Marcha a ré no Mercosul
Dagoberto Lima Godoy*
Zero Hora, 15/08/2012
Se havia ainda quem acreditasse no Mercosul, a manobra empregada para permitir o ingresso da Venezuela foi a pá de cal na credibilidade porventura restante. Concordo com o que ouvi (em caráter reservado) de um amigo embaixador, com larga vivência no assunto: a grotesca suspensão política do Paraguai, sem qualquer base jurídica, acentuou o "bolivarianismo" que já vinha alterando o cunho essencialmente econômico e comercial da concepção inicial do bloco.
Nada a opor ao objetivo de buscar a estabilidade política, econômica e social da região, como determina a nossa Constituição. O que se critica é a pretensão de perseguir esse propósito por meio de organismos multilaterais, às vezes a reboque de iniciativas de outros (leia-se Chávez, Kirchner etc.), arriscando colocar o Brasil numa camisa de força insuportável. O fato de sermos a maior economia do grupo não deveria levar o nosso governo a excessos de autoconfiança e de pretensões de poder, a ponto de conduzir o país a uma posição complicada, tal como a que a Alemanha assumiu (possivelmente, não sem arrependimento), na União Europeia. O solidarismo econômico é perigoso quando aplicado a países que não atendem às exigências dos protocolos de adesão (o que, no caso, já acontece com a Venezuela, se levada a sério a "cláusula democrática", adotada em 1996).
Como união aduaneira, o Mercosul já vem fazendo água, com a sua Tarifa Externa Comum (TEC) crivada de exceções, impostas pelos atuais membros, em geral, preocupados em proteger os seus setores menos competitivos. Ora, basta examinar as economias dos novos sócios para prever as dificuldades que enfrentarão para a adoção da TEC atual (a começar pela Venezuela, cuja condição de país importador, somada à perda de competitividade decorrente da escalada de "nacionalizações", terá muito pouco interesse nessa adoção).
O senso comum ensina que, às vezes, é preciso recuar para poder avançar. Tudo faz crer que é hora de "baixar a crista" e ter a coragem de fazer o Mercosul regredir para a condição de área de livre comércio. Isso preservaria o mercado regional para as exportações brasileiras de maior valor agregado, sem onerar o Brasil com obrigações inconsequentes. Afinal, é melhor engrenar uma marcha a ré, enquanto é tempo, do que ser obrigado a pisar no freio, à beira do abismo, como acontece hoje com a União Europeia.
* Membro empregador titular do Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
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