O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Marcos Fava Neves. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Marcos Fava Neves. Mostrar todas as postagens

sábado, 16 de novembro de 2024

É correto dizer que o agro não traz industrialização? - Marcos Fava Neves (Revista Veja)

É correto dizer que o agro não traz industrialização?

Ao contrário do que alguns pensam, há grande contribuição para o desenvolvimento industrial

Por Marcos Fava Neves

Revista Veja, 16/11/2024


O protagonismo do Brasil no cenário agrícola mundial não é ao acaso, mas sim proveniente de diversas vantagens comparativas e competitivas: dimensões continentais (1); condições climáticas favoráveis (2); e o investimento consistente em pesquisa e desenvolvimento (3). Dessa forma, foi possível expandir culturas como a soja e milho para regiões como o Cerrado, além de desenvolver cultivares adaptados e práticas agrícolas sustentáveis, como o plantio direto, irrigação, integração Lavoura-Pecuária, entre outras. 

Segundo dados da Conab, nos últimos 30 anos, a produção brasileira de grãos saltou de 58 milhões de toneladas, em 1990, para mais as esperadas 322 milhões de toneladas em 2024, enquanto a área plantada cresceu em proporção muito menor, de 38 milhões para cerca de 82 milhões de hectares (+ 97%).

Mesmo assim, é comum nos depararmos com colocações de que o agro não contribui com a necessária industrialização do Brasil, são produtos “primários”, sendo importante mostrarmos que estas não estão corretas por dois motivos principais.

Primeiro equívoco é que estas colocações não consideram as indústrias que estão dentro do agro, provavelmente pelo desconhecimento do conceito de agro. A agricultura é uma grande promotora do desenvolvimento industrial, gerando oferta e demanda para dezenas de tipos de indústrias nas mais variadas cadeias. Impulsiona segmentos como: as indústrias de bioenergia (a), que guiam o país para uma transição energética mais limpa e renovável (exemplos: usinas de cana-de-açúcar, usinas de etanol de milho, de biogás, biodiesel, biometano e outras, além dos seus fornecedores); as indústrias frigoríficas e laticínios (b), que transformam proteína animal nos mais variados cortes e produtos processados; indústrias têxteis (c) que processam o algodão para transformá-los em roupas e trajes (fiações, tecelagens, malharias e confecções); indústria de máquinas e equipamentos (d); a gigante indústria de alimentos (e), que processa, desde o suco de laranja e o café até frutas e vegetais; a indústria de papel e celulose (f), que nos proporciona as embalagens, os papeis com finalidade sanitária e outros; a indústria de móveis (g), que transformam a madeira cultivada em nossas mesas, cadeiras e bancadas; a indústria da borracha (h), que nos proporciona o pneu e outros produtos; a indústria de couro (i), para as botas, bolsas e casacos; além das indústrias de insumos agrícolas (j) e nutrição animal (k).

O Brasil é referência nestas indústrias citadas que foram historicamente impulsionadas por uma agricultura eficiente e fazem parte do agro. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA) e a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), somente as agroindústrias são responsáveis por empregar 4,7 milhões de pessoas; além de representar cerca de

5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

E em relação ao futuro, devem continuar demandando grandes investimentos industriais, apenas a título de exemplo temos a Eurochem e a recente fábrica de fertilizantes inaugurada em Serra do Salitre (MG), com investimento de R$ 8,2 bilhões. No setor de papel e celulose, indústrias têm sido instaladas principalmente no Mato Grosso do Sul, com investimentos que superam os R$ 20 bilhões por unidade. No etanol de milho, cada planta traz investimentos na ordem de R$ 1,2 bilhão e muitos projetos estão anunciados. Na área de processamento de grãos, diversas cooperativas anunciam investimentos em unidades industriais para fabricação de farelo e óleo na casa de R$ 1 bilhão, impulsionando o

desenvolvimento regional e gerando empregos e oportunidades.

O segundo equívoco do pensamento que o agro não traz industrialização é que por ser gerador de uma renda anual nas atividades agrícolas e pecuárias próxima a R$ 1,2 trilhão e por exportar cerca de R$ 900 bilhões por ano, esta renda toda gera consumo e movimenta as indústrias de automóveis, cosméticos, construção civil, aviação, eletrodomésticos, eletrônicos e outros bens de consumo industriais, além do setor de serviços. Se não fosse esta renda e consumo, estes setores seriam muito menores no Brasil.

As críticas, apesar de equivocadas, não tiram o necessário processo de se caminhar para mais industrialização nos produtos a serem vendidos principalmente ao exterior, se possível agregando cada vez mais valor. A título de exemplo, caso o Brasil não exportasse carne de frango e de suínos, que são produtos industrializados, e exportasse o equivalente em soja e milho que os animais comeram ao longo do seu desenvolvimento, as exportações anuais cairiam de US$ 13 bilhões para US$ 3 bilhões.

O sonho a ser perseguido é o de ocupar o máximo do mercado de produtos primários, tais como a soja e o milho, que tem sim valor agregado e são muito importantes ao Brasil, e paralelamente caminhar para uma industrialização cada vez maior, exportando produtos prontos, embalados, encaixotados, que podem ir direto para as gôndolas dos supermercados internacionais.


Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) da Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto – SP) e fundador da Harven Agribusiness School (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em harvenschool.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves). Agradecimentos a Vinícius Cambaúva e Rafael Rosalino.


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Os efeitos da seca - Marcos Fava Neves

Os impactos da seca
Marcos Fava Neves
Especial para Brasil Econômico, 13/08/2012, p.3

Este texto tem o objetivo de discutir os prováveis impactos primários e secundários nas integradas cadeias produtivas de alimentos, bioenergia, fibras e outras advindos do fato das secas que atingem a produção norte-americana, principalmente, mas também as produções de Índia, Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. Os EUA, principal produtor mundial de grãos enfrentam a maior seca dos últimos 50 anos, que já afetou 37% das propriedades e 43% da área agrícola.
 Continuando a seca, os efeitos podem ser desastrosos em algumas cadeias produtivas, trazendo reflexos para mais de uma safra e inclusive mudanças de planejamento de plantio, de políticas públicas e estratégias privadas nas organizações. São 20 impactos aqui lembrados.
 1 – Num primeiro momento houve grande aumento dos preços da soja e milho, e a partir destes aumentos, as cotações de outros grãos também subiram.
2 – Dependendo do volume de estoques que serão utilizados, seus níveis podem cair a volumes preocupantes, o que pode fazer esta situação de preços perdurar por mais de uma safra.
3 – Os efeitos nos países pobres importadores de comida podem ser devastadores, uma vez que preços de alimentos são diretamente ligados a estabilidade política e os orçamentos para programas assistenciais e os próprios orçamentos das famílias passam a ser insuficientes.
4 – Impacto também nos países de grandes populações de classe média, como China, cada vez maiores importadores de alimentos, que alocarão mais  recursos para importações.
5 – Com maiores preços dos grãos, os impactos nos custos da alimentação animal são grandes, reduzindo as margens das empresas de carnes e lácteos, uma vez que a transferência de preços aos supermercados muitas vezes não é imediata.
6 – O mesmo efeito ocorre com as empresas produtoras de biocombustíveis a partir de grãos, pois com preços de insumos mais altos, as margens são menores.
7 – Se os biocombustíveis aumentarem de preços, há reflexos em seu consumo, migrando para o consumo de petróleo, aumentando as pressões também para que este aumente de preços.
8 – Petróleo aumentando de preços aumentam os custos de produção e de transporte de alimentos, trazendo outro impacto negativo das secas.
9 – O aumento de preços de alimentos nos supermercados vai forçar as empresas de alimentos a cortarem custos, podendo refletir em seus orçamentos para propaganda, embalagem e até inovação, postergando projetos.
10 – Da mesma forma, como o alimento é o último item a ser cortado do orçamento de uma família, devem migrar recursos a serem utilizados em outros mercados, como entretenimento, eletrodomésticos e outros, para o consumo de alimentos.
11 – Produtores não afetados pela seca terão margens significativamente maiores, o que pode trazer valorização de terras e até dar mais velocidade ao processo de concentração existente na agricultura.
12 – Há o risco de se reduzir os mandatos de mistura de biocombustíveis na gasolina em diversos países, mais notadamente nos EUA, onde a pressão de grupos contrários ao etanol é forte para liberar milho para alimentação, o que traria grave impacto as indústrias de etanol, mas seria também uma ameaça ao Brasil, provavelmente a maior.
13 – O uso de mais petróleo e menos biocombustíveis também vai agravar as emissões de carbono, trazendo mais poluição.
14 – Aumento de preços de alimentos traz mudança de hábito de local de consumo, aumentando a venda em supermercados e diminuindo os gastos na alimentação fora do lar (restaurantes)
15 – O hemisfério sul vai ser estimulado a plantar mais soja e milho, interferindo nas áreas de algodão, trigo, cana, girassol, entre outras, o que pode refletir preços maiores em virtude de menores áreas plantadas e consequentemente, menor produção.
16 – Por outro lado, bons preços trarão maiores investimentos em insumos e tecnologia, o que aumentará a produtividade nestas propriedades, contribuindo para repor estoques mundiais mais rapidamente que em condições normais.
17 -  Seguradoras, principalmente nos EUA, terão grande impacto, bem como o orçamento dos Governos. Impacto também em pequenos municípios dependentes da agricultura, que com a seca, perdem importante renda.
18 – A menor produção de cana na Índia pode fazer este país voltar ao mercado comprador de açúcar, ou exportar menos, contribuindo para uma retomada dos preços do açúcar no mercado mundial, beneficiando o Brasil.
19 – Maiores preços de alimentos incentivarão o fortalecimento de programas para reduzir o alto desperdício nas cadeias agroalimentares. Haverá também mais pressão nas empresas de insumos para produção de plantas mais tolerantes às secas.
20 – Os efeitos econômicos nas balanças comerciais, taxas de câmbio e crescimento em diversos países tendem a ser grandes, o que motivará políticas regulatórias de cotas, taxas e outras a disposição de Governos, causando mais distúrbios nas cadeias produtivas integradas.
Aqui estão listados alguns dos possíveis impactos nas intrincadas cadeias produtivas mundiais de alimentos. Alguns pesquisadores têm alertado que estas secas tendem a ser mais frequentes, principalmente nos EUA, o que deve estimular o plantio no hemisfério sul, beneficiando o Brasil. Isto tudo vem junto com o grande crescimento do consumo mundial de alimentos, portanto está armado um quadro preocupante. Definitivamente o assunto da crise alimentar volta às mesas das famílias e das discussões privadas e públicas.

Marcos Fava Neves, PhD.
Professor Titular FEA/USP
Professor of Planning and Strategy
FEARP Business School
University of Sao Paulo - Brazil
www.favaneves.org
============
Addendum:
Programa GloboNews Painel sobre o mesmo tema:

Crise internacional de alimentos pode favorecer o Brasil nas exportações