A China comunista, os liberais puros e a eliminação da pobreza
Paulo Roberto de Almeida
Almas cândidas, como diria Raymond Aron, exibem em círculos conservadores (e até liberais) do Brasil uma absoluta ojeriza para com a China, pelo fato dela ter um governo comunista e ser uma ditadura. A esses conservadores e liberais sinceros é indiferente o fato de o comunismo dominar apenas 70 anos de uma história milenar absolutamente extraordinária em matéria de realizações materiais, científicas, culturais e artísticas. Também lhes é indiferente o fato de a China ter retirado de uma miséria abjeta algo como 800 milhões de pessoas, levando-as a uma situação de pobreza “aceitável” e, agora, retirando-as da pobreza, tudo isso em menos de duas gerações.
O que ocorreu na China, depois que o PCC abandonou o socialismo, para todos os efeitos práticos, e criou a maior economia capitalista do planeta?
Simples: a China permanece um ditadura no plano político, mas o regime econômico é muito mais livre do que em países supostamente capitalistas como o Brasil ou a França.
O Estado chinês — não importa se ditadura ou autocrático no seu funcionamento— criou um bom ambiente de negócios para a livre expressão da tremenda capacidade empreendedora do povo chinês, propiciou estabilidade macroeconômica (fiscal, monetária e cambial), adotou políticas setoriais adequadas para um esforço investidor extraordinário (visando tanto mercados externos como internos), criou um regime de governança econômica focado no crescimento rápido, proveu uma excelente infraestrutura de comunicações, habitação, energia e transportes, resolveu os problemas de saneamento básico (água potável e esgoto para comunidades recuadas), deu títulos de propriedade e mercados livres aos cidadãos, cuidou de forma extremada do capital humano, em todos os níveis, e abriu-se ao comércio exterior e aos investimentos estrangeiros.
De fato, o Estado comunista chinês estabeleceu as grandes regras, o resto ele deixou que próprio povo chinês criasse a sua riqueza, arrecadando uma parte relativamente pequena dessa riqueza (1/5 do total, aproximadamente).
Isso tudo o Estado comunista fez, mas foi muito pouco: ele mexeu basicamente na superestrutura e na infraestrutura, e todo o resto, o centro das forças produtivas e das relações de produção— para usar uma linguagem marxista —, foi feito pelo povo chinês.
Teria sido IMPOSSÍVEL ao Estado comunista arrancar 800 milhões de pessoas de uma miséria abjeta, e depois de uma pobreza disseminada, pela via assistencialista, inclusive porque o Estado chinês arrecadava menos de 18% do PIB. Tudo isso foi feito pelas mãos dos chineses em regime de mercado e no livre comércio.
Ter feito isso no espaço de menos de duas gerações é algo extraordinário. Os países hoje ricos partiram de condições bem mais avançadas e demoraram mais de três gerações para vencer a pobreza, desde a primeira Revolução industrial. Na saída da guerra civil, mais da metade dos americanos não tinham água potável, e a eletricidade veio muito depois. A liberdade construiu um país imensamente rico e avançado, mas importando braços e cérebros de todo o mundo , aliás até hoje, a despeito de um presidente idiota que quer extinguir esse sorvedouro de ideias livres que fluem de todo o mundo para a América.
A China está de parabéns por ter eliminado a pobreza; no momento oportuno, ela também eliminará a autocracia (um sistema milenar) e essa epiderme passageira, superficial, que se chama “comunismo” (o mais capitalista de todos).
Lênin e Mao eram grandes líderes políticos, mas economicamente estúpidos, e seres absolutamente degradantes no plano da dignidade humana.
Deng e Xi são autocratas inteligentes. Eles são comunistas? Duvido muito. Mesmo que fossem, isso não tem a menor importância para a história da China e para a história da humanidade.
Como é aquela história de fazer omelete?
A omelete leninista e a maoista foi a mesma de 9/10 da história humana: regime de escravidão, total desprezo pela vida humana. Parece que Deng e Xi aperfeiçoaram a maneira de fazer omelete.
Teria sido melhor num regime de plenas liberdades democráticas?
Infinitamente melhor.
Mas quais são as forças sociais capazes de moldar processos humanos, econômicos e políticos, envolvendo milhões de pessoas numa determinada sociedade?
Alguém tem a receita?
Os liberais — brasileiros ou não — podem oferecer respostas tentativas a esta questão...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16/10/2020
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