Economistas são seres
simplistas, por definição. Eles costumam basear suas equações sobre a criação
de renda e riqueza a partir de três fatores produtivos básicos: trabalho,
capital e recursos naturais. Muitos outros economistas já tentaram introduzir
nessas equações um outro fator produtivo: o capital humano. Mas, por diversos
motivos, este acréscimo ainda não se tornou de uso comum na ciência econômica.
Em todo caso, a riqueza das pessoas (Ps) costuma ser medida sob duas formas: em
fluxos reais de renda, que é aquela que deriva de seu trabalho (RT), e em
estoque da riqueza acumulada do trabalho, que costuma ser chamada de patrimônio
(RP), esta podendo ser imobilizada (imóveis, iates, carros, etc.), ou ser
utilizada para a criação de novas riquezas, sob a forma de ativos líquidos, e que
podem ser chamadas de rendas do capital (RC).
É muito importante
distinguir a dinâmica populacional – uma vez que criação de renda e riqueza
depende das pessoas – dos níveis de renda (fluxos) e riqueza (estoques), que
variam muito de um país a outro. A despeito de que o capital (bastante) e as
pessoas (menos) possam viajar pelo mundo, não existe uma autoridade global e
uma única fonte de regulação dos fluxos e dos estoques em posse das pessoas, e
sim Estados nacionais (ENs) com jurisdições próprias. As filosofias em vigor na
história do mundo moderno podem ser divididas, grosso modo, entre o liberalismo
econômico, que acha que a criação de renda e riqueza deve ficar sob a
competência das próprias pessoas (Ps), com um mínimo de interferência dos ENs,
e o marxismo, que acha que ENs devem regular a RT e RP em benefício de todos,
transferindo fluxos de renda e estoques de patrimônio entre as Ps, segundo
critérios determinados por políticos e burocratas desses ENs.
Existem neste mundo êmulos de Marx, em todas
as partes, para todos os gostos e para todas as finalidades, alguns deles até
mais espertos do que a maioria dos crentes, aproveitando-se da adesão de muitos
nas teorias do capital (e do capitalismo) para aumentar o seu próprio capital
às custas dos muito crentes nas antigas teorias do capital, que diziam que o
capital só podia aumentar às custas do trabalho dos que dependiam apenas do seu
trabalho individual. Esta separação absoluta dos partidários da teoria do
capital – que na verdade é uma teoria do valor trabalho, a única coisa errada
aceita por um liberal clássico como Adam Smith – não leva em conta o chamado
capital humano, que os próprios economistas penam a integrar em suas equações.
Em todo caso, eles sabem medir bem o crescimento da renda e riqueza dos ENs,
usando para isso níveis monetários de valor agregado (ou PIB). Esse PIB se
distribui entre as Ps, segundo uma dinâmica populacional e econômica, e para
isso se mede o PIB per capita. Os êmulos de Marx acham que os ENs deveriam
taxar mais RP-RC para distribuir entre os que possuem apenas RT, de maneira a
tornar o mundo mais igualitário, ou menos desigual.
O problema todo é que essa
recomendação marxista não deriva de nenhuma análise econômica sobre a criação
de renda e riqueza, sendo apenas e tão somente uma recomendação política,
baseada numa filosofia do igualitarismo, que é a mesma que vê no capital a
fonte de todos os problemas humanos, e que considera que a criação de riqueza
só se dá pela via do “valor-trabalho”. Essa filosofia orienta os ENs a
avançarem sobre RP-RC, ou seja sobre o estoque de riqueza das poucas Ps muito
ricas (que por definição são sempre em menor número), para distribuí-la entre
as Ps que só dispõem da RT, ou seja dos fluxos de pagamentos derivados de seu
trabalho. Ela tem tido sucesso ao redor do mundo, uma vez que pessoas dispondo
de RT são sempre em maior número, formando a larga maioria dos cidadãos
votantes nas modernas democracias de mercado.
O problema desse tipo de
recomendação é que ela se aproxima do modelo de sociedade recomendada pelos
marxistas, que é aquela na qual não existiria renda do capital, e nenhuma
riqueza acumulada (RP), na qual todas as rendas do trabalho (RT) seriam igualitária
e equitativamente divididas pelo EN. Não é preciso aqui grandes digressões, com
base em equações econômicas ou em séries estatísticas históricas de renda e de
riqueza, para constatar que esse tipo de sociedade não funcionou, e que os
únicos exemplos reais na história – o socialismo de tipo soviético e seus
êmulos ao redor do mundo – foram notórios fracassos econômicos na criação de
renda e riqueza, só conseguindo se manter à custa de enorme repressão política,
que produziu grande infelicidade humana (total falta de liberdade, e até mesmo
alguns milhões de mortos).
Um modelo mais “ameno”
desse tipo de igualitarismo radical – mas falso, uma vez que os que controlam o
EN se apropriam de uma parte importante das rendas do “valor-trabalho” – é o
socialismo moderado dos regimes de tipo socialdemocrata, em vigor em diversas
democracias modernas de mercado, basicamente na Europa, com contrafações disso
no resto do mundo (inclusive nos Estados Unidos e em diversos países da América
Latina, com alguns poucos exemplos na Ásia). Uma consulta às estatísticas
correntes mais frequentes relativas à criação de renda e riqueza nas últimas
décadas (dados da OCDE, por exemplo) demonstra que o crescimento de todas as
formas de renda e riqueza (RT, RP e RC) foi maior naqueles países onde foi
menor a apropriação de fluxos e estoques dessas formas de renda e riqueza pelos
próprios ENs. Não se trata aqui de opinião ou filosofia política, mas uma constatação
simples, e direta, a partir de uma correlação entre níveis de carga fiscal dos
países e suas respectivas taxas de crescimento do PIB (e do PIB per capita, e
isso independentemente da distribuição social dessas formas de riqueza). Maior taxação,
menor crescimento, simples assim.
Responda sinceramente:
você é a favor de um sistema que permita maior e mais rápida criação de renda e
riqueza – independentemente de como esses fluxos e estoques são distribuídos –
ou prefere um que pretende distribuir renda, riqueza e patrimônio de forma igualitária,
por políticos e burocratas que pretendem saber mais do que você qual a melhor
forma de distribuição social dessas rendas? Observe que os países mais livres
economicamente, que por acaso são mais desiguais, são aqueles que também
crescem mais – e que portanto aumentam todas as formas de riqueza – e que os
mais estagnados econômica e socialmente foram e são aqueles que mais tenderam
ao modelo marxista de organização social. Mais uma vez, não se trata aqui de
opinião ou de filosofia política, mas apenas uma constatação direta dos dados
da realidade (e a ex-URSS, e as atuais Cuba e Coreia do Norte estão aí para
provar isso mesmo). Na vertente mais moderada do modelo marxista, a Europa
ocidental nos prova como é possível crescer menos – e portanto distribuir ou
acumular menos – com base em políticas de tipo distributiva inspiradas no
igualitarismo filosófico da “teoria do valor-trabalho”.
Isso nos traz de volta ao
“capital do século 21”, proposto por um economista que acaba de provar que a
desigualdade vem aumentando no mundo, baseada nos fluxos e estoques de rendimentos
obtidos pelo capital (RP e RC) sobre os simples rendimentos do trabalho (RT).
Ele acha que governos devem taxar mais a RP e a RC dos muito ricos, pois o
problema, para ele, é a existência de poucas pessoas muito ricas – e que tendem
a enriquecer cada vez mais –, não a existência de um imenso contingente de pobres,
ou de pessoas moderadamente ricas (no caso da classe média). Ele prefere
empobrecer os ricos, em lugar de utilizar sua imensa capacidade analítica para
descobrir formas de enriquecer os pobres. Pela experiência visual que já
tivemos no século 20 em torno desse tipo de empreendimento, acredito que será
mais um desastre econômico e social à espreita, do que propriamente uma forma
de criar o verdadeiro capital do século 21.
Hartford, 30 de novembro de 2014.
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