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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Um debate sobre Brics e o mundo como ele é...

Recebi, de um leitor atento, a mensagem abaixo, como comentário a este post: 

O grupo Brics no contexto da crise econômica mundial - Paulo Roberto de Almeida




Augusto Leal Rinaldi deixou um novo comentário sobre a sua postagem "O grupo Brics no contexto da crise econômica mundi...": 

Professor Paulo, em primeiro lugar gostaria de elogiar esse espaço em que o senhor contribui de maneira democrática para elucidar questões tão importantes como as que são postadas diariamente. Acompanho seu blog há algum tempo e sempre faço questão de acolher seus comentários, sempre me atentando aos argumentos e fazendo uma leitura crítica de seus textos. 

Com relação ao texto dos Brics, concordo que na verdade há uma falta de convergência no discurso produzido pelo bloco no que se refere aos principais temas da agenda internacional. Numa crise de governança global que o sistema atual enfrenta, a interlocução política entre os países poderia fazer a diferença. O grupo dos países emergentes, nesse sentido, tem deixado de aproveitar essa oportunidade para estreitar o diálogo entre eles e afinar um discurso comum que demonstre à comunidade internacional a intenção de assumir maiores responsabilidades na condução de temas que antes eram conduzidos pelas grandes potências. 
Pelo o que acompanho das reuniões ministeriais do grupo, o Brasil me parece ser o único país realmente interessado no avanço das negociações e que tem assumido uma postura relativamente mais ativa que seus pares, principalmente em relação à China e Rússia, que não conseguem se harmonizar em praticamente nenhum tema. Dessa forma, o senhor não acredita que o papel do Brics não está sendo comprometido pela baixa expectativa que países como Rússia e China têm em relação a assunção de um papel mais pró-ativo na condução dos grandes temas da agenda internacional? E, se isso for verdadeiro, será que a China, candidata à grande potência, não estaria perdendo uma oportunidade de demonstrar à comunidade internacional que ela tem meios e recursos disponíveis para assumir posição de autoridade no mundo?

Um abraço,
Augusto Leal Rinaldi - bacharel em Relações Internacionais (UNESP) e mestrando em Ciência Política pela UFSCar.

Meus comentários às questões colocadas: 

Caro Augusto Rinaldi,
Quero, em primeiro lugar, agradecer seus comentários atentos e inteligentes, que muito distinguem este blog.
Creio que você tem razão em vários pontos, mas creio que, de modo geral, você considera o Brics, e os emergentes em geral capazes de articular uma resposta coerente, uniforme ou útil, em relação aos principais pontos da agenda mundial, o que não me parece credível, realizável ou possível, de modo amplo. 
Você parece acreditar, sobretudo, que os Brics sejam capazes de atuar conjuntamente em questões concretas da agenda mundial, quando eu acredito que eles só possam fazê-lo em questões muito determinadas, de interesses deles, conjuntamente, ou do interesse de um dos dois mais poderosos, China e Rússia, nessa ordem, depois seguidos pela Índia e pelo Brasil, e finalmente pela África do Sul, com importância bem menor.
Eu diria, muito objetivamente, que os Brics, ou seja, tanto o grupo quanto os países nele inseridos, foram oversold, como se diz em linguagem de marketing, ou seja, supervalorizados, acima, muito acima de seu valor real de mercado, tanto para o grupo, quanto para os países, com a possível exceção da China, que tem condições de impor sua vontade (com alguns limites), o que não parece ser o caso de qualquer um dos demais. Mesmo assim, a China tem enormes problemas, e estes não são os da oposição dos EUA, ou de outros países, à sua projeção de poder, e sim problemas internos, de caráter político e social, que ela terá de resolver, contra a sua vontade, ou seja, contra a vontade do PCC, do grupo dirigente, que verá manifestações escapando de seu controle.
Mas esse é um outro problema.
O que nos concerne aqui é o Brics, e seus integrantes.

 Não partilho de sua ideia de que há uma crise de governança global, pois esta não existe, de fato. Nunca existiu uma governança global, mas apenas arranjos ad hoc, que vão mudando conforme as circunstâncias. A ONU é a parte menos importante dessa pretensa governança, pois de fato  ela não tem qualquer poder, além daquele conferido pelos países mais importantes do mundo, ou seja, os P5, os cinco permanentes, sendo que a ordem de poder, em percentuais, seria esta: EUA: 50%, China, 20%, Rússia 15%, Reino Unido 10%, França 5%. Enfim, talvez se possa fazer variações com esses percentuais, mas o poder mundial está com esses países, e, justamente, não existe governança entre eles.
Por que haveria uma "governança" própria aos Brics?
Por que os Brics teriam melhor coordenação entre eles do que exibem, por exemplo, os países da OCDE, do G7, da OTAN? 
Os Brics não podem afinar um discurso, uma ação conjunta, pois essa possibilidade é muito remota. Os entendimentos se fazem de maneira muito ad hoc, geralmente em reação a pontos da agenda mundial, em reação defensiva ou contrária, de modo geral. 
Existem demandas comuns, vinculados a maior representatividade nos organismos internacionais, ou para defender posições de seu interesse nos foros apropriados.
Mas quero crer que não existe uma agenda positiva e propositiva, própria aos Brics, que seja realmente o que se espera de uma governança mundial, ou de assunção de maiores responsabilidades (em relação a que, exatamente?).
A interlocução política, entre os Brics, ou entre eles e os demais atores relevantes, não faz nenhuma diferença, pois o que vale, de fato, são os interesses individuais de cada um dos países, isoladamente. Nesse contexto, e admitindo-se que a "anarquia" mundial das soberanias ainda prevalece, cada um vai agir por si, Estado nacional acima de tudo.
Mas, entre os membros do G7 existe uma pequena concordância sobre o que é prioritário: as economia de mercado, as democracias, os direitos humanos, enfim, esse conjunto de valores que deveria prevalecer no mundo moderno.
Nada disso existe entre os Brics, ou muito pouco: talvez Índia e Brasil sejam países formalmente democráticos, mas democracias de fachada, com extrema má qualidade nas instituições e seu funcionamento. Os dois outros grandes do Brics, os dois do CSNU nem isso podem ser, nem querem ostentar. Existe uma enorme descoordenação, de fato e de direito, entre todos, mas a descoordenação dos Brics é muito maior.
Ou seja, não devemos ter ilusões quanto a governança e sobretudo quanto a agenda conjunta dos Brics, um grupo eminentemente artificial e de circunstância política. 
O mundo é muito mais complicado do que as elaborações acadêmicas.
Mas esse é o mundo como ele é, como diria Nelson Rodrigues...
Paulo Roberto de Almeida 

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