Os impactos da seca
Marcos Fava Neves
Especial para Brasil Econômico, 13/08/2012, p.3
Este
texto tem o objetivo de discutir os prováveis impactos primários e
secundários nas integradas cadeias produtivas de alimentos, bioenergia,
fibras e outras advindos do fato das secas que atingem a produção
norte-americana, principalmente, mas também as produções de Índia,
Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. Os EUA, principal produtor mundial de
grãos enfrentam a maior seca dos últimos 50 anos, que já afetou 37% das
propriedades e 43% da área agrícola.
Continuando
a seca, os efeitos podem ser desastrosos em algumas cadeias produtivas,
trazendo reflexos para mais de uma safra e inclusive mudanças de
planejamento de plantio, de políticas públicas e estratégias privadas
nas organizações. São 20 impactos aqui lembrados.
1
– Num primeiro momento houve grande aumento dos preços da soja e milho,
e a partir destes aumentos, as cotações de outros grãos também subiram.
2
– Dependendo do volume de estoques que serão utilizados, seus níveis
podem cair a volumes preocupantes, o que pode fazer esta situação de
preços perdurar por mais de uma safra.
3
– Os efeitos nos países pobres importadores de comida podem ser
devastadores, uma vez que preços de alimentos são diretamente ligados a
estabilidade política e os orçamentos para programas assistenciais e os
próprios orçamentos das famílias passam a ser insuficientes.
4
– Impacto também nos países de grandes populações de classe média, como
China, cada vez maiores importadores de alimentos, que alocarão mais
recursos para importações.
5
– Com maiores preços dos grãos, os impactos nos custos da alimentação
animal são grandes, reduzindo as margens das empresas de carnes e
lácteos, uma vez que a transferência de preços aos supermercados muitas
vezes não é imediata.
6
– O mesmo efeito ocorre com as empresas produtoras de biocombustíveis a
partir de grãos, pois com preços de insumos mais altos, as margens são
menores.
7
– Se os biocombustíveis aumentarem de preços, há reflexos em seu
consumo, migrando para o consumo de petróleo, aumentando as pressões
também para que este aumente de preços.
8
– Petróleo aumentando de preços aumentam os custos de produção e de
transporte de alimentos, trazendo outro impacto negativo das secas.
9
– O aumento de preços de alimentos nos supermercados vai forçar as
empresas de alimentos a cortarem custos, podendo refletir em seus
orçamentos para propaganda, embalagem e até inovação, postergando
projetos.
10
– Da mesma forma, como o alimento é o último item a ser cortado do
orçamento de uma família, devem migrar recursos a serem utilizados em
outros mercados, como entretenimento, eletrodomésticos e outros, para o
consumo de alimentos.
11
– Produtores não afetados pela seca terão margens significativamente
maiores, o que pode trazer valorização de terras e até dar mais
velocidade ao processo de concentração existente na agricultura.
12
– Há o risco de se reduzir os mandatos de mistura de biocombustíveis na
gasolina em diversos países, mais notadamente nos EUA, onde a pressão
de grupos contrários ao etanol é forte para liberar milho para
alimentação, o que traria grave impacto as indústrias de etanol, mas
seria também uma ameaça ao Brasil, provavelmente a maior.
13 – O uso de mais petróleo e menos biocombustíveis também vai agravar as emissões de carbono, trazendo mais poluição.
14
– Aumento de preços de alimentos traz mudança de hábito de local de
consumo, aumentando a venda em supermercados e diminuindo os gastos na
alimentação fora do lar (restaurantes)
15
– O hemisfério sul vai ser estimulado a plantar mais soja e milho,
interferindo nas áreas de algodão, trigo, cana, girassol, entre outras, o
que pode refletir preços maiores em virtude de menores áreas plantadas e
consequentemente, menor produção.
16
– Por outro lado, bons preços trarão maiores investimentos em insumos e
tecnologia, o que aumentará a produtividade nestas propriedades,
contribuindo para repor estoques mundiais mais rapidamente que em
condições normais.
17
- Seguradoras, principalmente nos EUA, terão grande impacto, bem como o
orçamento dos Governos. Impacto também em pequenos municípios
dependentes da agricultura, que com a seca, perdem importante renda.
18
– A menor produção de cana na Índia pode fazer este país voltar ao
mercado comprador de açúcar, ou exportar menos, contribuindo para uma
retomada dos preços do açúcar no mercado mundial, beneficiando o Brasil.
19
– Maiores preços de alimentos incentivarão o fortalecimento de
programas para reduzir o alto desperdício nas cadeias agroalimentares.
Haverá também mais pressão nas empresas de insumos para produção de
plantas mais tolerantes às secas.
20
– Os efeitos econômicos nas balanças comerciais, taxas de câmbio e
crescimento em diversos países tendem a ser grandes, o que motivará
políticas regulatórias de cotas, taxas e outras a disposição de
Governos, causando mais distúrbios nas cadeias produtivas integradas.
Aqui
estão listados alguns dos possíveis impactos nas intrincadas cadeias
produtivas mundiais de alimentos. Alguns pesquisadores têm alertado que
estas secas tendem a ser mais frequentes, principalmente nos EUA, o que
deve estimular o plantio no hemisfério sul, beneficiando o Brasil. Isto
tudo vem junto com o grande crescimento do consumo mundial de alimentos,
portanto está armado um quadro preocupante. Definitivamente o assunto
da crise alimentar volta às mesas das famílias e das discussões privadas
e públicas.
Marcos Fava Neves, PhD.
Professor Titular FEA/USP
Professor of Planning and Strategy
FEARP Business School
University of Sao Paulo - Brazilwww.favaneves.org
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Addendum:
Programa GloboNews Painel sobre o mesmo tema:
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