Mini-reflexão sobre a miséria que ainda nos aguarda
Paulo Roberto de Almeida
Aos que esperam algum tournant decisivo nesta semana que já foi identificada como o “ponto alto” da CPI da Pandemia, eu diria que cabe baixar a bola e apenas aguardar mais do mesmo. E o que é “mais do mesmo”?
Desculpem o longo parágrafo explicativo seguinte, mas ele tem a pretensão de resumir nossa trajetória declinante desde a segunda metade da ditadura militar até o ponto mais baixo desse itinerário decadente a que fomos conduzidos sob a presidência de um inepto perverso, que desde o início de 2019 aprofunda a decrepitude na qual vivemos atualmente.
Trata-se do prolongamento de um imenso, delongado, doloroso e angustiante processo agônico de declínio estrutural a que o Brasil foi levado desde a última fase do regime militar, no qual navegamos a esmo durante os 20 anos seguintes (1983-2003), com os altos e baixos de um mar encapelado no Brasil e no exterior — crises da dívida externa, “moratória soberana”, Constituinte utópica e auto-destrutiva, aceleração inflacionária, seis trocas de moedas e estabilização parcial, crises financeiras externas aumentando nossa fragilidade macroeconômica — e com algumas ilusões de crescimento não sustentado nas quase duas décadas seguintes, que também corresponderam a certa perda na qualidade das políticas públicas (macroeconômicas e setoriais), a uma tentativa de assalto monopólico ao poder por uma organização criminosa travestida de partido político, que conduziu um imenso exercício de cleptocracia improvisada e à criação da maior recessão de nossa história econômica, e que nos levou, finalmente, aos braços de uma extrema-direita a mais estúpida que é possível contemplar no cenário político mundial contemporâneo.
Esta semana de 18 a 22 de maio de 2021 será uma espécie de “ponto ótimo da crise” na trajetória da CPI que deveria ser do “fim do mundo”, mas que representará apenas a continuidade da descida ao fundo do poço; nossas “elites políticas” ainda não cessaram de perpetrar seu horrível trabalho de aprofundar nosso declínio, e eu explico porque.
Assim que saiu a decisão de Lewandowski a pedido da AGU em favor do Sargento Tainha da Saúde, eu já tinha alertado: Pazuello recebeu o direito de mentir sobre o capitão e de colocar toda culpa em terceiros, o que inevitavelmente recairá no primeiro. Fecha-se a quadratura do círculo. Depois, cabe aos senadores tocar o barco. Como estamos no Brasil, lamento dizer o seguinte: quanto mais se conseguir provar a incapacidade de Bolsonaro seguir sendo presidente, mais o Centrão se esforçará para mantê-lo no poder.
É isso, ou a mobilização da sociedade, o que não ocorrerá pois convém tanto às ditas esquerdas, PT em primeiro lugar, manter a bipolaridade e que Bolsonaro seja o candidato que chega sangrando em outubro de 2022, quanto também interessa ao genocida no poder que Lula seja seu adversário naquela data, numa espécie de aposta extrema e desesperada para que o cenário divisivo de 2018 se repita.
Não sei se vocês já perceberam, mas os brasileiros se encontram numa situação que tem uma expressão no léxico do desespero: “abraço de afogados”. É a isso que o nosso miserável sistema político e essa nossa formidável mediocridade das elites nos levou: a continuar cavando a fétida fossa da desesperança, para chegar a lugar nenhum, a não ser o prolongamento de nossa decadência como nação. É esse o espetáculo que vamos infelizmente oferecer ao mundo no bicentenário de nossa emergência como Estado independente: será um triste espetáculo posso assegurar.
No plano da conjuntura imediata, pode-se parafrasear um dos títulos de Gabriel Garcia Marquez: El Capitán no Tiene Quienes le Oigan. Com 500 mil mortos a caminho, falta completa de vacinas, uma CPI no lombo e assessores aloprados que não apenas não conseguem defendê-lo, mas que vão conseguir enterrá-lo um pouco mais, o dito capitão não tem a menor chance de chegar “vivo”, politicamente, até outubro de 2022.
Quero virar jacaré se ele conseguir manter-se no cargo, dispondo de apenas 15% de apoio “popular” até lá. Mas isso não importa. O que importa é que NADA estará resolvido até lá e qualquer que seja o resultado da contenda eleitoral: se o chefe mafioso (mas inteligente e perspicaz) das esquerdas, se o capitão inepto e destrambelhado (como reação à volta do lulopetismo), seja ainda um tertius ainda indefinido que se apresentará claudicante depois do engalfinhamento patético que ocorrerá nas forças ditas “centristas” (um saco de gatos onde figuram os mesmos politicos corruptos do Centrão e alguns oportunistas de ocasião).
Qualquer que seja o resultado do pleito presidencial, o país continuará dividido e acrimonioso, confuso e perdido quanto ao seu futuro — pois que o processo eleitoral NÃO consistirá de discussões em torno de programas de governo e sim em uma lamentável troca de acusações recíprocas — e a sociedade persistirá nesse esquartejamento de impulsos contraditórios entre populismos de direita e de esquerda, sem qualquer possibilidade de que um projeto de reformas estruturais seja proposto e levado adiante por algum pequeno grupo com pretensões a estadistas.
Termino constatando justamente isto: o Brasil atual — mas isso vale para toda a nossa “herança” da ditadura militar — parece uma nação incapaz de produzir o seu pequeno lote de estadistas capazes de elevar o nível do debate político e de oferecer caminhos de escape do atual (mas já longo e delongado) processo de decadência estrutural. Um dia, longínquo por certo, conseguiremos sair do presente e continuado atoleiro para superarmos progressivamente (mas com dificuldades) nossas grandes tragédias permanentes e algumas conjunturais: a não educação da maior parte da população, os baixíssimos níveis de produtividade do capital humano (que é uma consequência do primeiro fator), a imensa corrupção dos estamentos políticos (derivado do patrimonialismo nunca vencido), a instabilidade jurídica criada pelo mandarinato da alta magistratura (em parte medíocre e também corrupta), ademais do caráter predatório de nossas elites (de quaisquer tipos e setores, novas ou velhas, estatais ou privadas).
Lamento ter ocupado a atenção dos poucos que me leem com um texto essencialmente pessimista, como este, mas é porque ele foi feito para meu próprio “esclarecimento”, que não é nenhum Aufklarung em direção de um projeto utópico de futuro, mas uma simples síntese de minha desesperança atual: não, não espero nada da conjuntura imediata — ou seja, da CPI da Pandemia e seus efeitos subsequentes — ou do médio prazo de nossa trajetória político-eleitoral de 2022, pois que considero que continuares nas névoas e brumas de um itinerário largamente indefinido, e incerto.
Continuaremos nos arrastando penosamente em direção a esse futuro incerto, com alguns poucos progressos aqui e ali, pois como dizia Mário de Andrade cem anos atrás: “progredir, progredimos um tiquinho, que o progresso também é uma fatalidade”.
Sorry pela “fatalidade” sociológica.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/05/2021