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sábado, 31 de outubro de 2020

As piores eleições do mundo - J. R. Guzzo (Oeste)

 Guzzo recomenda o voto distrital puro - o que pode ser um começo de solução, ao menos parcial, para as mazelas do sistema político-partidário de representação — e reconhece que temos um bando da salafrários em todos os níveis da política brasileira, mas não tem nada a dizer sobre o maior de todos os salafrários. Por que?

Paulo Roberto de Almeida

As piores eleições do mundo

A cura para a desgraça que são as eleições brasileiras é um conjunto de meia dúzia de providências simples como a tabuada. J. R. Guzzo, na Oeste:

Num dos melhores momentos de sua viagem (viagem mesmo, em todos os sentidos) ao País das Maravilhas, Alice pergunta à Tartaruga Falsa quantas horas de aula por dia ela tinha tido ao longo do seu processo educacional. Dez horas no primeiro dia, responde a Tartaruga. Nove no dia seguinte. Oito no outro dia — e assim por diante, até o zero. Em suma: era um sistema por meio do qual todos aprendiam cada vez menos quanto mais o tempo passava. Nada mais natural no mundo incompreensível e, ao mesmo tempo, perfeitamente lógico no qual Alice havia entrado — mas só lá. Ou melhor: lá e no Brasil. Eis aí, na verdade, o retrato pronto e acabado do eleitorado brasileiro de hoje.

Já são 32 anos seguidos, desde que a Constituição Cidadã de 1988 desabou sobre a sociedade brasileira, que a população é obrigada de dois em dois anos, com a regularidade das fases da Lua, a votar nas eleições destinadas a escolher de vereador a presidente da República. Deveria ter sido tempo mais do que suficiente para os eleitores aprenderem a votar direito — expulsando da política a multidão de candidatos-bandidos que frequenta as campanhas, senadores que escondem dinheiro na cueca e mais do mesmo. Era o que estava previsto na melhor teoria. Quanto mais votassem, mais as pessoas aprenderiam a votar bem; começariam, então, a dar seus votos a candidatos mais comprometidos com o interesse público, e não a essa manada de vigaristas que anda por aí. Com o tempo, e de um modo geral, iriam sobrar apenas os bons elementos. Mas, obviamente, o aprendizado que os nossos doutores em ciência política imaginaram para o Brasil deu errado. Não é uma estimativa. É o que demonstram os fatos.

Quanto mais tempo passa — 32 anos, agora — menos se aprende. Em vez de melhorarem, os candidatos pioram a cada eleição. Em vez de escolher políticos menos ruins, o eleitorado manda para o governo os que são mais absurdos. Basta ver os que estão aí, em todos os níveis — alguém acredita, sinceramente, que a maioria desses governadores, deputados, senadores etc. etc. seja gente boa? Ou, ao contrário, que sejam uma das piores coleções de delinquentes já reunidas na vida pública brasileira? A prova mais chocante do colapso geral do sistema é a lista atual de candidatos para os 5.500 cargos de prefeito e quase 60.000 vereadores que têm de ser preenchidos nas eleições municipais deste mês de novembro. É um trem fantasma.

O que temos mais uma vez, nesse curioso processo de aprendizado ao contrário, é a costumeira aglomeração de casos perdidos. Qual “agência de checagem de fatos”, destas que estão terrivelmente em moda hoje em dia entre os veículos de comunicação, daria o seu selo de qualidade aos candidatos que concorrem, por exemplo, à prefeitura de São Paulo? É uma das maiores cidades do mundo; seu prefeito e vereadores teriam de ser as pessoas mais qualificadas do país para existir alguma chance, apenas isso, de lidar de maneira razoável com os problemas monumentais do município e as opções que há diante deles. Mas o que acontece é o exato contrário. Os candidatos impostos pelos partidos para a eleição de 2020 são os piores que temos desde o padre Anchieta, 466 anos atrás. Não conseguiriam governar um clube de pingue-pongue; querem mandar nos 12 milhões de moradores de São Paulo.

Você sabe muito bem quem são eles. São políticos fracassados, que já tiveram todas as chances para errar e não perderam nenhuma. É gente que já governou e não fez nada que prestasse. São os perdedores de sempre, que disputam a eleição unicamente porque têm à disposição o dinheiro do “fundo eleitoral” que arrancam dos impostos pagos pelo público em geral. São os aventureiros de sempre — que, vendo o baixíssimo nível dos seus concorrentes, acham que vale a pena entrar nessa loteria. São as nulidades sem cura, os marginais mais ambiciosos e, em certos casos, os representantes do crime organizado — esses mesmos que o ministro Marco Aurélio manda soltar e o ministro Fachin protege; já proibiu os voos de helicóptero da polícia sobre as favelas, e agora quer proibir a revista dos visitantes que recebem quando estão na cadeia.

Votar direito como, se os candidatos são esses aí, abençoados pela Justiça Eleitoral depois de passarem, rindo, pelos seus filtros? O Brasil, aliás, deveria ter os melhores políticos do mundo — é a única democracia no planeta Terra que tem uma “Justiça Eleitoral”, com um tribunal supremo, 27 “tribunais regionais” (cada um com o próprio palácio), altos funcionários e um custo, para o cidadão, de R$ 9,2 bilhões por ano, ou R$ 25 milhões por dia. (A “Justiça Eleitoral”, como se sabe, é capaz de gastar mais em anos em que não há eleições.) Em resumo: é um fenômeno. Só que os governantes que saem dessa paçoca pioram, em vez de melhorar; está na cara que o papel didático da burocracia eleitoral está sendo um completo fracasso.

É uma penitência, realmente, ouvir várias vezes por dia no rádio e na televisão o ministro Barroso, que no momento é quem preside esse TSE, usar o dinheiro dos seus impostos para pôr no ar, mais uma vez, as eternas campanhas destinadas a ensinar como você deve votar. Como descrito acima, o resultado de tudo isso, em termos de qualidade dos políticos eleitos, é igual a três vezes zero. Mas é claro que as aulas de moral, de cívica e de responsabilidade social que o ministro gosta tanto de socar em cima do público vão continuar. Como justificar de outro jeito aqueles R$ 25 milhões que eles conseguem gastar por dia? Além disso, o TSE etc. etc. faz o ministro (Barroso hoje, um colega amanhã) representar diante do público mais um papel de homem “importante”. No mundinho deles, é algo que não tem preço.

A única cura realmente eficaz, e provavelmente definitiva, para a desgraça que são as eleições brasileiras, é um conjunto de meia dúzia de providências simples como a tabuada — e que não têm nada a ver com a “Justiça Eleitoral”, ou com a palhaçada geral dos discursos em defesa das “instituições”. A maioria dos brasileiros capaz de entender que dois mais dois são quatro, e não vinte e dois, sabe muito bem quais são elas. O pacote básico inclui, logo de saída, o fim do voto obrigatório. Junto com a eliminação dessa trapaça — vendida como “dever cívico”, mas criada unicamente para garantir a compra dos votos dos semianalfabetos e dos que não ligam a mínima para política —, teria de vir o voto distrital. Podem se gastar horas na discussão dos detalhes, mas no fundo isso significa o seguinte: o Brasil é dividido em 513 distritos, o número atual de cadeiras na Câmara dos Deputados; cada distrito terá exatamente o mesmo número de eleitores, e os candidatos só podem concorrer em um dos distritos.

O voto distrital simplesmente implode o sistema eleitoral em vigor e elimina quase todos os seus vícios. Acaba a farra dos Estados que não têm eleitores, mas têm pencas de deputados eleitos com meia dúzia de votos. Acabam os candidatos que têm 2 milhões de votos no Estado inteiro e elegem junto com eles picaretas nos quais quase ninguém votou. Acabam as despesas bilionárias das campanhas, pois os candidatos só podem ter votos num único distrito; não vão precisar de jatinho, comerciais de televisão etc. etc. Acaba a irresponsabilidade do candidato perante o eleitor: ao concorrer num distrito determinado, ele terá de assumir compromissos concretos para ser eleito — e o cumprimento das promessas que fez será cobrado na eleição seguinte.

Talvez mais do que tudo, o voto do brasileiro que tem título eleitoral em São Paulo ou em Minas Gerais passa a valer a mesma coisa que o voto do brasileiro que vive no Amapá ou em Roraima. São Paulo, por exemplo, tem hoje 70 deputados federais para uma população superior aos 45 milhões de habitantes — um representante para cada 650.000 moradores; o Amapá, com 750.000 habitantes, tem 8 deputados — um para cada quase 94.000. O voto do eleitor com título eleitoral de São Paulo vale sete vezes menos que o do eleitor do Amapá. Como pode funcionar um negócio desses? Para completar o novo sistema, a eliminação de quatro aberrações: o foro privilegiado, a propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na televisão, o “suplente” de senadores e deputados e os “fundos” partidário e eleitoral — tramoias que só servem para encher a vida pública com gente safada.

O efeito desse conjunto de mudanças seria instantâneo — daria resultados logo na primeira eleição. Resolve o problema de governadores, prefeitos e senadores — ou do presidente da República? Não, não resolve. Mas resolve a Câmara dos Deputados, as Assembleias Legislativas e as Câmaras de Vereadores — e isso aí já é um mundo. De mais a mais, não existe Executivo ruim com Legislativo bom — e nem Judiciário, quando se pensa um pouco. É por isso mesmo que os mais intransigentes defensores orais da democracia, das “instituições”, do “Estado de direito” etc. etc. etc. preferem pegar uma covid tripla a mexer no sistema eleitoral brasileiro. É com ele que ganham a vida. Não querem largar o osso.

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