nem de pessimista sobre o futuro do desenvolvimento. Mas, ele e seu filho Edward escreveram um belo livro sobre a ideia de um limite ao crescimento, não apenas ecológico, mas também moral e existencial.

A continuação do crescimento econômico é impossível e é desnecessário. As pessoas não vão conseguir consumir mais no mundo inteiro, e não precisam consumir mais para serem felizes.

Obviamente há um mínimo necessário do qual cerca de quatro bilhões de seres humanos estão excluídos. Porém há excedente no consumo de outros três bilhões. Isso impossibilita o mesmo padrão de consumo das classes médias e ricas do mundo para todos, não importa em que país a pessoa viva.

Apesar de que há uma forte resistência a esta constatação óbvia, fisicamente lógica e convincente moralmente, ela está cada vez mais aceita, menos na elite pensante brasileira, especialmente naqueles que são de esquerda.

Porque a direita, sem moral, mas, com lógica, não defende estender o consumo elevado para todos. A esquerda, por ilusão ou oportunismo, vende a ideia de que todos poderão ter um ou dois ou três automóveis. Oportunismo e egoísmo, porque não quer dividir o que tem, nem negar aos outros, e termina prometendo o impossível.

Recentemente, no debate relativo à redução nas tarifas de luz, um conhecido ator disse que um crítico ao incentivo à ampliação do consumo de luz, não queria que os pobres tivessem ar condicionado. Mas ele não aceitaria, diante da óbvia crise energética no futuro e do desperdício de hoje, que alternassem quem tem com quem não tem ar condicionado. Ele não quer ficar sem o dele durante um ano para que os pobres tenham. Então promete a mentira de que todos terão.

Também já está claro que todos terem automóveis privados será como se ninguém tivesse, todos ficariam paralisados em monumentais engarrafamentos, mas os que oferecem o impossível não aceitam uma regra de rodízio para que alguns tenham carro um ano e outros no ano seguinte.

Mas a crítica aos limites ao crescimento não se limita aos aspectos ecológicos, ela tem uma dimensão moral. A felicidade é um conceito sério demais para vincularmos como sinônimo de mais consumo. Não foram os economistas que começaram a falar isso, foram filósofos e os jovens hippies.

A humanidade precisa substituir seu padrão de bem estar, conforto e felicidade por algo mais substancioso moral e existencialmente do que a renda e o consumo.

Este livro do Skildelsky é um formidável texto para aqueles que resistem a isso, seja porque optam indecentemente para que apenas alguns consumam muito e outros consumam quase nada e para os que prometem a ilusão de que todos terão tudo.

Ele não fica apenas na divagação hippie, vai ao grande cientista do crescimento no século XX, o economista John Maynard Keynes, e tira dele até mesmo um número de quanto seria o limite máximo que cada pessoa precisa para ter a vida que deseja, sem a ilusão de uma abundância elusiva, na qual nunca chegaremos.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF
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How Much is Enough?

Money and the Good Life

How Much is Enough?
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US$ 19.99 (+ tax)
A provocative and timely call for a moral approach to economics, drawing on philosophers, political theorists, writers, and economists from Aristotle to Marx to Keynes.

What constitutes the good life? What is the true value of money? Why do we work such long hours merely to acquire greater wealth? These are some of the questions that many asked themselves when the financial system crashed in 2008. This book tackles such questions head-on.
   The authors begin with the great economist John Maynard Keynes. In 1930 Keynes predicted that, within a century, per capita income would steadily rise, people’s basic needs would be met, and no one would have to work more than fifteen hours a week. Clearly, he was wrong: though income has increased as he envisioned, our wants have seemingly gone unsatisfied, and we continue to work long hours.
   The Skidelskys explain why Keynes was mistaken. Then, arguing from the premise that economics is a moral science, they trace the concept of the good life from Aristotle to the present and show how our lives over the last half century have strayed from that ideal. Finally, they issue a call to think anew about what really matters in our lives and how to attain it.
   How Much Is Enough? is that rarity, a work of deep intelligence and ethical commitment accessible to all readers. It will be lauded, debated, cited, and criticized. It will not be ignored.
Other Press; June 2012
ISBN 9781590515082
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