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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A Miséria da Oposição no Brasil - Da Falta de um Projeto de Poder à Irrelevância Política? (2011) - Paulo Roberto de Almeida (Revista Interesse Nacional)

A Miséria da Oposição no Brasil 

Da Falta de um Projeto de Poder 

à Irrelevância Política?


Revista Interesse Nacional (n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36).

2242. “Um projeto de Governo: sobre a volta ao poder da ‘oposição’” (título original), Brasília, 1 fevereiro 2011, 8 p. Análise crítica da realidade política das forças não pertencentes ao bloco de poder. Revisto em 09/03, sob o título de “Miséria da ‘oposição’ no Brasil: da falta de um projeto de poder à irrelevância política?” (13 p.); publicado na revista Interesse Nacional (n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36; link: link: https://interessenacional.com.br/a-miseria-da-oposicao-no-brasil-da-falta-de-um-projeto-de-poder-a-irrelevancia-politica/). Transcrito no blog Diplomatizzando(13/07/2011; link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2011/07/miseria-da-oposicao-no-brasil-artigo.html). Relação de Publicados n. 1029. 




        Chamada da revista: 

Paulo Roberto de Almeida adota uma postura bastante crítica em seu artigo. Para ele, “o que surpreende no processo político brasileiro não é tanto a capacidade do governo de alinhar em torno de suas posições as forças políticas dos mais variados horizontes, sobretudo no Congresso; a surpresa é constituída, antes, pela debilidade da ‘oposição’, derrotada, mas ainda não destruída, e sua incapacidade de reorganizar suas tropas, de redefinir suas bandeiras de luta e de exercer sua função institucional de oferecer uma alternativa às políticas do bloco no poder”. Tudo leva a crer que uma nova oposição precisa ser construída, ou que a atual “oposição” deva ser praticamente reinventada, para, finalmente, começar a existir, afirma.

PAULO ALMEIDA

É diplomata de carreira, professor de Economia Política nos programas de mestrado e doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e autor, entre outros livros, de Nunca Antes na Diplomacia: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Site: www.pralmeida.org; blog: http://diplomatizzando.blogspot.com. Os argumentos e opiniões expressas neste trabalho são exclusivamente os de seu autor, não representando políticas ou posturas do governo brasileiro ou do Ministério das Relações Exteriores.

A “oposição” brasileira sem projeto de poder

 

Paulo Roberto de Almeida

(www.pralmeida.orgpralmeida@me.com) 

 

Resumo: Ensaio analítico-opinativo sobre a inexistência de uma oposição no atual cenário político brasileiro, sobre as tarefas da oposição em um moderno sistema político democrático e sobre a eventual reconstrução de uma oposição digna desse nome no Brasil.

Palavras-chave: Brasil. Sistema político. Oposição. Manutenção do poder.

 

 

Este texto trata da trajetória recente da atual “oposição” ao governo do PT – no poder desde 2003 –, supostamente empenhada, desde então, em criar as condições para reconquistar seu eleitorado e se configurar como alternativa viável de governo, no seguimento de uma hipotética vitória eleitoral em 2014. O termo “oposição” figura entre aspas pois o que se apresenta hoje, fora do arco governamental, não merece, legitimamente, essa designação, seja por deficiências intrínsecas, seja por fatores objetivos vinculados ao quadro político-eleitoral do Brasil. O presente texto estabelece, primeiro, um diagnóstico da situação política na presente conjuntura, para examinar em seguida as tarefas da oposição num sistema político democrático. Ele passa, então, a analisar as principais deficiências da “oposição” brasileira, para depois formular considerações sobre uma possível estratégia de reconquista do poder pela “oposição”, concluindo, finalmente, que o eventual sucesso dessa estratégia depende, em grande medida, lideranças esclarecidas, o que atualmente não parece ser o caso com o simulacro de “oposição” existente no Brasil.

 

1. O diagnóstico da situação política na presente conjuntura

É evidente que o atual bloco no poder – dominado majoritariamente pelo PT – conquistou legitimamente sua hegemonia política com base em hábil propaganda política, na manipulação das comunicações e em boa organização partidária, ainda que recorrendo diligentemente à propaganda enganosa, eventualmente a fraudes processuais e, de forma muito explícita, apoiando-se essencialmente no carisma político-eleitoral de sua principal liderança e figura de grande relevo no cenário político do Brasil. É também evidente que a mesma personalidade e o seu partido domesticado – mesmo se fracionado internamente – pretendem preservar a atual hegemonia pelo futuro previsível, com base nos mesmos elementos políticos, aplicando de maneira diligente as mesmas receitas que os habilitaram a dirigir o país nos últimos oito anos.

Ainda mais evidente, e visível, nesse período, foi o desaparecimento gradual e a virtual inoperância daquilo que se poderia chamar, com extrema generosidade, de “oposição”, na verdade um conglomerado de tênues lideranças políticas, fragmentado em projetos pessoais ou regionais e totalmente incapaz de oferecer alternativas credíveis ao eleitorado que não comunga das mesmas concepções de política, de economia e de sociedade do bloco no poder. Nunca se percebeu, desde 2003, um discurso coerente da “oposição”, alternativo e em oposição ao do bloco no poder. Este tampouco tinha um discurso coerente, mas soube implementar medidas de clara receptividade popular, sobretudo nas áreas sociais, com um enorme reforço de propaganda nas supostas virtudes do governo e apoiado no evidente carisma do seu líder político. Com base em virtudes próprias e nesse grande empenho publicitário, o líder em questão praticamente deixou a condição de carisma para firmar-se como novo mito do cenário político brasileiro, provando, mais uma vez, que mentiras bem articuladas podem, sim, criar, fatos políticos dotados de boa impregnação popular. 

Caso a evolução dos próximos anos confirme esse mesmo cenário, pode-se ter o afastamento da “oposição” – ou o que passa por ela – do governo durante mais de duas décadas, frustrando possivelmente metade do eleitorado brasileiro – das regiões mais desenvolvidas e majoritariamente de estratos mais esclarecidos – que não se reconhece no, e até recusa o, projeto de poder do bloco petista atualmente hegemônico. A percepção que emerge da atual situação brasileira é a de que a maior parte da população – embora não suas correntes mais esclarecidas – partilha das concepções econômicas, políticas e culturais do atual bloco no poder, que demonstrou ter praticado um “gramscismo” adaptado às condições de educação política do Brasil, configurando um cenário político que apresenta desafios para a consolidação de um sistema democrático no país, na medida em que as práticas políticas mobilizadas por esse bloco representam de fato um atraso relativo do ponto de vista da ética cidadã.

 

2. As tarefas da oposição num sistema político democrático

Em situações democráticas “normais” – isto é, com possibilidades reais de alternância no poder entre duas, ou mais, correntes majoritárias, geralmente uma de tendências social-democrática, ou socialista, outra mais centrista ou reformista moderada, por vezes também um setor conservador –, o grupo que perdeu as eleições em um dado país se recompõe politicamente – eventualmente mudando seus líderes – e se dedica à uma séria preparação para os novos embates eleitorais mais à frente.

A primeira tarefa, quando na oposição, é a de elaborar um diagnóstico – se possível consensual no partido – sobre as razões da derrota, analisando os fatores principais do insucesso e daí retirar as lições que se impõem, no que pode ser um simples episódio eleitoral momentâneo. Se a derrota é, porém, recorrente, ou mesmo “estrondosa”, o diagnóstico teria de ser amplo, alcançando inclusive as bases programáticas do partido (sua “carta” aos eleitores); nos casos menos graves, se deve atuar sobre os fatores de oportunidade, de mensagem política e de apresentação de propostas ao público eleitor. Feito o diagnóstico, retiradas as lições, deve-se preparar o terreno para as novas etapas que se apresentarão inevitavelmente à oposição.

Normalmente, uma oposição organizada tem, entre seus membros mais distinguidos e também no staff partidário, especialistas nas diversas políticas macroeconômicas e setoriais que devem compor a mensagem do partido para o seu eleitorado, tradicional e flutuante (pois a intenção é sempre a de conquistar maior apoio entre os eleitores). Esses especialistas devem fazer o seguimento das políticas correspondentes do bloco no poder, discutir suas implicações para o país e tentar oferecer suas propostas alternativas de políticas, que contemplem as expectativas de seu eleitorado e de franjas mais amplas da população. 

Normalmente esse trabalho é conduzido no parlamento, mas o partido também pode ter apoios extensivos na sociedade, como são aqueles vinculados a movimentos sindicais e de interesses setoriais. Na tradição inglesa, se tem a prática do “shadow cabinet”, ou seja, um “ministério” alternativo que faz o acompanhamento das políticas em curso, elabora a crítica das medidas implementadas e faz um oferecimento público de suas próprias alternativas de políticas. Este é o principal dever da oposição. 

Na prática, as coisas são mais complicadas, pois mesmo nos partidos mais modernos e institucionalizados, muito depende dos líderes do momento, do carisma e atração que estes possam exercer sobre o eleitorado, e também das disputas entre as lideranças desse partido, que podem descambar para o regionalismo ou caciquismo, em ambos os casos com consequências nefastas para a imagem da oposição. Mais grave ainda é quando essa oposição perde o contato com a realidade e com as expectativas de seu próprio eleitorado, para não dizer da maioria da nação. Surgem nesse caso dissidências que vão para outros partidos ou constituem os seus próprios.

Em qualquer hipótese, qualquer governo – de esquerda, de direita ou de centro  – suporta o inevitável desgaste da governança, já que políticas “anti-populares” sempre precisam ser implementadas em algum momento, seja para corrigir exageros de tipo social-democrático (distributivismo fiscalmente irresponsável, déficits orçamentários, desalinhamentos cambiais, etc.), seja na vertente oposta (percepções de que os centristas ou conservadores se ocupam mais dos ricos do que dos pobres), ou por razões diversas (problemas de segurança, desemprego, etc.). A própria dinâmica econômica e conjunturas adversas impõem limites a quem exerce o poder. 

Assim, quando o eleitorado decide tentar outros remédios, outras soluções, a oposição, qualquer que seja ela, precisa estar pronta para implementar suas receitas, seus remédios. A oposição precisa ter um programa de governo. Para isso ela precisa ter um projeto de poder, ou seja, ter consciência do que precisa ser feito, dizer como pretende fazer, e demonstrar credibilidade nesse tipo de empreendimento.

 

3. A “oposição” brasileira e suas principais deficiências

Não é preciso ser um analista político de qualquer envergadura para constatar que a “oposição” brasileira – que, na verdade, vinha de oito anos, ou mais, de exercício do poder – falhou miseravelmente em sua missão oposicionista. Dizer que ela foi inepta, ineficiente, incompetente, no limite patética, seria até ser generoso com as principais forças que foram agrupadas nessa classificação de “oposição”. Basta dizer que simplesmente não existiu oposição durante todo o governo Lula: as forças que deveriam, até precisavam, ser oposição, simplesmente se auto-anularam para um exercício que é uma das tarefas mais legítimas em todos os regimes democráticos. 

Em sua defesa, pode-se dizer que os petistas, seu líder em especial, foram extremamente competentes – descontando-se, claro, as mistificações criadas para tal efeito – na construção de uma versão peculiar do processo político, da própria história recente do Brasil, o que deixou as forças potencialmente oposicionistas num estado psicologicamente defensivo, até de “vergonha assumida”, por supostos erros e injustiças cometidas ao longo do chamado neoliberalismo do tucanato. Poucas vezes, no cenário político brasileiro, a versão deformada da história, em vários aspectos até mentirosa, conseguiu tal impregnação no imaginário popular, a ponto de anular discursos e ações de cunho oposicionista.

Muito se deve, obviamente, às qualidades de “prestigitador” político do presidente popular, suas mistificações propagandistas, mas também às boas condições da economia internacional, durante a maior parte de seus dois mandatos, e a uma gestão razoavelmente responsável na frente econômica. Mas deve-se reconhecer, também, que a “oposição” se auto-anulou durante todo esse tempo, jamais tendo conseguido articular um discurso coerente, sequer esclarecedor, sobre o cenário de mentiras criado pelo bloco no poder. Quais as razões desse suicídio político?

Todo e qualquer ato político é encarnado por personagens políticos, príncipes e conselheiros do príncipe, que se conjugam na missão de conduzir homens e partidos ao pináculo do poder, ao comando do Estado. Devemos então concluir que à “oposição” brasileira faltaram as virtudes e qualidades que, segundo o florentino, devem estar presentes nas pessoas que pretendem deter esse comando. Não que o presidente do bloco no poder fosse um estadista, mas certamente se tratava de um “animal político” extremamente competente. Pode-se dizer, nesse sentido, que à “oposição” – ou o que passa por ela – faltaram “animais políticos” de verdade, pessoas que tivessem as virtudes ou a fortuna – para permanecer nos termos do florentino – para representar uma pequena chance de alternância na disputa de poder. 

Por certo que se trata de uma incapacidade de se organizar, com bases reais na sociedade, para, a partir daí, conceber e exibir um discurso coerente, compatível com as aspirações de largos estratos sociais, sobretudo nas classes médias. Mais grave ainda, pode-se dizer que à “oposição” brasileira faltaram sobretudo ideias claras sobre como apresentar e “vender” seu programa, se é presumível que, de fato, ela pudesse ter algo assimilável a um programa para oferecer à metade da população – na verdade estratos cambiantes – que não aceita e nunca aceitou a propaganda política que lhe foi servida sob disfarce de “política nacional” pelo bloco no poder. Sem conseguir ver claro no cenário político, dividida pelo caciquismo de seus líderes regionais, a “oposição” não soube sequer explorar as inconsistências e mazelas do bloco no poder, tão evidentes aos olhos de estratos médios de eleitores basicamente comprometidos com a ética e a moralidade no trato da coisa pública. 

Pode-se aventar a hipótese de que a qualidade dos homens públicos que se colocam numa oposição de princípio ao bloco no poder – não por razões puramente instrumentais, de conquista do poder pelo poder, mas quer se acreditar que por razões de filosofia política – precisaria melhorar dramaticamente para que eles possam integrar algo suscetível de ser chamado de oposição. Talvez seja inclusive necessário novas lideranças políticas, que obviamente tenham “princípios” compatíveis com uma oposição digna desse nome.  Tal “reinvenção” depende de vários fatores dentro os quais podem ser citados: a reeducação dos próprios integrantes do que é hoje uma oposição de araque; a reorganização de suas bases partidárias; a revisão do seu modo de “funcionamento” no Congresso; mudanças nos parâmetros mentais que orientam o discurso político e que comandam suas ações no plano prático; transparência aos olhos dos eleitores e, sobretudo, distinção clara com “tudo isso que está aí”, atualmente, e que visivelmente não agrada ao eleitorado instruído. Tudo leva a crer que uma nova oposição precisa ser construída, ou que a atual “oposição” deva ser praticamente reinventada, para, finalmente, começar a existir. Vejamos como.

 

4. Observações sobre uma possível estratégia de reconquista do poder

A oposição a ser construída – a verdadeira, não o simulacro que hoje existe –  já parte de uma formidável base real e potencial. Os dados eleitorais estão disponíveis no site do TSE, mas se podem extrair algumas conclusões adicionais a partir deles. A base total do eleitorado brasileiro situava-se, em 2010, em quase 136 milhões de pessoas, provavelmente atingindo 145 milhões em 2014. A abstenção em 2010 foi excepcional, alcançando quase 30 milhões de eleitores, aos quais se juntaram 4,6 milhões que anularam seus votos e 2,5 milhões que se abstiveram de qualquer escolha. Os “excluídos” representaram, portanto, um quarto do eleitorado; pode-se, em toda legitimidade, imaginar que eles possam ser reduzidos à metade, em condições normais de disputa política, o que, infelizmente, não ocorreu em 2010. 

Imaginamos, também, que os votos dados à “oposição”, em torno de 43 milhões, sejam realmente de oposição ao presente estado de coisas, especificamente ao “Estado do PT”. Pode-se razoavelmente conceber que uma oposição – qualquer oposição – no Brasil, possa reunir metade do eleitorado, admitindo-se, inclusive, que a educação política, de um lado, e o desgaste do poder petista, de outro, contribuam para uma pequena maioria potencial, numa situação em que o mito carismático ainda estará ativo e trabalhando para consolidar o poder petista. Não existe, portanto, numa abordagem prosaicamente matemática, garantia de vitória, ou certeza de derrota, para qualquer um dos lados, pois os “flutuantes”, os “indiferentes” e os “desalentados” são em número suficiente para alterar a balança para qualquer dos lados.

Números, porém, são um componente talvez objetivo, mas insuficiente para determinar resultados eleitorais. Mais importante é a predisposição do eleitorado para “acolher” uma definição clara quanto aos problemas mais angustiantes da conjuntura. A situação econômica pode até ser decisiva numa escolha eleitoral, mas as percepções sobre quem conduz a política econômica e sobre como ela é conduzida pelos responsáveis também são relevantes. Questões como emprego, segurança pessoal, disponibilidade de serviços públicos – saneamento, saúde e educação, etc. – e temas pontuais, de interesse setorial ou regional podem fazer pender a balança eleitoral.

Não importa quais sejam as alternativas de políticas oferecidas ao público eleitor por uma oposição efetiva e confiável, é preciso que esta seja precisamente isso: confiável. Ora, não é surpresa para nenhum eleitor medianamente bem informado que a classe política, de maneira geral, fez tudo o que era possível para se desqualificar moralmente, para se rebaixar no plano da ética, para deteriorar completamente a instituição parlamentar e outro tanto no plano dos executivos locais, estaduais e até o federal. Qualquer que seja a qualidade da nova mensagem política de oposição, se ela um dia existir, sua credibilidade, intrínseca e extrínseca, depende essencialmente da regeneração moral de suas lideranças, que deveriam operar aquilo que os italianos – escaldados por anos e anos de corrupção política – chamam de rientro morale, ou seja, uma profunda recomposição da ética na vida política do país. 

A julgar por exemplos recentes – e a questão das aposentadorias pornográficas dos governadores é mais um caso eloquente de completo descompasso entre as expectativas da população e a atitude das “oposições” – o Brasil não está sequer próximo de uma recomposição da classe política para fora da atual degradação das instituições de representação; nisso, a suposta “oposição” não se diferencia em nada das perversões morais alimentadas pelo próprio bloco no poder. Aparentemente, a “oposição” atual ainda não está pronta a empreender essa passagem; ela não quer enfrentar sua própria regeneração moral (talvez não possa, ou não tenha coragem). 

Uma vez aceita e internalizada essa decisão pela “moralização” da oposição – que se situa no centro de toda e qualquer regeneração oposicionista, cabe lembrar – começa então a tarefa de organizá-la em função do objetivo da reconquista do poder. Tal tarefa implica, em primeiro lugar, uma definição clara de um programa político de escopo nacional e setorial, ou seja, uma plataforma explícita tocando em todos e cada um dos principais problemas nacionais, sobretudo na esfera institucional, no terreno econômico e nas diversas áreas de maior impacto no plano das políticas públicas (social, cultural, regional, etc.). 

Não é simples montar um programa e uma plataforma de ação com tal amplitude, o que certamente exigirá seminários e grupos de trabalho em cada uma dessas vertentes abertas à ação partidária. Mas um partido, ou uma oposição, que pretenda aspirar a ser uma real alternativa de poder não pode ser econômico nem em definições programáticas, nem em propostas político-econômicas relativamente detalhadas. Basta arregaçar as mangas e colocar o cérebro para pensar.

 

5. Conclusões não definitivas: tudo depende de lideranças esclarecidas

Não parece haver dúvida, visto o panorama da planície – isto é, do ponto de vista dos cidadãos eleitores – de que o Brasil não conta com uma classe política à altura de suas novas responsabilidades enquanto potência emergente, desejosa de assumir um papel relevante na cena internacional. Mas nenhum dos problemas atuais enfrentados pelo Brasil tem a ver com impactos negativos do ambiente externo: o mundo tem sido muito “generoso” com o Brasil, oferecendo mercados e provendo investimentos de todos os tipos para sustentar seu crescimento do período recente.

Todos os problemas brasileiros, sem exceção, são “made in Brazil”, e devem receber aqui sua solução; seu equacionamento passa por um conjunto de reformas que deveria estar no centro de qualquer programa credível de proposta política geral de um movimento oposicionista aspirando legitimamente conquistar o poder para implementar, a partir daí, essas reformas. A oposição não conseguirá chegar a ocupar esse espaço alternativo de candidata ao poder se não trabalhar intensamente no diagnóstico dos problemas brasileiros, no oferecimento de respostas sólidas aos mesmos problemas, e na sua própria organização interna, colocando-se numa posição de governo “virtual”, ou potencial, com base em propostas aceitáveis para uma maioria de brasileiros, sem ceder a populismos ou à demagogia habitual nesses meios.

Uma das condições essenciais para que essa oposição seja construída parece ser a existência de lideranças dotadas de credibilidade intrínseca e de capacidade política para, em primeiro lugar, reformar profundamente a “oposição” atual e, num segundo momento, presidir à elaboração temática e organizacional de um “governo” alternativo ao atual bloco no poder. Não existe nenhum obstáculo “técnico”, nenhuma força externa à própria “oposição”, nenhum impedimento estrutural, ou nacional, de caráter político, a que essas tarefas sejam empreendidas.

Tudo depende da disposição de figuras políticas que pretendam aspirar ao papel de alternativa ao poder atual: a “fortuna” do quadro político pode ser favorável a uma oposição renovada, como parcialmente revelado nas eleições de 2010, mas o fator mais importante ainda é, sempre é, constituído pelas “virtudes” dos condutores de cidadãos.                                


  [2 de março de 2011]

domingo, 19 de junho de 2022

Eleições 2022: programa de João Doria (PSDB) - dezembro de 2021

 Para fins de registro e comparação: 

“O projeto do PSDB para consertar o Brasil”, por João Doria

Folha de S. Paulo, 

As prévias do PSDB confirmaram a vocação democrática do partido e a necessidade de mudarmos o Brasil. Precisamos da ajuda de todos, da união do PSDB e da convergência com outros líderes e agremiações para elaborar, a partir de agora, um projeto nacional inovador e realista. Um projeto que vai consertar o Brasil, sem imposições, nem personalismos. Queremos conquistar corações e mentes para superar a polarização que tem servido para empobrecer o país.

De tudo o que debatemos nas prévias e das experiências que o PSDB semeou ao longo de sua história, podemos listar sete pontos iniciais, que iremos detalhar com especialistas:

1 – Acabar com a fome: o país que é celeiro do mundo não pode ter quase 30 milhões de pessoas vivendo com menos de R$ 9 por dia. Nosso primeiro olhar será para milhões de brasileiros que hoje se encontram na miséria. Defendemos programas de transferência de renda, sem furar o teto de gastos, com ensino integral para as crianças, programas de geração de renda e emprego. Com contas sustentáveis, fazer reformas não para gerar superávit primário, mas para garantir a inclusão dos mais pobres;

2 – Gerar empregos: emprego é consequência direta do investimento. A melhoria do rendimento médio do trabalhador está ligada à formação educacional e técnica e à competitividade do país. O mercado de trabalho mundial está em transformação, e nós temos que vencer o déficit de produtividade. Novos empregos significam também mais autonomia às famílias;

3 – Atrair investimentos: não haverá crescimento sem investimento. Temos de recuperar a credibilidade internacional para voltar a receber recursos externos. Um dos caminhos mais rápidos para acelerar a atração de investimentos é promover desestatização, PPPs, concessões e privatizações. Seremos o país da infraestrutura, com investimentos privados em aeroportos, portos, ferrovias, rodovias e comunicação 5G;

4 – Responsabilidade fiscal: o Estado precisa caber no Orçamento. Para isso, é preciso reduzir desperdícios, aprovar a reforma administrativa e definir prioridades do investimento público. Estabilidade econômica, combate à inflação e responsabilidade fiscal são marcas das gestões do PSDB e princípios pétreos do Plano Real;

5 – Competitividade: o Brasil precisa estar pronto para as novas batalhas do comércio internacional. Temos de recuperar nossa indústria. Para isso, precisamos aprovar a reforma tributária e promover uma transformação pela educação, especialmente a ampliação do ensino de tempo integral e das escolas técnicas. É pela competitividade que vamos transformar investimentos em receitas consistentes;

6 – Agenda ambiental: esse ponto vai além do que é urgente, como combater o desmatamento, as queimadas e o garimpo ilegais na Amazônia. Nos próximos anos, a agenda ambiental será a mola propulsora dos países. Precisamos despontar na produção da ciência e da pesquisa. O Brasil tem de liderar a transição para a economia de baixo carbono, com matriz energética sustentável, indústria 4.0, comunicação ​5G e um agro aliado ao meio ambiente. Pagamento por serviços ambientais, remuneração pelo sequestro de carbono e cumprimento dos acordos internacionais. Tudo isso faz parte da nossa agenda ambiental;

7 – Resgatar a autoestima: o Brasil tem de recuperar o prestígio internacional. Portanto, precisa de um governo que apresente ao mundo as oportunidades, que saiba dialogar e estabelecer novas formas de cooperação, como fizemos ao testar e produzir vacinas. Um Brasil de paz social e de diálogo, com respeito às instituições, ao equilíbrio dos Poderes e, acima de tudo, com transparência e democracia.

O Brasil precisa sair do círculo vicioso da recessão. O governo Dilma Rousseff (PT) não soube consertar os equívocos da gestão Lula (PT). E o atual governo piorou os problemas herdados. Vendeu sonho e entregou um pesadelo.

Por isso, o debate de 2022 não deve ser entre Jair Bolsonaro e Lula. Ele deve ser entre passado e futuro. Entre recessão e desenvolvimento. Entre desilusão e esperança. É para isso que o PSDB começará a construir, com todos os aliados possíveis, o Projeto Brasil, para garantir um futuro de desenvolvimento e esperança para o país.

(*) Governador de São Paulo, é pré-candidato do PSDB à Presidência da República

Artigo publicado no jornal “Folha de S.Paulo”, em 07/12/2021

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O quadro político no Brasil pós-eleições de 7 de outubro - previsões e artigo Paulo Roberto de Almeida

O quadro político-partidário apresenta-se algo confuso no Brasil pós eleições de 7 de outubro, prevendo-se uma redução da representação partidária, mas uma possível destruição do PSDB como opção credível de oposição, uma situação que eu já previa desde 2011, quando redigi um artigo a pedido do editor da revista Interesse Nacional, que transcrevo novamente abaixo. Nele eu já previa a predominância do PT no sistema político.
Antes as previsões da representação na Câmara, tal como anunciado agora pelo Antagonista: 

O tamanho de cada bancada na Câmara dos Deputados, a partir de 2019:
PT: 50
PP: 50
PSDB: 45
PSD: 45
PR: 45
MDB: 40
DEM: 36
PRB: 36
PDT: 29
PSB: 25
PSL: 18
PTB: 17
Solidariedade: 11
PROS: 10
Podemos: 10
PCdoB: 10
PSOL: 10
PPS: 8
PV: 6
Rede: 6
Novo: 6

Eis o meu artigo sobre a miséria da oposição representada pelo PSDB, tal como eu via em 2011.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de outubro de 2018

Miséria da “oposição” no Brasil 
Da falta de um projeto de poder à irrelevância política?

Paulo Roberto de Almeida *
revistaInteresse Nacional(n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36; ISSN: 1982-8497).


O cenário político brasileiro: a deterioração democrática
Um observador medianamente informado sobre a cena política brasileira da última década seria capaz de reconhecer a conjuntura histórica de transformação que ocorre nas forças dominantes no sistema político. Trata-se de uma evolução gradual, que um analista trabalhando com as categorias gramscianas provavelmente consideraria tratar-se da emergência de um novo “bloco dominante”, tendente à hegemonia política e social. Essas novas forças estão identificadas com o PT e os partidos e movimentos a ele associados, que passaram de uma longa trajetória (1980-2002) de oposição ao sistema de poder anteriormente dominante, e que mantém, desde 2003, sua bem sucedida consolidação majoritária. Os recursos – políticos, financeiros, humanos – para essa ascensão vieram em primeiro lugar dos sindicatos e dos movimentos sociais vinculados ao partido hegemônico nesse bloco e, depois de 2003, do próprio Estado e de uma miríade de entidades dominadas ou influenciadas por ele (empresas estatais, fundos de pensão, empresários “amigos” e os próprios militantes encastelados numa infinidade de cargos públicos).
O mesmo observador tampouco deixaria de reconhecer a oposição atual como uma oposição “miserável”, ou seja, incapaz de assumir as responsabilidades de sua condição. Com efeito, ele não teria dificuldades em constatar a gradual diluição da “oposição”, das mesmas forças que ocuparam o poder entre meados dos anos 1990 e início da década seguinte, mas que foram batidas três vezes desde então (2002, 2006 e 2010) e que arriscam serem vencidas novamente em 2014. O que surpreende no processo político brasileiro não é tanto a capacidade do governo em alinhar em torno de suas posições as forças políticas dos mais variados horizontes, sobretudo no Congresso; a surpresa é constituída, antes, pela debilidade da “oposição”, derrotada, mas ainda não destruída, e sua incapacidade em reorganizar suas tropas, em redefinir suas bandeiras de luta e em exercer sua função institucional de oferecer uma alternativa às políticas do bloco no poder. 
O termo “oposição” figura, na maior parte deste ensaio, entre aspas, pois o que se apresenta hoje, fora do arco governamental, não merece, legitimamente, essa designação, seja por deficiências intrínsecas, seja por fatores objetivos vinculados ao quadro político-eleitoral do Brasil. As aspas, justamente, não se devem às derrotas, esperadas ou previsíveis, da “oposição”, mas à sua incapacidade em ser aquilo que o processo político a relegou temporariamente: uma oposição, na plena acepção da palavra. Se, e quando, ela assumir seu papel, será eximida da presença das aspas.
Se o mesmo observador, especulando por antecipação, fosse convidado a traçar um prognóstico sobre o futuro do sistema político brasileiro e se, no mesmo movimento, ele se dedicasse a divagar sobre a trajetória provável da “oposição” nos anos à frente, talvez ele não hesitasse muito em prever um destino melancólico, quando não trágico, para as forças que passam por oposição ao governo do PT. Estaria ela, de fato, condenada a desaparecer do cenário político, como força alternativa viável ao atual bloco hegemônico? Teriam os supremos estrategistas petistas – muitos mais por instinto do que por estratégias bem calculadas – conseguido realizar aquilo que Gramsci pregou no cárcere mussoliniano, sem que ele ou o partido que recuperou sua herança intelectual jamais tivessem conseguido materializar na prática? Estaríamos em face de um “bloco histórico” destinado a manter hegemonia sobre o sistema político pelo futuro previsível? Se isso ocorrer, seria o mais próximo que o Brasil já chegou daquilo que muitos representantes desse bloco chamam de “pensamento único”, embora eles mesmos apliquem o termo a uma inexistente ou rarefeita tribo de “neoliberais”.
Este texto não aspira responder a todas as questões relevantes para o futuro da democracia no Brasil. Não é nosso objetivo analisar todos os componentes de um sistema político relativamente complexo em suas diferentes vertentes organizacionais e forças atuantes, mas relativamente simples quanto às linhas principais de seu ordenamento. De um lado, temos o poder econômico incontrastável de quem detém o poder – e pode, assim, “comprar”, literalmente, os apoios de que necessita para se perpetuar no poder; de outro, forças dispersas e desorganizadas que sequer se entendem sobre um diagnóstico da situação, para planejar um contra-ataque que estaria na lógica de todos os sistemas políticos democráticos: a alternância no comando do Estado. Uma constatação de ordem geral não pode, contudo, deixar de ser feita inicialmente: o sistema democrático brasileiro, que já era de baixa qualidade antes de 2003, tornou-se ainda mais deplorável no plano de seu funcionamento e no de sua responsabilidade para com os eleitores, uma vez que o bloco petista se encarregou de deteriorar ainda mais a qualidade da democracia brasileira, realizando um amálgama de todas as forças políticas oportunistas, fisiológicas e rentistas que sempre se aproximaram do centro do poder, qualquer poder.
Mas o presente texto não pretende analisar o cenário político brasileiro como um todo; ele trata apenas da trajetória recente da atual “oposição” ao governo do PT, supostamente empenhada, desde 2003, em criar as condições para reconquistar seu eleitorado e se configurar como alternativa viável de governo, no seguimento de uma hipotética vitória eleitoral em 2014. Ele estabelece primeiro um diagnóstico da situação política na presente conjuntura, para examinar em seguida as tarefas da oposição num sistema político democrático. Ele passa, então, a analisar as principais deficiências da “oposição” brasileira, para depois formular uma série de considerações sobre uma possível estratégia de reconquista do poder pela “oposição”, visando convertê-la em oposição, simplesmente, credível e com chances de chegar ao poder. O texto conclui afirmando que o eventual sucesso de qualquer estratégia de ação da atual “oposição” depende, em grande medida, de lideranças esclarecidas, o que não parece ser o caso, atualmente, com o simulacro de “oposição” existente. 
Outra constatação inicial, que o mesmo observador político referido ao início deste ensaio poderia fazer, é que essa “oposição” presumida deixou ao relento, de fato órfão, metade do eleitorado brasileiro, a julgar pelas evidências da mais recente campanha presidencial, ao faltar com suas responsabilidades de verdadeira oposição e ao não oferecer respostas compatíveis com as demandas desses eleitores. Mas essa constatação é um desdobramento lógico da análise que agora passa ser feita.

O diagnóstico da situação política na presente conjuntura
É evidente que o atual bloco no poder – dominado majoritariamente pelo PT – conquistou legitimamente sua hegemonia política ao longo dos três últimos embates eleitorais. Ele o fez com base em hábil propaganda política, com extenso recurso à manipulação das comunicações, mas também com o apoio de uma boa organização partidária (e corporativa), ainda que recorrendo diligentemente à propaganda enganosa, eventualmente a fraudes processuais (quando não a crimes eleitorais, apenas parcialmente sancionados pela justiça do mesmo nome). Essencialmente, porém, a razão maior do sucesso foi, de forma muito explícita, o carisma político-eleitoral de sua principal liderança e figura de grande relevo no cenário político. É também evidente que essa mesma personalidade e o seu partido domesticado – mesmo se fracionado internamente – pretendem preservar a atual hegemonia pelo futuro previsível, com base nos mesmos elementos políticos, aplicando de maneira diligente as mesmas receitas que os habilitaram a dirigir o país nos últimos oito anos.
Ainda mais evidente, e visível, nesse período, foi o desaparecimento gradual e a virtual inoperância daquilo que se poderia chamar, com extrema generosidade, de “oposição”; na verdade, um conglomerado de tênues lideranças políticas, fragmentado em projetos pessoais ou regionais, e totalmente incapaz de oferecer alternativas credíveis ao eleitorado que não comunga das mesmas concepções de política, de economia e de sociedade do bloco no poder. Nunca se percebeu, desde 2003, um discurso coerente da “oposição”, alternativo e em oposição ao do bloco no poder. Este tampouco tinha um discurso coerente, mas soube implementar medidas de clara receptividade popular, sobretudo nas áreas sociais, com um enorme reforço de propaganda nas supostas virtudes do governo e apoiado no evidente carisma do seu líder político. Com base em virtudes próprias e nesse grande empenho publicitário, o líder em questão praticamente deixou a condição de carisma para firmar-se como novo mito do cenário político brasileiro, provando, mais uma vez, que mentiras bem articuladas podem, sim, criar fatos políticos dotados de boa impregnação popular. 
Caso a evolução dos próximos anos confirme esse mesmo cenário, pode-se ter o afastamento da “oposição” – ou o que passa por ela – do governo durante mais de duas décadas, frustrando possivelmente metade do eleitorado brasileiro – das regiões mais desenvolvidas e majoritariamente de estratos mais esclarecidos – que não se reconhece no, e até recusa o, projeto de poder do bloco petista atualmente hegemônico. A percepção que emerge da atual situação brasileira é a de que a maior parte da população – embora não suas correntes mais esclarecidas – partilha das concepções econômicas, políticas e culturais do atual bloco no poder, que demonstrou ter praticado um “gramscismo” adaptado às condições de educação política do Brasil, configurando um cenário político que apresenta desafios para a consolidação de um sistema democrático no país, na medida em que as práticas políticas mobilizadas por esse bloco representam de fato um atraso relativo do ponto de vista da ética cidadã.
Não é surpreendente que o governo mantenha a capacidade de iniciativa e a ofensiva política – por todos os meios ao seu alcance – ou que até procure dominar – igualmente por todos os meios disponíveis, inclusive alguns pouco recomendáveis – o poder legislativo, colocado como nunca antes – salvo nos períodos ditatoriais – em situação de subordinação e de dependência em relação às verbas e diretivas do Executivo.  Não se pode tampouco esquecer os movimentos ditos “sociais” (a maioria na folha de pagamentos do executivo) e suas correias de transmissão nos mais diversos setores, com destaque para o sindical (não só de trabalhadores, mas igualmente patronais), que desempenham um papel importante na estratégia gramsciana de ocupação de espaços. A rigor, trata-se de uma “ditadura do Executivo”, no sentido em que este passa a determinar o voto dos parlamentares e as ações do que passa por uma “sociedade civil organizada” – manipulada, seria o termo mais exato – na direção que mais interessa ao primeiro, embora à custa de nacos do orçamento e de farta distribuição de cargos e comissões nas mais diversas prebendas estatais (na verdade, em todos os entes dominados ou influenciados pela vontade daquele poder). 
O que é surpreendente é a “oposição” colocar-se totalmente a reboque da agenda governamental, deixar-se pautar pela propaganda oficial e descurar completamente da construção de uma pauta própria de críticas e de reivindicações independentes, em nome da sociedade e dos eleitores de oposição que ela deveria supostamente representar. O que surpreende, de fato, é essa renúncia a ser oposição, ou a forma confusa, errática e até patética com que a “oposição” se desempenhou nesses anos de “travessia do deserto”. O parlamento é, evidentemente, o ponto fulcral das articulações políticas. Mas se a oposição revelou-se totalmente ineficiente, e até irrelevante, na suposta “casa das leis”, ela era inexistente, literalmente, na esfera da própria sociedade, cujos espaços de manifestações e de expressão de opiniões – inclusive nos meios acadêmicos e da imprensa – estavam totalmente ocupados por adesistas, por militantes da causa ou por serviçais do bloco no poder.

As tarefas da oposição num sistema político democrático
Em situações democráticas “normais” – isto é, com possibilidades reais de alternância no poder entre duas, ou mais, correntes majoritárias –, o grupo que perdeu as eleições em um dado país se recompõe politicamente – eventualmente mudando seus líderes – e se dedica a uma séria preparação para os novos embates eleitorais mais à frente. Nas democracias modernas, o poder costuma ser alternativamente investido por três grandes grupos políticos – geralmente um de tendência social-democrata, ou socialista, outro bloco centrista ou reformista moderado, e, não raro, também, um setor conservador – que vão sendo guindados ao comando do Estado ou dele afastados em função da conjuntura econômica e dos benefícios sociais que eles possam trazer à maioria da população: desemprego, inflação, segurança (imigração, por exemplo), ou até questões morais (corrupção, mentiras e fraudes políticas, etc.).
A primeira tarefa, quando um grupo ou partido é “empurrado” para a oposição, é a de elaborar um diagnóstico – se possível consensual – sobre as razões da derrota: os líderes se dedicam, então, a analisar os fatores principais do insucesso para daí retirar as lições que se impõem, no que pode ser um simples episódio eleitoral momentâneo. Se a derrota é, porém, recorrente, ao longo de dois ou mais embates eleitorais, ou mesmo “estrondosa”, o diagnóstico teria de ser amplo, alcançando inclusive as bases programáticas do partido (sua “carta” aos eleitores). Nos casos menos graves, se deveria atuar sobre os fatores de oportunidade, de mensagem política e de apresentação de propostas ao público eleitor. Feito o diagnóstico, retiradas as lições, deve-se preparar o terreno para as novas etapas que se apresentarão inevitavelmente à oposição. Nos regimes presidencialistas, as eleições sempre têm datas marcadas; nos parlamentaristas, elas podem se apresentar a intervalos variados.
Normalmente, uma oposição organizada tem, entre seus membros mais relevantes e também no staffpartidário, especialistas nas diversas políticas macroeconômicas e setoriais que devem compor a mensagem do partido para o seu eleitorado, tradicional e flutuante (pois a intenção é sempre a de conquistar maior apoio entre os eleitores). Esses especialistas devem fazer o seguimento das políticas correspondentes do bloco no poder, discutir suas implicações para o país e tentar oferecer suas propostas alternativas de políticas, que contemplem as expectativas de seu eleitorado e de franjas mais amplas da população. 
Normalmente esse trabalho é conduzido no parlamento, mas o partido também pode ter apoios extensivos na sociedade, como são aqueles vinculados a movimentos sindicais e de interesses setoriais. Na tradição inglesa, se tem a prática do “shadow cabinet”, ou seja, um “ministério” alternativo que faz o acompanhamento das políticas em curso, elabora a crítica das medidas implementadas e faz um oferecimento público de suas próprias alternativas de políticas. Não é preciso ser britânico, contudo, para exercer o saudável hábito do gabinete-espelho, ou melhor, de um governo paralelo: basta organizar seus especialistas e colaboradores voluntários para lançar o debate com a sociedade. Mais até do que oferecer soluções prontas e completas, a oposição tem de saber questionar os fundamentos de cada medida governamental, refazendo os cálculos de custo-benefício, alertando para os trade-offse os side-effects– eles sempre existem – e antecipando consequências indesejadas e o custo-oportunidade da “receita” oficial. Este é, aliás, o principal dever da oposição: ela deve estar sempre pronta a oferecer soluções alternativas, ainda que parciais, ao quinto ou mesmo ao terço da população eleitoral não suficientemente identificada a uma das forças políticas nacionais dominantes (eventualmente no poder). É essa fração do eleitorado inconstante em suas escolhas – e volúvel, portanto – que pode fazer pender a balança para um lado ou para o outro, em função de considerações de curto prazo ou ligadas à conjuntura econômica do momento.
Na prática, as coisas são mais complicadas, pois mesmo nos partidos mais modernos e institucionalizados, muito depende dos líderes do momento, do carisma e da atração que estes possam exercer sobre o eleitorado, e também das disputas entre as lideranças desse partido; estas últimas sempre podem eventualmente descambar para o regionalismo ou o caciquismo, em ambos os casos com consequências nefastas para a imagem da oposição. Mais grave ainda é quando essa oposição perde o contato com a realidade e com as expectativas de seu próprio eleitorado, para não dizer da maioria da nação. Surgem, nesse caso, dissidências que vão para outros partidos ou constituem os seus próprios. A experiência brasileira é extremamente pródiga nesses tipos de eventos, sendo conhecida pela anarquia partidária, pela dança de partidos por parte de políticos profissionais e pela criação de partidos de aluguel ou de fachada.
Em qualquer hipótese, qualquer governo – de esquerda, de direita ou de centro – suporta o inevitável desgaste da governança, já que políticas “antipopulares” sempre precisam ser implementadas em algum momento, seja para corrigir exageros de tipo social-democrático (distributivismo fiscalmente irresponsável, déficits orçamentários, desalinhamentos cambiais, etc.), seja na vertente oposta (percepções de que os centristas ou conservadores se ocupam mais dos ricos do que dos pobres), ou por razões diversas (problemas de segurança, desemprego, etc.). A própria dinâmica econômica e conjunturas adversas impõem limites a quem exerce o poder. 
Assim, quando o eleitorado decidir tentar outros caminhos, outras soluções, a oposição, qualquer que seja ela, precisa estar pronta para oferecer suas receitas e propor seus remédios. A oposição precisa ter um programa de governo. Para isso ela precisa ter um projeto de poder, ou seja, ter consciência do quê, exatamente, precisa ser feito, dizer como pretende fazer, e demonstrar credibilidade no empreendimento. O eleitorado brasileiro, pelo menos parte dele, tentou encontrar outra via, pelo menos em duas oportunidades: a “oposição” o abandonou miseravelmente. Ela não tinha soluções e sequer um discurso a apresentar. É o que discutiremos agora.

A “oposição” brasileira e suas principais deficiências
Não é preciso ser um analista político de qualquer envergadura para constatar que a “oposição” brasileira – que, apenas para relembrar, vinha de oito anos, ou mais, de exercício do poder – falhou miseravelmente em sua missão oposicionista. Dizer que ela foi inepta, ineficiente, incompetente, patética, seria até ser generoso com as principais forças que foram agrupadas nessa classificação de “oposição”. Basta dizer que, simplesmente, não existiu uma oposição de verdade durante todo o governo Lula: as forças que deveriam, até precisavam, ser oposição, simplesmente se auto-anularam para um exercício que é uma das tarefas mais legítimas em todos os regimes democráticos. 
Em sua defesa, pode-se dizer que os petistas, seu líder em especial, foram extremamente competentes – descontando-se, claro, as mistificações criadas para tal efeito – na construção de uma versão peculiar do processo político, da própria história recente do Brasil, o que deixou as forças potencialmente oposicionistas num estado psicologicamente defensivo, até de “vergonha assumida”, por supostos erros e injustiças cometidas ao longo do chamado neoliberalismo do “tucanato”. As campanhas eleitorais de 2002, de 2006 e de 2010 foram construídas com base em deformações grosseiras das políticas conduzidas sob os governos anteriores, desde as simplificações enganosas sobre as privatizações, até as patriotadas sobre a soberania retórica e a submissão ao FMI, passando pelo monopólio da “bondade social”, como se tudo tivesse tido início em 2003. Poucas vezes, no cenário político brasileiro, a versão deformada da história, em vários aspectos até mentirosa, conseguiu tal impregnação no imaginário popular, a ponto de anular discursos e ações daquelas mesmas forças que deram início à estabilização econômica e criaram as condições para a fase de crescimento com distribuição e prosperidade.
Muito se deve, obviamente, às qualidades de “ilusionista” político do presidente popular, suas mistificações propagandistas, mas também às boas condições da economia internacional, durante a maior parte de seus dois mandatos, e a uma gestão razoavelmente responsável na frente econômica. Mas deve-se reconhecer, também, que a “oposição” se auto-anulou durante todo esse tempo, jamais tendo conseguido articular um discurso coerente, sequer esclarecedor, sobre o cenário de mentiras criado pelo bloco no poder. Quais as razões desse suicídio político?
Todo e qualquer ato político é encarnado por personagens políticos, príncipes e conselheiros do príncipe, que se conjugam na missão de conduzir homens e partidos ao pináculo do poder, ao comando do Estado. Devemos então concluir que à “oposição” brasileira faltaram as virtudes e as qualidades que, segundo Maquiavel, devem estar presentes nas pessoas que pretendem deter esse comando. Não que o presidente do bloco no poder fosse um estadista, mas certamente se tratava de um “animal político” extremamente competente. Pode-se dizer, nesse sentido, que à “oposição” – ou o que passa por ela – faltaram “animais políticos” de verdade, pessoas que tivessem as virtudes ou a fortuna – para permanecer nos termos do florentino – para representar uma pequena chance de alternância na disputa de poder. 
Por certo que se trata de uma incapacidade de se organizar, com bases reais na sociedade, para, a partir daí, conceber e exibir um discurso coerente, compatível com as aspirações de largos estratos sociais, sobretudo nas classes médias. Mais grave ainda: pode-se dizer que à “oposição” brasileira faltaram, sobretudo, ideias claras sobre como apresentar e “vender” seu programa, se é presumível que, de fato, ela pudesse ter algo assimilável a um programa para oferecer à metade da população – na verdade estratos cambiantes – que não aceita e nunca aceitou a propaganda política que lhe foi servida sob disfarce de “política nacional” pelo bloco no poder. Sem conseguir ver claro no cenário político, dividida pelo caciquismo de seus líderes regionais, a “oposição” não soube sequer explorar as inconsistências e mazelas do bloco no poder, tão evidentes aos olhos de estratos médios de eleitores basicamente comprometidos com a ética e a moralidade no trato da coisa pública. 
Pode-se aventar a hipótese de que a qualidade dos homens públicos que se colocam numa oposição de princípio ao bloco no poder – não por razões puramente instrumentais, de conquista do poder pelo poder, mas quer se acreditar que por razões de filosofia política – precisaria melhorar dramaticamente para que eles possam integrar algo suscetível de ser chamado de oposição. Talvez sejam necessárias, inclusive, novas lideranças políticas, que obviamente tenham “princípios” compatíveis com uma oposição digna desse nome.  Tal “reinvenção” depende de vários fatores dentro os quais podem ser citados: a reeducação dos próprios integrantes do que é hoje uma oposição de araque; a reorganização de suas bases partidárias; a revisão do seu modo de “funcionamento” no Congresso; mudanças nos parâmetros mentais que orientam o discurso político e que comandam suas ações no plano prático; transparência aos olhos dos eleitores e, sobretudo, distinção clara com “tudo isso que está aí”, atualmente, e que visivelmente não agrada ao eleitorado instruído. Tudo leva a crer que uma nova oposição precisa ser construída, ou que a atual “oposição” deva ser praticamente reinventada, para, finalmente, começar a existir. Vejamos como.

Da travessia do deserto a... mais deserto?
A oposição a ser construída – a verdadeira, não o simulacro que hoje existe – já parte de uma formidável base real e potencial. Os dados eleitorais estão disponíveis no site do TSE, mas se podem extrair algumas conclusões adicionais a partir deles. A base total do eleitorado brasileiro situava-se, em 2010, em quase 136 milhões de pessoas, provavelmente atingindo 145 milhões em 2014. A abstenção em 2010 foi excepcional, alcançando quase 30 milhões de eleitores, aos quais se juntaram 4,6 milhões que anularam seus votos e 2,5 milhões que se abstiveram de qualquer escolha. Os “excluídos” representaram, portanto, um quarto do eleitorado; pode-se, em toda legitimidade, imaginar que eles possam ser reduzidos à metade, em condições normais de disputa política, o que, infelizmente, não ocorreu em 2010. 
Imaginamos, também, que os votos dados à “oposição”, em torno de 43 milhões, sejam realmente de oposição ao presente estado de coisas, especificamente ao “Estado do PT”. Pode-se razoavelmente conceber que uma oposição – qualquer oposição – no Brasil, possa reunir metade do eleitorado, admitindo-se, inclusive, que a educação política, de um lado, e o desgaste do poder petista, de outro, contribuam para uma pequena maioria potencial, numa situação em que o mito carismático ainda estará ativo e trabalhando para consolidar o poder petista. 
Num regime parlamentarista, é possível compor um governo com apenas 40% de apoio popular. Regimes presidencialistas do tipo brasileiro, ou americano, contudo, convivem com maiorias diferenciadas para a representação parlamentar e para a chefia do executivo, cargo este que exige a maioria absoluta do eleitorado. Na prática, não existe, a rigor e numa abordagem prosaicamente matemática, nenhuma garantia antecipada de vitória, ou certeza de derrota, para qualquer um dos lados, na medida em que, à diferença dos sistemas parlamentaristas, contendas eleitorais em sistemas fortemente marcados por disputas pessoais apresentam-se quase como uma loteria. Um dos fatores é que os eleitores “flutuantes”, os “indiferentes” e os “desalentados” são em número suficiente para alterar a balança para qualquer um dos lados.
Porém, números são um componente talvez objetivo, mas insuficiente para determinar resultados eleitorais. Mais importante é a predisposição do eleitorado para “acolher” uma definição clara quanto aos problemas mais angustiantes da conjuntura. A situação econômica pode até ser decisiva numa escolha eleitoral; mas as percepções sobre quem conduz a política econômica e sobre como ela é conduzida pelos responsáveis também são relevantes. Questões como emprego, segurança pessoal, disponibilidade de serviços públicos – saneamento, saúde e educação, etc. – e temas pontuais, de interesse setorial ou regional podem fazer pender a balança eleitoral. Em outros termos, não existe uma determinação prévia quanto aos embates eleitorais no modelo brasileiro – como em qualquer outro, aliás – e isso significa que as chances estão abertas às forças políticas que pretendam se apresentar como oposição.
Não importam quais sejam as alternativas de políticas oferecidas ao público eleitor por uma oposição efetiva e confiável. É preciso que esta seja precisamente isso: confiável. Ora, não é surpresa para nenhum eleitor medianamente bem informado que a classe política, de maneira geral, fez tudo o que era possível para se desqualificar moralmente, para se rebaixar no plano da ética, para deteriorar completamente a instituição parlamentar e outro tanto no plano dos executivos locais, estaduais e até o federal. Qualquer que seja a qualidade da nova mensagem política de oposição, se ela um dia existir, sua credibilidade, intrínseca e extrínseca, depende essencialmente da regeneração moral de suas lideranças, que deveriam operar aquilo que os italianos – escaldados por anos e anos de corrupção política – chamam de rientro morale, ou seja, uma profunda recomposição da ética na vida política do país. 
A julgar por exemplos recentes – os aumentos para os próprios parlamentares e a questão das aposentadorias escandalosas de ex-governadores são dois casos eloquentes do completo descompasso entre as expectativas da população e a atitude das “oposições” – o Brasil não está sequer próximo de uma recomposição da classe política para fora da atual degradação das instituições de representação; nisso, a suposta “oposição” não se diferencia em nada das perversões morais alimentadas pelo próprio bloco no poder. Aparentemente, a “oposição” atual ainda não está pronta a empreender essa passagem; ela não quer enfrentar sua própria regeneração moral (talvez não possa, ou não tem coragem, provavelmente não quer). 
Uma vez aceita e internalizada essa decisão pela “moralização” da oposição – que se situa no centro de toda e qualquer regeneração oposicionista, cabe lembrar – começa, então, a tarefa de organizá-la em função do objetivo da reconquista do poder. Tal tarefa implica, em primeiro lugar, uma definição clara de um programa político de escopo nacional e setorial, ou seja, uma plataforma explícita tocando em todos e cada um dos principais problemas nacionais, sobretudo na esfera institucional, no terreno econômico e nas diversas áreas de maior impacto no plano das políticas públicas (social, cultural, regional, etc.). 
Não é simples montar um programa e uma plataforma de ação com tal amplitude, o que certamente exigirá seminários e grupos de trabalho em cada uma dessas vertentes abertas à ação partidária. Mas um partido, ou uma oposição, que pretenda aspirar a ser uma real alternativa de poder não pode ser econômico nem em definições programáticas, nem em propostas político-econômicas relativamente detalhadas. Basta arregaçar as mangas e colocar o cérebro para pensar.

O que fazer? Tudo depende de lideranças esclarecidas
Vendo o panorama da planície, isto é, do ponto de vista dos cidadãos eleitores, não parece haver dúvidas de que o Brasil não conta com uma classe política à altura de suas novas responsabilidades enquanto potência emergente, desejosa de assumir um papel relevante na cena internacional. O parlamento, em especial, mas também os partidos políticos e as forças que gravitam em torno deles parecem viver num mundo à parte, feito de partilha de despojos estatais, conquista de pedaços do orçamento e disputa por pequenas prebendas em todos os poros do imenso ogro estatal.
A discussão sobre temas internacionais no parlamento, e dentro dos partidos, é rara, superficial e geralmente equivocada. Quando ela ocorre, tende a focar falsos problemas que estariam, supostamente, na origem das dificuldades enfrentadas pelo Brasil: guerra cambial de alguns, concorrência desleal de outros, capitais especulativos de um lado, arrogância imperial de outro, ameaças imaginárias sobre a soberania brasileira, em alguma parte de seu imenso território, e sobre seus fabulosos recursos naturais. Poucos desses representantes políticos, contudo, comparam o Brasil a seus equivalentes em outras partes do mundo; poucos deles se dão conta de como o Brasil avança devagar, de como ele está de fato atrasado em relação às mudanças mais dinâmicas que estão ocorrendo um pouco em todas as partes. 
 De fato, nenhum dos problemas atuais enfrentados pelo Brasil tem a ver com impactos negativos do ambiente externo: o mundo tem sido muito “generoso” com o Brasil, oferecendo mercados e provendo investimentos de todos os tipos para sustentar seu crescimento do período recente. Todos os problemas brasileiros, sem exceção, são “made in Brazil”, têm raízes puramente internas e devem receber aqui sua solução; seu equacionamento passa por um conjunto de reformas que deveria estar no centro de qualquer programa credível de proposta política geral de um movimento oposicionista aspirando legitimamente conquistar o poder para implementar, a partir daí, essas reformas. 
A oposição não conseguirá chegar a ocupar esse espaço alternativo de candidata ao poder se não trabalhar intensamente no diagnóstico dos problemas brasileiros, no oferecimento de respostas sólidas aos mesmos problemas, e na sua própria organização interna, colocando-se numa posição de governo “virtual”, ou potencial, com base em propostas aceitáveis para uma maioria de brasileiros, sem ceder a populismos ou à demagogia habitual nesses meios. Ou seja, a oposição precisa estar pronta para oferecer outro futuro a todos os brasileiros que não acham que a esperteza política aliada ao oportunismo propagandístico representa o horizonte real de possibilidades para o país. Existe um imenso contingente de brasileiros que não se reconhece no estado de coisas vendido atualmente como a condição normal e possível para o Brasil. Como diriam alguns sonhadores, “outro Brasil é possível”; mas para isso outra oposição é necessária, uma que se apresente como alternativa credível.
Uma das condições essenciais para que essa oposição seja construída parece ser a existência de lideranças dotadas de credibilidade intrínseca e de capacidade política para, em primeiro lugar, reformar profundamente a “oposição” atual; num segundo momento, presidir à elaboração temática e organizacional de um “governo” alternativo ao atual bloco no poder. Não existe nenhum obstáculo “técnico”, nenhuma força externa à própria “oposição”, nenhum impedimento estrutural, ou nacional, de caráter político, para que essas tarefas sejam empreendidas.
Tudo depende da disposição de figuras políticas que pretendam aspirar ao papel de alternativa ao poder atual: a “fortuna” do quadro político pode ser favorável a uma oposição renovada, como observado nas eleições de 2010. Mas o fator mais importante ainda é – ele sempre é – constituído pelas “virtudes” dos condutores de cidadãos. 

 [9 de março de 2011; revisto em 10/03/2001; revisão 2]

Resumo: Ensaio analítico-opinativo sobre a inexistência de uma oposição efetiva no cenário político brasileiro atual e sobre as tarefas da oposição num moderno sistema político democrático. Discussão em torno das condições pelas quais se poderá ter a eventual reconstrução de uma oposição digna desse nome no Brasil.
Palavras-chave: Brasil. Sistema político. Oposição. Manutenção do poder.

* Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e professor universitário, com diversos livros sobre a política externa e as relações internacionais do Brasil (www.pralmeida.org); não pertence, nem pretende pertencer a qualquer organização política brasileira.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Critica aos 15 pontos sugeridos pelo PSDB ao novo governo - Paulo Roberto de Almeida


Crítica aos 15 pontos sugeridos pelo PSDB ao novo governo

Paulo Roberto de Almeida
 [Para debate público]

O PSDB apresentou, ao que parece, uma lista de 15 requerimentos para poder apoiar um governo Michel Temer, tal como revelado pelos jornais de 2/05/2016. Sem fazer uma análise detalhada neste momento, considero esse documento, globalmente, como medíocre; escrevo outra vez, destacando: MEDÍOCRE.
Um partido que está há mais de treze anos na oposição, e não tem ideia do que fazer em áreas cruciais das políticas públicas no Brasil, é um partido medíocre. Vou fazer alguns comentários rápidos e depois analisar com maior detalhe se, e quando, o PSDB, que não merece nem o ministério da Pesca, decidir realmente apoiar o novo governo, e pretender defender as quinze sugestões abaixo alinhadas.

São os seguintes os 15 pontos relacionados no documento do PSDB:

1. Combate irrestrito à corrupção. Que se assegure expressamente que todas as investigações, em especial a Operação Lava Jato, com foco no combate à corrupção, tenham continuidade. E que seja garantida a independência funcional da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União, da Polícia Federal e do Ministério Público.
            PRA: Não faz mais do que a sua obrigação, e isso não é função do Partido e sim do MPF, da PF, da PGR, do TCU, CGU e outros órgãos do Estado. O PSDB só proclama isso em primeiro lugar por puro oportunismo e demagogia. 

2. Reforma política imediata. Imposição de cláusula de desempenho eleitoral mínimo para o funcionamento dos partidos políticos e adoção do voto distrital misto e do fim das coligações proporcionais. Além disso, que se volte a discutir a implementação do parlamentarismo a partir de 2018.
            PRA: Não vai ser feita, e o PSDB sabe disso, o assunto vai arrastar-se longamente no Congresso e não vai sair nada. Eu também sou favorável ao sistema parlamentarista, mas tenho total consciência de que, numa primeira fase, esse sistema significará a exacerbação de TODOS os piores vícios do sistema político-partidário.

3. Renovação das práticas políticas e profissionalização do estado. Combate incessante ao fisiologismo e à ocupação do estado por pessoas sem critérios de competência.
            PRA: Isso não quer dizer quase nada. Deveria propor, imediatamente, a redução dos ministérios a menos da metade, a eliminação, COMPLETA, de pelo menos 20 mil cargos de confiança no âmbito do Executivo, e depois uma redução geral do tamanho do Estado, e se possível proposta de redução da estabilidade do funcionalismo. Mas o PSDB não tem coragem de pedir isso.

4. Manutenção e qualificação dos programas sociais. Em especial o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, o Pronatec, o Fies e o Prouni.
            PRA: Mais demagogia: deveria dizer que vai revisar todos os programas sociais no sentido de oferecer portas de saída para o BF, redução do Minha Casa, Minha Vida, e atuação no setor imobiliário via mercado, com apenas garantias de seguros de hipotecas, não subsídios à aquisição de casas. Os programas educacionais devem ser mantidos, com ênfase no primeiro e segundo grau, e no ensino-técnico profissional.

5. Revisão dos subsídios fiscais para fomentar o crescimento.
            PRA: Revisão, não, eliminação, e evolução para um mercado de capitais dominado basicamente pelo setor privado (a ser completamente aberto), não pelo Estado, como é hoje.

6. Responsabilidade fiscal. Governo não pode gastar mais do que arrecada. O executivo deverá apresentar em no máximo 30 dias um conjunto de medidas para a recuperação do equilíbrio das contas públicas.
            PRA: Demagogia: isso já está na legislação e não precisa do apoio do PSDB. O governo não vai conseguir apresentar um plano de equilíbrio de contas públicas em 30 dias. Se o PSDB tem sugestões, deveria apresentar agora. Por que não o faz?

7. Combate à inflação, preservando o poder de compra dos salários.
            PRA: Outra bobagem, pois isso é tão evidente, que nem deveria fazer parte de um programa de governo. 

8. Simplificar o sistema tributário, torná-lo mais justo e progressivo. Apresentar nos primeiros 60 dias de governo uma proposta de simplificação radical da carga tributária.
            PRA: Concordo, mas o PSDB já deveria ter apresentado, há PELO MENOS DEZ ANOS ATRÁS, essa reforma do sistema tributário, que não é apenas, e não pode ser, para simplificar, e sim para REDUZIR A CARGA FISCAL em cinco ponto de PIB em cinco anos, e mais cinco em outros cinco, de forma que em dez anos nossa carga fiscal se alinharia com países de nosso nível de renda. O PSDB já deveria ter feito isso, e se não fez é porque não dá importância ao assunto, além da demagogia habitual.

9. Reformas para a produtividade
            PRA: Bonito, mas isso não quer dizer nada, absolutamente nada. Por que o PSDB não apresenta suas sugestões, imediatamente. Ficaram dormindo nos últimos treze anos?

10. Maior integração com o mundo, reorientando a política externa e comercial.
            PRA: Muito genérico e não quer dizer nada, além de uma intenção muito vaga. O PSDB quer reduzir as tarifas brasileiras, abrir mais o Brasil aos investimentos estrangeiros, reformar a legislação de comércio exterior, diminuir o stalinismo industrial de nossas atuais políticas? Deveria ser muito mais explícito.

11. Colocar em prática a sustentabilidade.
            PRA: Bobagem e demagogia politicamente correta. Quem pode ser contra? Por que o PSDB não propõe medidas concretas em energia e recursos naturais?

12. Reformulação das políticas de segurança pública.
            PRA: Ah, que bonito! Alguma medida concreta, além do blá, blá, blá?

13. Educação para cidadania. Apoio a estados e municípios que cumprirem metas rigorosas de cobertura e melhoria da qualidade e equidade nos sistemas de ensino.
            PRA: “Educação para cidadania” não quer dizer absolutamente nada. O Paulo Freire tem a mesma posição. Sistemas de ensino é muito vago. O PSDB não tem vergonha de ser absolutamente inócuo nessa pauta, que é a mais importante do país?

14. Mais saúde para salvar vidas.
            PRA: Ufa! Cansativo esse PSDB: alguém quer saúde para eliminar vidas? Por que eles não vão catar coquinho?

15. Nação solidária, com mais autonomia para estados e municípios.
            PRA: My God: esses tucanos continuam genéricos, vagos, medíocres, nulos em matéria de políticas concretas.
            Acho melhor fechar o partido atual e começar um outro.

            Vamos ver o que o Partido NOVO tem a dizer sobre essas questões...
            PS.: Não sou do Partido NOVO, não pretendo ser, mas imagino que o NOVO tenha ideias mais concretas sobre os problemas referidos.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 3 de maio de 2016