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segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Consultoria do Senado aponta nepotismo na indicação do filho do presidente como embaixador em Washington

Indicação de Eduardo Bolsonaro configura nepotismo, diz consultoria do Senado

Deutsche Welle, 18/08/2019
https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/deutschewelle/2019/08/18/indicacao-de-eduardo-bolsonaro-configura-nepotismo-diz-consultoria-do-senado.htm

Parecer de técnicos argumenta que embaixador é cargo comissionado comum, o que veda a nomeação de parentes até o terceiro grau. Indicação de filho do presidente para embaixada em Washington precisa do aval do Senado.A Consultoria Legislativa do Senado elaborou um parecer afirmando que a possível indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, para a embaixada brasileira nos Estados Unidos configuraria nepotismo.

Os consultores argumentam que o posto de chefe de missão diplomática é um cargo comissionado comum, e não de natureza política, por isso é vedado o nepotismo – segundo um decreto de 2010 e uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2008.

"Quanto à situação concreta colocada, considerando que: (a) embaixadores não são agentes políticos, (b) é comissionado o cargo de chefe de missão diplomática permanente, (c) as indicações para esse cargo (e as próprias nomeações) são feitas pelo presidente da República, (d) o deputado Eduardo Bolsonaro é filho (parente em primeiro grau) do presidente da República, concluímos ser aplicável ao caso a Súmula Vinculante nº 13, restando configurada, na hipótese de a indicação vir a ser formalizada, a prática de nepotismo", diz o parecer.

Os técnicos do Senado lembram que a proibição do nepotismo – favoritismo indevido de parentes por parte do poder público – "se estende a parentes até o terceiro grau, o que, obviamente, inclui filhos da autoridade nomeante, cujo vínculo de parentesco é o mais próximo possível".

"O nepotismo e o filhotismo, como manifestações do patrimonialismo, são fenômenos observáveis desde os primeiros tempos da colonização do Brasil e que se estendem aos dias atuais", acrescenta o texto. Os consultores, citando o jurista Paulo Modesto, descrevem a prática como "uma forma de autopreservação e autoproteção das elites".

O parecer, assinado em 13 de agosto pelos consultores Renato Monteiro de Rezende e Tarciso Dal Maso Jardim, foi divulgado pela imprensa brasileira neste sábado (17/08).

A Consultoria Legislativa é responsável por elaborar notas técnicas a pedido de senadores para embasar suas decisões. As indicações às embaixadas brasileiras, feitas pelo presidente da República, precisam ser aprovadas pelo Senado.

Bolsonaro ainda não fez a indicação formal de Eduardo para o posto. No final de julho, o Itamaraty enviou uma consulta ao Departamento de Estado americano, que concedeu sua autorização – agrément, na linguagem diplomática – para a indicação do deputado.

Após a indicação formal pelo presidente, Eduardo deve passar por sabatina na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, antes de ter seu nome submetido à votação no plenário da Casa. Para a aprovação, é necessária a maioria entre os 81 votos dos senadores.

Eduardo Bolsonaro

Com 35 anos, Eduardo Bolsonaro tem a idade mínima estabelecida pela lei brasileira para embaixadores. Deputado federal em segundo mandato e chamado de "03" pelo pai, ele é escrivão concursado da Polícia Federal.

Não possui nenhuma formação na área internacional, mas é membro da Comissão de Defesa e Relações Exteriores da Câmara e exerce influência sobre a política externa do governo, além de acompanhar o presidente em viagens internacionais, tal como ocorreu no Fórum Econômico de Davos e na cúpula do G20 no Japão.

A indicação foi alvo de críticas no meio político, diplomático e no Judiciário, que logo acusaram o presidente de prática de nepotismo. Em reação, Bolsonaro disse que pretendia beneficiar o filho. "Pretendo, está certo. Se puder dar um filé mignon ao meu filho, eu dou", afirmou.

O plano do presidente representa uma quebra sem precedentes na tradição diplomática do país. Nunca na história republicana brasileira um presidente indicou um filho para um cargo de embaixador, ainda mais em um posto tão sensível quanto a representação nos EUA. A prática também é exótica em grandes democracias do mundo. Exemplos desse tipo de indicação são encontrados em ditaduras – como a Arábia Saudita, o Chade e o Uzbequistão.

A embaixada brasileira em Washington já foi preenchida com indicações políticas no passado, como o ex-governador Juracy Magalhães nos anos 1960 e o banqueiro Walther Moreira Salles na década de 1950, mas nenhum dos indicados tinha relação de parentesco com o então presidente.

Após o anúncio, Eduardo tentou minimizar a sua falta de experiência diplomática. "Não sou um filho de deputado que está do nada vindo a ser alçado a essa condição. Tem muito trabalho sendo feito, sou presidente da Comissão de Relações Exteriores [da Câmara], tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos", disse.

EK/ots/dw

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domingo, 18 de agosto de 2019

O herdeiro rebaixado: a indicação de um filho para embaixador em Washington - Paulo Roberto de Almeida


O herdeiro rebaixado: filho indicado para a embaixada em Washington


Paulo Roberto de Almeida
[Objetivo: entrevista sobre nomeação para embaixada; finalidade: Livres]


O texto abaixo deve ter sido composto com base em declarações minhas obtidas por meio de entrevista telefônica concedida no dia 12 de julho, em plena viagem de Brasília a Uberaba, a um encarregado de comunicações do Livres – agrupamento do qual sou membro do Conselho Acadêmico – sem que eu o tivesse registrado entre as minhas produções próprias, e sequer tomado o devido conhecimento em tempo hábil, uma vez que ele foi publicado no site do Livres no mesmo dia 12/07 (neste link: https://www.eusoulivres.org/artigos/o-herdeiro-rebaixado-por-paulo-roberto-de-almeida/). Existem imprecisões no teor do texto, uma vez que fui tomado de surpresa e respondi sem uma precisa verificação dos antecedentes.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18/08/2019


A escolha de Eduardo Bolsonaro para a embaixada nos Estados Unidos não é apenas indecorosa. Ela é também um desastre do ponto de vista político, porque Jair Bolsonaro perde seu único herdeiro, rebaixando-o à categoria de apaniguado.
Isso é focar no menos importante do ponto de vista das instituições. Essa indicação – por enquanto apenas uma intenção – não é apenas indecorosa por supostamente retirar o chanceler de fato da linha de sucessão. Ela é sobretudo inconstitucional – pelo filhotismo explícito e ilegal – e eivada de irregularidades diplomáticas no plano dos procedimentos e da substância.
Normalmente, qualquer nova intenção de um Estado de designar um representante de um chefe de Estado junto a outro chefe de Estado é precedida de uma nota secreta pedindo o chamado agrément, ou seja, a consulta sobre a aceitação eventual desse designado. O Estado recebedor – teoricamente o chefe de Estado, mas normalmente a chancelaria é que recomenda sim ou não – tem o direito de não aceitar o indicado, pois isto faz parte de suas prerrogativas soberanas. Se o Estado aceitar, só aí o governo que pretende enviar um seu representante, com o agrément concedido, dá início aos trâmites internos de designação.
No caso do Brasil, disposições constitucionais determinam que o designado, depois de dado o agrément, em segredo, seja objeto de uma mensagem ao Senado, informando sobre essa indicação, para que o indivíduo em questão seja sabatinado. A Comissão de Relações Exteriores do Senado, assim como o plenário, são soberanos para determinar se aceita ou não a indicação.
Temos precedentes de recusa: Shigeaki Ueki, designado para representar o Brasil junto à então CEE nunca foi chamado para ser sabatinado.
Mais recentemente, criou-se uma enorme confusão (que nunca deveria ter existido) em torno do indicado pelo governo israelense para representá-lo no Brasil. O Governo Dilma, totalmente desrespeitoso das normas não escritas do Direito Internacional, revelou quem era e disse que não aceitaria abertamente, por se tratar de “militante da ocupação ilegal israelense em território palestino” (Estado reconhecido pelo Brasil desde 2010, ainda sob o governo Lula). Foi nessa ocasião que o porta-voz da chancelaria israelense chamou o Brasil de “anão diplomático”.
Mas a confusão não deveria ter existindo, se tivéssemos mantido tudo em segredo, como recomenda a praxe internacional.
Qualquer governo sério, o que não é o caso da administração Trump (e tampouco da nossa), preservariam total discrição sobre esses assuntos, pois teoricamente o governo “aceitante” pode RECUSAR um nome que tenha sido previamente anunciado sem a sua manifestação de “satisfecit”. Ou seja, dois governos pouco sérios.
Neste caso, a administração Trump aceitaria facilmente quem diz que apoia totalmente a construção do muro e diz que os brasileiros ilegais nos EUA são “uma vergonha para o Brasil”.
Vergonha é ter um representante do povo (supostamente) ofendendo milhares de brasileiros que trabalham honestamente nos EUA e ainda remetem milhões de dólares para o Brasil.
Miséria da Diplomacia (aliás o título de meu próximo livro).

Paulo Roberto de Almeida
Brasília-Uberaba, 12/07/2019

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O Senado e a diplomacia - Paulo Roberto de Almeida (versão original)

Eis abaixo a versão completa de meu artigo publicado de forma resumida na edição de ontem, 14/08/2019, no jornal O Estado de S.Paulo


O Senado e a diplomacia


Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, lotado na Divisão do Arquivo; professor no Uniceub, Brasília; organizador, com o embaixador Rubens Barbosa, do livro: Relações Brasil-Estados Unidos: assimetrias e convergências (São Paulo: Saraiva, 2012);
Publicado, em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/). Relação de Publicados n. 1319. 

Historicamente, durante décadas, chanceleres brasileiros foram selecionados dentre os parlamentares, na verdade por mais de um século, no Império e na maior parte da República. Eram recrutados mais na Assembleia Geral – a Câmara do Império – do que no Senado. Mas os senadores vitalícios prestavam relevantes serviços quando no Conselho de Estado, cuja área diplomática teve papel decisivo, ainda que meramente consultivo, no encaminhamento de processos decisórios que marcaram época nos anais de nossa diplomacia, com ênfase nos assuntos regionais – sobretudo no Prata – e nas relações com as grandes potências. Vale consultar os pareceres do Conselho, vários assinados por senadores, todos eles publicados.
Quando não eram parlamentares eram grandes tribunos, juristas, ou jornalistas e professores. O Visconde do Rio Branco combinava todas essas qualidades: chefe de governo, várias vezes ministro, instituiu o cargo de consultor jurídico na antiga Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, iniciativa retomada por seu filho no Ministério das Relações Exteriores da República. O Parlamento preservava inteira autonomia e controlava de perto os atos do ministro, como na recusa do acordo que o primeiro chanceler republicano, Quintino Bocaiúva, fez com a Argentina, pelo qual ela abocanharia boa parte do atual território de Santa Catarina. Ruy Barbosa, antigo membro do Conselho de Estado, primeiro ministro da Fazenda da República, senador, não foi chanceler, mas desempenhou funções diplomáticas, a mais famosa delas como delegado na segunda Conferência da Paz da Haia, em 1907.
O sucessor do Barão do Rio Branco, Lauro Muller, era parlamentar, assim como Nilo Peçanha e também Epitácio Pessoa, senador, designado chefe da delegação às negociações de paz de 1919, aliás, eleito presidente mesmo estando em Paris. Oswaldo Aranha (embaixador em Washington antes), Afonso Arinos de Mello Franco, San Tiago Dantas, foram brilhantes parlamentares que serviram como chanceleres, assim como, mais recentemente, os senadores Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Aloysio Nunes.
Chefes de missões diplomáticas, embora mais raramente, podiam ser designados dentre notáveis nomes da política ou da magistratura. No Império e na República velha, os diplomatas no exterior formavam uma carreira distinta da dos funcionários da Secretaria de Estado, e ambas da dos cônsules, que eram considerados simples negociantes de “secos e molhados”. As carreiras foram unificadas nos anos 1930; desde então, missões permanentes no exterior foram tradicionalmente ocupadas por funcionários de carreira. Ainda assim, tivemos um “barão” da imprensa – Assis Chateaubriand, em Londres –, e um banqueiro, Walter Moreira Salles, duas vezes embaixador em Washington. Mas sempre sob o rigoroso escrutínio da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal. Esta chegou a recusar uma ou outra designação – sequer chamou para sabatina um preferido do general Ernesto Geisel – e, mais recentemente, recusou aprovação a um outro nome, justamente por considerar que havia abuso de parentesco (era irmão do ministro da vez, diplomata).
A tendência de se designar diplomatas de carreira como chanceleres – limitada nos regimes anteriores – se ampliou durante o período militar, com uma sobrevida temporária durante os governos do PT. No período de transição voltaram os senadores, e outros haveria para o exercício do cargo, mas o governo Bolsonaro preferiu um diplomata de carreira, aliás, um que jamais foi embaixador – ou seja, chefe de missão permanente – ou que tenha exercido relevantes serviços na diplomacia. Agora, cogita nomear alguém totalmente sem experiência nas lides internacionais como representante diplomático junto à mais importante embaixada do Brasil no exterior. A Comissão de Relações Exteriores jamais se defrontou com um caso desse tipo, tanto mais inédito por se tratar de nepotismo explícito, ou de claro “filhotismo”.
Não existem precedentes na carreira, ou fora dela, embora filhos de presidentes ou de ministros tenham exercido chefias de postos. Um – Rodrigues Alves Filho –, foi admitido depois da morte do pai; outro – Afonso Arinos, filho –, sem conexão com as funções eletivas do pai e a despeito delas: como é a norma desde 1946, ele e todos os outros têm de passar no concurso do Instituto Rio Branco. Alguns, educados no exterior, nunca lograram êxito nos exames, notoriamente difíceis, talvez por deficiências no Português. Seria de se presumir que o atual indicado seja um exímio conhecedor das relações internacionais, tenha domínio perfeito do inglês e de várias outras matérias, além de uma boa familiaridade com a agenda diplomática brasileira e mundial, que é o que se exige nos concursos de admissão. Ele já tentou alguma vez?
Não considerando o aspecto moral da indicação – segundo a senadora Simone Tebet um “erro estratégico” do presidente –, resta a questão, a ser cuidadosamente examinada pelos senadores, da capacidade do indicado para tal função. Cabe registrar seu notório apreço pelo atual presidente americano – visível em visitas com o boné da reeleição –, o que já seria um impedimento substantivo a um seguimento isento, independente, das políticas daquele país. Não se trata apenas da hipótese de um opositor ser eleito em novembro de 2020, mas do diálogo que se deve manter com amplos setores da sociedade americana, cuja maioria urbana e mais educada esmagou, com milhões de votos, o vencedor no colégio eleitoral.
Que tipo de informação objetiva – que é o mínimo que se espera de um embaixador – poderá oferecer à chancelaria brasileira, contendo uma análise equilibrada das políticas de um governo com o qual está empaticamente identificado? Como seria ele visto na Câmara, atualmente dominada por uma maioria de oposição ao presidente? Como vai ser com os diplomatas profissionais, dotados de maior experiência em assuntos internacionais do que ele mesmo? E o que farão os ministros, conselheiros, secretários mais antigos, ao se defrontar com um chefe de posto notoriamente despreparado para tratar dos mais diversos assuntos da agenda bilateral, hemisférica e internacional, financeira, política e cultural, como é o caso dessa embaixada que vale quase por uma chancelaria inteira?
A CREDN-SF tem um imenso desafio pela frente, uma vez que o que está em causa é a própria credibilidade da diplomacia brasileira junto ao país com o qual já tínhamos relações ainda antes da independência, e laços formais desde 1824. O primeiro embaixador do Brasil, designado por Rio Branco em 1905, se chamava Joaquim Nabuco, elevado a essa categoria sem precedentes na diplomacia brasileira justamente para servir em Washington.

Brasília, 3/08/2019; publicado, em versão resumida, no jornal O Estado de S. Paulo (14/08/2019, p. A2; link: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-senado-e-a-diplomacia,70002966504). Publicado em versão completa no site do Livres (link: https://www.eusoulivres.org/artigos/nepotismo-ameaca-credibilidade-da-diplomacia-brasileira/). Relação de Publicados n. 1319.