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terça-feira, 9 de dezembro de 2025

A estratégia dos EUA e a Doutrina Monroe - Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo

 Opinião

A estratégia dos EUA e a Doutrina Monroe
A nova estratégia de Washington para as Américas, na prática, afirma que a região pertence à área de influência dos EUA
Por Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 09/12/2025

O governo Trump divulgou, na semana passada, sua Estratégia de Segurança Nacional, em que define a visão de médio e longo prazo dos EUA, as prioridades internas e externas e o relacionamento de Washington com as regiões globais. O pragmatismo e o realismo da política externa dos EUA têm como único objetivo, como ressaltado no documento, proteger os interesses nacionais fundamentais e colocar os EUA em primeiro lugar.
Embora assinalando que “dar atenção constante à periferia é um erro”, a estratégia norte-americana, quando discute o que os EUA querem do mundo e o que esperam receber do mundo, coloca, pela primeira vez, seus interesses no Hemisfério Ocidental antes da China, da Europa, do Oriente Médio e da África e marca uma ruptura histórica com a ordem mundial depois de 1945.
Dada a relevância para o Brasil, o presente artigo trata apenas dos trechos do documento que se referem às Américas:
“Os EUA devem ser preeminentes no Hemisfério Ocidental como condição para nossa segurança e prosperidade — uma condição que nos permita afirmar nossa presença com confiança onde e quando precisarmos na região. Queremos garantir que o Hemisfério Ocidental permaneça razoavelmente estável e bem governado o suficiente para prevenir e desencorajar a migração em massa para os EUA; queremos um hemisfério cujos governos cooperem conosco contra narcoterroristas, cartéis e outras organizações criminosas transnacionais; queremos um hemisfério que permaneça livre de incursões estrangeiras hostis ou da apropriação de ativos-chave, e que apoie cadeias de suprimentos críticas; e queremos garantir nosso acesso contínuo a locais estratégicos importantes. Em outras palavras, vamos afirmar e fazer cumprir um ‘Corolário Trump’ à Doutrina Monroe”.
“Após anos de negligência, os EUA reafirmarão e farão cumprir a Doutrina Monroe para restaurar a preeminência americana no Hemisfério Ocidental e proteger nossa pátria e nosso acesso a regiões-chave em toda a região. Negaremos a concorrentes de fora do hemisfério a capacidade de posicionar forças ou outras capacidades ameaçadoras ou de possuir ou controlar ativos estrategicamente vitais, em nosso hemisfério. Este ‘Corolário Trump’ à Doutrina Monroe é uma restauração sensata e eficaz do poder e das prioridades americanas, consistente com os interesses de segurança dos EUA. Nossos objetivos para o Hemisfério Ocidental podem ser resumidos em ‘atração e expansão’. Buscaremos apoio dos aliados já estabelecidos no hemisfério para controlar a migração, deter o fluxo de drogas e fortalecer a estabilidade e a segurança em terra e no mar. Expandiremos, cultivando e fortalecendo novas parcerias, ao mesmo tempo em que reforçamos a posição de nossa nação como o parceiro preferencial em termos econômicos e de segurança no hemisfério. A política americana deve concentrar-se em angariar aliados regionais que nos ajudariam a deter a imigração ilegal e desestabilizadora, neutralizar cartéis, impulsionar a produção em áreas próximas aos EUA e desenvolver empresas privadas locais, entre outras áreas. Recompensaremos e incentivaremos os governos, partidos políticos e movimentos da região que estejam amplamente alinhados com nossos princípios e estratégia. Mas não devemos ignorar governos com perspectivas diferentes, com os quais, ainda assim, compartilhamos interesses, e que desejam trabalhar conosco”.
“A escolha que todos os países devem enfrentar é se querem viver em um mundo liderado pelos EUA, com países soberanos e economias livres, ou em um mundo paralelo no qual são influenciados por países do outro lado do mundo”.
Com esses objetivos, em resumo, os EUA pretendem reconsiderar sua presença militar no Hemisfério Ocidental, aumentar a presença da Guarda Costeira e da Marinha para garantir a segurança da fronteira e derrotar os cartéis, incluindo, quando necessário, o uso de força letal. A diplomacia comercial visará fortalecer a economia e as indústrias americanas, utilizando tarifas e acordos comerciais recíprocos como ferramentas para fortalecer as cadeias de suprimentos críticas no hemisfério. O Conselho de Segurança Nacional, inclusive, da Comunidade de Inteligência, iniciará um processo para identificar recursos estratégicos no Hemisfério Ocidental.
A preocupação com a China está presente quando o documento acentua que qualquer tipo de ajuda dos EUA deve estar condicionada à redução gradual da influência externa adversária – instalações militares, portos, infraestrutura e mesmo aquisição de ativos estratégicos, entre outros. A redução da influência chinesa no Hemisfério Ocidental foi obtida com a demonstração dos custos ocultos – em espionagem, segurança cibernética, dívida – embutidos na assistência externa de “baixo custo”.
A nova estratégia de Washington para as Américas, na prática, afirma que a região pertence à área de influência dos EUA (“quintal”, segundo o secretário da Guerra). O Corolário Trump da Doutrina Monroe cria grandes desafios para a política externa do PT, levando em conta a dependência comercial da China e o forte viés antiamericano expresso pelos governos Lula e Dilma ao longo dos 20 anos em que o partido ocupou o poder.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto.

Doutrina Trump e a nova desordem global Editorial, O Estado de S. Paulo

Doutrina Trump e a nova desordem global

Editorial, O Estado de S. Paulo (09/12/2025)

Casa Branca rompe oficialmente com a ordem de 1945 e transforma aliados em alvos e o Hemisfério Ocidental em zona de influência, ao mesmo tempo que acomoda autocracias como Rússia e China

As Estratégias de Segurança Nacional dos Estados Unidos costumavam ser documentos programáticos. A de Donald Trump, divulgada na semana passada, é a codificação de uma ruptura doutrinária. Pela primeira vez desde 1945, Washington abdica explicitamente da gramática que sustentou a ordem liberal – alianças, previsibilidade, contenção e distinção moral entre democracias e autocracias. A administração Trump oferece, em seu lugar, um amálgama de identitarismo, interesses imediatos e transações personalistas. Trata-se de uma visão de mundo tão improvisada quanto radical. E, ainda assim, suficientemente articulada para reconfigurar o sistema internacional.

O abandono da ordem pós-1945 é explícito. O documento não fala em “mundo livre” nem em liderança democrática, mas em soberania absoluta, competição civilizacional e “realismo flexível”. Regras importam menos do que preferências; compromissos, menos do que barganhas. A política externa americana deixa de ser fiadora da ordem liberal e assume a lógica das esferas de influência – inclusive reconhecendo, de modo tácito, a da Rússia. A distinção entre aliados e autocratas dissolve-se na medida em que ambos são avaliados segundo um critério único: a utilidade imediata para os EUA.

Esse revisionismo é mascarado por um discurso de retração. Trump promete não impor valores e evitar aventuras externas, mas o documento advoga abertamente por intervir no debate interno europeu, apoiar movimentos nacionalistas e remodelar o equilíbrio político do continente. É uma doutrina anti-intervencionista que intervém, e se diz pacifista enquanto militariza o Caribe. Nada disso sinaliza coerência, mas sinaliza poder. A Europa, em particular, aparece não como parceira estratégica, mas como alvo ideológico. Governos eleitos são descritos como elites ilegítimas, a imigração é tratada como ameaça civilizacional, e a União Europeia, como entrave à liberdade. O efeito imediato é a erosão da confiança transatlântica; o efeito de longo prazo é o enfraquecimento da Otan e o incentivo ao irredentismo russo.

No Hemisfério Ocidental, a ruptura é ainda mais profunda. O chamado “Corolário Trump” à Doutrina Monroe (“América para os americanos”, de 1823) transforma a região em prioridade militar dos EUA, com operações letais contra cartéis, presença naval ampliada e vigilância sobre minerais estratégicos e cadeias críticas. Países “alinhados” são recompensados; governos divergentes, tolerados, desde que cooperem em migração, crime organizado e contenção de potências extrarregionais. Para o Brasil, isso implica maior pressão sobre 5G, terras raras, portos e parcerias com a China. Trata-se, em essência, da restauração de uma esfera de influência cuja legitimidade o próprio Direito Internacional já havia repudiado.

O pano de fundo é a normalização das autocracias. O documento ignora violações russas, poupa ditaduras do Golfo Pérsico, suaviza críticas à Índia e reenquadra a China de rival geopolítica a mera concorrente econômica. Democracias são admoestadas; autocratas, bajulados. A bússola moral que guiou a política externa americana desde Truman (1945-1953) é substituída pelo pragmatismo de curto prazo – e, paradoxalmente, por uma retórica civilizacional que ecoa movimentos antiliberais em todo o Ocidente.

Nenhuma dessas escolhas torna os EUA mais seguros. Ao contrário: a estratégia incentiva as aventuras de Moscou, fragiliza a coesão europeia, aprofunda a competição sino-americana e transforma o continente americano em palco de tensões que poderiam ser geridas diplomaticamente. Mais grave: desmoraliza a noção de que a força norte-americana é inseparável das normas que ela própria ajudou a criar.

Resta uma dúvida: até que ponto essa doutrina sobreviverá ao próprio Trump? A incoerência interna, o caráter volátil do presidente e a resistência de instituições americanas talvez limitem sua implementação. Mas a simples existência dessa estratégia – articulada, oficial e ideologicamente carregada – já prenuncia uma era pós-liberal. Uma era em que a ordem construída em 1945 deixa de ser horizonte e passa a ser, para Washington, apenas uma lembrança incômoda.


terça-feira, 28 de outubro de 2025

O que esperar da COP-30 - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

O que esperar da COP-30

A COP-30 foi pensada como uma conferência que transcende a imagem restritiva de um encontro climático

Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 28/10/2025

        A tão falada e esperada COP-30 terá início na próxima semana. Desde 2023, o governo brasileiro vem trabalhando para que a COP-30 se consolide como marco não apenas para o fortalecimento do multilateralismo, mas também para sua evolução rumo a uma nova era de governança global fortalecida.
        As bem-sucedidas presidências brasileiras da Cúpula da Amazônia (Belém, agosto de 2023), do G-20 (2024) e do Brics (2025), bem como o protagonismo brasileiro na COP-28 (Dubai, dezembro de 2023) e na COP-29 (Baku, novembro de 2024), permitiram desenhar uma linha de pensamento e ação na área de mudança do clima capaz de enfrentar os desafios do século 21, de ameaças difusas e grandes transformações nos cenários econômico e político globais, em que o avanço tecnológico e as preocupações com o meio ambiente e as mudanças climáticas ganham um papel de relevo.
        A COP-30 foi pensada como uma conferência que transcende a imagem restritiva de um encontro climático. Além das expectativas da sociedade civil em torno de uma “COP social”, trata-se de um momento potencialmente definidor para o futuro da governança global, que vai muito além do seu papel convencional de conferência climática. Tal perspectiva reflete uma realidade em que geopolítica, comércio, desenvolvimento, paz e segurança, estabilidade financeira, inflação, emprego, política fiscal e monetária, tecnologia e integridade da informação, democracia e combate às desigualdades, fome e pobreza passaram a fazer parte de agendas que impactam e são impactadas, em todos os níveis, do local ao global.
        Para a política interna, a COP-30 poderá servir de plataforma para que o Brasil se consolide na vanguarda da economia do futuro, permitindo ao País não só aproveitar, como também moldar um novo ciclo de prosperidade definido pelas transições energética, digital e bioeconômica, acompanhadas por avanços no combate às desigualdades. A agenda de transições justas para uma economia de baixo carbono poderá ajudar a definir um novo caminho para o desenvolvimento brasileiro.
        A presidência brasileira da COP teve um papel relevante na preparação e no desenvolvimento da agenda do encontro em torno de três objetivos: 1) reforçar o multilateralismo e o regime climático sob a Convenção do Clima e seu Acordo de Paris; 2) conectar o regime climático à vida real das pessoas, inclusive como vetor de prosperidade, desenvolvimento e combate à desigualdade, no quesito fome e pobreza; e 3) acelerar a implementação do Acordo de Paris, envolvendo atores públicos e privados e ajustes estruturais na governança global e na arquitetura financeira internacional.
        A presidência brasileira convocou um “mutirão global” contra a mudança do clima, em quatro frentes de atuação: Mobilização Global, com quatro Círculos de Liderança – o “Círculo dos Presidentes das COP”, presidido por Laurent Fabius, presidente da COP-21; o “Círculo dos Povos”, liderado pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; o “Círculo de Ministros da Fazenda”, presidido pelo ministro Fernando Haddad; e o “Círculo do Balanço Ético Global”, liderado pela ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Negociações formais incluem cerca de 20 temas substantivos, entre os quais adaptação e transições climáticas justas. Agenda de Ação – envolve atores públicos e privados (governos subnacionais, setor privado, sociedade civil), durante a COP. Cúpula de Líderes, tratando de temas politicamente sensíveis que poderão dar o tom para o sucesso da COP-30, com anúncios de alto nível, em áreas como fome e pobreza, energia e florestas, entre os quais o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF).
        A COP-30 marca o início do segundo ciclo de ambição do Acordo de Paris com a apresentação das novas metas climáticas para 2035 pelos países-membros, por meio de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Além da apresentação das NDCs e do relatório com soluções para o incremento do financiamento climático para países em desenvolvimento, a COP-30 deverá avançar em três dimensões: 1) dar seguimento e melhor detalhamento a metas globais de transição energética e do “fim do desmatamento e sua reversão até 2030”, adotadas pela COP-28 sob o Balanço Global do Acordo de Paris; 2) atender aos anseios de países em desenvolvimento quanto aos impactos de medidas unilaterais de comércio sobre o desenvolvimento sustentável; e 3) há expectativa em relação à presidência brasileira quanto à inflexão sem precedentes para colocar as pessoas no centro da pauta climática e de desenvolvimento, inclusive via oportunidades para empregos, renda, qualidade de vida, redução da inflação, saúde e combate às desigualdades, fome e pobreza.
        Embora não constando formalmente da agenda negociadora, as seis áreas-chave mencionadas – multilateralismo; NDCs; pessoas; comércio; energia e florestas; e financiamento climático – colocar-se-ão, substantivamente, como medidas do sucesso da COP-30. O pacote político de Belém deverá finalmente ser lastreado por entregas mínimas na agenda formal das negociações, sobretudo quanto aos indicadores para o Objetivo Global de Adaptação – principal tema negociador mandatado para a COP-30 e ao programa de trabalho sobre transições justas.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004).

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Projeto Cachoeira Seca: exemplo a ser seguido - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

Projeto Cachoeira Seca: exemplo a ser seguido

Algumas iniciativas em curso na Amazônia para o crescimento e a melhoria das condições sociais dos povos nativos merecem ser ressaltadas
Por Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 23/09/2025
        Muito se tem discutido sobre os desafios e oportunidades que a região amazônica apresenta para o governo e para o setor privado. Entre outros, são eles representados pelo desmatamento, pelas queimadas e pelo garimpo ilegal, inclusive nas terras indígenas. A ameaça à soberania nacional, pela crescente presença do crime organizado, torna mais difíceis as iniciativas para aproveitar a biodiversidade em favor da população local e para levar a riqueza da região aos povos nativos.
        Um dos temas mais importantes quando se trata do desenvolvimento da Amazônia é a questão do aproveitamento das riquezas da região pelas comunidades indígenas. O artigo 231 da Constituição prevê que as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são destinadas a ser por eles ocupadas para sempre, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Sem uma regulamentação mais precisa, essa disposição nem sempre é cumprida e em alguns casos, é flagrantemente desrespeitada, como no caso do garimpo ilegal e do desmatamento em terras indígenas.
        Algumas iniciativas em curso na Amazônia para o crescimento e a melhoria das condições sociais dos povos nativos merecem ser ressaltadas, como importante contribuição para o desenvolvimento econômico da região e para tornar efetivo o cumprimento constitucional. É o caso do projeto Cachoeira Seca, desenvolvido pela comunidade indígena Arara.
        Trata-se do desenvolvimento do maior projeto de carbono em área indígena no Brasil, já de acordo com a lei que regula as bases do mercado de carbono, com todas as aprovações já obtidas, depois de consultas à comunidade, sob a supervisão da Funai e do Ministério Público Federal. O projeto socioeconômico está em andamento para melhorias efetivas para a comunidade e a geração de 1,8 milhão de toneladas/ano de créditos de carbono durante os próximos dez anos.
        A área total da reserva compreende 734.000 hectares da floresta amazônica, rica em biodiversidade e funcionalidade do ecossistema, e está hoje sob pressão pela ocupação ilegal de terras, derrubada seletiva, desflorestamento e mineração. Da área total, aproximadamente, 50 mil hectares já foram devastados e serão objeto de projeto de restauração florestal.
        O território indígena Cachoeira Seca, localizado nos municípios de Altamira (76%), Placas (17%) e Uruará (7%), no Pará, vai beneficiar cerca de 50 famílias indígenas. Todas essas municipalidades são alvos de prevenção prioritária de deflorestação, atividades de monitoramento e controle pelo governo federal. Na realidade, o projeto Cachoeira Seca perdeu mais de 70 mil hectares de floresta natural até 2024. Existem algumas iniciativas de prospecção mineral, ligadas especialmente ao ouro e ao minério de ferro, o que impõe ameaça aos recursos naturais (solo e água) e à vida selvagem do território.
        Levando em conta que a maior parte da área está ainda coberta por florestas nativas e habitadas pelo povo Arara, o projeto Cachoeira Seca representa uma parte crucial da floresta a ser preservada – por reduzir as emissões de GHG (gases de efeito estufa, na sigla em inglês), por preservar a sua biodiversidade e por reconhecer a governança do povo indígena sobre sua terra.
        De fato, essas pressões representam ameaças à valiosa cultura tradicional, herança e modo de vida dos povos indígenas que habitam o projeto. Nos anos recentes, ocorreram frequentes conflitos entre as populações indígenas tradicionais e o crime organizado, que tenta tomar posse da terra para a extração de madeira, expansão da agricultura e transações especulativas de terras. Manter as comunidades indígenas em seus territórios, protegidos de agentes destrutivos como desmatadores ilegais e ocupantes de terra, assegura a preservação da biodiversidade da floresta, na medida em que as práticas tradicionais apoiam o equilíbrio ecológico do ecossistema.
        Um censo socioeconômico vai ser conduzido na comunidade indígena Cachoeira Seca, do povo Arara, que servirá como uma base para planejar e implementar atividades que ofereçam melhoria do bem-estar social, acesso à educação básica e a serviços de saúde para mais de 350 indígenas. Algumas iniciativas servirão também para criar fontes de renda sustentáveis que poderão gerar a independência do povo Arara.
        O projeto, que visa dar relevo ao papel da conservação, do manejo sustentável e do aumento de estoques de carbono florestal, foi desenvolvido pelo REDD+, sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal. Trata-se de mecanismo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que oferece incentivos financeiros a países em desenvolvimento para que reduzam o desmatamento e a degradação das florestas, além de conservarem e aumentarem os estoques de carbono.
        O principal objetivo do Projeto REDD+ dos povos Arara é evitar um desmatamento sem planejamento, dentro do território indígena Cachoeira Seca. Deve ser ressaltado que haverá a destinação de 70% do resultado líquido do projeto à comunidade indígena e 5% para um instituto que visa realizar pesquisas para o desenvolvimento da bioeconomia da floresta a benefício da comunidade. No tocante aos créditos de carbono, o projeto já foi aceito pela empresa Verra e foi incluído em sua plataforma para consulta.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Independência e a política externa - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

Independência e a política externa
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma ‘potência transatlântica’
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 9/09/2025

No dia 29 de agosto, há 200 anos, Portugal reconheceu a Independência do Brasil.
Um dos objetivos da revolução liberal do Porto, em 1820, estimulada pela elite portuguesa, foi forçar a volta de D. João VI e restabelecer o reinado controlado por Lisboa. Seu filho, Dom Pedro, decidiu ficar no Brasil, rebelando-se contra as Cortes (Parlamento), e em 7 de setembro de 1822 proclamou a separação de Portugal.
O processo de Independência do Brasil foi difícil em razão da tentativa das Cortes do Porto de manter o País como colônia portuguesa. A consolidação da Independência não foi pacífica, em vista das sucessivas revoltas estimuladas e financiadas pelas Cortes, com intenção de dividir o País em dois: toda a Região Norte e Nordeste até Minas Gerais continuaria sob o domínio de Lisboa, e o Sul do País permaneceria independente. As revoltas no Pará, Jenipapo, no Piauí, no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia tinham esse objetivo.
Pouco depois da derrota do exército português na Bahia, em 2 de julho de 1823, Portugal e Brasil assinaram, em 29 de agosto de 1825, o tratado que oficializou o reconhecimento da Independência brasileira. O acordo contou com a mediação da Grã-Bretanha, que teve papel decisivo nas negociações.
O reconhecimento do Brasil como país independente, a integridade territorial, a afirmação de sua soberania e a formulação dos princípios básicos da política externa, independente de Portugal, foram alguns aspectos iniciais da ação externa do novo país, mesmo enquanto havia a tentativa de organização de forças de Portugal e Espanha para continuar a manter o Brasil como Reino unido a Portugal.
A relação com a Grã-Bretanha foi dominante nas primeiras décadas depois da Independência e das mais difíceis para a diplomacia imperial brasileira: o esforço para o reconhecimento da Independência (depois de várias tentativas das Cortes de buscar o apoio de Londres contra a separação), para manter uma esquadra estacionada na Bahia para manter a separação de Portugal, para evitar a concessão de novos empréstimos leoninos ao Brasil e, sobretudo, a questão da escravidão, pela pressão britânica para o Império pôr fim ao tráfico de escravos. Apesar dessas questões e da pressão das Cortes, o governo de Londres, de forma pragmática, atendendo a seus interesses comerciais e financeiros, também assinou o Tratado Portugal-Brasil e reconheceu, na mesma data, a Independência do novo Estado, garantindo a integridade territorial brasileira e a continuidade de seus privilégios junto à ex-colônia (renovação em 1827 do acordo de comércio, concessão do primeiro empréstimo internacional) e pela promessa de proteção e fornecimento de material bélico e embarcações. A estreita relação política e comercial com a Grã-Bretanha, que colocou o Brasil quase na condição de um protetorado, teve na questão do tráfico de escravos por mais de 40 anos o maior trabalho da diplomacia para contornar compromissos não cumpridos, tornando os entendimentos com a Grã-Bretanha crescentemente tensos.
Outro relacionamento central no Império foi com os EUA. A história oficial no Brasil registra um equívoco no tocante ao início do relacionamento com os EUA. Dá-se como pacífico que o reconhecimento ocorreu em 1824, com o governo Monroe. Repete-se, inclusive, que os EUA foram o primeiro país a reconhecer a Independência do Brasil. Na realidade, há um duplo equívoco. A Independência só foi oficialmente reconhecida em Washington por um tratado assinado entre o Brasil e os EUA em fins de 1825, depois do reconhecimento de Portugal e da Grã-Bretanha. A razão desse erro histórico talvez resida no fato de o credenciamento do primeiro encarregado de negócios do Brasil em Washington, José Silvestre Rebelo, ter ocorrido em maio de 1824. Rebelo recebeu instruções detalhadas de que tinha como missão obter o reconhecimento da nossa Independência por Washington, visto que o governo norte-americano não reconhecia a Independência brasileira. Na realidade, o primeiro país a reconhecer a Independência não foi nem Portugal, nem os EUA, nem a Grã-Bretanha, foi a Argentina, em 1823, por razões relacionadas com a disputa pela Província Cisplatina, hoje Uruguai.
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma “potência transatlântica” que não poderia aceitar subordinação aos interesses de potências estrangeiras, principalmente europeias, que, por seu poderio econômico e militar, eram as principais ameaças à consolidação do Brasil independente. Já nesse início da autonomia em relação a Portugal, a política externa, comandada por José Bonifácio, atuava com um pensamento mais amplo procurando projetar os interesses do País em várias áreas. O essencial para a política externa do novo país era manter a unidade territorial e a soberania. Para isso, trabalhou para equipar as forças de defesa para resistir a alguns focos de resistência à Independência, de modo a defender efetivamente o território nacional e para desenvolver uma ação diplomática que procurasse preservar a autonomia decisória nacional.
Salve a política externa da Independência.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/independencia-e-a-politica-externa/

terça-feira, 26 de agosto de 2025

A moderna Doutrina Monroe: intervencionismo norte-americano na América Latina - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

Opinião: A moderna Doutrina Monroe

O intervencionismo norte-americano na América Latina começa a submeter os países a pressões que violam sua soberania

Por Rubens Barbosa

O Estado de S. Paulo, 26/08/2025 


Está em execução a estratégia do governo Trump para a América Latina anunciada, em termos genéricos, pelo secretário de Defesa como o “quintal” dos EUA, onde “os países deverão optar entre os EUA e a China”, como afirmou o presidente norte-americano.

Ao lado da firme oposição aos governos de esquerda no hemisfério (Cuba, Venezuela, Nicarágua, Colômbia, Chile e Brasil), o Departamento de Estado, chefiado por Marco Rubio, senador da Flórida, ultraconservador e primeira geração de cubanos que saíram de Cuba, está tomando medidas concretas para fortalecer os governos de direita (El Salvador, Paraguai, Argentina e agora a Bolívia) e tentar reverter a tendência pendular de governos de esquerda na região para influir nas eleições para eleger governos alinhados às políticas de Washington, “para construir um hemisfério mais seguro, mais forte e mais próspero”.

As medidas tomadas até aqui ressuscitam a Doutrina Monroe de 1823, pela qual se afirmava o princípio da “América para os americanos”, afastando a influência da Europa, e o Corolário Roosevelt (1904), autorizando intervenção militar para a defesa das empresas americanas.

Atualizada, a Doutrina Monroe moderna busca afastar os países da região da crescente presença da China, hoje o principal parceiro comercial da quase totalidade dos países da região, e defender as empresas americanas.

A primeira intervenção foi no Panamá, forçando o governo a pôr um fim nos contratos com empresas chinesas, a fim de controlar o fluxo de transporte por essa via estratégica para os EUA. Mais recentemente, o Departamento de Estado assinou acordos com o Paraguai para criar uma base na fronteira com o Brasil contra o Hezbollah integrada por agentes do FBI. Na semana passada, com o ministro do Exterior paraguaio, foi assinado, em Washington, um acordo para o Paraguai acolher asilados de outros países residentes nos EUA, no contexto de ampla parceria estratégica em segurança, diplomacia e economia, em especial no combate ao crime transnacional, na estabilidade regional, na energia, na mineração e na tecnologia. Nesse contexto, chama a atenção declarações de Marco Rubio sobre a possibilidade de intervenção de Washington na utilização da energia da binacional Itaipu para a instalação de data centers, em função do excedente de energia e seu baixo custo. Em outra iniciativa, na semana passada, o comando do Sul, na Flórida, enviou 4 mil marinheiros e fuzileiros navais para o combate ao tráfico de drogas, ameaça à segurança nacional, para as costas da Venezuela, “governado por um presidente ilegítimo e por um cartel de narcoterroristas”. A Casa Branca afirmou que “Trump mantém todas as opções abertas”, inclusive intervenção armada nos países para atingir os traficantes. Apoio a eventual movimento de parte do Exército venezuelano contra Maduro e proteção à Guiana, com eleição em 1.º de setembro, podem ser outros objetivos dos EUA.

O Brasil parece ser um dos alvos preferidos de Washington, desde a imposição das tarifas mais elevadas (50%), ao lado da Índia, para a exportação de produtos para os EUA, com a escalada de sanções políticas sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e de funcionários do Ministério da Saúde, por terem coordenado a vinda de médicos cubanos ao País, e de relatório crítico sobre direitos humanos no Brasil. Em uma situação de impasse nas negociações comerciais, é possível prever novas ações depois do julgamento de Bolsonaro em setembro, com inaceitável interferência em assuntos internos que atentam contra a soberania nacional. A resistência do governo brasileiro a essas intervenções, contrárias à evolução normal das relações entre os dois países e a tentativa de formação de uma frente de oposição às medidas protecionistas norte-americanas poderão criar uma situação de graves consequências diplomáticas entre os dois países. A possível intervenção militar na Venezuela entrou na pauta de Lula nas conversas com o presidente do Equador e com os chefes de Estado na reunião do Tratado de Cooperação Amazônica, realizada em Bogotá.

Não pode ser afastada a possibilidade de o Brasil estar sendo usado como um exemplo para os países que ousarem se opor à nova versão da Doutrina Monroe. Além de Itaipu, como base de colonização tecnológica e talvez a Amazônia, cujo desmatamento está sendo objeto de investigação no contexto da seção 301 da lei de comércio americana, pelos recursos minerais e pelo maior reservatório de água do planeta, poderão ser, no futuro, os próximos alvos da agressiva política imperial de Washington. A decisão do STF sobre a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil, com potencial de forte impacto sobre os bancos e sinais de distanciamento dos EUA na área da Defesa, com o cancelamento da Conferência Espacial das Américas, organizada pela Força Aérea, e da Operação Formosa, principal exercício da Marinha, são os últimos exemplos da escalada entre os dois países.

O intervencionismo do governo norte-americano na América Latina começa a submeter os países da região a pressões que violam a soberania ou demandam subordinação disfarçada de cooperação, além de impor ameaças de intervenção militar, sob pretexto de combate aos “narcoterroristas”.

Essas movimentações de Washington apresentam-se como o maior desafio da política externa brasileira nas últimas décadas.

 

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

 

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/a-moderna-doutrina-monroe/ 

domingo, 24 de agosto de 2025

Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia - Rodrigo da Silva (O Estado de S. Paulo) ; Introdução de Paulo Roberto de Almeida

Uma introdução necessária a esta boa matéria sobre a derrota da Rússia na sua guerra de agressão à Ucrânia.

Paulo Roberto de Almeida

Estatisticas do CDS ucraniano são bastante confiáveis: costumam colocar perdas russas na faixa de 1000 baixas por dia. Economistas dos anos 1950 costumavam falar de “unlimited supply of labor” no caso de paises pobres com altas taxas de fertilidadece de natalidade. A Rússia tem algo semelhante no caso das muitas regiões pobres da sua grande, imensa federação: jovens paupérrimos são comprados para morrer na guerra, literalmente; as famílias aceitam pois isso lhes dá um alívio financeiro inesperado.

Mas a Russia vai sair dessa guerra ainda mais depauperada economicamente e drenada demograficamente. A Ucrânia destruída materialmente e também drenada demograficamente.

Ou seja, Putin destruiu dois países, incluindo o seu próprio, para NADA!

Quem ganhou? Os produtores e mercadores de armas mais ima vez!

Quem perdeu mais? Os paises pobres, mais uma vez, que também perdem com a hostilidade insana entre China e EUA, por culpa dos EUA, um hegemon que não reconhece o seu declínio inevitável, por fatores puramente internos, nada a ver com atos predatórios da China, que simplesmente faz o seu dever de casa (que é tirar o seu próprio povo da miséria, algo que o Brasil tampouco faz, por cegueira de suas oligarquias).

Tragédia humana e mundial trazida por um reles tirano megalomaníaco.

PRA, vamos à matéria agora!

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Como a Rússia já perdeu a guerra na Ucrânia

Rodrigo da Silva

O Estado de S. Paulo, 22/08/2025 

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa.

A guerra na Ucrânia é a maior guerra na Europa desde 1945.

A linha de frente do conflito se estende por mais de mil quilômetros, atravessando campos, cidades e áreas industriais – algo sem paralelo no continente desde a 2ª Guerra Mundial.

Só a Rússia já mobilizou mais de 1,5 milhão de soldados. A Ucrânia colocou outros 700 mil em diferentes funções militares.

Não há nada tão violento na Europa nos últimos 80 anos de história. E nada traduz melhor essa violência do que as estatísticas das mortes.

É verdade que a Rússia mantém em segredo os números oficiais de baixas militares no conflito – desde setembro de 2022, o Kremlin não atualiza o seu balanço. Mas as melhores estimativas nos revelam perdas extraordinariamente altas. Até o último mês de junho, pelo menos 250 mil soldados russos morreram na guerra. Os russos registraram 1 milhão de baixas.

O número de militares russos mortos em pouco mais de três anos de conflito é cinco vezes maior que a soma das mortes combinadas da Rússia e da União Soviética em todas as guerras que o país travou entre 1945 e 2022.

Só para colocar em perspectiva: os Estados Unidos perderam pouco mais de 58 mil soldados nos 8 anos da Guerra no Vietnã. A cada ano, a Rússia tem perdido um Vietnã na Ucrânia.

Na verdade, mais do que isso: em míseros 3 anos, morreram mais russos na Ucrânia do que americanos em todas as guerras que os Estados Unidos lutaram desde 1945.

Durante os 10 anos da guerra do Afeganistão, a União Soviética perdeu 15 mil soldados. A Rússia perde isso hoje em um mês de combate na Ucrânia. Com uma diferença considerável: Moscou suportou 15 mil mortos no Afeganistão, sofrendo uma pressão política que tornou o conflito bastante impopular na Rússia. Hoje, o Kremlin lida com o desafio de transportar dezenas de milhares de mortos em muito menos tempo.

O dinheiro, claro, ajuda. Hoje, uma família de um soldado russo morto pode receber, de uma vez, até 14 milhões de rublos em benefícios sociais, o equivalente a R$ 800 mil.

É certamente um dinheiro bem alto para o padrão de vida russo (8 vezes o salário médio anual do país). Só em 2024 o Kremlin destinou o equivalente a US$ 15 bilhões para pagar compensações de morte e invalidez pela guerra – 6% de todo o orçamento federal anual.

E esse buraco não parece ter fim. No ritmo atual, 440 russos estão morrendo todos os dias na Ucrânia.

E não são só os mortos que retornam em caixões: soldados com membros amputados e ferimentos graves também estão voltando para casa, provocando um aumento bem acentuado na produção de próteses na Rússia.

A indústria da morte agradece. Dados do Ministério do Trabalho da Rússia revelam que Moscou subsidiou o fornecimento de 152 mil próteses em 2024, um aumento de 53% em relação a 2023 – quando 99 mil braços e pernas artificiais foram distribuídos –, outro aumento frente às 64 mil próteses de 2022, quando a guerra começou.

Empresas de caixões também relatam crescimento nos negócios. Só nos primeiros quatro meses desse ano, as funerárias russas faturaram quase 40 bilhões de rublos (cerca de R$ 2 bilhões), um aumento de 12% em relação ao ano passado.

E já não morre mais gente com o mesmo perfil de antes.

Enquanto nos primeiros meses da guerra, a idade média dos soldados que lutavam na Ucrânia era de 20 anos, esse número agora é de 36.

Muitos dos mortos não são só soldados, mas profissionais de diversas áreas: engenheiros, médicos, professores, metalúrgicos. Se no começo a guerra era dominada pelos militares de carreira, a Rússia hoje depende cada vez mais de recrutas civis de meia-idade.

Na prática, regiões bem pobres e distantes, onde há pouco emprego e salários baixos, lotados de minorias étnicas, se tornaram o principal reservatório humano do Exército russo.

Em alguns casos, homens são literalmente sequestrados em vilarejos; abordados nas ruas, retirados das suas casas ou capturados em pontos de ônibus, sem qualquer aviso.

Na Buriácia, por exemplo, no extremo leste da Sibéria, a taxa de mortos na guerra é até 30 vezes maior do que em Moscou. Em repúblicas do Cáucaso, como o Daguestão, jovens muçulmanos são convocados em massa, muitas vezes sob pressão direta das autoridades locais.

No fim, a estratégia é coerente: as mortes russas se concentram em regiões com baixo peso político, longe dos centros de poder. O luto de mães buriates ou daguestanesas faz bem menos barulho do que o de uma mãe de Moscou.

A Rússia diz treinar essas pessoas entre 3 semanas e 6 meses, dependendo da função. Mas a verdade é que há muitos relatos de 1 mês de treinamento – e para algumas operações, a quantidade de treino fornecido varia entre dois dias e duas semanas.

A Rússia já tinha uma pirâmide etária deformada por conta da 2ª Guerra Mundial e da crise dos anos 1990. Tanto é assim que o país já vinha em declínio populacional antes da guerra. Mas a situação agora é caótica.

A população economicamente ativa russa está encolhendo. E essa escassez de trabalhadores produzirá, no curto prazo, não só uma queda da produtividade russa, mas uma possível importação forçada de mão de obra estrangeira – principalmente da Ásia Central e de países muçulmanos.

É claro que as perdas da Ucrânia também são bem altas. Em dezembro do ano passado, Zelenski revelou 43 mil soldados ucranianos mortos em combate e 370 mil feridos desde o início da invasão russa.

Além dessas mortes, quase 14 mil civis ucranianos foram mortos no conflito, e 35 mil ficaram feridos.

A Ucrânia é indiscutivelmente a grande vítima desse conflito, mas os russos são os maiores derrotados.

Nesse momento, a guerra na Ucrânia está corroendo a própria estrutura da sociedade russa. Cada caixão que retorna, a cada dia de batalha, significa não só um soldado a menos, mas um pai ausente, uma família quebrada, uma comunidade empobrecida.

Nesses três anos de conflito, centenas de milhares de crianças perderam o pai. Outras centenas de milhares de mulheres ficaram viúvas.

O resultado é uma geração marcada pelo luto.

Hoje, o Kremlin até consegue comprar o silêncio com indenizações, próteses e propaganda. Não há grandes manifestações contra Putin. Mas esse silêncio tem prazo de validade.

A Rússia pode até sustentar a guerra no campo de batalha, mas está perdendo em casa. E quando a poeira baixar, Moscou governará um país menor, mais pobre e mais velho. E nenhum triunfo militar, real ou inventado, será capaz de compensar essa derrota.

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Mais pragmatismo e menos ideologia - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

Mais pragmatismo e menos ideologia

Não resta alternativa ao governo Lula senão estabelecer um canal de alto nível com a Casa Branca
Por Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 12/08/2025

O relacionamento entre o Brasil e os EUA passa por um momento de grandes desafios com os desdobramentos da opção feita por Trump de utilizar a lei de emergência econômica (International Emergency Economic Power Act - Ieepa) como fundamento das tarifas aplicadas aos produtos nacionais.
Trump assinou na semana passada ordem executiva baseada na Ieepa que dá poderes ao presidente norte-americano para tomar medidas de modo a afastar as ameaças à economia dos EUA e à segurança nacional. Essa lei tem sido usada como justificativa para as tarifas de todos os países, mas está tendo desdobramentos políticos internos com o Brasil. Por outro lado, para alguns outros países, a base legal para a aplicação das tarifas está amparada pela Seção 232 do Trade Expansion Act de 1962, que trata a questão da segurança nacional sob o ângulo comercial, sem declaração de emergência. No caso da China, a legislação invocada foi a Seção 301 do Trade Act de 1974.
É importante entender a diferença entre as duas legislações. Enquanto a Seção 232 e a 301 são implementadas pelos órgãos técnicos de comércio exterior, a lei de emergência econômica é aplicada pelo Departamento de Estado e pelo Tesouro, sem consulta ao Congresso, e é utilizada como meio de pressão diplomática com caráter extraterritorial, como foi o caso da Lei Magnitsky e, na semana passada, a pesada nota da embaixada dos EUA. A Ieepa pode alcançar empresas ou indivíduos no Brasil. As empresas podem ser afetadas por bloqueios bancários, encerramento de linhas de crédito internacional, exclusão de fornecedores de peças e equipamentos e até sanções secundárias, quando transacionam com outros países, como foi o caso da Índia, por comprar petróleo da Rússia.
A política tarifária em relação ao Brasil tem uma característica única por abrir a possibilidade de tratar questões políticas e diplomáticas mais amplas e que, espera-se, estejam sendo objeto de exame e consideração mais cuidadosos pelo governo em Brasília. As ações do Departamento de Estado, diante da atitude antagônica de Marco Rubio em relação ao Brasil, são inaceitáveis. O risco e a ameaça são claros e vão requerer uma defesa da soberania e do interesse nacional mais sofisticada e responsável.
Os desdobramentos dessa medida já estão começando a aparecer. Foi aberta uma investigação no âmbito da seção 301 da lei de comércio exterior para apurar medidas restritivas contra produtos norte-americanos, serviços financeiros (Pix) e até o desmatamento da Floresta Amazônica.
Além dessa investigação, o Congresso dos EUA está examinando um projeto de lei que autoriza recursos financeiros a órgãos de inteligência para, entre outras áreas de interesse para os EUA, avaliar e preparar relatório sobre os investimentos da China no setor agrícola do Brasil. O Intelligence Authorization Act, se aprovado, financiará a Agência Central de Inteligência (CIA) e a Agência de Segurança Nacional (NSA) para o combate às ameaças à segurança nacional dos EUA.
No tocante ao relacionamento entre o Brasil e a China, esses órgãos de informação deverão elaborar “avaliação e relatório sobre investimentos da China no setor agrícola no Brasil, após consulta com o Departamento de Estado e a Secretaria da Agricultura” e avaliar “o nível de envolvimento do presidente Xi Jinping, ou por ele ordenado, com autoridades brasileiras, com foco no setor agrícola do Brasil”. O relatório deverá também incluir análise sobre “o nível de envolvimento da China com o setor agrícola do Brasil” e “as intenções estratégicas do possível envolvimento do presidente Xi ou por ele ordenado, para investimento no setor agrícola do Brasil”. O relatório deverá examinar “o número de entidades com sede na China ou de propriedade do país com investimentos no setor agrícola do Brasil, incluindo joint ventures com empresas brasileiras” e listar “os impactos sobre a cadeia de suprimentos, o mercado global e a segurança alimentar gerados por investimentos ou pelo controle do setor agrícola brasileiro pela China”.
As tensões entre os EUA e a China, considerada pelo governo de Washington como inimiga, podem respingar em outros países com forte relacionamento com Pequim. O Brasil é um parceiro estratégico da China, especialmente na área agrícola, e por isso atraiu as atenções estratégicas dos órgãos de inteligência.
O governo brasileiro tem de definir claramente seu objetivo em relação às medidas restritivas já tomadas e outras que poderão ser adotadas contra o Brasil. Não convêm ao interesse nacional a posição defensiva e uma narrativa para fins de política interna.
O impasse atual, com as dificuldades e as diferenças de caráter político e ideológico, tem de ser superado para o avanço das negociações comerciais. À luz da tendência da escalada político-diplomática, não resta alternativa ao governo Lula senão estabelecer um canal de alto nível com a Casa Branca por meio de um telefonema de Lula a Trump ou a ida do vice-presidente, Geraldo Alckmin, para um encontro com JD Vance.
A China e a Índia, que, junto com o Brasil, são os países com as tarifas mais altas, com possíveis novas medidas restritivas, continuam a negociar com Trump, de forma pragmática e deixando de lado a ideologia.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/mais-pragmatismo-e-menos-ideologia/

quarta-feira, 23 de julho de 2025

O Brasil, sem poder de barganha Celso Ming O Estado de S. Paulo

O Brasil, sem poder de barganha

Celso Ming
O Estado de S. Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 2025

Aos poucos, a indignação infantil e inconsequente vai sendo substituída por uma visão mais realista das nossas precariedades.
A primeira reação do presidente Lula ao anúncio do presidente Trump sobre o tarifaço de 50%, a vigorar a partir de 1º de agosto, foi apelar para a soberania nacional e para revides em nome do princípio da reciprocidade. Lula chegou a avisar que recorreria à Organização Mundial do Comércio, providência que teria a mesma força de um pedido de apoio ao arcebispo de Nova York. Nesta quinta-feira, declarou que “gringo não vai dar ordens” e, em pronunciamento em cadeia nacional de rádio e televisão, disse que “No Brasil, ninguém está acima da lei”.
Mas, na avaliação de parte dos empresários brasileiros, cutucar a onça com vara curta poderia levar ao pior. O País está na defensiva, tentando se apegar a alguma ajuda dos empresários norte-americanos prejudicados com a alta dos preços dos produtos exportados pelo Brasil. Nem a primeira carta enviada a Donald Trump, logo após o anúncio do tarifaço geral em abril, conseguiu resposta.
O presidente Trump parece ter eliminado a principal justificativa apresentada em sua carta do dia 11, quando alegou que o ex-presidente Jair Bolsonaro estava sendo vítima de uma caça às bruxas. “Bolsonaro nem chega a ser amigo”, disse Trump. “É apenas conhecido.”
A verdade é que o Brasil começa a se dar conta de que não tem poder de barganha diante de Trump, e qualquer alegação pode servir de pretexto para algum ato econômico de força. Até mesmo o Pix é acusado como política desleal aos Estados Unidos – apenas porque as bandeiras de cartões de débito começam a perder função e se tornar inúteis.
A economia brasileira carrega mazelas, enquanto o governo segue se enganando com a ideia de que somos “um país tropical, abençoado por Deus!”
Outra seria a condição do Brasil para enfrentar trancos como esse se não houvesse o rombo fiscal e, em consequência dele, os juros não tivessem de ir para a lua, derrubando a competitividade do produto nacional. Ou se a indústria e boa parte do setor produtivo não carregassem os problemas que têm hoje com seu sistema imunológico debilitado porque vivem dopados pelo protecionismo, pelos subsídios, pelas isenções tributárias, pela criação de reservas de mercado, pela imposição de conteúdos locais e pela artificialidade da competitividade zero, como a da Zona Franca de Manaus.
Bem outra seria a situação do Brasil se seus governos tivessem tomado a iniciativa de fechar acordos comerciais com o resto do mundo, em vez de insistirem tanto no Mercosul, que, até agora, não conseguiu passar ao estágio inicial de integração: o de área de livre comércio.
Esta é uma situação grave que, pelo menos, pode ser aproveitada pelo governo como oportunidade para abandonar a distribuição de presentes de Papai Noel, levar a sério a saúde das contas públicas e realizar as reformas sempre anunciadas e nunca enfrentadas.

terça-feira, 22 de julho de 2025

A escalada da crise com os EUA - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

A escalada da crise com os EUA
O custo dessa política de confrontação com o governo dos EUA recairá sobre o setor privado
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 22/07/2025

A crise comercial entre Brasil e EUA escalou perigosamente, podendo contaminar a relação política e diplomática entre os dois países.
Os entendimentos comerciais mantidos pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e o Itamaraty, para negociar o tarifaço de abril, de 10%, para todos os países, foram confirmados em carta de 16 de maio e prosseguiram até 4 de julho, sem qualquer reação americana.
A carta de Donald Trump anunciando tarifas de 50% sobre todos os produtos brasileiros exportados para os EUA a partir de agosto de 2025 foi o primeiro passo da escalada. O jogo político interno se agitou. O encarregado de negócios da embaixada dos EUA ouviu o protesto do governo brasileiro sobre a ingerência de Washington nos assuntos internos, o rechaço à quebra da soberania nacional e acolheu o gesto grave da devolução da carta pelos seus termos inaceitáveis. Na realidade, a questão é que a negociação do tarifaço (10%) ficou superada pela carta circular de Trump do dia 9 de julho, que pedia negociação sobre tarifa de 50%. O tema mais importante da carta faz referência a “centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS às plataformas de mídia social dos EUA”, relacionadas às decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). Esse questionamento, incluídas as alegações de restrição à liberdade de expressão, reflete os argumentos de empresas como Google, Meta, Amazon e X (ex-Twitter), que têm se oposto a qualquer tentativa de regulação no Brasil.
A escalada continuou com farpas trocadas entre os presidentes via mídia social e o anúncio de abertura de investigação sobre ilícitos comerciais cometidos pelo Brasil no âmbito da Seção 301 da Lei do Comércio de 1974. Não sem surpresa, quem está por trás dessa iniciativa e pela inclusão da agenda das big techs na carta é a Associação da Indústria dos Computadores e Comunicações (CCIA), grupo de lobby financiado pelas big techs dos EUA. O CCIA pediu que o governo dos EUA monitore, questione e atue contra as medidas tomadas pelo Brasil, desde a suspensão da rede X de Elon Musk, passando pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, pelas taxas das blusinhas e outras, além do projeto que regula a inteligência artificial e o que autoriza a Anatel a regular as plataformas digitais.
Na semana passada, a crise se agravou com o pronunciamento do presidente Lula, para fins de política interna, mas inadequado ao afirmar que iria taxar as big techs e retaliar se depois do dia 1.º de agosto o Brasil fosse penalizado. A resposta à carta – devolvida porque não foi transmitida oficialmente, mas divulgada pela mídia social – foi também dada pela mesma mídia, no pronunciamento presidencial. Quanto à possibilidade de retaliação, na carta está expresso que, se o Brasil decidir aumentar as tarifas contra produtos norte-americanos, “o número que for escolhido será adicionado aos 50%”. Por outro lado, a suspensão de patentes ou de propriedade intelectual, sobretudo no caso de produtos farmacêuticos, poderá ensejar novas medidas restritivas, amparadas pela legislação interna norte-americana.
A crise aumentou com a carta de Trump a Bolsonaro, as críticas ao “regime brasileiro” pela porta-voz da Casa Branca e as medidas restritivas do STF contra Bolsonaro, interpretadas em Washington como uma resposta ao presidente norte-americano.
Apesar dos contatos com empresários nacionais e norte-americanos para respaldar as negociações entre os dois governos, o Planalto decidiu dar prioridade a sua agenda interna, pensando nas eleições de 2026, em detrimento das negociações.
Para complicar ainda mais o quadro geral, por diferenças ideológicas, o governo Lula não abriu canais de comunicação, desde a campanha eleitoral e depois da eleição presidencial com a Casa Branca e com o Departamento de Estado, o que significou a ausência de iniciativas para se contrapor à narrativa bolsonarista e explicar o devido processo legal do julgamento do ex-presidente e a independência do Judiciário brasileiro.
O custo dessa política de confrontação com o governo dos EUA recairá sobre o setor privado, que terá grandes prejuízos com a impossibilidade de acesso ao mercado norte-americano com tarifa de 50%. O efeito político positivo para o presidente Lula nas pesquisas, em grande parte, resultado da postura nacionalista e de defesa da soberania nacional, poderá desaparecer pela reação do setor privado que certamente criticará a postura governamental de priorizar a política interna à negociação com os EUA.
A escalada da crise continuou com a decisão de Marco Rubio de cancelar os vistos de Alexandre de Morais e “seus aliados” no STF e na Procuradoria-Geral da República (PGR). Sem perspectivas de negociação com Trump, paira a ameaça de novas sanções, como o aumento da tarifa de 50%, a aplicação de Lei Magnitsky, que impede oito ministros e a PGR de qualquer movimentação financeira em bancos que operam nos EUA, entre outras.
Sem nenhum gesto do governo e do presidente Lula para tentar reduzir as tensões com a Casa Branca na linha do sugerido pela US Chamber of Commerce, será muito difícil retomar o diálogo comercial com vistas a negociar uma redução da tarifa de 50%. Na prática, as negociações ficaram inviabilizadas por questões políticas. No dia 1.º de agosto, está contratada a imposição da tarifa, talvez com exceções.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/a-escalada-da-crise-com-os-eua/

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Livro de Paulo Roberto de Almeida: O Brasil e o multilateralismo econômico, resenha de Alberto Tamer (O Estado de S. Paulo)

Uma resenha de um dos meus livros, recuperado recentemente em velhos papeis (e copiado do jornal):


A inserção internacional do Brasil
Livro de Paulo Roberto de Almeida:
O Brasil e o multilateralismo econômico
(Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, 328 p.)

Alberto Tamer
O Estado de São Paulo, 28.06.99, caderno de Economia

        Os jornais trazem, todos os dias, informações e comentários a respeito das mais diversas organizações internacionais, FMI, OMC, BIRD, cuja atuação e funcionamento passaram a influenciar como nunca a política econômica do Brasil. O ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero ocupa atualmente — já em segundo mandato — a Secretaria-Geral da UNCTAD. Alguém saberia, fora dos ambientes diplomáticos, traduzir exatamente o que essa sigla significa, assim como esta outra, ainda menos conhecida: OCDE?
        Mais importante, contudo, do que explicar a que veio e o que fazem cada uma dessas entidades — o que comparece de forma exaustiva num completo Glossário ao final deste livro de Paulo Roberto de Almeida — é saber o que o Brasil faz em cada uma delas, como elas podem repercutir no processo de formulação de políticas econômicas e setoriais do Estado brasileiro e que papel elas podem cumprir na inserção internacional do nosso país, num mundo cada vez mais interdependente e globalizado.
        Este livro é, provavelmente, o mais bem informado de todos aqueles publicados no Brasil sobre um campo ainda pouco explorado pelos especialistas acadêmicos e mesmo pelos supostos detentores do monopólio da representação brasileira nesses foros por vezes pouco conhecidos do grande público.

        Paulo Roberto de Almeida se utiliza muito pouco do “diplomatês” para explicar como surgiram, como evoluiram e o que fazem, hoje, cada uma dessas organizações, por uma razão muito simples: ele é um cultor da História, com “h” maiúsculo, e vai buscar no início do século XIX os fundamentos do moderno sistema econômico multilateral que passou a impregnar todos os aspectos da vida moderna. Quem já não ouviu falar de protestos de agricultores franceses em frente à sede do GATT — antecessor da atual Organização Mundial do Comércio — em Genebra? Ou, mais próximo de nós, quem ainda não leu na imprensa que a política monetária do Brasil estaria sendo supostamente conduzida pelos tecnocratas do FMI, talvez a mais vilipendiada dessas entidades e objeto familiar da demonologia brasileira praticamente desde o início de sua atuação efetiva, nos anos 50?

        Longe das diatribes estéreis e das acusações irresponsáveis, o livro do Paulo Roberto de Almeida é o mais completo “passeio” pelas origens, estrutura e funcionamento dessas organizações. Mas, não se pense que se trata de um “mero” manual introdutório, algo como um repertório linear dessas entidades. Não: o que o autor faz é traçar um panorama completo dos dois últimos séculos do processo de globalização, tendo sempre o Brasil como fio condutor de suas reflexões. Ele vai buscar a emergência do multilateralismo contemporâneo no mundo restaurado da Europa pós-napoleônica, segue seus passos pelas primeiras organizações de cooperação técnica (telégrafo, correios, patentes de invenção), para examinar sua multiplicação neste “breve” século XX, desde a Liga das Nações até o universo onusiano de dezenas de agências especializadas.
        As mais importantes entidades econômicas do pós-segunda guerra são, sem dúvida alguma, as duas “irmãs” de Bretton Woods, FMI e BIRD, e o GATT, que seria depois completado pela OMC. Mas, desde antes, já existia o Banco de Basiléia (BIS), o banco central dos bancos centrais, criado em 1930 para administrar a dívida externa da Alemanha derrotada na primeira guerra e que hoje se ocupa fundamentalmente de assegurar o bom funcionamento do sistema bancário num mundo de finanças globalizadas. Quantos sabem que o Brasil aderiu ao BIS em 1997, e aplica suas normas de prudência bancária (ainda que elas não sejam seguidas de fiscalização pertinente)?

        O livro segue ainda todas as rodadas da história de meio século do GATT (sempre como acordo “provisório) e discute porque a OMC pode ser mais democrática do que as instituições de Bretton Woods. Ele também segue a ascensão e crise da ideologia desenvolvimentista, personificada na UNCTAD, hoje em dia certamente mais identificada com as grandes forças da interdependência mundial.
Uma série de quadros analíticos e de tabelas informativas retraça a história multisecular da inserção econômica internacional do Brasil, desde o século XVI até o ano 2000 (inclusive com previsões quanto ao sistema hemisférico em 2005), seguindo, por exemplo, os meandros e a evolução de nossa da política comercial. O autor, um especialista do Mercosul e da integração regional e hemisférica — ele acaba de publicar, igualmente, dois outros títulos sobre a questão, pela LTr — ostenta uma vasta bibliografia, podendo-se talvez reclamar que suas referências, para não desmentir o viés diplomático, são muito “internacionais” para o público brasileiro.         Trata-se, em todo caso, de um livro que todo professor de economia e todo estudante de direito, de relações internacionais ou todo curioso de “globalização”, deveria ler e estudar.


quinta-feira, 10 de julho de 2025

Opinião: Uma avaliação dos nossos riscos - William Waack O Estado de S. Paulo

Opinião
William Waack
Uma avaliação dos nossos riscos
A direita brasileira identificada com Trump vai sofrer graves danos eleitorais
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que o presidente dos EUA dá ao Brasil é simplesmente burrice
O Estado de S. Paulo, 09/07/2025
Atualização: 10/07/2025 | 10h01

O ataque do presidente americano ao Brasil não tem paralelos históricos. Trata-se sobretudo de uma agressão política, cujos termos são por definição inegociáveis. Trump age com a prepotência de quem, de fato, escolheu dividir o mundo em esferas onde os fortões fazem o que querem, e os fracos — como o Brasil — que se virem.
A última vez em que um presidente americano agiu contra o Brasil por questões políticas ocorreu sob Jimmy Carter a meados da década de setenta. As semelhanças são remotas dada a brutalidade — e a irracionalidade ideológica — exibida por Trump neste momento.
Naquela época dois fatores haviam se combinado: a pressão contra a ditadura militar brasileira por conta de violações de direitos humanos e o acordo nuclear que o Brasil assinara com a Alemanha, que incluía a transferência de tecnologia sensitiva. O presidente era o general Ernesto Geisel, que reagiu cancelando um acordo de cooperação militar com os EUA. O Brasil acabou fazendo um programa nuclear paralelo e a democratização liquidou a questão dos direitos humanos.
Do ponto de vista exclusivamente comercial e geopolítico o tratamento que Trump dá ao Brasil é simplesmente burrice. Mas é um extraordinário nível de mediocridade estratégica, ignorância histórica e posturas prejudiciais aos próprios interesses da super potência que Trump vem exibindo desde que assumiu. Em nome de um eleitorado que aplaude o populista que está diminuindo em vez de aumentar a liderança e capacidade de ação americana.
Os danos comerciais ao Brasil são consideráveis mas em situações semelhantes de imposição de tarifas Trump demonstrou a falta de consistência habitual — é algo que pode ser eventualmente “negociado”. O problema muito mais grave é político e terá impacto também no contexto eleitoral doméstico brasileiro.
Como aconteceu em países como Canadá, Austrália, México e, até certo ponto Alemanha, a interferência política de Trump nos assuntos de cada um produziu os resultados contrários. Ou seja, Trump desmoralizou, enfraqueceu e tirou potencial eleitoral das forças políticas que quis “proteger”. No caso brasileiro, o clã Bolsonaro e todo agente político que aderiu ao fã clube de Trump.
É claro que esse é um problema do capitão e sua ilusão infantiloide de que um prepotente como Trump possa livrá-lo da cadeia — onde provavelmente mais e não menos gente vai querer vê-lo agora. Bem mais complicada é a situação do governo brasileiro que, ao contrário do exemplo da esquerdista que preside o México, não soube criar qualquer canal direto com a Casa Branca.
O Brasil é uma potência menor, com escassa capacidade de retaliação que não nos torne ainda mais vulneráveis, sobretudo em relação a insumos. É grande a tentação de pular para um lado no confronto geopolítico, mas um pouco de inteligência estratégica indica que os Trumps acabam indo embora, e a profundidade dos laços entre Brasil e Estados Unidos permanecem.
Mas o mais provável é que ninguém vai enxergar esse horizonte nos próximos dias.

Opinião por William Waack
Jornalista e apresentador do programa WW, da CNN
https://www.estadao.com.br/politica/william-waack/a-direita-brasileira-identificada-com-trump-vai-sofrer-graves-danos-eleitorais/?j=2132572&sfmc_sub=761468549&l=8503_HTML&u=65252480&mid=534001280&jb=3005&utm_medium=newsletter&utm_source=salesforce&utm_campaign=conectado&utm_term=20250710&utm_content=

terça-feira, 8 de julho de 2025

O Brasil no Brics - Rubens Barbosa O Estado de S. Paulo

 Opinião:

O Brasil no Brics

O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 08/07/202

        No contexto atual de incertezas e insegurança global, o governo brasileiro organizou ontem, no Rio de Janeiro, o encontro de cúpula do Brics, sem a presença dos líderes da Rússia, China, Egito, Turquia, Irã e México.
        O Brics, hoje, ampliado, é integrado pelos cinco países originais (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul) e agora pelos novos membros, Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes. Foi igualmente criada uma categoria de Países Associados, tendo sido convidados Cuba, Bolívia, Turquia, Nigéria, Indonésia, Argélia, Bielorrússia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã e Uganda. A expansão do Brics permitirá um maior conhecimento e novas oportunidades de ampliação do intercâmbio comercial entre os países-membros. Existem cerca de 200 mecanismos de interação entre os países-membros, com reuniões entre ministérios e instituições oficiais e privadas que vão nessa direção. No tocante ao funcionamento do bloco, o Brasil apoiou a expansão do grupo (2023-2024) e defende termos de referência para a entrada de novos membros para preservar a coerência e eficácia do bloco. Há cerca de 35 países que manifestaram interesse em se juntar ao Brics.
        Apesar de dois de seus membros estarem envolvidos em conflitos regionais, o Brics, pelo seu peso político, econômico e comercial, tem sido um polo de atração, o que indica uma tendência à sua consolidação como um ator relevante no cenário global. Heterogêneo e com interesses nem sempre coincidentes, o Brics se tornou uma fonte de propostas de regras para a nova ordem internacional, embora haja preocupação de parte de seus membros com o risco de que o grupo se torne excessivamente politizado ou antiocidental, o que comprometeria sua capacidade prática. Por isso, apresentar-se como uma força de construção e de estabilização será um grande desafio para o bloco, levando em conta as guerras em curso e as atitudes antiocidentais de alguns de seus membros.
        A reunião mostrou a grande diversidade entre os países-membros e a divergência de interesses político e econômico-comerciais, mas a moderação prevaleceu sobre a confrontação. Além da declaração de líderes, foram aprovadas declarações sobre finanças climáticas; sobre governança global da inteligência artificial e a parceria do Brics para a eliminação de doenças socialmente determinadas. O Brasil contribuiu para encontrar fórmulas de conciliação sobre os temas dominados por questões geopolíticas globais, em especial, as guerras no Oriente Médio e na Europa e o protecionismo, em função do tarifaço dos EUA. O grupo condenou os ataques militares ao Irã e ao programa nuclear iraniano, reiterando o apoio às iniciativas diplomáticas relativas aos desafios regionais e reiterou as posições nacionais sobre a guerra na Ucrânia, expressas na ONU. O comunicado final registra a grave preocupação com a ocupação de Gaza e expressa o direito dos palestinos de um Estado independente e, quanto à ampliação do Conselho de Segurança da ONU, que Brasil e Índia deveriam ter um papel mais ativo em temas globais e nas Nações Unidas, inclusive no Conselho de Segurança.
        No contexto das atuais prioridades na política externa, o governo brasileiro mantém seu compromisso com o Brics como um meio estratégico para reforçar sua política externa, aumentar sua autonomia e atuar como liderança entre os países em desenvolvimento (Sul Global). O Brics é visto, em Brasília, como instrumento-chave para reequilibrar a ordem mundial, contrapondo o domínio do G-7, o esvaziamento do G-20 e de instituições lideradas por EUA e Europa. A presidência brasileira defendeu a reforma da governança global e a ampliação da voz dos países em desenvolvimento. Reiterou a necessidade da reforma do Conselho de Segurança da ONU, o fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e enfatizou a necessidade de mudanças no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, com maior representatividade e poder de voto para os emergentes. Ressaltou o diálogo sobre o uso de moedas locais no comércio com o objetivo de reduzir os custos das operações financeiras e sobre a cooperação entre os países do Brics para melhor utilização do sistema financeiro vigente. Defendeu maior atuação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), com financiamentos que beneficiem infraestrutura e transição energética no Sul Global.
        Ao lado do apoio à agenda do Brics, o Brasil incluiu, com êxito, nas discussões e no comunicado final, a ampliação da cooperação entre os países em desenvolvimento nas áreas de saúde, com o estabelecimento de parcerias e projetos com os países-membros para ampliar a cooperação no combate a doenças tropicais; clima, no tocante ao aprimoramento das estruturas de financiamento para enfrentar as mudanças climáticas levando em conta a agenda da COP-30; comércio, na defesa de princípios básicos do comércio internacional, como o da nação mais favorecida, visando ao incremento do comércio entre os dez membros do bloco e buscando revigorar a OMC e crítica à política protecionista dos EUA; taxação dos super-ricos; inteligência artificial, com vistas a aprofundar as discussões sobre a governança da IA, com o apoio da governança inclusiva e responsável da IA para o desenvolvimento.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE) e membro da Academia Paulista de Letras.

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/o-brasil-no-brics/

segunda-feira, 7 de julho de 2025

A guerra de Trump no Oriente Médio - J. A. Guilhon Albuquerque (O Estado de S. Paulo)

 Opinião

A guerra de Trump no Oriente Médio
O conceito de crise sem solução descreve um problema cuja existência é reconhecida por todas as partes, que todos sabem que tem solução, mas que se arrasta indefinidamente
Por J. A. Guilhon Albuquerque
O Estado de S. Paulo, 07/07/2025

        Dentre os conflitos em andamento no Oriente Médio, o ataque de Israel contra o Irã, surpreendente, mas não inesperado, gerou um conflito que encarna as peculiaridades de uma guerra sem solução. O conceito de crise sem solução descreve um problema cuja existência é reconhecida por todas as partes, que todos sabem que tem solução, mas que se arrasta indefinidamente.
        O conflito latente e indireto entre Israel e Irã começou com a revolução iraniana de 1979 e, até hoje, não apenas não tem solução, mas deixou de ser indireto e tornou-se uma guerra aérea, embora, por enquanto, não terrestre.
        Quando tomou o poder, o Aiatolá Khomeini rompeu com o Estado Judeu por motivos religiosos e passou a apoiar econômica e militarmente movimentos muçulmanos contrários à ocupação israelense da Faixa de Gaza e sua expansão em todo o território palestino.
        Durante o governo Obama, os EUA firmaram um acordo com o Irã, em conjunto com os membros do Conselho de Segurança da ONU e da União Europeia, que restringia a produção e o emprego de material atômico pelo Irã, impedindo, assim, o seu uso militar. Opondo-se diretamente a esse acordo, Israel executou, desde então, centenas de ataques indiretos, contra unidades militares iranianas em terceiros países, promoveu assassinatos de cientistas e autoridades iranianas e efetuou ataques cibernéticos, com o objetivo de obter a cumplicidade e uma possível intervenção direta dos EUA.
        A neutralização da ameaça nuclear do Irã no governo Obama foi apenas uma parte de sua política de desenvolvimento do Médio Oriente. Tratava-se de fazer um pivô de seus objetivos geopolíticos para a Ásia (a competição econômico-militar com a China), livrando-se os EUA do peso proporcionado por suas funções como potência hegemônica do Levante.
        Com sua vitória sobre os democratas, Trump, em seu afã de apagar os rastros de Obama, retirou seu país do Grupo dos Seis, eximindo-se de respeitar o acordo com o Irã.
        Com isso, Trump abriu as portas para suspeitas de que Teerã também ficasse livre de cumprir seus compromissos assumidos perante o Grupo dos Seis. Com isso, o Irã tornou-se alvo de eventuais ameaças militares dos EUA ou de quaisquer outros inimigos do Irã. Em particular Israel, a única potência que reunia interesse vital e capacidade militar para tanto.
        Em seu primeiro mandato, Trump criou seu próprio pivô para a China, por meio de um acordo a ser adotado entre Israel e os países árabes, com o fim de promover a pacificação e o desenvolvimento no Oriente Médio.
        Sem um objetivo estratégico bem fundamentado, mas crente na beleza de sua obra pacificadora, não levou em conta que sua realização dependeria de eliminar os empecilhos causados pela diáspora palestina em Gaza, na Cisjordânia, no Egito e, sobretudo, nos campos de refugiados espalhados pela Jordânia, a Síria e o Líbano.
        As tratativas para a assinatura do acordo entre a Arábia Saudita e Israel, que selaria o pacto, previam uma data no final de setembro de 2023, o que teria, segundo alguns autores – entre os quais me inscrevo – provocado o ataque do Hamas no dia 7 de outubro. Os dirigentes desse partido extremista teriam pretendido suscitar uma reação desproporcional do governo Natanael, capaz de desencadear uma guerra que tornasse inviável qualquer acordo dos sauditas e demais Estados árabes com Israel.
        À medida que Natanael estendeu sua guerra contra o Hamas para o Hezbollah e outros partidos e grupos armados pelo Irã, passou a subordinar sua posição no governo à continuidade e ampliação dos objetivos de guerra, tendo que encarar também a ameaça de perder o poder e, consequentemente, sua liberdade. O que chamei de “as mil guerras de Natanael”.
        Foi também nesse contexto de sobrevivência política e pessoal que, a meu juízo, Natanael deixou claro que até mesmo a libertação dos reféns israelenses era secundária à prioridade da guerra. O premier israelense jogou todas as suas cartas com objetivo de atrair Trump para um ataque militar conjunto capaz de destruir o suposto poderio nuclear iraniano, uma vez que, a despeito de todo o seu poderio militar, sem a permissão prévia de Trump e a intervenção militar direta dos EUA, Israel teria demasiado a perder.
          A Agência Internacional de Energia Atômica da ONU (AIEA), a própria diretoria de Inteligência Nacional dos EUA, a quase unanimidade dos cientistas, especialistas e observadores do programa nuclear iraniano, têm opinado que a bomba não existia, nem poderia ser testada a curto prazo, e que o ataque não teria sido inteiramente bem-sucedido. Formou-se um consenso internacional de que, mutatis mutandi, sem uma destruição em massa da economia e das instituições iranianas, sem pôr as botas no chão - o que logo saiu da agenda Natanael/trumpiana, Israel não alcançaria seu objetivo de extinguir a ameaça iraniana.
        O que levou os EUA, por enquanto, a tentar novamente voltar à diplomacia.

Opinião por J. A. Guilhon Albuquerque
É professor titular aposentado da USP

https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/a-guerra-de-trump-no-oriente-medio/

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