Heleno chefia contra-ataque bolsonarista no meio ambiente e na diplomacia
Depois de defender ações contra o Congresso, o ministro do GSI agora concentra seus ataques aos críticos da política ambiental do governo
Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo, 05 de outubro de 2020 | 09h05
Caro leitor,
Após dois anos de governo, Jair Bolsonaro criou uma base no Congresso. Parece ter compreendido como lidar com o Supremo Tribunal Federal, depois de integrantes do bolsonarismo terem defendido um putsch, que seus expoentes designavam como "intervenção militar", para fechar o tribunal e o Parlamento, silenciar a oposição e defender as boquinhas no governo. Se o presidente pôs cera nos ouvidos para não ouvir o canto dos blogueiros inconformados, só o tempo dirá. Só o tempo dirá se trocou o uso da força pela força da cooptação de adversários.
Bolsonaro pode obter sua détente, mas não significa que tenha abandonado sua guerra fria. Como diz Spinoza em seu Tratado Político, "a paz não consiste na ausência da guerra, mas na união das almas, isto é, na concórdia". Esta o bolsonarismo parece ser incapaz de construir. A começar dentro do próprio governo, como mostram Paulo Guedes, Rogério Marinho, Sérgio Moro, Luiz Mandetta, Santos Cruz etc. O problema é anterior à paz armada com as outras instituições da República. Ele surge não apenas quando há desorganização e ausência de etiqueta no Planalto, mas também quando não se compreende a liberdade.
Bolsonaro já esbravejou em reuniões contra a falta de unidade de princípios e atropelos de ministros. Em governos organizados, somente o presidente da República manifesta-se sobre os mais variados temas. Mas alguns dos generais do Planalto parecem desconhecer a subordinação ao presidente ou acham suas estrelas mais reluzentes do que as do capitão. Isso já foi percebido por oficiais ouvidos pela coluna. Não se trata aqui apenas daquele que não pode ser demitido, por ser o vice-presidente da República.
Para esses militares, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, como assessor do presidente não deveria expressar opiniões sobre temas que não são de sua responsabilidade no governo, como o Meio Ambiente. Ou será que Ricardo Salles – goste-se ou não dele – não é o responsável pela área, ainda que sob a vigilância de outro general, Hamilton Mourão, e seu Conselho da Amazônia? Ora, qualquer general chamaria de desleal a ação de um hipotético comandante militar da Amazônia que resolvesse dar palpites públicos sobre o Comando Militar do Sul.
Por que então Heleno se comporta de forma diferente no governo? Por que deixou os padrões militares para trás para adotar os da política? Ou será que Heleno ocupará o papel de ideólogo de seu grupo, antes reservado a Olavo de Carvalho? Foi para o canal do YouTube de Eduardo Bolsonaro, o filho do presidente que acredita que sua propaganda substitui o jornalismo independente, que o ministro do GSI resolveu dizer que o governo ainda não teve tempo para executar a sua política para a Amazônia. E as pessoas de bom senso podem imaginar o que isso significa, quando o general afirma que a floresta tropical suporta "maus tratos".
"Nós sabemos exatamente o que temos de fazer na Amazônia brasileira e no Pantanal, só que não houve tempo ainda de colocar em prática, de colocar gente para fazer isso", diz Heleno. Mas o governo não mudou normas e regulamentos na área, impediu a queima de máquinas de garimpeiros, passou quase dois anos afastando fiscais e punindo quem tentava coibir a desordem e foi acusado de leniência com madeireiros ilegais, garimpeiros, grileiros, enfim, com desmatadores e incendiários de toda ordem para pôr a culpa do que acontece na floresta e no pantanal em ONGs, índios e caboclos? Quem planta ideologia colhe incêndios.
Mas não é isso o que pensa Heleno. Ele prefere pôr a culpa nos governos da Nova República, os tais 40 anos de intervalo entre o reino dos militares e a redenção bolsonarista. O sorridente Heleno se transforma no Bandarra do bolsonarismo, levando aos seus compatriotas a miragem de um Quinto Império. Em vez de d. Sebastião, oferece ao povo a figura de Jair Bolsonaro. Diz o ministro: "Nós temos 80% da cobertura florestal da Amazônia preservada. A Europa tinha 7%, hoje tem 0,1%. Mas agora ganharam a condição de nos criticar diariamente, nós somos os 'grandes vilões' do meio ambiente no mundo."
Às ameaças dos anos 1970, o Movimento Comunista Internacional e as ONGs a serviço de poderes estrangeiros, Heleno acrescenta potências europeias que cobiçam nossas riquezas. O Bandarra do governo, que já foi o tradutor-mór de Bolsonaro, adverte que a Amazônia é "o destino manifesto do Brasil" e afirma que "integrar a região é a prioridade nacional". A professora Adriana Barreto de Souza, da Universidade Federal Rural do Rio, mostra em A Defesa Militar da Amazônia, entre história e memória, como a defesa da região se articula com a batalha de Guararapes nas representações militares. E como a doutrina da resistência ao agressor externo vincula a luta contra o invasor holandês ao presente da floresta.
É o passado que não passa na floresta. Heleno ainda afirma: "Agora, gente fora do Brasil que não tem moral para nos criticar, que acabou com suas florestas, criticar com a veemência que critica, querer nos colocar como vilões do meio ambiente, não dá para aceitar". E conclui, reclamando da imprensa, pois “notícias ruins trazem prejuízo”. Ou seja: culpa o carteiro pelo aviso de cobrança. Por fim, diz que pretende convidar embaixadores estrangeiros para sobrevoar a Amazôniae, assim, pararem de "falar bobagens". Eis o que o Brasil precisaria saber...
Há duas semanas, Heleno defendeu sanções contra a Alemanha e da Suécia em caso de boicote a produtos brasileiros. Depois, disse que não queria citar países, pois poderia ser injusto e até causar um problema diplomático. Ainda bem que se tratava apenas de entrevista para uma rádio e, certamente, nenhum representante desses países escuta o que o ministro diz a jornalistas. Por fim, se Salles pode ser tratorado, por que Ernesto Araújo iria reclamar sobre os pitacos de Heleno na diplomacia brasileira? Por achar que os defensores do meio ambiente eram gente mal-intencionada, o governo teve de fazer as Operações Verde Brasil 1 e 2.
Para ser justo, Heleno não é o único oficial general a pensar assim. Um importante brigadeiro consultado pela coluna sobre as declarações do ministro e suas consequências para a diplomacia e a economia brasileiras, disse: "Acho muito mimimi por parte de países, ONG’s , intelectuais e artistas estrangeiros sobre um assunto interno do Brasil. Isso é antigo e extremamente suspeito. A soberania brasileira tem que ser respeitada. Nenhum desses organismos tem que se intrometer nisso. Como brasileiro de bem, é o que penso!" Do jeito que o governo vai, alguém ainda vai sugerir a prisão de índios e caboclos para, enfim, pacificar a floresta.
Marcelo Godoy
Repórter especial
Jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).
Heleno chefia contra-ataque bolsonarista no meio ambiente e na diplomacia
Ida de cúpula do Planalto à Aman põe em risco futuros oficiais do Exército
Ex-presidente do STM diz esperar 'severa apuração' sobre defesa de golpe de...
Militares temem uso político de informações sobre pensões
O sumiço dos documentos dos generais da FEB
Governo cria norma para pagar adicional a militares da ativa que estão na Sa...
Gestão Pazuello faz cem dias, chega a 100 mil mortes por covid e veta Médico...
Bolsonaro precisa explicar por que a Defesa gasta mais com pessoal do que a...
Generais não temem PEC para impedir militares da ativa no governo
Proposta de imposto único volta para o Congresso pelas mãos de general
Coronel é o chefe de inteligência da 'Abin paralela' de Bolsonaro
Equipe de Pazuello liberou R$ 3 bi por meio de políticos para covid
Defendida por policiais e bolsonaristas, PEC da politização da PM esbarra no...
Manter guerra ideológica é prioridade do governo para ministérios da Saúde e...
Moro ataca bolsonarismo ao criticar 'intervenção militar'
Radicais do bolsonarismo atacam até ações do Exército contra covid-19
Radicalismo do bolsonarismo divide a oficialidade das Forças Armadas
'Bolsonaro gera crises e tenta envolver as Forças Armadas em ruptura', diz b...
Ameaças de generais visam a impedir impeachment de presidente
Militares bolsonaristas espalham mensagens golpistas e ameaças ao Supremo
General de Bolsonaro usa ‘tabela do WhatsApp’ para contestar gravidade da co...
‘Quem dará habeas corpus ao Supremo?’, questiona general
‘Não vai ter golpe’, afirmam generais
Mourão e os generais são prisioneiros do governo Bolsonaro
Militares tentam minimizar gravidade do ato do presidente
Exército põe 25 mil no combate à pandemia, mas não se livra da luta política
Guerra mundial por equipamentos contra vírus vai afetar as nações, dizem mil...
Conduta de Bolsonaro com coronavírus é mais uma tragédia na vida de general
Bolsonaro não comanda nem uma patrulha na guerra à covid-19, dizem coronéis
Presenças de Bolsonaro e de almirante em protesto irritam militares de fora...
Queda de general expõe as fraturas no legado olímpico
Coronel da Força Nacional segue exemplo do capitão Bolsonaro
Para generais, reação da população não permitiu anistia aos PMs amotinados d...
Silêncio de Bolsonaro sobre amotinados e cartaz contra Congresso desafiam a...
A República se esqueceu de lembrar a vitória em Monte Castelo
Ao contrário de Bolsonaro, Eisenhower venceu guerra e não militarizou a Casa...
Vazamento de documento da Defesa expõe bolsonarismo nas Forças Armadas
Exército mobiliza reserva para preencher vagas no INSS e nas escolas
Militares começam a articular candidaturas para eleições municipais
Generais querem distância das confusões dos ‘ideólogos’ do governo
Bolsonarismo invade os quartéis da PM
O que o marechal Dutra pode ensinar ao Itamaraty na crise EUA-Irã
A lição do general que persegue o ministro policial de Bolsonaro
Aumento de 100% nas diárias é mais um presente de Bolsonaro aos militares
Generais lutam para blindar orçamento da Defesa dos cortes de Guedes
Aumentam as razões do otimismo dos generais com o governo Bolsonaro
Legítima defesa de general desafia projeto de Bolsonaro
Coronel do caso Trump é exemplo para Brasil de Bolsonaro
Para generais, Weintraub é o ministro da ‘falta de educação’
Generais do governo Bolsonaro revelam o que pensam sobre Chile e Bolívia
Bolsonaro em partido militar cria novo risco para Forças Armadas
Rede bolsonarista contamina grupos de WhatsApp de militares
FHC e Amoêdo apontam ‘privilégios’ em previdência militar; general defende p...
Militares culpam polarização política por críticas à reforma de sua previdên...
Bolsonaro cria privilégios e pauta bomba na previdência de militares e PMs
O bolsonarismo devia seguir o exemplo do papa Francisco
A nova ofensiva dos generais de Bolsonaro pelo Twitter
A guerra revolucionária do 'gabinete do ódio'
A ameaça de um general à Lei de Anistia
A pergunta de Santos Cruz para Bolsonaro
Nenhum comentário:
Postar um comentário