Cada um tem o inimigo que merece. Os do Estadão são a corrupção, a burrice, a ineficiência pública, o estatismo exagerado, e outros males que os inimigos do neoliberalismo adoram (dada sua adesão a alguns deles...).
Os inimigos do ministro da Defesa são as grandes potências. Como só tem uma em condições de nos atacar, vamos ter de desenvolver planos contra os EUA, ao que parece.
O Estadão já encontrou outro inimigo, e vice-versa...
Paulo Roberto de Almeida
O verdadeiro inimigo
Editorial - O Estado de
S.Paulo, 10 de agosto de 2012
O ministro da Defesa,
Celso Amorim, voltou a pedir a ampliação dos gastos com as Forças Armadas, em
recente evento da Associação de Estudos da Defesa, como noticiou o Estado
(7/8). No entanto, sua justificativa para pedir mais recursos na área militar
foi constrangedora: o ministro acredita na possibilidade de agressão não de
algum vizinho, tampouco de narcoguerrilhas ou grupos terroristas, mas de
"grandes potências e alianças militares" – que só podem ser Estados
Unidos e Otan.
Amorim avalia que há
hoje um "forte sentimento de insegurança no sistema internacional" em
razão de ações militares unilaterais, referindo-se às guerras no Iraque e no
Afeganistão, deflagradas pelos americanos, e à intervenção da Otan na Líbia sem
que houvesse claro mandato da ONU para isso.
Como sugere a fala do
ministro, casos como esses mostram que o Brasil deve se precaver. "Temos
um patrimônio que nos transforma num dos territories mais ricos do
planeta", disse ele, enfatizando também a "nova estatura internacional
do Brasil ao redor do mundo" (sic !). E arrematou: "O Brasil deve
construir capacidade dissuasória crível, que torne extremamente custosa a
perspectiva de agressão externa a nosso país". Os estrategistas militares de
Washington devem ter perdido o sono depois disso.
O discurso de Amorim se
aproxima perigosamente da delirante retórica bolivariana, que enxerga nos
Estados Unidos uma ameaça militar permanente, como se uma invasão dos
"ianques" fosse acontecer a qualquer momento na América do Sul. Foi
com essa desculpa grotesca que o caudilho venezuelano, Hugo Chávez, armou-se
até os dentes com equipamento bélico russo – muito mais para atemorizar a
oposição interna, graças à militarização das chamadas "milícias
bolivarianas", do que para enfrentar uma improvável intervenção americana.
Essa coincidência entre a posição de Amorim e as bandeiras do bolivarianismo
não deveria causar espanto, a julgar por sua trajetória na Chancelaria do
governo Lula.
Nada disso significa que
não haja necessidade de qualificar os investimentos nas Forças Armadas,
sobretudo diante do estado de penúria em que elas se encontram. Um estudo
produzido pelo Ministério da Defesa mostra que metade dos equipamentos
militares do Brasil simplesmente não tem condições de uso. Há casos críticos,
como o da Marinha, responsável por patrulhar a área que guarda uma das
principais riquezas a que aludiu Amorim - isto é, o petróleo do pré-sal. Os
números mais recentes, compilados no ano passado, mostram que somente 2 dos 23
jatos A-4 da Marinha estavam em condições de voar. Além disso, apenas 53 das
100 embarcações e 2 dos 5 submarinos podiam navegar. Na Aeronáutica, nem metade
dos aviões saía do chão, e a maior parte da envelhecida frota superou os 15
anos de uso. Como se sabe, porém, essa renovação, prometida ainda no governo
Lula, está emperrada.
O Brasil gasta 1,5% do
PIB com defesa, e Amorim quer algo em torno de 2%, equiparando-se à China,
Rússia e Índia. É difícil imaginar, no entanto, que o Brasil tenha necessidades
militares semelhantes às desses países, a não ser como expressão de
megalomania. Ademais, já estamos entre os 15 países do mundo que mais gastam na
área militar - na Lei Orçamentária Anual para este ano, a dotação do Ministério
da Defesa foi de R$ 64,795 bilhões. O problema é que, desse valor, R$ 45,298
bilhões estavam destinados ao pagamento de pessoal e de encargos sociais,
enquanto R$ 9,128 bilhões foram destacados para investimentos. Ainda assim, a
verba para modernizar a área militar vem crescendo constantemente desde 2007,
quando somou R$ 5 bilhões.
Mais econômico,
portanto, seria investir numa equação em que as Forças Armadas gastassem melhor
os recursos disponíveis e priorizassem a proteção das fronteiras, sem ter de,
recorrentemente, fazer o papel que cabe à polícia.
Não resta dúvida de que
é imperativo manter uma força militar capaz de enfrentar os desafios da defesa
nacional, mas é preciso estabelecer prioridades claras, lastreadas em ameaças
reais, e não na imaginação fertile de um punhado de ideólogos.
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