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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Cotas antisociais e racistas vao rebaixar a educacao - Fernando Reinach


Cota desrespeita inteligência
Fernando Reinach
O Estado de S.Paulo, 16 de agosto de 2012

Todo professor responsável enfrenta o desafio de lidar com a diversidade dos alunos. Parte da diversidade resulta de diferenças na motivação deles. Enquanto alguns chegam famintos por novos conhecimentos, outros preferiam estar longe da sala de aula.
Mas também existe a diversidade dos conhecimentos na mente de cada aluno. Enquanto alguns sabem o suficiente para compreender o conteúdo da aula, outros têm dificuldade ou ainda são incapazes de acompanhar a matéria. Claro que essas duas categorias se entrelaçam. Muitos alunos perdem a motivação por estarem despreparados para acompanhar a aula, outros a perdem pelo fato de a aula não ser suficientemente desafiadora e instigante.
O dilema é sempre o mesmo. Ao puxar o ritmo do aprendizado, o professor motiva os preparados, mas aliena os retardatários. Se optar por ajudar os retardatários, perde o interesse dos mais adiantados.
Desde o surgimento da escola na sua forma atual, em que muitos alunos são ensinados por um professor, o problema da heterogeneidade das classes tira o sono de docentes dedicados. Esse problema está na origem do ensino seriado, em que alunos da mesma idade e conhecimento são agrupados em uma sala de aula e sua promoção para a próxima série depende do cumprimento de certas metas.
Esse mecanismo, que garante um mínimo de homogeneidade, é a mãe dos exames de avaliação, da temida reprovação e das aulas de recuperação, talvez o melhor mecanismo para reduzir a diversidade. Nas cortes europeias, em que os jovens príncipes eram educados individualmente por tutores, esse problema não existia. Mas, assim que o ensino formal foi massificado, mecanismos capazes de organizar alunos em grupos relativamente homogêneos foram desenvolvidos. O custo de desrespeitar essa regra básica é um aproveitamento menor dos alunos e uma diminuição na eficiência e velocidade do ensino.
Aprovação automática. Há alguns anos foi introduzida no Brasil a aprovação automática dos alunos, independentemente do conhecimento adquirido. Além de ser uma maneira barata e simplista de isentar o sistema educacional da responsabilidade de dar aulas de reforço e acompanhamento, essa medida aumenta a heterogeneidade das classes, dificulta o trabalho dos professores e diminui a eficiência do ensino. Nossos professores agora têm de motivar, durante uma mesma aula, alunos preparados e despreparados. Mas ninguém reclamou muito. Professores e diretores se livraram da meta básica de todo educador: fazer a maioria de seus alunos aprender, de maneira estimulante, o currículo de cada série. O governo pode mostrar estatísticas de aprovação róseas e os pais se livraram da frustração de ter seus filhos reprovados. O resultado é que a pressão por um sistema educacional melhor foi aliviada.
Agora uma nova lei promete aumentar a heterogeneidade entre os alunos das universidades federais. É o sistema de cotas para alunos que estudaram em escolas púbicas. Não há dúvida de que é injusto que toda a população pague pela manutenção das universidades federais e somente os mais ricos, vindos de escolas privadas, ingressem nessas instituições. A questão é saber se as cotas são a melhor solução para essa distorção.
Com o novo sistema de cotas, 50% das vagas nas universidades federais serão disputadas por todos os alunos. O restante será disputado por alunos de escolas públicas. Esse novo sistema vai gerar dois grupos de alunos em todas as classes, em cada um dos cursos de todas as universidades federais.
Quão diferentes serão esses grupos? Se os melhores alunos da escola pública tivessem preparo semelhante ao dos melhores alunos das escolas privadas, a nova lei seria desnecessária. O alunos da escola pública já ocupariam hoje mais de 50% das vagas. Mas esse não é o caso e metade das vagas será ocupada por alunos menos preparados (mas não menos inteligentes). Basta simular esse tipo de seleção com base nos resultados dos vestibulares passados para verificar quão diferentes serão esses dois grupos.
Qual será o efeito dessa medida sobre a qualidade do ensino ministrado nas universidades federais? Como o ensino será ministrado nessas novas classes, em que metade dos alunos será menos preparada que a outra metade? Os professores adequarão o ensino a essa metade, desestimulando os mais preparados, reduzindo o nível de toda a universidade? Ou será que o nível das aulas será mantido, alienando os alunos menos preparados e desencadeando reprovações em massa?
Será que os defensores dessa lei acreditam que os professores das universidades federais são tão capazes, motivados e tão bem remunerados que facilmente darão conta desse novo desafio? Ou será que as universidades federais adotarão o sistema que existia nas pequenas escolas primárias do interior do País, em que todos os alunos do curso primário eram colocados na mesma sala, organizados por fileiras. Os de 7 anos numa fileira, os de 8 em outra e assim por diante, enquanto o professor dividia seu tempo entre as fileiras.
Qualidade ameaçada. O mais provável é que esse aumento na heterogeneidade diminua a qualidade do ensino nas universidades federais. Só resta esperar que na esteira dessa nova lei não venha a obrigação da aprovação automática nas universidades federais ou um novo programa de cotas que garanta para os alunos egressos dessas universidades 50% das vagas no funcionalismo público.
Antes de sancionar a nova lei, o governo deveria visitar diversos programas experimentais financiados pelo setor privado. Muitos desses programas, ministrando aulas complementares nos finais de semana, conseguem colocar até 80% de alunos carentes, vindos do ensino público, nas melhores universidades brasileiras. Isso depois de concorrerem com os melhores alunos do ensino privado. Vale a pena ver o orgulho estampado na face desses jovens.
Na minha opinião, as cotas colaboram para a piora do ensino público e são um desrespeito à inteligência e à autoestima dos alunos das escolas públicas. Precisamos não de cotas, mas de um ensino público melhor.
O ingresso de 50% de alunos do sistema público nas universidades federais deveria ser uma meta do Ministério da Educação e não mais uma maneira de diminuir a pressão da sociedade por uma educação de melhor qualidade.

* BIÓLOGO

4 comentários:

Anônimo disse...

Existe um pequeno detalhe. Não vou entrar no mérito do texto, pois concordo quase que de todo. Mas uma coisa muito me incomoda (embora não me coloque em posição favorável às cotas). Salvo algumas universidades, como a UFRJ, o vestibular é aplicado de maneira grosseiramente tosca. A grade curricular do Ensino Médio brasileiro já é surreal, exigindo dos estudantes conhecimentos técnicos de Química, Física e afins que só deveriam ser conhecidos na graduação. Mas aí o exame de acesso ao ensino superior consegue ser ainda mais bizarro. O sujeito vai prestar o vestibular para História, e tem que responder questões relativamente complexas de Biologia e Química. Pera lá né. Além do adendo, não basta estudar em escola particular para ser aprovado em curso concorrido (Engenharia Civil, Direito, Farmácia, Medicina etc) em uma boa universidade. A imensa maioria dos calouros destes cursos fez cursinhos para a assimilação das técnicas (leia-se decoreba), pelo qual seus pais pagam o olho da cara. Por este motivo, discordo veementemente que quem seja aprovado no vestibular seja melhor preparado para o curso do que quem não o foi (guardadas as devidas proporções, claro, um indivíduo que acerta 20% em Língua Portuguesa e interpretação tem que voltar para os bancos da escola). O vestibular hoje é apenas um filtro, que seleciona quem teve o melhor treino. Um fato interessante é que as notas mais altas na redação dos vestibulares são de estudantes das humanas (Filosofia, Sociologia, História). Seu desempenho nas questões objetivas das ciências naturais não raro não os classificam de forma suficiente para que fossem aprovados, por exemplo, em Direito, um curso muito mais concorrido. Mas será que, porque um indivíduo acertou menos questões de Física, será um advogado, promotor ou juiz inferior ao que acertou mais questões? Por isso creio que reduzir a questão das cotas à "vai baixar o nível" meio que radical. Existe ainda o pequeno grande detalhe de que o indivíduo só será aprovado nas disciplinas da graduação se o professor concordar que ele domina o assunto. Se analfabetos funcionais estão se formando, quem falha são os docentes. Mas o curioso é que, à exemplo do vestibular, as provas na graduação frequentemente são aplicadas naquele esquema "múltipla escolha A, B, C, D ou E choose one and good luck". Assim tenho contato com estudantes na metade do curso que não sabem nem interpretar um texto de maneira satisfatória, e que para escrever dez linhas é um suplício. Porém suas notas apontam que são indivíduos com domínio de 75~85% dos assuntos que tem estudado.

Eu não sou especialista em métodos avaliativos, psicologia da educação e nem qualquer coisa minimamente semelhante. Mas me parece que temos falhado gravemente na formação do nosso povo, já faz gerações, e continuamos insistentemente errando sistematicamente.

Nico

VCamargo disse...

Paulo Roberto Almeida, concordo com sua análise e compartilho da ideia. Esse é apenas um dos modos de se abordar o tema para expôr a fragilidade das "cotas", acho que "fragilidade" é eufemismo. Digo, a ridicularização do ensino que a cota promove. Ainda vale lembrar que o Governo mais uma vez quer se livrar dos problemas e deixar o professor de lado.

Cada um defende a sua classe, vejo muita gente defendendo as cotas, quantos são professores?
Quantos concordariam em lecionar em uma classe que mais parece uma "bomba-relógio"?
Não seremos só professores, mas policiais, pedagogos e afins.

Aliás, o que é ser professor nessa turbulência? Mais uma vez estamos tentando alertar as pessoas dos problemas que a cota gera, mas as línguas desenfreadas e a mídia eufórica apoiam as cotas. Claro, não são elas que serão destruídas, pisoteadas...

www.valdeircamargo.com.br

Historiador

Unknown disse...

Professor, pessoalmente sou contra as cotas raciais, mas não posso deixar de observar que há trabalhos sustentando sua validade, como esse artigo: http://www.scielo.br/pdf/cp/v39n137/v39n137a14.pdf
Basicamente, pelo que pude observar do que já foi objetivamente analisado dos dados, não há uma queda profunda do nível educacional; alguns artigos e reportagens e levantamentos indicam superioridadedos não-cotistas, outros indicam superioridade dos cotistas, mas, em todo caso, são valores muito próximos dos valor normal. Desta forma, supondo que haja uma igualdade entre alunos e não haja queda na educação, parte da oposição às cotas perde seu fundamento, não? Mais relevante, a análise precisaria, nesse cenário, mudar de paradigmas.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Euclides Vega,
Creio que existe um pequeno-grande problema com seu argumento.
O artigo em questão não pode, simplesmente, sustentar a validade do sistema de cotas, pois ele a toma como um DADO, e passa a aferir a "qualidade" desses alunos cotistas com os "normais". Isso não dá validade ou legitimidade a nenhum sistema de INGRESSO, pois apenas compara resultados.
Independentemente dos imensos PROBLEMAS METODOLOGICOS que suscita um artigo desse tipo -- amostragem, representatividade, tempo, sistemas de avaliação e muitos outros -- e sem considerar o eventual vies do seu autor em FAVOR do sistema, a questão crucial do sistema de cotas não é a qualidade dos cotistas e sim o rebaixamento dos critérios de ingresso, o que atua em desfavor do mérito, base de qualquer sistema universitário.
Qualquer que seja o resultado, não se pode negar o caráter racista do sistema e é isso que está em causa.
Paulo Roberto de Almeida