Este manifesto tem uma proposta bastante simples: mudar o debate econômico no Brasil para algo sério e profundo.
A economia brasileira, em que pesem os espetaculosos efeitos especiais produzidos por João Santana na campanha eleitoral, não é Hollywood. Não há economistas do bem e economistas do mal. Qualquer tentativa maniqueísta em prol de tal divisão subestima a complexidade do debate e impossibilita a verdadeira discussão em favor de melhorias de política econômica.
Por definição, o economista é o caçador da melhor alocação dos recursos escassos disponíveis, numa perseguição conduzida sob a égide e a ponderação de três preceitos: eficiência, equidade e liberdade.
Evidentemente, há pesos diferentes para cada um dos três elementos, a depender da escola de pensamento. Mas, em menor ou maior grau, cada um dos pontos da tríade deve ser considerado pela profissão. Essa é sua raison d’être. Se você não valoriza cada um dos pés desse tripé, não pode ser um economista. Ponto final.
Mais do que isso, se Platão está certo em dizer que ninguém é voluntariamente mau, arrisco dizer que qualquer cidadão, de fato, está preocupado com eficiência, equidade e liberdade em uma sociedade democrática. Portanto, se você não é um economista, está também convidado a subscrever este manifesto.
Nesse sentido, é estupefaciente o manifesto dos “Economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social”, assinado, entre outros, por Luiz Gonzaga Belluzzo e Maria da Conceição Tavares.
O documento, em tom crítico aos economistas tradicionalmente alinhados à ortodoxia, toma para si o monopólio da preocupação em prol do desenvolvimento com inclusão social, conforme explicita-se em seu primeiro parágrafo:
“A campanha eleitoral robusteceu a democracia brasileira através do debate franco sobre os rumos da Nação. Dois projetos disputaram o segundo turno da eleição presidencial. Venceu a proposta que uniu partidos e movimentos sociais favoráveis ao desenvolvimento econômico com redistribuição de renda e inclusão social. A maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”
A nossa iniciativa é uma resposta ao manifesto supracitado. Não se trata aqui de entrar no mérito técnico de qual o melhor caminho para o desenvolvimento com inclusão social - embora também o faremos ao final deste texto, pois não fugimos ao debate.
O objetivo é rechaçar a hipótese ventilada pelos economistas heterodoxos de que seus antagonistas são contrários ao desenvolvimento e/ou à inclusão social, tampouco representam “o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais.”
Além de estupefaciente e ofensiva - pois eu me sinto pessoalmente ofendido quando atribuem a mim a despreocupação com questões distributivas -, a assertiva chega a ser curiosa. Foi esse modelo heterodoxo que causou, grosso modo, a interrupção da queda de desigualdade no Brasil desde 2012.
Depois de dez anos consecutivos de melhora, a desigualdade, quando pensada em termos estatisticamente significativos, para de cair em 2012, conforme aponta a Pnad de 2012 e documento IPEA n 159. Há evidências semelhantes em outros trabalhos do IPEA com metodologia diferente da Pnad (e mais parecida com aquelas realizadas por Piketty) ou mesmo no recentemente divulgado aumento do número de miseráveis.
Isso posto, fica a pergunta: a qual desenvolvimento com inclusão social se refere o documento dos economistas heterodoxos? Os economistas do bem querem insistir num modelo que falha em eficiência, equidade e liberdade e os economistas do mal é que são culpados?
Se você, a exemplo de Belluzzo, Tavares e outros, se autoimpõe uma superioridade moral, como se pertencesse a um grupo exclusivo detentor de preocupações distributivas, não há possibilidade de um debate construtivo. A priori, já está decidido o vencedor da discussão, o único provedor da ética e da moral.
A construção de uma síntese na ciência econômica exige uma antítese efetiva à tese. Isso não será possível enquanto um lado da discussão tentar desqualificar o outro, acusando-o de atender a interesses do setor financeiro e de negligenciar a inclusão social. Ao conferir contornos maniqueístas à discussão, impede-se o próprio progresso da ciência e, por conseguinte, da política econômica.
Todos estamos preocupados com o desenvolvimento econômico com redução da desigualdade.O debate sério não pode refutar esta afirmação. A preocupação não está nos fins, mas, sim, nos meios, na forma adequada de atingi-lo.
Em nenhum momento, houve um economista ortodoxo sério sequer defendendo a redução ou interrupção dos programas sociais. O pacto social está definido como política de Estado - e não de governo - desde a Constituição de 1988. Desde então, o gasto social aumenta.
Conforme muito bem descrito pela última carta do Fundo Verde (há um gráfico maravilhoso que eu gostaria de usar aqui mas não tenho a autorização), o déficit das contas públicas atual - o maior da história - decorre menos da aceleração dos gastos e mais da queda de receita. É a arrecadação caindo, sobretudo, pela queda nas taxas de crescimento. O debate sério, muito além de focar gastos sociais que todos julgam intocáveis, deve endereçar a questão do crescimento. Como retomá-lo, com celeridade e intensidade?
Evidentemente, há cortes a se fazer no orçamento. Gastar R$ 30 bilhões por ano com seguro-desemprego não combina com um país em pleno emprego. Ver dispêndios com pensões da ordem de R$ 90 bilhões anuais sugere alguma falta de critério. A questão do abono salarial segue a mesma linha. São avanços a serem perseguidos, claro, e de certa forma consensuais. O grande desafio está além, centrado em retomar o crescimento, pois, sem ele, a própria dinâmica distributiva estará em risco.
Em adição, quando se defende pelo lado dos ortodoxos a menor interferência do Estado, não se fala do social. Trata-se de sua interferência direta na economia, numa espiral infinita - você faz uma intervenção para corrigir um problema e cria outros três; dai tem de atuar nesses três, inventando outros nove; e por aí vai.
Nada tem a ver com o Bolsa Família, mas com o Bolsa Empresário, outros R$ 30 bi por ano dados a uma pequena porção de privilegiados. Os subsídios são totalmente discricionários, não horizontais, e sem o devido escrutínio sobre sua eficácia. Nada é medido ou testado. Quando custou? Quanto rendeu? Onde vejo a análise? Qual a transparência?
Critica-se aqui a política de campeões nacionais, uma meia dúzia de amigos do rei escolhidos a priori, ferindo a força motriz do capitalismo, associada à competição, à perseguição por eficiência e à inovação. Viagens à Brasília passam a ter melhor custo-benefício do que gastos com Pesquisa e Desenvolvimento.
Questionamos a percepção de que podemos conviver com uma inflação alta por bastante tempo, como tem sido. Conforme demonstra a crítica de Lucas, o trade-off entre inflação e desemprego só existe no curtíssimo prazo - em pouco tempo, o nível de emprego volta ao anterior, com inflação mais alta. Pensar em inclusão social sem dar a devida atenção à inflação é bastante desafiador, pois esse é o mecanismo clássico de concentração de renda.
É por esse debate salutar que brigamos. Estou certo de que o professor Belluzzo, um homem probo e intelectual, pode participar de discussão muito mais profícua do que a de acusar dissonantes de “reverberar o jogral dos porta-vozes do mercado financeiro”. Qualquer postura diferente seria negar sua própria trajetória, de extensa e respeitada produção acadêmica, sob o risco de ser rebaixado à segunda divisão.
Se você também é favor de um debate de maior profundidade, muito além do maniqueísmo, gostaria de convidá-lo a assinar comigo este manifesto.
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