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domingo, 16 de maio de 2021

Mini-reflexão sobre a miséria que ainda nos aguarda - Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre a miséria que ainda nos aguarda

Paulo Roberto de Almeida

Aos que esperam algum tournant decisivo nesta semana que já foi identificada como o “ponto alto” da CPI da Pandemia, eu diria que cabe baixar a bola e apenas aguardar mais do mesmo. E o que é “mais do mesmo”?

Desculpem o longo parágrafo explicativo seguinte, mas ele tem a pretensão de resumir nossa trajetória declinante desde a segunda metade da ditadura militar até o ponto mais baixo desse itinerário decadente a que fomos conduzidos sob a presidência de um inepto perverso, que desde o início de 2019 aprofunda a decrepitude na qual vivemos atualmente.

Trata-se do prolongamento de um imenso, delongado, doloroso e angustiante processo agônico de declínio estrutural a que o Brasil foi levado desde a última fase do regime militar, no qual navegamos a esmo durante os 20 anos seguintes (1983-2003), com os altos e baixos de um mar encapelado no Brasil e no exterior — crises da dívida externa, “moratória soberana”, Constituinte utópica e auto-destrutiva, aceleração inflacionária, seis trocas de moedas e estabilização parcial, crises financeiras externas aumentando nossa fragilidade macroeconômica — e com algumas ilusões de crescimento não sustentado nas quase duas décadas seguintes, que também corresponderam a certa perda na qualidade das políticas públicas (macroeconômicas e setoriais), a uma tentativa de assalto monopólico ao poder por uma organização criminosa travestida de partido político, que conduziu um imenso exercício de cleptocracia improvisada e à criação da maior recessão de nossa história econômica, e que nos levou, finalmente, aos braços de uma extrema-direita a mais estúpida que é possível contemplar no cenário político mundial contemporâneo.

Esta semana de 18 a 22 de maio de 2021 será uma espécie de “ponto ótimo da crise” na trajetória da CPI que deveria ser do “fim do mundo”, mas que representará apenas a continuidade da descida ao fundo do poço; nossas “elites políticas” ainda não cessaram de perpetrar seu horrível trabalho de aprofundar nosso declínio, e eu explico porque.

Assim que saiu a decisão de Lewandowski a pedido da AGU em favor do Sargento Tainha da Saúde, eu já tinha alertado: Pazuello recebeu o direito de mentir sobre o capitão e de colocar toda culpa em terceiros, o que inevitavelmente recairá no primeiro. Fecha-se a quadratura do círculo. Depois, cabe aos senadores tocar o barco. Como estamos no Brasil, lamento dizer o seguinte: quanto mais se conseguir provar a incapacidade de Bolsonaro seguir sendo presidente, mais o Centrão se esforçará para mantê-lo no poder. 

É isso, ou a mobilização da sociedade, o que não ocorrerá pois convém tanto às ditas esquerdas, PT em primeiro lugar, manter a bipolaridade e que Bolsonaro seja o candidato que chega sangrando em outubro de 2022, quanto também interessa ao genocida no poder que Lula seja seu adversário naquela data, numa espécie de aposta extrema e desesperada para que o cenário divisivo de 2018 se repita. 

Não sei se vocês já perceberam, mas os brasileiros se encontram numa situação que tem uma expressão no léxico do desespero: “abraço de afogados”. É a isso que o nosso miserável sistema político e essa nossa formidável mediocridade das elites nos levou: a continuar cavando a fétida fossa da desesperança, para chegar a lugar nenhum, a não ser o prolongamento de nossa decadência como nação. É esse o espetáculo que vamos infelizmente oferecer ao mundo no bicentenário de nossa emergência como Estado independente: será um triste espetáculo posso assegurar.

No plano da conjuntura imediata, pode-se parafrasear um dos  títulos de Gabriel Garcia Marquez: El Capitán no Tiene Quienes le Oigan. Com 500 mil mortos a caminho, falta completa de vacinas, uma CPI no lombo e assessores aloprados que não apenas não conseguem defendê-lo, mas que vão conseguir enterrá-lo um pouco mais, o dito capitão não tem a menor chance de chegar “vivo”, politicamente, até outubro de 2022. 

Quero virar jacaré se ele conseguir manter-se no cargo, dispondo de apenas 15% de apoio “popular” até lá. Mas isso não importa. O que importa é que NADA estará resolvido até lá e qualquer que seja o resultado da contenda eleitoral: se o chefe mafioso (mas inteligente e perspicaz) das esquerdas, se o capitão inepto e destrambelhado (como reação à volta do lulopetismo), seja ainda um tertius ainda indefinido que se apresentará claudicante depois do engalfinhamento patético que ocorrerá nas forças ditas “centristas” (um saco de gatos onde figuram os mesmos politicos corruptos do Centrão e alguns oportunistas de ocasião).

Qualquer que seja o resultado do pleito presidencial, o país continuará dividido e acrimonioso, confuso e perdido quanto ao seu futuro — pois que o processo eleitoral NÃO consistirá de discussões em torno de programas de governo e sim em uma lamentável troca de acusações recíprocas — e a sociedade persistirá nesse esquartejamento de impulsos contraditórios entre populismos de direita e de esquerda, sem qualquer possibilidade de que um projeto de reformas estruturais seja proposto e levado adiante por algum pequeno grupo com pretensões a estadistas.

Termino constatando justamente isto: o Brasil atual — mas isso vale para toda a nossa “herança” da ditadura militar — parece uma nação incapaz de produzir o seu pequeno lote de estadistas capazes de elevar o nível do debate político e de oferecer caminhos de escape do atual (mas já longo e delongado) processo de decadência estrutural. Um dia, longínquo por certo, conseguiremos sair do presente e continuado atoleiro para superarmos progressivamente (mas com dificuldades) nossas grandes tragédias permanentes e algumas conjunturais: a não educação da maior parte da população, os baixíssimos níveis de produtividade do capital humano (que é uma consequência do primeiro fator), a imensa corrupção dos estamentos políticos (derivado do patrimonialismo nunca vencido), a instabilidade jurídica criada pelo mandarinato da alta magistratura (em parte medíocre e também corrupta), ademais do caráter predatório de nossas elites (de quaisquer tipos e setores, novas ou velhas, estatais ou privadas).

Lamento ter ocupado a atenção dos poucos que me leem com um texto essencialmente pessimista, como este, mas é porque ele foi feito para meu próprio “esclarecimento”, que não é nenhum Aufklarung em direção de um projeto utópico de futuro, mas uma simples síntese de minha desesperança atual: não, não espero nada da conjuntura imediata — ou seja, da CPI da Pandemia e seus efeitos subsequentes — ou do médio prazo de nossa trajetória político-eleitoral de 2022, pois que considero que continuares nas névoas e brumas de um itinerário largamente indefinido, e incerto. 

Continuaremos nos arrastando penosamente em direção a esse futuro incerto, com alguns poucos progressos aqui e ali, pois como dizia Mário de Andrade cem anos atrás: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.

Sorry pela “fatalidade” sociológica.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 16/05/2021



quarta-feira, 21 de abril de 2021

A República dos conjurados mineiros seria unitária ou descentralizada? - Paulo Roberto de Almeida (O Estado da Arte)

Enigmas do 21 de abril: inconfidentes centralistas ou federalistas?

O Estado da Arte,   

Paulo R. de Almeida

Paulo R. de Almeida é Doutor em Ciências Sociais (Université Libre de Bruxelles, 1984), Mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia, 1977), Licenciado em Ciências Sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). É diplomata de carreira, por concurso direto, desde 1977; serviu em diversos postos no exterior e exerceu funções na Secretaria de Estado, geralmente nas áreas de comércio, integração, finanças e investimentos. Foi professor de Sociologia Política no Instituto Rio Branco e na Universidade de Brasília (1986-87) e, desde 2004, é professor de Economia Política no Programa de Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub).

sábado, 19 de janeiro de 2019

As FFAA ocupam o governo? Talvez. Elas são iliberais? Acredito que não - PRA

Discordo de Augusto de Franco quanto à classificação das FFAA que ele faz: a prova do pudim está em comê-lo e os militares não podem ser acusados de iliberalismo a partir do nada.
Militares se envolveram em assuntos políticos desde longa data, praticamente desde o segundo império, e no próprio golpe da República. Depois, militares continuaram a se envolver em política, praticamente durante todo o século XX, mas enquanto personagens da política, não enquanto corpo institucional do Estado.
As FFAA se envolveram de fato no sistema político em poucas oportunidades: 1) na deposição do presidente Washington Luiz, em 1930; 2) na de Getúlio Vargas em 1945; 3) na implementação do parlamentarismo, em 1961; 4) na deposição de Goulart, em 1964; 5) na Junta Militar, depois do afastamento do presidente Costa e Silva, em 1969; 6) no retorno ao regime civil, em 1985.
Todos os demais episódios, inclusive os atuais, partem, não das FFAA enquanto corpo estatal, e sim de indivíduos militares atuando pelos canais existentes na política.
Quero ver os comportamentos supostamente iliberais das FFAA no governo atual.
Paulo Roberto de Almeida


A intervenção militar no Brasil atual que ninguém está querendo ver


Não se assustem quando digo que há um movimento militar (ou, pelo menos, uma movimentação: um conjunto de articulações de militares da reserva e da ativa) no Brasil atual. Há, é óbvio. É preciso ser idiota ou muito desonesto para não ver. Já publiquei três artigos sobre isso:
Agora segue o quarto artigo.
Quando militares intervêm na política, mesmo que por vias legais (eleições ou nomeações de quem foi eleito), mas de forma organizada, isso significa, sim, uma intervenção militar. Em democracias o papel dos militares na política é bem claro: nenhum. Um dos princípios basilares das democracias liberais é o controle dos militares pelos civis (nunca o contrário: regimes tutelados por militares são i-liberais).
O Brasil de hoje está sob intervenção militar. Claro que não é uma intervenção como a de 1964 ou de 1968, um golpe, uma quartelada, contra o Estado democrático de direito. Claro que os militares que começaram a se articular – mais ostensivamente entre 2014 e 2018 – para intervir na política por meios legais (via eleições ou legítimas nomeações de quem foi eleito) não rasgaram a Constituição. Isso não significa que não há intervenção.
Há intervenção: os militares da reserva, em conluio com militares da ativa, se organizaram para colocar ordem na casa. Isso é uma intervenção, uma ação indevida. Não há muita diferença, em termos de concepção e de comportamento político, entre um militar da reserva e um militar da ativa. Passar para a reserva não tem o efeito de mudar concepções e comportamentos num passe de mágica. E o que é pior é que as concepções dos militares (da reserva ou da ativa, pouco importa em termos práticos) que resolveram tomar o Palácio do Planalto e vários cargos-chave do governo por vias legais, assumindo posições de comando no primeiro escalão e no segundo escalão, têm um pensamento i-liberal em termos políticos: basta analisar suas declarações (passadas e recentes) para comprová-lo.
Não há quem possa negar que enxames de militares, de modo organizado, ocuparam posições estratégicas no governo Bolsonaro. Matéria do Congresso em Foco de ontem (18/01/2019) faz um levantamento de cargos de primeiro e segundo escalões que foram entregues a militares.
No levantamento do Congresso em Foco – veja-se a lista abaixo – estão faltando muitos nomes ainda. Por exemplo, não aparece o nome do major Pedro César Nunes de Souza, chefe de gabinete da Presidência. Também não aparecem os militares que estão no MEC, como o general Oswaldo de Jesus Ferreira que comandará a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares). E nem aparece o antigo comandante do Exército, o general Villas-Bôas, que também vai estar no Palácio (como funcionário ou “consultor”) – espantosamente, porquanto sempre foi considerado um fiel da balança, quando os próprios membros da corporação desconfiavam, com razão, do oportunista e péssimo militar Jair Bolsonaro. Quando Bolsonaro foi eleito, Villas-Bôas passou-se de armas e bagagens para o Estado-Maior bolsonarista.
Tudo isso é, no mínimo, um exagero. Não há, nem nunca houve, em qualquer democracia do mundo, um governo com tantos militares.
Isso nada tem a ver com a capacidade técnica, a dedicação, a lealdade, a honestidade, o espírito público e outras características dos militares. Tem a ver com o fato de que a entrada massiva de militares em cargos políticos, não foi obra do acaso e sim uma operação deliberada de ocupação do terreno mesmo, não importa o motivo: se foi para moralizar a vida pública e combater a corrupção, se foi para proteger o Estado-nação brasileiro da perigosa ameaça comunista (como eles, os militares, argumentaram em 1964) ou se foi para defenestrar da vida pública os democratas (como eles fizeram em 1968), se foi para impedir a volta do PT e manter Lula preso et coetera. O fato é que os militares estão seguindo a fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin, ou seja, estão tomando a política como continuação da guerra por outros meios. Para tanto, estão fazendo uma guerra de posição (tal como na guerra de 1914-1918, estão cavando trincheiras em terreno supostamente ocupado pelos inimigos).
Repita-se: nada disso é relevante. O que é relevante, para a democracia, é que os militares não poderiam ter papel político: e agora passaram a ter. O que é preocupante, para os regimes liberais, é que os militares têm um pensamento i-liberal.
Eis a lista (incompleta):
Presidente da República – Capitão Jair Bolsonaro
Vice-presidente da República – GeneralHamilton Mourão
Ministro do GSI (antiga Casa Militar) – General Augusto Heleno
Secretário-Executivo do GSI – General de Divisão Valério Stumpf Trindade
Secretário de Coordenação de Sistemas do GSI – Contra-AlmiranteAntonio Capistrano de Freitas Filho
Secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional do GSI – Major Brigadeiro do Ar Dilton José Schuck
Secretário de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI – General de Brigada Luiz Fernando Estorilho Baganha
Secretário-Executivo Adjunto do GSI – Brigadeiro do Ar Osmar Lootens Machado
Secretário Executivo da Secretaria-geral – Generalde Divisão Floriano Peixoto Vieira Neto
Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Secretaria-geral – GeneralMaynard Marques de Santa Rosa
Secretário-Executivo Adjunto da Secretaria-geral – General de Divisão Lauro Luis Pires da Silva
Assessor Especial da Secretaria-geral – CoronelWalter Félix Cardoso Junior
Ministro da Defesa – General Fernando Azevedo e Silva
Secretário-Geral da Defesa – Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos
Secretaria de Produtos de Defesa – General de Divisão Decílio de Medeiros Sales
Secretário de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto – Tenente Brigadeiro do Ar Ricardo Machado Vieira
Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – Tenente-coronel da Força Aérea Brasileira Marocs Pontes
Chefe de Gabinete do MCTIC – Brigadeiro do ArCelestino Todesco
Secretário de Políticas Digitais – Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Franciscangelis Neto
Secretário de Radiodifusão – Coronel Elifas Chaves Gurgel do Amaral
Secretário-Executivo Adjunto – Coronel-Intendente Carlos Alberto Flora Baptistucci
Ministro de Minas e Energia – Almirante Bento Costa
Chefe de Gabinete de Minas e Energia – Contra-almirante José Roberto Bueno Junior
Ministro da Infraestrutura –Capitão Tarcísio Gomes
Secretário de Transportes Terrestre e Aquaviário – General Jamil Megid Júnior
Ministro da Secretaria de Governo – General Carlos Alberto dos Santos Cruz
Secretário Nacional de Segurança Pública – General Guilherme Theophilo
Secretário de Esportes – General Marco Aurélio Vieira
Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) – Capitão Wagner Rosário
Presidente da Funai – General Franklimberg de Freitas
Presidente do Conselho de Administração da Petrobras – Almirante-de-esquadra Eduardo Bacellar Ferreira
Presidente da Itaipu – General Joaquim Silva e Luna
Porta-voz do governo – General Otávio Santana do Rêgo Barros
E ainda precisamos saber onde será alocado o general linha-dura Aléssio Ribeiro Souto (que coordenou o programa de educação do candidato Bolsonaro). Esse general, aliás, é o exemplo perfeito de um militar com pensamento i-liberal: recentemente ele declarou (quando já integrava o principal grupo técnico da campanha bolsonarista) que “os livros de história que não tragam a verdade sobre 64 precisam ser eliminados”.
A lista acima não contempla os militares que forem eleitos para outros níveis de governo e para os parlamentos. Mas parece óbvio que houve também articulação – confessada publicamente pelo vice-presidente General Mourão – para candidatar militares das três forças (assim como houve articulação – feita inclusive pelo filho de Bolsonaro, Eduardo – para montar listas de candidatos com elementos policiais, da Polícia Federal e da Polícia Militar). As forças de segurança resolveram fazer o que nunca deveriam fazer numa democracia: intervir na política. Ah! Mas agora foi legítimo, porque elas usaram os meios legais. Nada disso. Militares não devem intervir (de modo organizado) na política: nem por meios ilegais, nem por meios legais.
Outra coisa é uma pessoa que foi militar ser eventualmente nomeada para um cargo qualquer. Mas não é disso que estamos tratando aqui.
Quem pode acreditar que todos estes militares foram nomeados por mero acaso, ou por notório saber, na ausência de bom candidatos civis?
Eles foram nomeados porque se alinham com um pensamento: o pensamento i-liberal do capitão eleito Jair Bolsonaro. Quem quiser comprovar esta afirmação pode conversar com esses militares: em maioria, eles defendem os golpes de 1964 e 1968 (ou, cinicamente, negam que houve golpe), acham que quem se opôs à ditadura era terrorista (e até hoje, cinquenta anos depois, continuam chamando os dissidentes do golpe de terroristas), justificam as perseguições, prisões, condenações, banimentos, exílios e até a tortura (alguns ainda tratam o torturador do Exército, Brilhante Ustra, como herói) em nome do combate ao comunismo. São esses que estão no poder em cargos de destaque, não os militares que se converteram à democracia liberal.
Outra evidência é que, uma vez no governo, esses militares se comportam como uma corporação (por exemplo, lutando internamente para escapar da reforma da Previdência) e, o que é mais grave, atuam como uma espécie de partido informal militarista-bolsonarista.
Por outras vias, os que pediam – nas manifestações do impeachment – Intervenção Militar Já!, tiveram sucesso. E quem pode garantir que militares não estavam por trás dessa palavra de ordem?
Ou seja, estamos – no Brasil de 2019 – sob intervenção militar: uma intervenção “branca”, operada por meios legais, mas uma intervenção. Uma intervenção que ninguém está querendo ver e que pode ter consequências trágicas para nossa democracia (no mínimo tornando-a menos liberal).

Democracy Unschool é um ambiente de livre investigação-aprendizagem sobre democracia, composto por vários itinerários. O primeiro itinerário é um programa de introdução à democracia chamado SEM DOUTRINA. Para saber mais clique aqui

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O quadro político no Brasil pós-eleições de 7 de outubro - previsões e artigo Paulo Roberto de Almeida

O quadro político-partidário apresenta-se algo confuso no Brasil pós eleições de 7 de outubro, prevendo-se uma redução da representação partidária, mas uma possível destruição do PSDB como opção credível de oposição, uma situação que eu já previa desde 2011, quando redigi um artigo a pedido do editor da revista Interesse Nacional, que transcrevo novamente abaixo. Nele eu já previa a predominância do PT no sistema político.
Antes as previsões da representação na Câmara, tal como anunciado agora pelo Antagonista: 

O tamanho de cada bancada na Câmara dos Deputados, a partir de 2019:
PT: 50
PP: 50
PSDB: 45
PSD: 45
PR: 45
MDB: 40
DEM: 36
PRB: 36
PDT: 29
PSB: 25
PSL: 18
PTB: 17
Solidariedade: 11
PROS: 10
Podemos: 10
PCdoB: 10
PSOL: 10
PPS: 8
PV: 6
Rede: 6
Novo: 6

Eis o meu artigo sobre a miséria da oposição representada pelo PSDB, tal como eu via em 2011.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 1 de outubro de 2018

Miséria da “oposição” no Brasil 
Da falta de um projeto de poder à irrelevância política?

Paulo Roberto de Almeida *
revistaInteresse Nacional(n. 13, abril-junho 2011, p. 28-36; ISSN: 1982-8497).


O cenário político brasileiro: a deterioração democrática
Um observador medianamente informado sobre a cena política brasileira da última década seria capaz de reconhecer a conjuntura histórica de transformação que ocorre nas forças dominantes no sistema político. Trata-se de uma evolução gradual, que um analista trabalhando com as categorias gramscianas provavelmente consideraria tratar-se da emergência de um novo “bloco dominante”, tendente à hegemonia política e social. Essas novas forças estão identificadas com o PT e os partidos e movimentos a ele associados, que passaram de uma longa trajetória (1980-2002) de oposição ao sistema de poder anteriormente dominante, e que mantém, desde 2003, sua bem sucedida consolidação majoritária. Os recursos – políticos, financeiros, humanos – para essa ascensão vieram em primeiro lugar dos sindicatos e dos movimentos sociais vinculados ao partido hegemônico nesse bloco e, depois de 2003, do próprio Estado e de uma miríade de entidades dominadas ou influenciadas por ele (empresas estatais, fundos de pensão, empresários “amigos” e os próprios militantes encastelados numa infinidade de cargos públicos).
O mesmo observador tampouco deixaria de reconhecer a oposição atual como uma oposição “miserável”, ou seja, incapaz de assumir as responsabilidades de sua condição. Com efeito, ele não teria dificuldades em constatar a gradual diluição da “oposição”, das mesmas forças que ocuparam o poder entre meados dos anos 1990 e início da década seguinte, mas que foram batidas três vezes desde então (2002, 2006 e 2010) e que arriscam serem vencidas novamente em 2014. O que surpreende no processo político brasileiro não é tanto a capacidade do governo em alinhar em torno de suas posições as forças políticas dos mais variados horizontes, sobretudo no Congresso; a surpresa é constituída, antes, pela debilidade da “oposição”, derrotada, mas ainda não destruída, e sua incapacidade em reorganizar suas tropas, em redefinir suas bandeiras de luta e em exercer sua função institucional de oferecer uma alternativa às políticas do bloco no poder. 
O termo “oposição” figura, na maior parte deste ensaio, entre aspas, pois o que se apresenta hoje, fora do arco governamental, não merece, legitimamente, essa designação, seja por deficiências intrínsecas, seja por fatores objetivos vinculados ao quadro político-eleitoral do Brasil. As aspas, justamente, não se devem às derrotas, esperadas ou previsíveis, da “oposição”, mas à sua incapacidade em ser aquilo que o processo político a relegou temporariamente: uma oposição, na plena acepção da palavra. Se, e quando, ela assumir seu papel, será eximida da presença das aspas.
Se o mesmo observador, especulando por antecipação, fosse convidado a traçar um prognóstico sobre o futuro do sistema político brasileiro e se, no mesmo movimento, ele se dedicasse a divagar sobre a trajetória provável da “oposição” nos anos à frente, talvez ele não hesitasse muito em prever um destino melancólico, quando não trágico, para as forças que passam por oposição ao governo do PT. Estaria ela, de fato, condenada a desaparecer do cenário político, como força alternativa viável ao atual bloco hegemônico? Teriam os supremos estrategistas petistas – muitos mais por instinto do que por estratégias bem calculadas – conseguido realizar aquilo que Gramsci pregou no cárcere mussoliniano, sem que ele ou o partido que recuperou sua herança intelectual jamais tivessem conseguido materializar na prática? Estaríamos em face de um “bloco histórico” destinado a manter hegemonia sobre o sistema político pelo futuro previsível? Se isso ocorrer, seria o mais próximo que o Brasil já chegou daquilo que muitos representantes desse bloco chamam de “pensamento único”, embora eles mesmos apliquem o termo a uma inexistente ou rarefeita tribo de “neoliberais”.
Este texto não aspira responder a todas as questões relevantes para o futuro da democracia no Brasil. Não é nosso objetivo analisar todos os componentes de um sistema político relativamente complexo em suas diferentes vertentes organizacionais e forças atuantes, mas relativamente simples quanto às linhas principais de seu ordenamento. De um lado, temos o poder econômico incontrastável de quem detém o poder – e pode, assim, “comprar”, literalmente, os apoios de que necessita para se perpetuar no poder; de outro, forças dispersas e desorganizadas que sequer se entendem sobre um diagnóstico da situação, para planejar um contra-ataque que estaria na lógica de todos os sistemas políticos democráticos: a alternância no comando do Estado. Uma constatação de ordem geral não pode, contudo, deixar de ser feita inicialmente: o sistema democrático brasileiro, que já era de baixa qualidade antes de 2003, tornou-se ainda mais deplorável no plano de seu funcionamento e no de sua responsabilidade para com os eleitores, uma vez que o bloco petista se encarregou de deteriorar ainda mais a qualidade da democracia brasileira, realizando um amálgama de todas as forças políticas oportunistas, fisiológicas e rentistas que sempre se aproximaram do centro do poder, qualquer poder.
Mas o presente texto não pretende analisar o cenário político brasileiro como um todo; ele trata apenas da trajetória recente da atual “oposição” ao governo do PT, supostamente empenhada, desde 2003, em criar as condições para reconquistar seu eleitorado e se configurar como alternativa viável de governo, no seguimento de uma hipotética vitória eleitoral em 2014. Ele estabelece primeiro um diagnóstico da situação política na presente conjuntura, para examinar em seguida as tarefas da oposição num sistema político democrático. Ele passa, então, a analisar as principais deficiências da “oposição” brasileira, para depois formular uma série de considerações sobre uma possível estratégia de reconquista do poder pela “oposição”, visando convertê-la em oposição, simplesmente, credível e com chances de chegar ao poder. O texto conclui afirmando que o eventual sucesso de qualquer estratégia de ação da atual “oposição” depende, em grande medida, de lideranças esclarecidas, o que não parece ser o caso, atualmente, com o simulacro de “oposição” existente. 
Outra constatação inicial, que o mesmo observador político referido ao início deste ensaio poderia fazer, é que essa “oposição” presumida deixou ao relento, de fato órfão, metade do eleitorado brasileiro, a julgar pelas evidências da mais recente campanha presidencial, ao faltar com suas responsabilidades de verdadeira oposição e ao não oferecer respostas compatíveis com as demandas desses eleitores. Mas essa constatação é um desdobramento lógico da análise que agora passa ser feita.

O diagnóstico da situação política na presente conjuntura
É evidente que o atual bloco no poder – dominado majoritariamente pelo PT – conquistou legitimamente sua hegemonia política ao longo dos três últimos embates eleitorais. Ele o fez com base em hábil propaganda política, com extenso recurso à manipulação das comunicações, mas também com o apoio de uma boa organização partidária (e corporativa), ainda que recorrendo diligentemente à propaganda enganosa, eventualmente a fraudes processuais (quando não a crimes eleitorais, apenas parcialmente sancionados pela justiça do mesmo nome). Essencialmente, porém, a razão maior do sucesso foi, de forma muito explícita, o carisma político-eleitoral de sua principal liderança e figura de grande relevo no cenário político. É também evidente que essa mesma personalidade e o seu partido domesticado – mesmo se fracionado internamente – pretendem preservar a atual hegemonia pelo futuro previsível, com base nos mesmos elementos políticos, aplicando de maneira diligente as mesmas receitas que os habilitaram a dirigir o país nos últimos oito anos.
Ainda mais evidente, e visível, nesse período, foi o desaparecimento gradual e a virtual inoperância daquilo que se poderia chamar, com extrema generosidade, de “oposição”; na verdade, um conglomerado de tênues lideranças políticas, fragmentado em projetos pessoais ou regionais, e totalmente incapaz de oferecer alternativas credíveis ao eleitorado que não comunga das mesmas concepções de política, de economia e de sociedade do bloco no poder. Nunca se percebeu, desde 2003, um discurso coerente da “oposição”, alternativo e em oposição ao do bloco no poder. Este tampouco tinha um discurso coerente, mas soube implementar medidas de clara receptividade popular, sobretudo nas áreas sociais, com um enorme reforço de propaganda nas supostas virtudes do governo e apoiado no evidente carisma do seu líder político. Com base em virtudes próprias e nesse grande empenho publicitário, o líder em questão praticamente deixou a condição de carisma para firmar-se como novo mito do cenário político brasileiro, provando, mais uma vez, que mentiras bem articuladas podem, sim, criar fatos políticos dotados de boa impregnação popular. 
Caso a evolução dos próximos anos confirme esse mesmo cenário, pode-se ter o afastamento da “oposição” – ou o que passa por ela – do governo durante mais de duas décadas, frustrando possivelmente metade do eleitorado brasileiro – das regiões mais desenvolvidas e majoritariamente de estratos mais esclarecidos – que não se reconhece no, e até recusa o, projeto de poder do bloco petista atualmente hegemônico. A percepção que emerge da atual situação brasileira é a de que a maior parte da população – embora não suas correntes mais esclarecidas – partilha das concepções econômicas, políticas e culturais do atual bloco no poder, que demonstrou ter praticado um “gramscismo” adaptado às condições de educação política do Brasil, configurando um cenário político que apresenta desafios para a consolidação de um sistema democrático no país, na medida em que as práticas políticas mobilizadas por esse bloco representam de fato um atraso relativo do ponto de vista da ética cidadã.
Não é surpreendente que o governo mantenha a capacidade de iniciativa e a ofensiva política – por todos os meios ao seu alcance – ou que até procure dominar – igualmente por todos os meios disponíveis, inclusive alguns pouco recomendáveis – o poder legislativo, colocado como nunca antes – salvo nos períodos ditatoriais – em situação de subordinação e de dependência em relação às verbas e diretivas do Executivo.  Não se pode tampouco esquecer os movimentos ditos “sociais” (a maioria na folha de pagamentos do executivo) e suas correias de transmissão nos mais diversos setores, com destaque para o sindical (não só de trabalhadores, mas igualmente patronais), que desempenham um papel importante na estratégia gramsciana de ocupação de espaços. A rigor, trata-se de uma “ditadura do Executivo”, no sentido em que este passa a determinar o voto dos parlamentares e as ações do que passa por uma “sociedade civil organizada” – manipulada, seria o termo mais exato – na direção que mais interessa ao primeiro, embora à custa de nacos do orçamento e de farta distribuição de cargos e comissões nas mais diversas prebendas estatais (na verdade, em todos os entes dominados ou influenciados pela vontade daquele poder). 
O que é surpreendente é a “oposição” colocar-se totalmente a reboque da agenda governamental, deixar-se pautar pela propaganda oficial e descurar completamente da construção de uma pauta própria de críticas e de reivindicações independentes, em nome da sociedade e dos eleitores de oposição que ela deveria supostamente representar. O que surpreende, de fato, é essa renúncia a ser oposição, ou a forma confusa, errática e até patética com que a “oposição” se desempenhou nesses anos de “travessia do deserto”. O parlamento é, evidentemente, o ponto fulcral das articulações políticas. Mas se a oposição revelou-se totalmente ineficiente, e até irrelevante, na suposta “casa das leis”, ela era inexistente, literalmente, na esfera da própria sociedade, cujos espaços de manifestações e de expressão de opiniões – inclusive nos meios acadêmicos e da imprensa – estavam totalmente ocupados por adesistas, por militantes da causa ou por serviçais do bloco no poder.

As tarefas da oposição num sistema político democrático
Em situações democráticas “normais” – isto é, com possibilidades reais de alternância no poder entre duas, ou mais, correntes majoritárias –, o grupo que perdeu as eleições em um dado país se recompõe politicamente – eventualmente mudando seus líderes – e se dedica a uma séria preparação para os novos embates eleitorais mais à frente. Nas democracias modernas, o poder costuma ser alternativamente investido por três grandes grupos políticos – geralmente um de tendência social-democrata, ou socialista, outro bloco centrista ou reformista moderado, e, não raro, também, um setor conservador – que vão sendo guindados ao comando do Estado ou dele afastados em função da conjuntura econômica e dos benefícios sociais que eles possam trazer à maioria da população: desemprego, inflação, segurança (imigração, por exemplo), ou até questões morais (corrupção, mentiras e fraudes políticas, etc.).
A primeira tarefa, quando um grupo ou partido é “empurrado” para a oposição, é a de elaborar um diagnóstico – se possível consensual – sobre as razões da derrota: os líderes se dedicam, então, a analisar os fatores principais do insucesso para daí retirar as lições que se impõem, no que pode ser um simples episódio eleitoral momentâneo. Se a derrota é, porém, recorrente, ao longo de dois ou mais embates eleitorais, ou mesmo “estrondosa”, o diagnóstico teria de ser amplo, alcançando inclusive as bases programáticas do partido (sua “carta” aos eleitores). Nos casos menos graves, se deveria atuar sobre os fatores de oportunidade, de mensagem política e de apresentação de propostas ao público eleitor. Feito o diagnóstico, retiradas as lições, deve-se preparar o terreno para as novas etapas que se apresentarão inevitavelmente à oposição. Nos regimes presidencialistas, as eleições sempre têm datas marcadas; nos parlamentaristas, elas podem se apresentar a intervalos variados.
Normalmente, uma oposição organizada tem, entre seus membros mais relevantes e também no staffpartidário, especialistas nas diversas políticas macroeconômicas e setoriais que devem compor a mensagem do partido para o seu eleitorado, tradicional e flutuante (pois a intenção é sempre a de conquistar maior apoio entre os eleitores). Esses especialistas devem fazer o seguimento das políticas correspondentes do bloco no poder, discutir suas implicações para o país e tentar oferecer suas propostas alternativas de políticas, que contemplem as expectativas de seu eleitorado e de franjas mais amplas da população. 
Normalmente esse trabalho é conduzido no parlamento, mas o partido também pode ter apoios extensivos na sociedade, como são aqueles vinculados a movimentos sindicais e de interesses setoriais. Na tradição inglesa, se tem a prática do “shadow cabinet”, ou seja, um “ministério” alternativo que faz o acompanhamento das políticas em curso, elabora a crítica das medidas implementadas e faz um oferecimento público de suas próprias alternativas de políticas. Não é preciso ser britânico, contudo, para exercer o saudável hábito do gabinete-espelho, ou melhor, de um governo paralelo: basta organizar seus especialistas e colaboradores voluntários para lançar o debate com a sociedade. Mais até do que oferecer soluções prontas e completas, a oposição tem de saber questionar os fundamentos de cada medida governamental, refazendo os cálculos de custo-benefício, alertando para os trade-offse os side-effects– eles sempre existem – e antecipando consequências indesejadas e o custo-oportunidade da “receita” oficial. Este é, aliás, o principal dever da oposição: ela deve estar sempre pronta a oferecer soluções alternativas, ainda que parciais, ao quinto ou mesmo ao terço da população eleitoral não suficientemente identificada a uma das forças políticas nacionais dominantes (eventualmente no poder). É essa fração do eleitorado inconstante em suas escolhas – e volúvel, portanto – que pode fazer pender a balança para um lado ou para o outro, em função de considerações de curto prazo ou ligadas à conjuntura econômica do momento.
Na prática, as coisas são mais complicadas, pois mesmo nos partidos mais modernos e institucionalizados, muito depende dos líderes do momento, do carisma e da atração que estes possam exercer sobre o eleitorado, e também das disputas entre as lideranças desse partido; estas últimas sempre podem eventualmente descambar para o regionalismo ou o caciquismo, em ambos os casos com consequências nefastas para a imagem da oposição. Mais grave ainda é quando essa oposição perde o contato com a realidade e com as expectativas de seu próprio eleitorado, para não dizer da maioria da nação. Surgem, nesse caso, dissidências que vão para outros partidos ou constituem os seus próprios. A experiência brasileira é extremamente pródiga nesses tipos de eventos, sendo conhecida pela anarquia partidária, pela dança de partidos por parte de políticos profissionais e pela criação de partidos de aluguel ou de fachada.
Em qualquer hipótese, qualquer governo – de esquerda, de direita ou de centro – suporta o inevitável desgaste da governança, já que políticas “antipopulares” sempre precisam ser implementadas em algum momento, seja para corrigir exageros de tipo social-democrático (distributivismo fiscalmente irresponsável, déficits orçamentários, desalinhamentos cambiais, etc.), seja na vertente oposta (percepções de que os centristas ou conservadores se ocupam mais dos ricos do que dos pobres), ou por razões diversas (problemas de segurança, desemprego, etc.). A própria dinâmica econômica e conjunturas adversas impõem limites a quem exerce o poder. 
Assim, quando o eleitorado decidir tentar outros caminhos, outras soluções, a oposição, qualquer que seja ela, precisa estar pronta para oferecer suas receitas e propor seus remédios. A oposição precisa ter um programa de governo. Para isso ela precisa ter um projeto de poder, ou seja, ter consciência do quê, exatamente, precisa ser feito, dizer como pretende fazer, e demonstrar credibilidade no empreendimento. O eleitorado brasileiro, pelo menos parte dele, tentou encontrar outra via, pelo menos em duas oportunidades: a “oposição” o abandonou miseravelmente. Ela não tinha soluções e sequer um discurso a apresentar. É o que discutiremos agora.

A “oposição” brasileira e suas principais deficiências
Não é preciso ser um analista político de qualquer envergadura para constatar que a “oposição” brasileira – que, apenas para relembrar, vinha de oito anos, ou mais, de exercício do poder – falhou miseravelmente em sua missão oposicionista. Dizer que ela foi inepta, ineficiente, incompetente, patética, seria até ser generoso com as principais forças que foram agrupadas nessa classificação de “oposição”. Basta dizer que, simplesmente, não existiu uma oposição de verdade durante todo o governo Lula: as forças que deveriam, até precisavam, ser oposição, simplesmente se auto-anularam para um exercício que é uma das tarefas mais legítimas em todos os regimes democráticos. 
Em sua defesa, pode-se dizer que os petistas, seu líder em especial, foram extremamente competentes – descontando-se, claro, as mistificações criadas para tal efeito – na construção de uma versão peculiar do processo político, da própria história recente do Brasil, o que deixou as forças potencialmente oposicionistas num estado psicologicamente defensivo, até de “vergonha assumida”, por supostos erros e injustiças cometidas ao longo do chamado neoliberalismo do “tucanato”. As campanhas eleitorais de 2002, de 2006 e de 2010 foram construídas com base em deformações grosseiras das políticas conduzidas sob os governos anteriores, desde as simplificações enganosas sobre as privatizações, até as patriotadas sobre a soberania retórica e a submissão ao FMI, passando pelo monopólio da “bondade social”, como se tudo tivesse tido início em 2003. Poucas vezes, no cenário político brasileiro, a versão deformada da história, em vários aspectos até mentirosa, conseguiu tal impregnação no imaginário popular, a ponto de anular discursos e ações daquelas mesmas forças que deram início à estabilização econômica e criaram as condições para a fase de crescimento com distribuição e prosperidade.
Muito se deve, obviamente, às qualidades de “ilusionista” político do presidente popular, suas mistificações propagandistas, mas também às boas condições da economia internacional, durante a maior parte de seus dois mandatos, e a uma gestão razoavelmente responsável na frente econômica. Mas deve-se reconhecer, também, que a “oposição” se auto-anulou durante todo esse tempo, jamais tendo conseguido articular um discurso coerente, sequer esclarecedor, sobre o cenário de mentiras criado pelo bloco no poder. Quais as razões desse suicídio político?
Todo e qualquer ato político é encarnado por personagens políticos, príncipes e conselheiros do príncipe, que se conjugam na missão de conduzir homens e partidos ao pináculo do poder, ao comando do Estado. Devemos então concluir que à “oposição” brasileira faltaram as virtudes e as qualidades que, segundo Maquiavel, devem estar presentes nas pessoas que pretendem deter esse comando. Não que o presidente do bloco no poder fosse um estadista, mas certamente se tratava de um “animal político” extremamente competente. Pode-se dizer, nesse sentido, que à “oposição” – ou o que passa por ela – faltaram “animais políticos” de verdade, pessoas que tivessem as virtudes ou a fortuna – para permanecer nos termos do florentino – para representar uma pequena chance de alternância na disputa de poder. 
Por certo que se trata de uma incapacidade de se organizar, com bases reais na sociedade, para, a partir daí, conceber e exibir um discurso coerente, compatível com as aspirações de largos estratos sociais, sobretudo nas classes médias. Mais grave ainda: pode-se dizer que à “oposição” brasileira faltaram, sobretudo, ideias claras sobre como apresentar e “vender” seu programa, se é presumível que, de fato, ela pudesse ter algo assimilável a um programa para oferecer à metade da população – na verdade estratos cambiantes – que não aceita e nunca aceitou a propaganda política que lhe foi servida sob disfarce de “política nacional” pelo bloco no poder. Sem conseguir ver claro no cenário político, dividida pelo caciquismo de seus líderes regionais, a “oposição” não soube sequer explorar as inconsistências e mazelas do bloco no poder, tão evidentes aos olhos de estratos médios de eleitores basicamente comprometidos com a ética e a moralidade no trato da coisa pública. 
Pode-se aventar a hipótese de que a qualidade dos homens públicos que se colocam numa oposição de princípio ao bloco no poder – não por razões puramente instrumentais, de conquista do poder pelo poder, mas quer se acreditar que por razões de filosofia política – precisaria melhorar dramaticamente para que eles possam integrar algo suscetível de ser chamado de oposição. Talvez sejam necessárias, inclusive, novas lideranças políticas, que obviamente tenham “princípios” compatíveis com uma oposição digna desse nome.  Tal “reinvenção” depende de vários fatores dentro os quais podem ser citados: a reeducação dos próprios integrantes do que é hoje uma oposição de araque; a reorganização de suas bases partidárias; a revisão do seu modo de “funcionamento” no Congresso; mudanças nos parâmetros mentais que orientam o discurso político e que comandam suas ações no plano prático; transparência aos olhos dos eleitores e, sobretudo, distinção clara com “tudo isso que está aí”, atualmente, e que visivelmente não agrada ao eleitorado instruído. Tudo leva a crer que uma nova oposição precisa ser construída, ou que a atual “oposição” deva ser praticamente reinventada, para, finalmente, começar a existir. Vejamos como.

Da travessia do deserto a... mais deserto?
A oposição a ser construída – a verdadeira, não o simulacro que hoje existe – já parte de uma formidável base real e potencial. Os dados eleitorais estão disponíveis no site do TSE, mas se podem extrair algumas conclusões adicionais a partir deles. A base total do eleitorado brasileiro situava-se, em 2010, em quase 136 milhões de pessoas, provavelmente atingindo 145 milhões em 2014. A abstenção em 2010 foi excepcional, alcançando quase 30 milhões de eleitores, aos quais se juntaram 4,6 milhões que anularam seus votos e 2,5 milhões que se abstiveram de qualquer escolha. Os “excluídos” representaram, portanto, um quarto do eleitorado; pode-se, em toda legitimidade, imaginar que eles possam ser reduzidos à metade, em condições normais de disputa política, o que, infelizmente, não ocorreu em 2010. 
Imaginamos, também, que os votos dados à “oposição”, em torno de 43 milhões, sejam realmente de oposição ao presente estado de coisas, especificamente ao “Estado do PT”. Pode-se razoavelmente conceber que uma oposição – qualquer oposição – no Brasil, possa reunir metade do eleitorado, admitindo-se, inclusive, que a educação política, de um lado, e o desgaste do poder petista, de outro, contribuam para uma pequena maioria potencial, numa situação em que o mito carismático ainda estará ativo e trabalhando para consolidar o poder petista. 
Num regime parlamentarista, é possível compor um governo com apenas 40% de apoio popular. Regimes presidencialistas do tipo brasileiro, ou americano, contudo, convivem com maiorias diferenciadas para a representação parlamentar e para a chefia do executivo, cargo este que exige a maioria absoluta do eleitorado. Na prática, não existe, a rigor e numa abordagem prosaicamente matemática, nenhuma garantia antecipada de vitória, ou certeza de derrota, para qualquer um dos lados, na medida em que, à diferença dos sistemas parlamentaristas, contendas eleitorais em sistemas fortemente marcados por disputas pessoais apresentam-se quase como uma loteria. Um dos fatores é que os eleitores “flutuantes”, os “indiferentes” e os “desalentados” são em número suficiente para alterar a balança para qualquer um dos lados.
Porém, números são um componente talvez objetivo, mas insuficiente para determinar resultados eleitorais. Mais importante é a predisposição do eleitorado para “acolher” uma definição clara quanto aos problemas mais angustiantes da conjuntura. A situação econômica pode até ser decisiva numa escolha eleitoral; mas as percepções sobre quem conduz a política econômica e sobre como ela é conduzida pelos responsáveis também são relevantes. Questões como emprego, segurança pessoal, disponibilidade de serviços públicos – saneamento, saúde e educação, etc. – e temas pontuais, de interesse setorial ou regional podem fazer pender a balança eleitoral. Em outros termos, não existe uma determinação prévia quanto aos embates eleitorais no modelo brasileiro – como em qualquer outro, aliás – e isso significa que as chances estão abertas às forças políticas que pretendam se apresentar como oposição.
Não importam quais sejam as alternativas de políticas oferecidas ao público eleitor por uma oposição efetiva e confiável. É preciso que esta seja precisamente isso: confiável. Ora, não é surpresa para nenhum eleitor medianamente bem informado que a classe política, de maneira geral, fez tudo o que era possível para se desqualificar moralmente, para se rebaixar no plano da ética, para deteriorar completamente a instituição parlamentar e outro tanto no plano dos executivos locais, estaduais e até o federal. Qualquer que seja a qualidade da nova mensagem política de oposição, se ela um dia existir, sua credibilidade, intrínseca e extrínseca, depende essencialmente da regeneração moral de suas lideranças, que deveriam operar aquilo que os italianos – escaldados por anos e anos de corrupção política – chamam de rientro morale, ou seja, uma profunda recomposição da ética na vida política do país. 
A julgar por exemplos recentes – os aumentos para os próprios parlamentares e a questão das aposentadorias escandalosas de ex-governadores são dois casos eloquentes do completo descompasso entre as expectativas da população e a atitude das “oposições” – o Brasil não está sequer próximo de uma recomposição da classe política para fora da atual degradação das instituições de representação; nisso, a suposta “oposição” não se diferencia em nada das perversões morais alimentadas pelo próprio bloco no poder. Aparentemente, a “oposição” atual ainda não está pronta a empreender essa passagem; ela não quer enfrentar sua própria regeneração moral (talvez não possa, ou não tem coragem, provavelmente não quer). 
Uma vez aceita e internalizada essa decisão pela “moralização” da oposição – que se situa no centro de toda e qualquer regeneração oposicionista, cabe lembrar – começa, então, a tarefa de organizá-la em função do objetivo da reconquista do poder. Tal tarefa implica, em primeiro lugar, uma definição clara de um programa político de escopo nacional e setorial, ou seja, uma plataforma explícita tocando em todos e cada um dos principais problemas nacionais, sobretudo na esfera institucional, no terreno econômico e nas diversas áreas de maior impacto no plano das políticas públicas (social, cultural, regional, etc.). 
Não é simples montar um programa e uma plataforma de ação com tal amplitude, o que certamente exigirá seminários e grupos de trabalho em cada uma dessas vertentes abertas à ação partidária. Mas um partido, ou uma oposição, que pretenda aspirar a ser uma real alternativa de poder não pode ser econômico nem em definições programáticas, nem em propostas político-econômicas relativamente detalhadas. Basta arregaçar as mangas e colocar o cérebro para pensar.

O que fazer? Tudo depende de lideranças esclarecidas
Vendo o panorama da planície, isto é, do ponto de vista dos cidadãos eleitores, não parece haver dúvidas de que o Brasil não conta com uma classe política à altura de suas novas responsabilidades enquanto potência emergente, desejosa de assumir um papel relevante na cena internacional. O parlamento, em especial, mas também os partidos políticos e as forças que gravitam em torno deles parecem viver num mundo à parte, feito de partilha de despojos estatais, conquista de pedaços do orçamento e disputa por pequenas prebendas em todos os poros do imenso ogro estatal.
A discussão sobre temas internacionais no parlamento, e dentro dos partidos, é rara, superficial e geralmente equivocada. Quando ela ocorre, tende a focar falsos problemas que estariam, supostamente, na origem das dificuldades enfrentadas pelo Brasil: guerra cambial de alguns, concorrência desleal de outros, capitais especulativos de um lado, arrogância imperial de outro, ameaças imaginárias sobre a soberania brasileira, em alguma parte de seu imenso território, e sobre seus fabulosos recursos naturais. Poucos desses representantes políticos, contudo, comparam o Brasil a seus equivalentes em outras partes do mundo; poucos deles se dão conta de como o Brasil avança devagar, de como ele está de fato atrasado em relação às mudanças mais dinâmicas que estão ocorrendo um pouco em todas as partes. 
 De fato, nenhum dos problemas atuais enfrentados pelo Brasil tem a ver com impactos negativos do ambiente externo: o mundo tem sido muito “generoso” com o Brasil, oferecendo mercados e provendo investimentos de todos os tipos para sustentar seu crescimento do período recente. Todos os problemas brasileiros, sem exceção, são “made in Brazil”, têm raízes puramente internas e devem receber aqui sua solução; seu equacionamento passa por um conjunto de reformas que deveria estar no centro de qualquer programa credível de proposta política geral de um movimento oposicionista aspirando legitimamente conquistar o poder para implementar, a partir daí, essas reformas. 
A oposição não conseguirá chegar a ocupar esse espaço alternativo de candidata ao poder se não trabalhar intensamente no diagnóstico dos problemas brasileiros, no oferecimento de respostas sólidas aos mesmos problemas, e na sua própria organização interna, colocando-se numa posição de governo “virtual”, ou potencial, com base em propostas aceitáveis para uma maioria de brasileiros, sem ceder a populismos ou à demagogia habitual nesses meios. Ou seja, a oposição precisa estar pronta para oferecer outro futuro a todos os brasileiros que não acham que a esperteza política aliada ao oportunismo propagandístico representa o horizonte real de possibilidades para o país. Existe um imenso contingente de brasileiros que não se reconhece no estado de coisas vendido atualmente como a condição normal e possível para o Brasil. Como diriam alguns sonhadores, “outro Brasil é possível”; mas para isso outra oposição é necessária, uma que se apresente como alternativa credível.
Uma das condições essenciais para que essa oposição seja construída parece ser a existência de lideranças dotadas de credibilidade intrínseca e de capacidade política para, em primeiro lugar, reformar profundamente a “oposição” atual; num segundo momento, presidir à elaboração temática e organizacional de um “governo” alternativo ao atual bloco no poder. Não existe nenhum obstáculo “técnico”, nenhuma força externa à própria “oposição”, nenhum impedimento estrutural, ou nacional, de caráter político, para que essas tarefas sejam empreendidas.
Tudo depende da disposição de figuras políticas que pretendam aspirar ao papel de alternativa ao poder atual: a “fortuna” do quadro político pode ser favorável a uma oposição renovada, como observado nas eleições de 2010. Mas o fator mais importante ainda é – ele sempre é – constituído pelas “virtudes” dos condutores de cidadãos. 

 [9 de março de 2011; revisto em 10/03/2001; revisão 2]

Resumo: Ensaio analítico-opinativo sobre a inexistência de uma oposição efetiva no cenário político brasileiro atual e sobre as tarefas da oposição num moderno sistema político democrático. Discussão em torno das condições pelas quais se poderá ter a eventual reconstrução de uma oposição digna desse nome no Brasil.
Palavras-chave: Brasil. Sistema político. Oposição. Manutenção do poder.

* Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira e professor universitário, com diversos livros sobre a política externa e as relações internacionais do Brasil (www.pralmeida.org); não pertence, nem pretende pertencer a qualquer organização política brasileira.