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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou - MARCELO GODOY (O Estado de S. Paulo)

Cúpula bolsonarista tentou dividir Exército para dar golpe, mas fracassou

MARCELO GODOY 

O Estado de S. Paulo, 08 FEVEREIRO 2024 

A tentativa de desacreditar o Alto Comando do Exército (ACE) era parte fundamental da conspiração nascida dentro do Palácio do Planalto para dividir a corporação, colocar a tropa contra os comandantes que resistiam à ideia, e consumar o golpe de Estado tramado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ministros militares como expôs a operação realizada pela Polícia Federal.

Após a ação dos policiais nesta quinta-feira, 8, a coluna apurou que generais e coronéis concordaram que houve “traição” e “deslealdade” na atuação da cúpula bolsonarista, formada pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno, e do general Estevam Theóphilo, que segundo a PF seria o responsável por operacionalizar o golpe.

Ressaltam, no entanto, que a tentativa de divisão do Exército fracassou e que a instituição não se corrompeu, embora admitam que autoridades importantes foram seduzidas pelo “canto da sereia golpista”.

Dos 16 integrantes do ACE, 11 eram contrários ao golpe e de quatro a cinco, entre eles Theóphilo, tido como o mais bolsonarista dos generais da ativa, eram favoráveis. Dois outros generais que ainda estão na ativa expressaram opiniões favoráveis ao golpe, mas não agiram para que ele se concretizasse.

Sem a adesão do Alto Comando, a conspiração golpista seguiu para o plano B, a “festa da Selma”, como os bolsonaristas chamavam o ato que depois se tornou o 8 de Janeiro: assim como no ocorreu no Sri Lanka, a ideia passou a ser colocar a população na rua, mais especificamente em frente aos quartéis, para incitar uma rebelião nas fileiras do Exército e fazer com que a tropa passasse por cima dos generais.

Uma das frentes dessa estratégia era desacreditar os comandantes os acusando, por meio do gabinete do ódio nas redes sociais de serem “melancias”, verdes e patriotas por fora, mas vermelhos e comunistas por dentro. A investigação da Polícia Federal expôs o bastidor deste processo de fritura ao encontrar mensagens nas quais Braga Netto relata que o então comandante do Exército, Freire Gomes, estava omisso e indeciso sobre o golpe

“Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões”, respondeu o capitão reformado Ailton Barros, que depois foi preso na investigação sobre as fraudes nos cartões de vacina. “Oferece a cabeça dele. Cagão”, determinou Braga Netto em seguida.

Também não passou despercebida a pressão sobre as famílias dos militares. Em dezembro do ano passado, o brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, então comandante da  Marinha, procurou interlocutores para dizer que não iria trair os valores militares.

Nas conversas, ele fazia coro ao cientista político Samuel Huntington no livro O Soldado e o Estado: “Sobre os soldados, defensores da ordem, recai uma pesada responsabilidade. Se abjurarem o espírito militar, destroem primeiro a si mesmo e, depois, a Nação”, diz a conclusão da obra.

A coluna apurou que foi Baptista Júnior o responsável por vazar a informação que os comandantes das Forças Armadas pretendiam entregar os cargos antes do fim do governo Bolsonaro para não se submeterem, ainda que brevemente, ao governo Lula. O vazamento acabou frustrando a iniciativa.

“Senta o pau no Batista Júnior. Povo sofrendo, arbitrariedades sendo feitas e ele fechado nas mordomias, negociando favores. Traidor da pátria. Daí para frente. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto em uma mensagem obtida pela Polícia Federal.

O descrédito do Alto Comando permitiria o passo seguinte: a quebra de hierarquia tão cara aos militares para consumar o golpe. Então chefe do Comando de Operações Terrestres, o terceiro escalão da corporação, o general Theóphilo passou por cima do comandante do Exército e do ministro da Defesa ao se reunir diretamente com Jair Bolsonaro.

De acordo com a investigação, ele prometeu ao presidente mobilizar seus comandados, conhecidos como “kids pretos”, para prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira integra uma das famílias mais tradicionais do Exército brasileiro, responsável por produzir quatro generais. Entre eles, César Cals, governador do Ceará durante a ditadura, no início dos anos 70, e depois ministro de Minas e Energia no governo de João Figueiredo.

Já Guilherme Teóphilo, irmão de Estevam, chefiou o Comando Militar da Amazônia, se candidatou ao governo do Ceará pelo PSDB em 2018 e depois atuou como secretário nacional de Segurança Pública no governo Bolsonaro.

Estevam Theóphilo foi responsável por causar rusgas entre o governo Lula e o Exército mesmo após o 8 de Janeiro. Após ouvir de Mauro Cid que ele temia ser preso nas primeiras semanas de 2023, o general disse que conversaria com o então comandante do Exército, Júlio César de Arruda. O comandante insistiu em manter Cid na chefia de um batalhão de Operações Especiais após os atos golpistas, o que foi a gota d’água para Lula demiti-lo.

Theóphilo também foi um dos defensores da venda de 450 viaturas do blindado Guarani para a Ucrânia utilizar na guerra contra a Rússia. A negociação opôs o poder civil, por meio do Itamaraty, que defendia a neutralidade no conflito, e os militares, já que o Exército ficaria com parte do valor da venda. Ao fim, a operação foi vetada.

Também no início do ano passado, o Coter, então comandado pelo general Theóphilo, promoveu o 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro para o qual foram convidados EUA, Alemanha, Reino Unido, França, além de outros países da Otan, dos Brics e do Mercosul. Duas ausências, entretanto, eram notáveis: a Rússia e a China.

Novamente, a diplomacia militar se aproximava do polo liderado pelos EUA, na contramão da neutralidade pregada pelo Itamaraty e pelo assessor especial da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, que se queixou diretamente com Lula sobre a atuação dos militares na política externa.


quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Referendo venezuelano para anexar metade da Guiana: um desafio para o Brasil - Marcelo Godoy (OESP)

A ameaça bélica que vem da Venezuela e vira dor de cabeça para os EUA e para Lula 

Marcelo Godoy

O Estado de S. Paulo, 8/11/2023

Regime de Maduro convoca referendo para população votar sobre anexação de mais de metade da Guiana; generais venezuelanos apoiam ação São cinco perguntas.


 Elas serão respondidas no dia 3 de dezembro pelos venezuelanos no referendo convocado pelo regime de Maduro para saber se o país deve anexar pouco mais da metade da vizinha Guiana. No momento em que o mundo vive as guerras da Ucrânia e de Gaza e assiste à ameaça chinesa a Taiwan, a Venezuela leva adiante o plano de tomar o território de Essequibo, uma área de 159 mil km² rica em petróleo e minérios. 

 Trata-se de uma disputa territorial que tem origem no século 19, quando a Inglaterra reclamou a região como parte de sua Guiana. Uma arbitragem internacional patrocinada pelos EUA lhe deu razão. O resultado foi contestado pela Venezuela e nova discussão ocorreu em 1966, quando a Guiana se tornou independente. Tudo foi retomado agora por Nicolás Maduro. Como resposta ao referendo do vizinho, a Guiana apelou à Corte Internacional de Justiça de Haia, a fim de que ação venezuelana seja declarada ilegal. A Corte se reunirá para examinar o caso no dia 14. 

O problema é que a disputa deixou de ser entre uma potência colonial e uma nação sul-americana para envolver dois países da América do Sul. Enquanto isso, o ministro da Defesa da Venezuela, general Vladimir Padrino, manifesta-se diariamente pela anexação do território entre os Rios Cuyuni e Essequibo. O general, um dos homens fortes do regime, disse no dia 25 de outubro: “Nós nos somamos ao poder eleitoral nessa consulta popular para a defesa da Guiana Essequiba, um dever das e dos venezuelano. 

Nos vemos no dia 3 de dezembro!” O general Domingo Hernández Lárez, comandante estratégico-operacional das Forças Armadas da Venezuela, também fez publicações apoiando o referendo: “O Essequibo é da Venezuela!”. Vídeos com deslocamento de tropas para a “frente de Essequibo”, próxima a Roraima, foram publicados, como o do vice-almirante Ashraf Abdel Hadi Suleimán Gutiérrez, que disse à tropa formada: “Esse território, por sua história, pela lei e pela tradição é da Venezuela”. Em seguida, ouve-se os “urras” de seu soldados. 

O próprio Maduro publicou imagens de desfiles militares com a palavras de ordens sobre Essequibo. Diante da escalada, pode-se perguntar: além do direito internacional, de quais meios de dissuasão a Guiana dispõe? O maior é o Comando Sul, dos EUA, país cujos recursos já estão ocupados em se opor ao Irã, à Rússia e à China. Os marines se exercitaram em Georgetown em julho. A um ano do voto, Biden vê surgir nova ameaça. E o que o Itamaraty tem a dizer sobre a crise que se avizinha? Tudo pode ser só mais uma bravata de Maduro. Mas, se há dúvida, quem vai garantir a integridade da Guiana até Haia se manifestar? Ou Lula vai pedir a paz só depois de um novo fato consumado? 

segunda-feira, 14 de março de 2022

As loucuras e paranoias amazônicas dos militares brasileiros - Marcelo Godoy (OESP)

 Transcrevo a partir de postagens de Carmen Licia Palazzo:

"Sempre comentei que essa visão dos militares era absurda. O Villas Bôas a essas alturas poderia se privar de passar vexame. É o que eu acho, SIM, e não é de agora."

Carmen Lícia Palazzo


"Villas Bôas usa canção antifascista para provocar Macron às vésperas de eleição

General faz publicação sobre a Amazônia em meio à campanha eleitoral francesa; bolsonaristas se identificam com a extremista de direita Marine Le Pen

Marcelo Godoy

O Estado de S.Paulo, 14 de março de 2022 | 10h43

Ex-comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas tuitou no dia 11 de março a seguinte frase: "O que espera Macron na Amazônia". Em seguida, postou um vídeo em que militares brasileiros – guerreiros de selva – cantam uma versão verde-oliva da música Bella Ciao, o famoso canto partigiano nascido durante a 2.ª Guerra, nos Apeninos Modenenses, região onde lutou a Força Expedicionária Brasileira. 

A canção da resistência italiana conta a história de um jovem que acorda pela manhã, encontra o invasor nazista e decide seguir os guerrilheiros. Ele diz à sua amada, que, se morrer, deve ser enterrado num alto de montanha ao lado de uma flor para que digam os que passarem por ali: "essa é flor do partigiano, morto pela liberdade". A versão verde-oliva fala dos guerreiros de selva que devem pegar suas armas para "se for preciso, matar ou morrer pela Nação e liberdade". 

O paralelo entre os partigiani e a estratégia de defesa para a Amazônia é evidente. Os militares brasileiros – sobretudo os do Exército – dedicaram-se a desenvolver uma teoria de defesa para a região em grande parte baseada na percepção de que as principais ameaças ao Brasil estão no hemisfério Norte. Os pesquisadores Celso Castro e Adriana Marques acrescentam um ponto nessa equação ao associarem "a crescente importância simbólica da batalha de Guararapes para o Exército à percepção institucional de que a Amazônia é alvo da cobiça internacional e deve ser defendida".

Assim, se a campanha de Guararapes, com suas emboscadas, "remete implicitamente à doutrina de resistência que foi desenvolvida pelo Exército na década de 1990", a música dos partigiani tem o mesmo papel simbólico, ainda que a memória oficial da FEB, como escreveu Teresa Isenburg, em sua obra O Brasil na Segunda Guerra Mundial, tenha quase apagado da história o papel dos guerrilheiros italianos que lutaram ao seu lado. Para quem já esqueceu, 69 mil deles – liberais, socialistas, democratas-cristãos e comunistas – morreram na luta contra os nazi-fascistas; outros 62 mil desapareceram no conflito. 

Foi a Divisão Modena/Armando, chefiada por Mario Ricci, que libertou a cidade de Porretta Terme, localidade que serviu depois de quartel-general para a FEB. Ricci, o Comandante Armando, era um comunista veterano da guerra civil espanhola. Sua unidade foi enquadrada no 5.º Exército Americano e acabou reconhecida como força beligerante. Bella Ciao é desde então canção presente em toda comemoração do 25 de abril, o Dia da Libertação da Itália.

O general Villas Bôas comandou na Amazônia. É dado a polêmicas no Twitter. Em 2018, teve Lula e a impunidade como alvo. Fez coro em 2019 com Jair Bolsonaro, escalando a crise com a França, quando Emmanuel Macron sugeriu um status internacional para a floresta diante do recorde de queimadas registrado no primeiro ano do governo do capitão. Agora, resolve voltar à carga contra o francês, no momento em que Macron se prepara para disputar o primeiro turno da eleição presidencial, em 10 de abril. 

O francês tem sua reeleição praticamente garantida. Sua popularidade cresce nas pesquisas desde a invasão da Ucrânia, levada a cabo por Vladimir Putin, um aliado de Bolsonaro. Enquanto isso, a candidata in pectore do bolsonarismo na França – Marine Le Pen – patina e luta para se desvencilhar da incômoda proximidade com o líder russo. Diante de tudo isso, o que faz Villas Bôas? Tuíta. O general parece ter predileção por períodos eleitorais para lançar suas declarações polêmicas.

Emmanuel Macron, França

A França mantém com o Brasil uma fronteira terrestre de 730 quilômetros, próxima da foz do Amazonas. Na Guiana, está estacionado, desde 1973, o 3.º Regimento Estrangeiro de Infantaria (3.º REI), que protege a base de lançadores de foguetes em Kourou. É tropa especializada em guerra na selva. O Estado brasileiro mantém acordos militares com os franceses, como o projeto para a construção de quatro submarinos da classe Scorpène para a Marinha. Trata-se, portanto, de países aliados. 

Em vez de se prestar a fazer provocações que servem apenas para excitar a base bolsonarista nas redes sociais, generais do Planalto, como Villas Bôas, contribuiriam mais para o País se lembrassem que as principais características dos conflitos de hoje são a letalidade seletiva e efetiva, o maior alcance e a precisão das armas e a robotização do campo de batalha. Para não falar das ações no espaço cibernético, do domínio aéreo e espacial e de conflitos nas áreas urbanas, como a Rússia mostra na Ucrânia. O Raymond Aron de Pensar a Guerra, Clausewitz, explica mais o momento atual do que David Galula, com seu Contrainsurreição, Teoria e Prática. 

Há perguntas sobre dissuasão de ameaças extrarregionais que um tuíte não responde. Os Comandos Militares da Amazônia e do Norte são dotados de capacidade dissuasória convencional, segundo o conceito estratégico A2/AD – antiacesso e negação de área – usado pelas maiores potências militares do planeta? O Brasil tem em suas Forças de Prontidão (FORPRON) brigadas de emprego estratégico e geral. Mas apenas duas das seis brigadas de infantaria de selva fazem parte desse sistema. É necessário acrescentar outras? Os comandos da Amazônia têm defesa antiaérea de média e grande altura? Vão receber no futuro os mísseis AV-TM 300? 

Submarino Riachuelo

De origem francesa, o Riachuelo, de 75 metros, 2.200 toneladas, é alto como um prédio de quatro andares e tem grande poder de fogo; primeiro de uma frota de quatro novos submarinos da Marinha do Brasil, foi ao mar pela primeira vez em dezembro de 2018 

A Defesa do Brasil não precisa de provocações tolas aos seus aliados, mas de um debate que explique à população por que o País tem 80 mil homens em sua Marinha e menos da metade dos navios e submarinos do Reino Unido, que mantém 35 mil homens na Armada de Sua Majestade. É preciso discutir a qualidade, onde e como são gastos os recursos do Ministério da Defesa. Assim como reconhecer que a melhor dissuasão que o Brasil pode ter é se livrar da política ambiental negacionista, que se acumplicia com criminosos florestais, garimpeiros ilegais e oportunistas em busca de botim nas terras indígenas.

Em vez disso, o bolsonarismo cria o fantasma do porta-aviões Charles de Gaulle para espantá-lo com um tuíte. Macron se torna o símbolo de uma tal Nova Ordem Mundial, que reuniria degenerados, apóstolos do politicamente correto, ateus, gays, feministas, ambientalistas, intelectuais, jornalistas, liberais, comunistas e... George Soros. A extrema direita é assim: trata Putin como aliado, o homem que vende armas a Nicolás Maduro e bombardeia a Ucrânia, mas vota contra a securitização do meio ambiente na ONU. Quem sabe se um dia vai achar 'cool' invadir a Guiana? Jânio quis o mesmo em agosto de 1961; a renúncia nos poupou dessa aventura."

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"Mais um artigo que se relaciona com o anterior, que postei. Vale MUITO a leitura."(CLP)

"O que a Ucrânia e Putin têm a ver com a Amazônia e Bolsonaro

Presidente brasileiro viu na discussão sobre a securitização das mudanças climáticas uma ameaça ao seu governo; resolução defendida por EUA, Reino Unido e França foi vetada pela Rússia

Marcelo Godoy

O Estado de S.Paulo, 07 de março de 2022

Caro leitor, 

o presidente Jair Bolsonaro acredita que "alguns chefes de Estado muito conhecidos" querem discutir a soberania da Amazônia. Ele repete um velho hábito da extrema direita: criar fantasmas para assustar o País e passar a acreditar em suas criaturas. É por isso que Bolsonaro se disse grato a Vladimir Putin. Não só pelo russo ser um modelo para a extrema direita europeia – da francesa Marine Le Pen ao italiano Matteo Salvini, ao menos até a invasão da Ucrânia–, mas também pelo voto daquele país na sessão, de 13 de dezembro de 2021, do Conselho de Segurança da ONU. 

Naquele dia, o vice-embaixador da Rússia nas Nações Unidas, Dmitry Polyanskiy, vetou uma resolução proposta pela Irlanda e pelo Níger, que contava com os apoio dos EUA, do Reino Unido e da França. Diante da ameaça global representada pelas mudanças climáticas, os países ocidentais queriam que o tema fosse securitizado, ou seja, passasse a ser tratado não só nos fóruns ambientais, mas também no conselho. O argumento era simples: eventos extremos, secas, inundações e outras catástrofes afetam a paz e a guerra entre as nações e a segurança de territórios e de populações. 

Preocupada em ver sua expansão na região do Ártico ser barrada em razão dos efeitos que traria para o mundo, a Rússia, por meio de seu diplomata, afirmou que achava "contraproducente incluir o componente climático nos mandatos de manutenção da paz e missões políticas especiais": "A avaliação dos riscos relacionados ao clima, a condução das análises e as medidas como resposta devem ser feitas em fóruns especializados".

Esses fóruns têm a sua legitimidade constantemente atacada por Bolsonaro. Candidato à Presidência, cogitou seguir o exemplo de seu guru, Donald Trump, e retirar o Brasil do Acordo de Paris. Mas uma coisa é ter saliva para criticar o Acordo, outra seria ter pólvora para enfrentar uma resolução do Conselho de Segurança. O capitão vê por trás das ONGs e dos ecologistas a ação de potências estrangeiras e dos progressistas do Ocidente. Eis a sua lógica. Ela é igual à de Putin. Mas o russo tem maioria no Parlamento. E força para fechar as organizações e botar na cadeia – ou no cemitério – a oposição. 

É verdade que Emmanuel Macron defendeu a discussão sobre um estatuto internacional da floresta. É também verdade que alguns  acadêmicos viram na ação de madeireiros criminosos, apoiados em uma política ambiental inconsequente, um atentando à responsabilidade de proteger um bioma, cuja destruição ameaçaria a segurança da humanidade. E, quando se fala em responsabilidade de proteção em organismos como o Conselho de Segurança, abre-se o caminho para sanções ao país ou aos grupos de um futuro eixo do mal climático. 

Para além de sua ética do potássio, de esconder com o biombo de uma suposta razão econômica – a dependência do Brasil de fertilizantes russos – suas simpatias pelo presidente Putin, Bolsonaro vê no amigo russo um aliado para seguir sua política ambiental, responsável pelo maior nível de desmatamento da Amazônia em dez anos. Governa-se com ideologia. É ela que vê a proteção do meio ambiente como um atentado à soberania da Nação, em vez de enxergar na sustentabilidade e na economia verde uma oportunidade de desenvolvimento, com sua promessa de riqueza para o País. 

O Brasil perdeu a revolução industrial. Decidiu manter a escravidão por quase todo o século 19 em vez de apostar no trabalho assalariado. Escolheu-se o atraso em vez da indústria em nome de uma soberania em desacordo com a humanidade, que não interessava ao País, mas somente a uns poucos que patrocinavam a cena infame do tráfico negreiro e do estalar do chicote que nos embrutecia a alma. O atraso se manifesta ainda assim agora. 

Em vez de incentivar a exploração do potássio em São Gotardo (MG), onde a empresa responsável diz ter reservas suficientes para abastecer o País pelos próximos 60 anos, Bolsonaro usou a crise na Ucrânia para defender outro ponto de sua ideologia: a liberação de mineração nas terras indígenas. Candidato em 2018, o capitão dizia não se importar de ser chamado de capitão Custer, uma referência ao militar americano que travou uma guerra inglória contra os Sioux. No mesmo dia em que retomava sua velha ideia, a mineradora divulgava em Minas que ia dobrar a produção de siltito glauconítico, rocha de cor esverdeada usada há 200 anos nos EUA como fertilizante potássico, mas desconhecida no Brasil.

Isso acontece porque o presidente tem para a Amazônia uma lógica de séculos passados – a ocupação e a integração –, dos tempos em que a rapina se confundia com a empresa colonial. Mas não se deve tratar a autoridade do governo sobre a floresta como a de um imperador, acima das leis e de qualquer responsabilização republicana. Se alguém não sabe a razão disso, pode-se compreender com um exemplo: o dono de um apartamento não pode incendiá-lo, pois, ao fazê-lo, coloca em risco a vida de todos no prédio.

Para ter mãos livres na Amazônia, Bolsonaro sabe que não pode depender nem mesmo de Putin. Em sua live do dia 3 de março, disse: "A Amazônia é nossa e sua soberania não pode ser relativizada. A melhor maneira de não ter sua soberania relativizada é ter Forças Armadas cada vez mais capazes para inibir uma possível agressão ou uma possível interferência externa".  Tem razão. Mas então a a Marinha do Brasil, por exemplo, não poderia ter 80 mil homens, mais que o dobro da Armada britânica, com menos da metade de navios e submarinos do Reino Unido. 

Há muito existe entre os militares brasileiros um sentimento de desconfiança sobre as intenções de nações desenvolvidas a respeito da Amazônia. E uma preocupação enorme com a sua proteção. É, por exemplo, em razão da análise da característica da região que o Brasil não assinou a convenção internacional que baniu as bombas de fragmentação. Para os militares, essa munição – que os russos despejaram na Síria e agora são acusados de fazer o mesmo na Ucrânia – violaria o direito humanitário internacional apenas se usada em áreas urbanas, onde seus efeitos não distinguiriam alvos civis de militares, o que não seria o caso da floresta.  

Mas não é rearmando um País ou mudando o perfil de seus gastos com Defesa – hoje altamente comprometidos com os pagamentos de salários, aposentadorias e pensões – que se afastará a ameaça ligada à securitização do meio ambiente. Não será muito menos escondendo dados sobre desmatamento que o Brasil combaterá suas vulnerabilidades nos fóruns internacionais. O País, como disse ao Estadão o coronel do Exército e especialista em geopolítica Paulo Gomes Filho, precisa ter "uma posição madura": "Não podemos negar as mudanças climáticas. Elas podem ser instrumentalizadas contra nossos interesses e servir ao protecionismo agrícola? Podem. É uma realidade. Mas elas também têm efeitos que devem ser combatidos".


Amazônia

Sobrevoo mostra imagem de região entre Sinop e Brasnorte, no Estado do Mato Grosso. O Brasil vem sendo pressionado internacionalmente para reduzir os indicadores de desmatamento da floresta amazônica

Eis o problema do governo. Bolsonaro e os que o cercam negam a realidade do clima e expõem o Brasil à reação internacional. Depois, o capitão sai mundo afora em busca de "apoios". E os encontra na comunidade de extremistas internacionais da qual faz parte. Nela estão déspotas africanos, árabes e europeus, populistas reacionários e todo tipo de ultraconservador capaz de invadir o Capitólio. A extrema direita virou um movimento internacional. Ela quer ter mãos livres para construir um mundo segundo sua ideologia. Putin entende Bolsonaro. Afinal, ele também quer ter as mãos livres no que pensa ser o seu pedaço do planeta."


segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Coronéis pedem saída de Pazuello da Saúde e criticam Bolsonaro - Marcelo Godoy (OESP)

 Demorou para que os militares dessem conta que o capitão que desgoverna o país está destruindo a reputação deles, pois se trata de um psicopata perverso. As FFAA vão sair muito mal desse desgoverno.

Paulo Roberto de Almeida


Coronéis pedem saída de Pazuello da Saúde e criticam Bolsonaro

Críticos à presença de militares na Esplanada, os oficiais apontam as falhas do ministro; general não teria seguido, nem ao menos, os princípios do manual de logística

Marcelo Godoy

O Estado de S.Paulo, 21 de dezembro de 2020 | 10h00

Caro leitor,

Há militares que apoiaram Jair Bolsonaro, pois acreditavam que qualquer coisa seria melhor do que o PT. Dizem que lutavam contra a corrupção. Outros se mantiveram distantes do capitão. Após dois anos, eles veem o governo se aliando ao Centrão ou buscando, por todos os meios, livrar o filho do presidente de seu encontro com a Justiça. Há um mês, o general Francisco Mamede Brito escreveu: "O apreço entre as instituições de Estado deve se basear no ideal republicano. Subserviência, fisiologismo e corporativismo não fazem parte desse ideiário". Não são apenas oficiais generais, como Santos Cruz, Brito e Sérgio Ferolla que apontam o dedo para o governo. Há também coronéis. Dois deles se destacam: Marcelo Pimentel Jorge de Souza e Péricles da Cunha.

O primeiro é um artilheiro que sempre se recusou a apoiar Bolsonaro por julgá-lo - a exemplo de tantos generais do passado - um mau militar. Suas críticas vão além do presidente. Ele aponta para o grupo de militares que esteve por trás da campanha do capitão. O coronel tem o hábito de fustigar os militares bolsonaristas lembrando-lhes os documentos que alguns parecem esquecer: o Estatuto dos Militares e a Constituição. Pode ser que o acusem de ser esquerdista, como a tantos outros que ousaram criticar Bolsonaro - de banqueiros ao (pasmem!), general Rocha Paiva. Mas essa é uma tarefa difícil quando o discurso do militar lembra o de Ruy Barbosa, ao pedir, em 1893, que fosse construída "a mais alta muralha" entre o Exército e a política.

Ele se diferencia dos generais que se hoje se opõem ao capitão por ter posto cera nos ouvidos e nunca ter cedido ao canto bolsonarista que encantara tantos colegas que hoje ocupam cargos civis na Esplanada. Insiste na necessidade da preservação da neutralidade, da isenção e do apartidarismo como valores fundamentais da instituição militar e dos militares, que se veem ameaçados pela adesão atabalhoada de colegas ao governo de um presidente que acha bonito dar ao seu povo o exemplo de não se vacinar contra uma doença que já matou 186 mil compatriotas. Estivesse ainda em um quartel, o capitão seria enquadrado em razão da fanfarronice.

"Em tese, ele (Bolsonaro) poderia ser alvo de impeachment", disse o coronel à coluna, após avaliar o comportamento presidencial diante da pandemia. Recentemente, Marcelo Pìmentel escreveu um texto no qual avaliou a atuação do ministro da Saúde, o general Pazuello. Em O Logístico que não segue o Manual, o coronel  afirma: "O Manual de Logística do Exército Brasileiro é a 'bíblia' do oficial de logística, de cadete a general. Seja de intendência, de material bélico, artilharia, infantaria ou qualquer outra arma, o oficial que planeja apoio logístico - sempre uma atividade-meio e sempre fundamental - deve tê-lo bem estudado!"

O coronel prossegue afirmando que a "única razão alegada pelo governo para que o general forças especiais (Pazuello), da ativa, oriundo do Serviço de Intendência, seja ministro da Saúde durante a pandemia, em vez de médicos ou políticos, é sua 'enorme capacidade logística'". O manual EB70-MC-10-238 deveria estar, segundo ele,  na cabeceira do gênio da logística que comanda a Saúde do País para as operações de prevenção, tratamento e imunização da covid-19. "Diz o manual em seu capítulo 5: O planejamento logístico na Força Terrestre deve atender às seguintes características:

Ser exequível, adequando-se às limitações de tempo e espaço, quanto à ação e de quantidade e qualidade, quanto aos meios (próprios ou contratados) e ou passíveis de mobilização; antecipar-se às necessidades de apoio ao longo da operação, de modo a garantir sua validade para o futuro. Essa antecipação será tanto maior quanto mais complexo for o problema militar a resolver com a operação; ser flexível, de modo a permitir a introdução de ajustes na sua execução, possibilitando soluções alternativas quando se evidencia uma impossibilidade do atendimento do apoio requerido; integrar-se aos planejamentos dos níveis estratégico e operacional, de maneira a possibilitar interação entre os vetores envolvidos, melhor aproveitamento das capacidades logísticas e direcionamento do esforço para atingir o Estado Final Desejado; e ser simples, de modo que os planos e ordens logísticas sejam de fácil entendimento pelos elementos envolvidos na sua execução, diminuindo o risco de confusão quanto aos resultados desejados."

Depois de citar esse logo trecho do manual, o coronel faz seis perguntas: "Você acha que esses princípios - exequibilidade, flexibilidade, antecipação, integração e simplicidade - estão sendo seguidos pelo 'papa' da logística, quando se aposta em uma única vacina com transferência de tecnologia para fabricação nacional (Oxford), em vez de se investir em convênios com outras empresas ou países para criar alternativas? Se milhões de testes próximos às datas de vencimento são esquecidos nos depósitos controlados pelo ministério? Se há falta de integração, de diálogo e bom relacionamento com governadores (é o nível político em que um ministro deve atuar), e do levantamento de necessidades à concentração e união de esforços? Se faltam informações substanciais, há divulgação de dados confusos, um vai-e-vem de decisões, 'ordens e contra-ordens' sobre quase tudo que diz respeito às ações governamentais, do fornecimento de insumos, passando pela divulgação de dados sobre mortos e casos ao plano de imunização? Se há atraso no levantamento de necessidades de seringas e dos processos de aquisição e fabricação desse e de outros insumos para execução da imunização? Se há investimento em tratamentos cientificamente questionáveis, como a hidroxicloroquina e vermífugos?"

E conclui: "Você acha que o 'logístico' está seguindo o manual de logística? Eu acho que não! Logo, pede pra sair...Pazuello!" Diante das críticas contra o negacionismo de Pazuello e Bolsonaro, o coronel escreveu: "Boa parte da sociedade está percebendo. Nenhum de nós, que vestimos fardas, se incomoda? Nenhum de nós, vendo esse tipo de exposição, se põe a refletir, além do argumento fácil a 'culpa é da imprensa'?" À coluna, o coronel afirmou achar o impeachment "o que de pior poderia acontecer para o Brasil". "Estou seguro de  que (Rodrigo) Maia sabe disso, e a oposição que tem juízo também. Bolsonaro não é Trump, mas pode e deve ser derrotado nas urnas. Ele e o partido militar, que não é o Partido Republicano."

Outro coronel crítico a Bolsonaro é Péricles Cunha. Em 1988, por escrever um artigo sobre o governo de José Sarney, Péricles pegou 15 dias de prisão. Participou nos anos 1990 da miríade de grupos de militares da reserva, como mostrou em sua dissertação de mestrado, na Universidade Federal Fluminense, o cientista político Eduardo Heleno de Jesus Santos (Extrema-direita, volver!). Em 1991, Péricles foi defendido pelo general Octavio Pereira da Costa, no artigo Entre Péricles e Sócrates, publicado no Jornal do Brasil: "Primeiro, não resisto em formular esta melancólica interrogação, com base na eleição do nosso Meneguelli militar (Jair Bolsonaro): Será que os militares, cansados de tentar salvar a Pátria, estariam procurando salvar-se a si mesmos?"

Após elogiar Péricles, o general seguiu com Bolsonaro: "Não cometeria a injustiça de glosar que já não se fazem capitães como antigamente, porque tenho certeza de que existem, por aí, em todos os quartéis, centenas de capitães, profissionalmente cada vez mais competentes, silenciosos, dignos e responsáveis". Péricles, que é crítico a Lula e a Bolsonaro e defende uma terceira via, parece vacinado contra os que usam o Exécrito e os camaradas como biombo para seus erros. Ele escreveu: "Se o despreparo do general intendente no Ministério da Saúde equivalesse ao do Exército, a Bolívia poderia conseguir sua saída para o mar. Pelo Atlântico."

E isso antes de Bolsonaro dizer, no fim de semana: “A pandemia, realmente, está chegando ao fim. Temos uma pequena ascensão agora, que chamo de pequeno repique, que pode acontecer, mas a pressa da vacina não se justifica.” Essa postura do presidente e de seu ministro causam desconforto no tenente-brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla, ex-presidente do Superior Tribunal Militar de Justiça, ex-diretor do Centro Tecnológico da Aeronáutica e da Escola Superior de Guerra. Homem vinculado à ciência, ele escreveu que o governo Bolsonaro "infelizmente, por deturpação ideológica e incompetência, reprime a correta manifestação de cientistas".

Ferolla conheceu o brigadeiro Casimiro Montenegro Filho, o homem que fundou o Instituto Tecnológico da Aeronáutica e o CTA. Ao ser questionado sobre como acredita que Montenegro veria a atuação de Pazuello na  Saúde, Ferolla respondeu: "Com desgosto profundo". Eis um sentimento que parece dominar as manifestações desses oficiais: desgosto. Sente-no ao verem as Forças Armadas arrastadas para o abismo de quem acha que a ânsia de muitos por se vacinar não se justifica. De quem cria fantasias para insinuar que seus adversários políticos são desonestos, como forma de justificar a incompetência para proteger a vida dos compatriotas. O descrédito que o bolsonarismo fomenta sobre as vacinas, combinado com o arrivismo que despreza a vida alheia, arrisca levar dezenas de milhares de brasileiro ao túmulo antes do fim da pandemia. E não será apenas "de desgosto".


terça-feira, 6 de outubro de 2020

General Heleno "dipromata": Bolsonaro e os militares - Marcelo Godoy (OESP)

BOLSONARO E OS MILITARES

Heleno chefia contra-ataque bolsonarista no meio ambiente e na diplomacia

Depois de defender ações contra o Congresso, o ministro do GSI agora concentra seus ataques aos críticos da política ambiental do governo

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo, 05 de outubro de 2020 | 09h05

 

Caro leitor,

Após dois anos de governo, Jair Bolsonaro criou uma base no Congresso. Parece ter compreendido como lidar com o Supremo Tribunal Federal, depois de integrantes do bolsonarismo terem defendido um putsch, que seus expoentes designavam como "intervenção militar", para fechar o tribunal e o Parlamento, silenciar a oposição e defender as boquinhas no governo. Se o presidente pôs cera nos ouvidos para não ouvir o canto dos blogueiros inconformados, só o tempo dirá. Só o tempo dirá se trocou o uso da força pela força da cooptação de adversários.

Bolsonaro pode obter sua détente, mas não significa que tenha abandonado sua guerra fria. Como diz Spinoza em seu Tratado Político, "a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união das almas, isto é, na concórdia". Esta o bolsonarismo parece ser incapaz de construir. A começar dentro do próprio governo, como mostram Paulo GuedesRogério MarinhoSérgio MoroLuiz MandettaSantos Cruz etc. O problema é anterior à paz armada com as outras instituições da República. Ele surge não apenas quando há desorganização e ausência de etiqueta no Planalto, mas também quando não se compreende a liberdade.

Bolsonaro já esbravejou em reuniões contra a falta de unidade de princípios e atropelos de ministros. Em governos organizados, somente o presidente da República manifesta-se sobre os mais variados temas. Mas alguns dos generais do Planalto parecem desconhecer a subordinação ao presidente ou acham suas estrelas mais reluzentes do que as do capitão. Isso já foi percebido por oficiais ouvidos pela coluna. Não se trata aqui apenas daquele que não pode ser demitido, por ser o vice-presidente da República.

Para esses militares, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como assessor do presidente não deveria expressar opiniões sobre temas que não são de sua responsabilidade no governo, como o Meio Ambiente. Ou será que Ricardo Salles – goste-se ou não dele – não é o responsável pela área, ainda que sob a vigilância de outro general, Hamilton Mourão, e seu Conselho da Amazônia? Ora, qualquer general chamaria de desleal a ação de um hipotético comandante militar da Amazônia que resolvesse dar palpites públicos sobre o Comando Militar do Sul.

Por que então Heleno se comporta de forma diferente no governo? Por que deixou os padrões militares para trás para adotar os da política? Ou será que Heleno ocupará o papel de ideólogo de seu grupo, antes reservado a Olavo de Carvalho? Foi para o canal do YouTube de Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente que acredita que sua propaganda substitui o jornalismo independente, que o ministro do GSI resolveu dizer que o governo ainda não teve tempo para executar a sua política para a Amazônia. E as pessoas de bom senso podem imaginar o que isso significa, quando o general afirma que a floresta tropical suporta "maus tratos".

"Nós sabemos exatamente o que temos de fazer na Amazônia brasileira e no Pantanal, só que não houve tempo ainda de colocar em prática, de colocar gente para fazer isso", diz Heleno. Mas o governo não mudou normas e regulamentos na área, impediu a queima de máquinas de garimpeiros, passou quase dois anos afastando fiscais e punindo quem tentava coibir a desordem e foi acusado de leniência com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros, enfim, com desmatadores e incendiários de toda ordem para pôr a culpa do que acontece na floresta e no pantanal em ONGs, índios e caboclos? Quem planta ideologia colhe incêndios.   

Mas não é isso o que pensa Heleno. Ele prefere pôr a culpa nos governos da Nova República, os tais 40 anos de intervalo entre o reino dos militares e a redenção bolsonarista. O sorridente Heleno se transforma no Bandarra do bolsonarismo, levando aos seus compatriotas a miragem de um Quinto Império. Em vez de d. Sebastião, oferece ao povo a figura de Jair Bolsonaro. Diz o ministro: "Nós temos 80% da cobertura florestal da Amazônia preservada. A Europa tinha 7%, hoje tem 0,1%. Mas agora ganharam a condição de nos criticar diariamente, nós somos os 'grandes vilões' do meio ambiente no mundo." 

Às ameaças dos anos 1970, o Movimento Comunista Internacional e as ONGs a serviço de poderes estrangeiros, Heleno acrescenta potências europeias que cobiçam nossas riquezas. O Bandarra do governo, que já foi o tradutor-mór de Bolsonaro, adverte que a Amazônia é "o destino manifesto do Brasil" e afirma que "integrar a região é a prioridade nacional". A professora Adriana Barreto de Souza, da Universidade Federal Rural do Rio, mostra em A Defesa Militar da Amazônia, entre história e memória, como a defesa da região se articula com a batalha de Guararapes nas representações militares. E como a doutrina da resistência ao agressor externo vincula a luta contra o invasor holandês ao presente da floresta.

É o passado que não passa na floresta. Heleno ainda afirma: "Agora, gente fora do Brasil que não tem moral para nos criticar, que acabou com suas florestas, criticar com a veemência que critica, querer nos colocar como vilões do meio ambiente, não dá para aceitar". E conclui, reclamando da imprensa, pois “notícias ruins trazem prejuízo”. Ou seja: culpa o carteiro pelo aviso de cobrança. Por fim, diz que pretende convidar embaixadores estrangeiros para sobrevoar a Amazôniae, assim, pararem de "falar bobagens". Eis o que o Brasil precisaria saber...

Há duas semanas, Heleno defendeu sanções contra a Alemanha e da Suécia em caso de boicote a produtos brasileiros. Depois, disse que não queria citar países, pois poderia ser injusto e até causar um problema diplomático. Ainda bem que se tratava apenas de entrevista para uma rádio e, certamente, nenhum representante desses países escuta o que o ministro diz a jornalistas. Por fim, se Salles pode ser tratorado, por que Ernesto Araújo iria reclamar sobre os pitacos de Heleno na diplomacia brasileira?  Por achar que os defensores do meio ambiente eram gente mal-intencionada, o governo teve de fazer as Operações Verde Brasil 1 e 2.

Para ser justo, Heleno não é o único oficial general a pensar assim. Um importante brigadeiro consultado pela coluna sobre as declarações do ministro e suas consequências para a diplomacia e a economia brasileiras, disse:  "Acho muito mimimi por parte de países, ONG’s , intelectuais e artistas estrangeiros sobre um assunto interno do Brasil. Isso é antigo e extremamente suspeito. A soberania brasileira tem que ser respeitada. Nenhum desses organismos tem que se intrometer nisso. Como brasileiro de bem, é o que penso!"  Do jeito que o governo vai, alguém ainda vai sugerir a prisão de índios e caboclos para, enfim, pacificar a floresta.

Marcelo Godoy

Repórter especial

Jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).

  

BOLSONARO E OS MILITARES

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