Líder paraguaio levará à ONU sanção do Mercosul
O Estado de S.Paulo, 25/08/2012
Presidente Franco discursará na Assembleia-Geral em defesa da "soberania"; votação contra Venezuela amplia dúvidas sobre bloco, dizem analistas
Assunção - O Paraguai enviou ontem mais um sinal de que não aceitará as punições impostas pelo Mercosul nem a presença da Venezuela no bloco sul-americano, decidida à revelia de Assunção. Ontem, o presidente Federico Franco afirmou a jornalistas que levará a questão da "autodeterminação do povo paraguaio" à Assembleia-Geral das Nações Unidas, onde discursará no mês que vem.
O aviso de Franco foi feito um dia depois de o Senado paraguaio ter formalmente rejeitado a entrada da Venezuela no Mercosul. Como não é um projeto de lei, mas um tratado internacional, o texto não pode ser modificado e reenviado ao Congresso. Em suma, Assunção institucionalizou sua rejeição à presença venezuelana no mercado comum sul-americano.
No entanto, como o Paraguai está suspenso do bloco desde o impeachment do presidente Fernando Lugo, em junho, a decisão do Senado, inicialmente, tem apenas peso simbólico.
"O problema não é imediato, mas virá quando os demais integrantes do Mercosul decidirem que a ordem constitucional voltou a Assunção e a suspensão do Paraguai pode ser revogada. Teremos, então, uma situação esdrúxula: um integrante do bloco que formalmente rejeitou a presença de outro, ambos sentados lado a lado", afirma Eduardo Felipe Matias, especialista brasileiro em direito internacional.
Franco, cujo partido vinha evitando votar a questão no Senado antes das eleições venezuelanas, em outubro, afirmou ontem que a ida às Nações Unidas será "respeitosa, porém, firme". "A comunidade internacional deve saber da legítima autodeterminação do povo paraguaio e do respeito irrestrito desse governo à Constituição e às leis", afirmou o presidente paraguaio, em visita à cidade de Guairá.
De acordo com o presidente, o governo paraguaio ainda não decidiu se recorrerá à Corte Internacional de Justiça, com sede em Haia.
Mudanças. O texto sobre a entrada da Venezuela no Mercosul foi derrotado por uma ampla maioria de senadores paraguaios. Dos 45 integrantes do Senado, 31 votaram contra a adesão de Caracas e apenas 3 apoiaram a medida.
"Os senadores sabem que essa decisão não terá um resultado prático neste momento, mas, mesmo assim, decidiram seguir em frente para enviar uma mensagem política aos países vizinhos", afirma o analista político paraguaio José Carlos Rodríguez, que presidiu a investigação independente sobre os crimes cometidos durante a última ditadura militar paraguaia, chefiada por Alfredo Stroessner, de 1954 a 1989.
A respeito da mudança de posição do partido governista, que preferia esperar as eleições na Venezuela antes de colocar o texto em votação, Rodríguez afirma que o "pragmatismo" falou mais alto e os aliados de Franco não quiseram perder capital político barrando a votação. "Tentaram evitar uma posição extremada, mas, no fim, não conseguiram."
O presidente enviou o texto sobre a adesão venezuelana ao Congresso no dia 31, enquanto, em Brasília, os chefes de Estado do Mercosul davam as boas-vindas a Caracas, com a presença do presidente Hugo Chávez.
Até esta semana, o Paraguai era o único membro do Mercosul cujo Senado não havia votado a adesão venezuelana. Como sabia que seria derrotado, Lugo não enviou o texto.
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Os trapalhões
Celso Ming
O Estado de S.Paulo, 25/08/2012
Quem pariu Mateus que o embale.
Na quinta-feira, o Senado do Paraguai rejeitou formalmente, por ampla maioria, a entrada da Venezuela no Mercosul.
Puxando pelos fatos: o Paraguai vinha fazendo corpo mole no processo de aprovação da admissão da Venezuela no Mercosul. No entanto, no dia 29 de junho, na reunião de cúpula realizada em Mendoza, na Argentina, três dos quatro chefes de Estado do bloco (Dilma Rousseff, Cristina Kirchner e José Mujica) suspenderam unilateralmente o Paraguai das decisões do Mercosul, sob a alegação de que a destituição de seu então presidente, Fernando Lugo, e a posse do novo (antigo vice), Federico Franco, não haviam seguido todos os procedimentos democráticos, na medida em que não deram completa oportunidade de defesa. Em seguida, sem o voto do Paraguai, trataram de aceitar a entrada da Venezuela, cujo presidente, Hugo Chávez, assumiu sua cadeira na condução do grupo em cerimônia de posse realizada dia 30 de junho, no Palácio do Planalto, em Brasília.
A decisão do Mercosul foi desautorizada nesta sexta-feira pela assembleia da Organização dos Estados Americanos (OEA), que não viu nenhuma irregularidade no afastamento do presidente Lugo.
Ao fato consumado pela cúpula do Mercosul, o Paraguai respondeu agora com outro fato consumado. Na condição de sócio e fundador do Mercosul, impôs seu direito assegurado pelo Tratado de Assunção de rejeitar a entrada da Venezuela.
O que antes havia sido uma dupla farsa (a de suspender o Paraguai e a de admitir a Venezuela), porque feita ao arrepio das disposições dos tratados, tornou-se agora impasse diplomático e comercial de proporções e consequências ainda desconhecidas.
A decisão de Estado do Paraguai terá de ser reconhecida. Levada às suas últimas consequências, os membros do bloco ou terão de corrigir o mal feito, pela ausência de depósito prévio dos instrumentos de ratificação assinado por todos os sócios, ou terão de manter o Paraguai definitivamente fora do Mercosul, sabe-se lá com que argumentos.
Em abril, haverá eleições para a presidência do Paraguai e, nessas condições, até mesmo falsos pretextos não poderão ser mais usados para manter a suspensão, especialmente depois da decisão tomada pela OEA.
Enquanto não for contornado por nova negociação entre as partes, o impasse não será somente diplomático. Será também comercial. Que país ou que bloco econômico se disporá a encaminhar negociações, sejam de que tipo forem, com o Mercosul, caso não haja clareza a respeito de quem são os legítimos signatários dos documentos?
O Itamaraty e o chanceler Antonio Patriota bem que avisaram a presidente Dilma de que as decisões anteriormente tomadas são ilegais. O presidente do Uruguai, José Mujica, reconheceu tratar-se de medida política que, no entanto, atropelava disposições jurídicas.
Essa trapalhada expõe a pressa e o grau de leviandade com que estão sendo tomadas decisões no Mercosul. Isso nada tem a ver com a importância estratégica da Venezuela e do seu povo na comunidade sul-americana e na economia do Continente. Tem a ver com desrespeito a regras do jogo previa e solenemente pactuadas. Se o Estado de Direito não tem importância para o Mercosul e para o governo brasileiro, então o que terá? É esse Mateus que nasce torto.
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