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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

As proparoxítonas não foram feitas para humilhar ninguém - Eduardo Afonso

 PROPAROXÍTONAS 

por Eduardo Afonso

(recebido em 23/10/2020)


Há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto.

As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico.

Estão para as outras palavras assim como os mamíferos para os artrópodes.

As palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às célebres.

Se o idioma fosse um espetáculo, permaneceriam longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo.

Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto - e, despóticas, ainda exigem acento na sílaba tônica!

Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito. 

É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo. 

O inclinado e o íngreme. 

O irregular e o áspero. 

O grosso e o ríspido. 

O brejo e o pântano. 

O quieto e o tímido.

Uma coisa é estar na ponta – outra, no vértice. 

Uma coisa é estar no topo – outra, no ápice. 

Uma coisa é ser fedido – outra é ser fétido.

É fácil ser valente, mas é árduo ser intrépido. 

Ser artesão não é nada, perto de ser artífice. 

Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice.

(Este último parágrafo contém algo raríssimo: proparoxítonas que rimam. Porque elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da gramática.)

Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas. 

É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo. 

O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo – mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido.

Da mesma forma, errar é humano. Épico mesmo é cometer um equívoco.

Escapar sem maiores traumas é escapar ileso – tem que ter classe pra escapar incólume.

O que você não conhece é só desconhecido. O que você não tem a mínima ideia do que seja – aí já é uma incógnita.

Ao centro qualquer um chega – poucos chegam ao âmago.

O desejo de ser uma proparoxítona é tão atávico que mesmo os vocábulos mais básicos têm o privilégio (efêmero) de pertencer a esse círculo do vernáculo – e são chamados de oxítonos e paroxítonos. Não é o cúmulo?

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EDUARDO AFFONSO

Arquiteto, escritor e colunista do jornal "O Globo".

Um comentário:

Rodrigo do Amaral Souza disse...


Há um fascínio inexplicável pelo uso de palavras proparoxítonas. O grande Chico Buarque compôs uma de suas mais célebres canções, Construção, somente com proparoxítonas ao final de cada verso. É interessante, mas nada além disso. Não vejo nada especial no emprego de palavras que têm a antepenúltima síalaba como tônica.

Em tempo: o título da materia remete a uma célebre frase de Ferreira Gullar: "A crase não foi feita para humilhar ninguém". Posso atestar, sem sombra de dúvida, que quem passou do estágio do analfabetismo funcional dificilmente se esquece de colocar o acento obrigatório na sílaba tônica das proparoxítonas, mas certamente três quartos ou mais das pessoas supostamente cultas têm enorme dificuldade para empregar corretamente a crase, algo que sempre me causou enorme perplexidade. Nunca tive o menor problema com o uso desse acentinho grave que sinaliza a ocorrência de crase, que nada mais é do que a conjunção da preposição a com o artigo definido feminino a. Algo simples de entender, que aprendi no antigo primário e nunca me pareceu nebuloso ou hermético. Mesmo no Itamaraty, onde teoricamente as pessoas deveriam manejar corretamente o idioma de Camões, vejo diariamente exemplos de emprego errado da crase.