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domingo, 10 de novembro de 2024

Trump ‘não quer construir pontes’ e desafia diplomacia econômica brasileira, diz ex-ministro Celso Lafer - Leonardo Rodrigues (Istoé)

Trump ‘não quer construir pontes’ e desafia diplomacia econômica brasileira, diz ex-ministro Celso Lafer

Leonardo Rodriguesi

https://istoe.com.br/autor/leonardo-rodrigues/ 

Istoé, 10/11/2024

https://istoe.com.br/trump-nao-quer-construir-pontes-e-desafia-diplomacia-economica-brasileira-diz-ex-ministro-celso-lafer/

+Distância entre Lula e Trump não afetará proximidade do Brasil com os EUA, diz ex-chanceler

Depois que Donald Trump foi eleito para a Presidência dos Estados Unidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem um histórico de declarações críticas ao republicano, não tardou a parabenizá-lo pelo resultado da eleição.

O gesto refletiu a preocupação do petista em preservar relações com o segundo maior parceiro comercial brasileiro, cujo mandatário eleito prometeu adotar uma agenda de conservadorismo político e protecionismo comercial. “Trump ressuscitou a corrente de isolacionismo dos EUA, movida por desconfiança no comércio internacional e nos engajamentos internacionais”, afirmou Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores, ao site IstoÉ.

Lafer chefiou o Itamaraty quando Fernando Collor (PRN) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) eram presidentes e ainda foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, em períodos que tinham políticos de diferentes orientações na Casa Branca. Nesta entrevista ao site IstoÉ, o ex-chanceler analisou os desafios impostos por Trump para a diplomacia brasileira e, dada a influência do país que governará, para as relações globais de poder.

Leia a seguir a íntegra:

IstoÉ O presidente Lula tem um histórico de manifestações críticas a Donald Trump. O senhor acredita que as divergências podem impactar as relações políticas e diplomáticas entre Brasil e Estados Unidos?

Celso Lafer O presidente Lula não exerceu o realismo da prudência democrática ao manifestar publicamente simpatia pela candidatura de Kamala Harris. Sua manifestação é, no entanto, compreensível, e não apenas em função da sua identidade política, mas da existência de um terreno comum com o governo Biden, em matéria dos desafios da agenda global do meio ambiente, da transição energética e da importância atribuída à democracia e aos direitos humanos. Na campanha deste ano, Trump se contrapôs a esses itens de forma ainda mais incisiva do que no seu primeiro mandato.

Objetivamente, porém, é com o futuro governo Trump que a diplomacia de Lula precisará conviver, da melhor maneira possível, tendo em vista a relevância dos EUA no mundo. Daí a pronta clareza realista com a qual Lula transmitiu os seus cumprimentos a Trump, por uma eleição que teve o inequívoco respaldo do eleitorado americano.

“Havia um terreno em comum entre os governos de Lula e de Biden”.

A diplomacia americana comporta muitas facetas, o que dificulta a identificação de um foco privilegiado de atenção ao Brasil na próxima presidência de Trump — o que deve dar ao governo Lula uma margem de calibração para a moldura das relações entre os dois países. Nessa calibração, o presidente contará com os quadros do Itamaraty e sua capacidade de desdramatizar o potencial de tensões.

IstoÉ Tendo em perspectiva as diferentes experiências que o senhor teve no Itamaraty, qual é sua avaliação da postura diplomática do governo Lula 3?

Celso Lafer Fui ministro das Relações Exteriores em um momento distinto da sociedade brasileira, que não se caracterizava pelos atuais conflitos de polarização e por um movimento internacional de ascensão política autoritária da direita. Havia mais abertura à cooperação, mais condições para o exercício do nosso “soft-power” e, consequentemente, para a elevação do patamar de presença do Brasil no mundo.

O mundo com o qual o Lula 3 se confronta é permeado por tensões regionais e internacionais de poder, que propiciam o retorno do papel da geopolítica, das securitizações das economias nacionais e do impacto da geografia das paixões.

No meu período de Itamaraty e mesmo nos mandatos anteriores de Lula, não havia uma tensão de hegemonia como a que existe entre EUA e China e nem conflitos bélicos de alcance geral, como os que acontecem na Ucrânia e na Palestina.

“A sociedade brasileira não atravessava os conflitos da polarização e um movimento internacional de ascensão política autoritária da direita”.

A América do Sul, por sua vez, é mais fragmentada e heterogênea, e menos propícia a uma onda positiva verificada nos mandatos anteriores do presidente, o que aliás também caracterizou, em outros moldes, minha experiência como ministro.

Dito isso, concluo que o desafio diplomático de Lula 3 é calibrar a presença do Brasil no mundo, navegando sem intensificar conflitos entre próximos e distantes, e sem esbarrar nos rochedos subjacentes de um “Mar de Sargaços”. Essa calibração pressupõe equilíbrio e, igualmente, a constante melhoria da governança interna, cujo aprimoramento é sempre fonte de prestígio internacional.

IstoÉ Quanto a Trump, quais são os sinais dados pelo presidente eleito americano em relação à postura diplomática e às relações com outras nações para seu novo mandato?

Celso Lafer Neste contexto de um mundo crescentemente perigoso, Trump agrega a imprevisibilidade de seu modo de ser, um amplo controle sobre Washington que a amplitude de sua eleição lhe assegurou e a consequente erosão dos tradicionais freios e contrapesos do sistema político americano. A isto, se somam os novos perigos de alcance do relacionamento entre dinheiro e poder que a relação Elon Musk-Trump tem condição de propiciar.

Tudo isso tende a aumentar o desafio da gestão das independências e suas externalidades, criando novos obstáculos à construção de consensos internacionais. Esses foram sempre uma nota de atuação da competência diplomática brasileira, cujo espaço de permissibilidade está reduzido.

IstoÉ Trump manifestou, durante a campanha, a intenção de adotar políticas comerciais mais protecionistas e enrijecer políticas anti-imigração. Em que medida essa agenda afeta as relações com o Itamaraty?

Celso Lafer Lema de Trump, o “Make America Great Again” (“Faça a América Grande Novamente”, em português) é uma explicita condenação do internacionalismo americano, que teve um papel na construção da ordem mundial do pós-guerra e o respaldo de governos democratas e republicanos.

Essa condenação se viabilizou com as mudanças tecnológicas e a fragmentação das mídias que ensejaram as distorções e notícias falsas, que ensejaram notícias falsas e alcançaram setores da sociedade que se sentiam marginalizados pelas mensagens do Partido Democrata. Trump ressuscitou assim, em novos moldes, a corrente do isolacionismo dos EUA, movida por desconfiança no comércio internacional e nos engajamentos internacionais de todo tipo.

“Trump ressuscitou a corrente de isolacionismo dos EUA”.

Trump impulsionou a hostilidade em relação à imigração, aguçada pelo ímpeto que declaradamente dará a deportação de milhões que estão — ilegalmente — habitando o território americano. O republicano não quer construir pontes, mas vai se dedicar a construir muros com a ideia de colocar seu lema em prática.

No plano econômico, a elevação de tarifas é o instrumento de ação preferida para alcançar isso, o que abrirá espaço para guerras comerciais. Ao mesmo tempo, em seu governo haverá um esforço de contenção da penetração da economia chinesa no mundo, o que impactará todos os parceiros comerciais dos EUA, inclusive o Brasil, que é um importante exportador de produtos para a economia americana. Esse acesso será dificultado pela agenda de Trump, o que exigirá empenho redobrado na promoção competitiva e ajustes para a diversificação de nossas exportações. Em síntese, há um novo desafio para a diplomacia econômica brasileira.


domingo, 27 de outubro de 2024

Dois livros sobre intelectuais na diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

 Dois livros sobre intelectuais na diplomacia brasileira

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota contendo os sumários do livro publicado em 2001, O Itamaraty na Cultura Brasileira, e do livro preparado para a próxima edição de Intelectuais na Diplomacia Brasileira, duas obras essenciais sobre a contribuição diplomática e cultural dos intelectuais que moldaram o perfil intelectual do Itamaraty e da própria sociedade brasileira.

Desde quando foi publicado o livro organizado pelo saudoso embaixador Alberto da Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Instituto Rio Branco, 2001; sumário ao final da postagem), fiquei fascinado pela amplitude da informação e análise das obras de alguns grandes nomes que enalteceram a diplomacia brasileira. Muitos deles, ou a maioria, se tornaram conhecidos não tanto pelos telegramas e ofícios preparados no exercício de suas funções oficiais, mas em lides paralelas, de caráter literário, cultural ou científico, atividades voluntárias (ou seja, não comandadas pela profissão que escolheram ou à qual se devotaram) que marcaram suas vidas na cultura brasileira como um todo, não apenas do lado da política externa ou da diplomacia.

Eu havia tomado conhecimento da preparação dessa obra antes mesmo de sua publicação, pois que, lotado na embaixada em Washington, recebi, em 2000, o historiador Carlos Guilherme Mota, que estava preparando o seu capítulo sobre o grande historiador diplomático Manuel de Oliveira Lima: tive o prazer de acompanhá-lo na visita à Biblioteca Oliveira Lima – na Catholic University of America, sempre frequentada por mim, desde os primeiros dias de estada na capital americana –, assim como ao cemitério Mount Olivet, no qual há uma tumba não identificada, cuja lápide contém apenas estas palavras: “Aqui jaz um amigo dos livros” (devo ter fotos que fiz em visita anterior, em alguma pasta de computador).

Desde a publicação da luxuosa primeira edição, eu aspirava por uma edição mais popular, facilitando o acesso a um público mais vasto do conteúdo da magnífica obra, prefaciada pelo chanceler Celso Lafer – mas sua encomenda e preparação tinham sido iniciadas sob a gestão do chanceler Luiz Felipe Lampreia –, o que foi felizmente efetuado logo no ano seguinte, pela Editora Francisco Alves, a mais antiga, longeva e educativa editora brasileira. Desde essa época, eu imaginava que a obra poderia ser complementada pela inclusão de novos nomes à lista – sobremodo restrita; apenas 18 nomes, um capítulo duplo e dois capítulos para o grande Vinicius de Moraes, merecedor –, alguns deles já sugeridos na própria introdução de Costa e Silva, como Euclides da Cunha, por exemplo (depois objeto de uma belíssima biografia por meu colega e amigo, o historiador Luiz Cláudio Villafañe Gomes Santos), outros em cogitação por ele mesmo, e por mim, já encantado com o empreendimento. A edição da Francisco Alves, em formato brochura (e, portanto, mais acessível), tinha até um capítulo a mais, uma complementação feita pelo diplomata José Roberto de Andrade Filho, de notas sobre a evolução da carreira diplomática, intitulado “Diplomacia no tempo”, ademais de uma quarta capa assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, sem cargos na Secretaria de Estado durante largos anos, só pude iniciar meu projeto quando assumi, em agosto de 2016, o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão, passando a desenvolver, até o final de 2018, um programa basicamente cultural e intelectual, bem mais do que diplomático-funcional.

Nasceu então o projeto que me ocuparia pelos dois anos seguintes, e que teve de aguardar mais quatro ou cinco, até que as condições ideais se apresentassem para uma boa edição voltada para o público em geral. Numa primeira fase, cogitou-se de uma terceira edição à obra original de 2001, embora sem a belíssima iconografia daquela, inclusive por razões orçamentárias. A ideia era a de reproduzir os textos dedicados aos dezoito autores constantes da edição organizada pelo embaixador Costa Silva, complementando-a por mais alguns nomes que tinha falecido nos anos subsequentes ao infeliz e precoce desaparecimento de José Guilherme Merquior (1991). Depois de um cuidadoso exame dos “candidatos” à inclusão nessa projetada 3a. edição, trabalho conduzido em consulta ao próprio Costa e Silva – a quem ofereci a coordenação desse volume complementar – e em conjunto com meus colegas do IPRI, Rogerio de Souza Farias, Antonio de Moraes Mesplé e Marco Tulio Scarpelli Cabral, nos fixamos inicialmente nos seguintes nomes: Wladimir Murtinho (entregue a seu grande amigo Rubens Ricupero); Vasco Mariz (para quem a autora convidada foi Mary Del Priore, sugerida pelo próprio Costa e Silva); Sergio Corrêa da Costa (assumido por quem o admirava, o próprio Antônio de Moraes Mesplé); Lauro Escorel (sendo Rogerio de Souza Farias o voluntário para a pesquisa); Meira Penna (a cargo de seu amigo e admirador Ricardo Velez Rodriguez), e Roberto Campos, sob minha própria responsabilidade, uma vez que eu já estava organizando O Homem que Pensou o Brasil (Appris, 2017), para comemorar o centenário de seu nascimento.

O projeto teve idas e vindas nos dois anos que antecederam o novo governo que sairia das eleições presidenciais de 2018, ao sabor das disponibilidades orçamentárias da Funag e da própria preparação dos originais pelos autores convidados. Eu mesmo pretendia que a nova edição tivesse uma repetição, no caso um novo capítulo dedicado a José Guilherme Merquior, por considerar que a bela contribuição do editor José Mario Pereira mais seguia a trajetória diplomática e editorial do grande intelectual eclético do que propriamente fazia a análise de sua contribuição à cultura brasileira. Num determinado momento, já avançado o projeto, e com a entrega de diversas contribuições naqueles primeiros nomes, consideramos que uma terceira edição incorreria em diversos obstáculos práticos e propriamente editoriais, com o que se cogitou de fazer uma obra independente, a partir de cuja opção se decidiu incorporar novos nomes, não exatamente de diplomatas profissionais, mas de personagens da vida política e cultural brasileira que tinham colaborado com a diplomacia, a um título ou outro. Estavam nessa categoria, por exemplo, Rui Barbosa, Afonso Arinos de Melo Franco, San Tiago Dantas, assim como a cientista Bertha Lutz, a única mulher finalmente incorporada ao time de novos representantes da diplomacia cultural. Também foi incluído o nome do filósofo e ensaísta Sergio Paulo Rouanet, falecido posteriormente à preparação dos novos originais.

O processo editorial enfrentou escolhos de tipos diversos, até que finalmente se obteve o apoio da diretora da Editora da Unifesp, Mirhiane Mendes Abreu, assim como a aceitação da nova edição por parte de Carlos Leal, o editor da Francisco Alves, já responsável pela 2a edição do livro original que inspirou esta obra, assim como de várias outras obras de cunho diplomático. Transcrevo a seguir o sumário da edição de 2001 – livro cujo conteúdo disponibilizei num arquivo reformatado na plataforma Academia.edu – e o sumário da obra que, finalmente, será publicado proximamente. Aproveito para, mais uma vez, desculpar-me junto aos primeiros colaboradores pelo longo tempo decorrido desde os idos de 2017, assim como para agradecer aos novos colaboradores – sobretudo ao chanceler Celso Lafer, em sua qualidade de duplo prefaciador – de uma obra que merece continuidade pela incorporação de novos nomes, diplomatas profissionais ou de “ocasião”, que abrilhantaram, diplomaticamente e culturalmente, o universo brasileiro da diplomacia de alto nível intelectual.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4771, 27 outubro 2024, 4 p.

 

Sumários de dois livros num mesmo universo

 

O Itamaraty na Cultura Brasileira

Organizador: Alberto da Costa e Silva

1ª edição, Brasília: Instituto Rio Branco, 2001 (edicão de luxo, ilustrada)

 

O Itamaraty na cultura brasileira - Celso Lafer

Diplomacia e cultura - Aberto da Costa e Silva (organizador)

Varnhagen, história e diplomacia – Arno Wehling

Brazílio Itiberê da Cunha. Músico e diplomata  - Celso Tarso Pereira

Joaquim Nabuco - Evaldo Cabral de Mello

Luiz Guimarães Júnior e Luiz Guimarães Filho – Sergio Marzagão Gesteira

Aluízio Azevedo: A literatura como destino – Massaud Moisés

Domício da Gama – Alberto Venâncio Filho

Oliveira Lima e nossa formação – Carlos Guilherme Mota

Gilberto Amado: além do brilho – André Seffrin

A vida breve de Ronald de Carvalho - Alexei Bueno

Ribeiro Couto, o poeta do exílio - Afonso Arinos, filho

Viagem a Beira de Bopp - Antonio Carlos Secchin

Guimarães Rosa, viajante - Felipe Fortuna

Antônio Houaiss, cultura brasileira e língua portuguesa –- Leodegario Azevedo

Vinícius de Moraes: o poeta da proximidade - Miguel Sanches Neto

Vinícius, poeta e diplomata, na música popular - Ricardo Cravo Albin

João Cabral, um mestre sem herdeiros - Ivan Junqueira

O fenômeno Merquior - José Mário Pereira

 

2ª edição: Editora Francisco Alves, edicão brochura; Rio de Janeiro, 2002

Acréscimo do capítulo final: “Diplomacia no tempo: notas sobre a evolução da carreira diplomática”, por José Roberto de Andrade Filho

 

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Intelectuais na diplomacia brasileira: A cultura a serviço da nação

Organizador: Paulo Roberto de Almeida

Próxima publicação: São Paulo: Editora da Unifesp; Rio de Janeiro: Francisco Alves

 

Prefácio - Celso Lafer

Apresentação: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista - Sarah Venites

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente - Paulo Roberto de Almeida

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa - Marcílio Marques Moreira

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro - Ricardo Vélez-Rodríguez

Lauro Escorel: um crítico engajado - Rogério de Souza Farias

Sergio Corrêa da Costa: diplomata, historiador e ensaísta - Antonio de Moraes Mesplé

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira - Rubens Ricupero

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível - Mary Del Priore

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais - Gelson Fonseca Jr.

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet - João Almino

 

Apêndices:

1. O Itamaraty na cultura brasileira (2001), sumário da obra

2. Introdução de Alberto da Costa e Silva à edição de 2001

3. Alberto da Costa e Silva (1931-2023): Homenagem ao diplomata, poeta, historiador e ensaísta - Celso Lafer

 

Sobre os intelectuais na diplomacia

Sobre os autores

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 4771. “Dois livros sobre intelectuais na diplomacia brasileira”, Brasília, 27 outubro 2024, 3 p. Nota contendo os sumários do livro publicado em 2001, O Itamaraty na Cultura Brasileira, e do livro preparado para próxima edição, Intelectuais na Diplomacia Brasileira, duas obras essenciais sobre o tema dos grandes intelectuais que moldaram o perfil intelectual do Itamaraty e da própria sociedade brasileira. Postado no blog Diplomatizzando, link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/10/dois-livros-sobre-intelectuais-na.html

 

sábado, 21 de setembro de 2024

A guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia: postura de embaixadores brasileiros ao ínício da invasão (março de 2022)

 Agora que o Brasil se dispõe a apresentar, com a China, um "plano de paz" sobre a guerra de agressão da Rússua contra a Ucrânia, totalmente enviesado em favor do agressor, reproduzo abaixo postagem refletindo comentários de embaixadores brasileiros no início da insana guerra: 

segunda-feira, 14 de março de 2022

Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty - Janaína Figueiredo (O Globo)

 Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty


BUENOS AIRES 

Depois de ter acompanhado o voto de condenação da Rússia pela invasão da Ucrânia na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em sintonia com a posição dos Estados Unidos e dos países da União Europeia (UE), entre muitos outros, o Brasil . Gera tensão, também, afirmaram fontes diplomáticas, o que alguns têm chamado de politização pelos principais adversários do governo de Vladimir Putin de organismos multilaterais, para acuar ainda mais a Rússia.

Na semana passada, depois de ter proibido a importação de vodca, caviar e diamantes russos e solicitado ao Congresso americano que interrompa o livre comércio com a Rússia, o governo de Joe Biden e seus aliados europeus começaram a articular uma jogada que visa suspender os direitos de voto de Moscou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Bando Mundial (Bird).

A outra guerra:

O objetivo dos EUA e da União Europeia é cortar todo o acesso da Rússia a fontes de financiamento externo. Em palavras da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, vamos nos assegurar de que a Rússia não possa obter créditos ou qualquer outro tipo de benefícios nestas instituições. O objetivo final, caso um acordo que permita alcançar um cessar fogo seja alcançado nas próximas semanas, seria expulsar a Rússia da ordem econômica internacional. Nas sanções mais duras já aplicadas contra uma potência, o país que é a 11ª economia do mundo já teve muitos de seus bancos suspensos do sistema de transações internacionais Swift e as reservas de seu Banco Central depositadas nos EUA, na Europa e no Japão foram congeladas.

Limitações:

A ofensiva anti-Rússia em organismos internacionais deve avançar em âmbitos como a Organização Mundial de Comércio (OMC), onde os países do G-7 Alemanha, França, Reino Unido, Canadá, Japão e EUA pedirão que seja revogado seu status de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês). Este estatuto é concedido aos 164 integrantes da OMC, para garantir a igualdade de condições a todos os países-membros cujos governos se comprometem a tratar uns aos outros em pé de igualdade e sem qualquer tipo de discriminação. Dessa forma, eles têm acesso a tarifas mais baixas, menos barreiras comerciais e cotas de importação mais elevadas.

Os EUA, a UE e outros aliados da Ucrânia no conflito estão, com essa atitude, afirmou uma fonte do Itamaraty, minando o funcionamento de organismos essenciais na governança econômica global e o avanço de processos considerados importantes para o Brasil em âmbitos como a OMC, FMI, Bird e G-20, entre outros. Essa ofensiva, ressaltou a fonte, vai trazer graves consequências não somente para Putin, mas para muitos outros países.

Por enquanto, o Brasil não expressou publicamente seus temores pela politização de organismos internacionais. Até agora, a delegação brasileira na ONU expressou questionamentos à dimensão das sanções econômicas anunciadas e, também, ao envio de armas à Ucrânia. Ou seja, houve aval à condenação, mas, também, críticas à frente contra Moscou liderada por EUA e UE.

Ciberguerra:

Ouvidos pelo GLOBO, os ex-chanceleres Celso Amorim e Celso Lafer e os embaixadores Rubens Ricupero e Marcos Azambuja avaliaram as posições adotadas até agora pelo Brasil e pelas partes envolvidas no conflito.

Na visão de Amorim, o ataque da Rússia à Ucrânia é uma ação condenável, além de um erro político. No entanto, se o Brasil quisesse ter alguma participação em esforços pela paz, seria melhor se abster nas votações, como fizeram os demais países do Brics, incluindo a Índia, que é parte do Quarteto, fórum asiático liderado pelos EUA. O ex-chanceler e Azambuja destacaram a necessidade de levar em consideração as preocupações da Rússia por sua segurança.

Já Lafer defendeu uma posição mais incisiva do Brasil, sem abrir espaço para a neutralidade abdicante que ele identifica nas declarações do presidente Jair Bolsonaro. Já Ricupero foi o mais crítico em relação à atuação da missão brasileira na ONU: Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada.

Conheça as opiniões de Amorim, Lafer, Ricupero e Azambuja

 Celso Amorim: Invasão é condenável, mas em outro momento Brasil teria condições de mediação

"É uma situação muito complexa. A Rússia sempre se preocupou com a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que também foi criticada, mesmo condenada, por pensadores americanos. A Ucrânia não era apenas um país da Europa Oriental, era parte da antiga União Soviética e do Império Czarista. Diferentemente de outros países e regiões, tem um componente emocional muito forte para os russos.Mas isso não justifica a guerra, sou contra a ação militar unilateral. Fui embaixador na ONU e prezo especialmente por suas normas. A Carta da ONU foi construída em torno do não recurso à guerra para resolver problemas. Só admite o uso da força quando autorizada pelo Conselho de Segurança ou em legítima defesa. Diferentemente do que pregavam os EUA antes da Guerra do Iraque, não existe legítima defesa preventiva. Não tenho dúvida de que a ação é condenável, além de um erro político.

Como deveria ser a ação do Brasil? Não tenho certeza. Havia duas posições possíveis. A que foi adotada, votar a favor da condenação, mas dando uma explicação de que se é contra as sanções, defender uma solução pacífica, o que, devo admitir, é razoável. Mas, numa outra situação, em que o Brasil estivesse mais ativo internacionalmente, com a mesma justificação você poderia conceber um voto de abstenção. Continuaria condenando, mas considerando que há preocupações de segurança que são legítimas. Se o Brasil, de alguma maneira, quiser participar de algum esforço em favor da paz, é melhor se abster. Se fosse um governo que conversasse com todos, talvez tivesse sugerido uma abstenção. Na situação atual, não poderíamos esperar isso, até porque uma abstenção de Bolsonaro ficaria sob suspeita."

Celso Lafer: Posição deve ser mais incisiva ao condenar guerra de conquista

"A Rússia faz uso da força contra a integridade territorial e a independência da Ucrânia. Desrespeita o Artigo 2, parágrafo 4 da Carta da ONU e põe em questão um dos princípios básicos do direito internacional: o do respeito à soberania territorial dos Estados. A guerra resultou de uma decisão militar para alcançar fins políticos unilateralmente definidos por Putin: pôr termo à Ucrânia como país independente para alcançar a sua incorporação a uma expressão eslava da Rússia e atender preocupações de segurança. Ela denega aspirações majoritárias da população ucraniana a uma identidade nacional própria. A Assembleia Geral da ONU expressou em resolução a condenação da comunidade internacional à agressão da Rússia.

Brasil votou a favor da resolução. Seguiu a tradição diplomática brasileira em consonância com os princípios constitucionais que regem as relações internacionais do país. O Brasil é um país de escala continental que, em contraste com outros, definiu todas as suas fronteiras por arbitragem e negociações. É o que faz da defesa da integridade territorial e da condenação da guerra de conquista parte integrante do capital diplomático do Brasil. Rui Barbosa realçou que entre os que destroem a lei e os que a observam não há neutralidade admissível. (...) Não há imparcialidade entre o direito e a injustiça. Na sua lição, quando existem normas internacionais, como as da Carta da ONU, pugnar pela observância das normas não é quebrar a neutralidade: é praticá-la. Por isso, creio que a posição brasileira deve ser mais incisiva. Não cabe abrir espaço para a impassibilidade de uma neutralidade abdicante que identifico nas manifestações do presidente da República."

Rubens Ricupero: Criticar entrega de armas é deixar Ucrânia à mercê da Rússia

"Primeiro é preciso saber qual é a posição brasileira, se é a do Bolsonar ou se é a da missão do Brasil na ONU. A segunda questão é, se chegarmos à conclusão de que quem representa o Brasil é a missão, temos de analisar o conteúdo dessa posição. A posição que o governo tem expressado na ONU é oposta à de Bolsonaro. A posição do Brasil é de concordar e aprovar as duas resoluções que condenaram a invasão russa em todos os sentidos. O que se pode dizer dessa posição é que ela rigorosamente é correta. Mas, a partir daí, é preciso indagar sobre as consequências dessa posição. A delegação brasileira concordou em que a Rússia agrediu a Ucrânia sem provocação, atuando contra os princípios da Carta da ONU, ou seja, uma agressão indiscutível. Ao se declarar contrária ao fornecimento de armas, ela mostra uma incoerência. Se não se quiser o envolvimento direto, só há uma maneira, que é fornecer à vítima meios para se defender.

Por isso, eu chamaria a posição brasileira de ineficaz: ela equivale, no fundo, a deixar a Ucrânia à mercê da Rússia. Num caso como este, no qual mais de 140 países reconhecem que há uma agressão injusta, e, por outro lado, não se pode obter uma resolução do Conselho de Segurança porque a Rússia vai vetar, creio que a posição lógica e consequente seria aprovar as sanções e o fornecimento de armas. É a única maneira, embora insatisfatória, para ajudar o país agredido a se defender. Do ponto de vista legalista ao extremo, a posição brasileira é correta, mas é ineficaz. Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada. No fundo, significa que perante a História estamos lavando as mãos."


Entrevista: 

Marcos Azambuja: O país tem que se equilibrar entre seus princípios e interesses

"O Brasil tem de ter em vista que essa guerra terá uma duração longa na vida internacional. O país deve fazer, e fez, a reafirmação dos seus princípios de convivência pacífica, de respeito à Carta das Nações Unidas, aos seus compromissos com a própria Constituição brasileira. O Brasil precisa dizer, e disse, que nos princípios e nos valores ele é fiel a sua tradição e a sua história. Mas ele também tem de cuidar dos seus interesses, que estão em jogo. Dos cinco países do Brics, China, Índia e África do Sul se abstiveram de votar na Assembleia Geral pela condenação da Rússia. Só o Brasil votou a favor. Minha preocupação é que o Brasil se reserve para ser valioso mais tarde, na procura de soluções.

Brasil deve manter suas posições de princípio e entender as razões que levaram a Rússia a fazer o que fez. A Guerra Fria terminou com uma derrota tão absoluta dos países do então socialismo real que os derrotados não tinham o que negociar. Agora, a Rússia voltou a ser uma grande potência que tem interesses estratégicos, políticos e econômicos. O Brasil é movido por duas forças que, de certa maneira, são contraditórias. Ao se separar dos Brics, mostrou que continua fiel a seus valores. Mas deve se reservar para um processo negociador que virá. Quem vai conduzir isso? Não podemos fazer nada que agrave mais ainda a situação. A Rússia tem de se dar conta que não pode pretender a recriação de um império. E a Ucrânia tem de se dar conta de que a Crimeia não voltará e a região de Donbass vai se separar. Diplomacia é negociação. O que vejo são gestos truculentos. A solução é que haja algum tipo de interlocução. A negociação, essência da diplomacia, é a procura por meios imperfeitos de soluções imperfeitas."


https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-condena-invasao-russa-mas-teme-guerra-economica-ex-chanceleres-embaixadores-opinam-sobre-posicao-do-itamaraty-25430976

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Vidas Paralelas: Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil - Paulo Roberto de Almeida

Mais um livro terminado, à espera de editor...

 

Vidas Paralelas: 

Rubens Ricupero e Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil

 

Paulo Roberto de Almeida 


Índice 

  

A título de apresentação:

Uma nota pessoal sobre minhas afinidades eletivas , 9

 

1. Uma história intelectual: paralelas que se cruzam , 13

1.1. Por que uma história intelectual paralela? , 13

1.2. Por que vidas paralelas numa história intelectual? , 15

1.3. Quão “paralelos” são Rubens Ricupero e Celso Lafer? , 18

1.4. A importância de Ricupero e de Lafer nas relações internacionais do Brasil , 22

1.5. O sentido ético de uma vida dedicada à construção do Brasil , 24

 

2. Rubens Ricupero: um projeto para o Brasil no mundo , 27

2.1. Do Brás italiano para o Rio de Janeiro cosmopolita , 27

2.2. Um começo desconcertante na vida diplomática , 30

2.3. Uma carreira progressivamente ascendente, pela via amazônica , 35

2.4. Afinidades eletivas com base no estudo do Brasil e no conhecimento do mundo, 40

2.5. Professor de diplomatas e de universitários, no Instituto Rio Branco e na UnB, 44

2.6. O assessor internacional e o Diário de Bordo da viagem de Tancredo Neves, 54

2.7. O Brasil no sistema multilateral de comércio 65

2.8. O mais importante plano de estabilização da história econômica brasileira , 79

2.9. Unctad: a batalha pela redução das desigualdades globais , 91

2.10. Um pensador internacionalista, o George Kennan brasileiro , 102

2. 11. A figura incontornável de Rio Branco, o paradigma da ação diplomática, 110

2.12. Brasil: um futuro pior que o passado? , 119

2.13. O Brasil foi construído pela sua diplomacia? De certo modo, sim, 123

2.14. Quais as grandes leituras de Rubens Ricupero? , 129

 

3. Celso Lafer: um dos pais fundadores das relações internacionais no Brasil , 137

3.1. A abertura de asas de um intelectual promissor , 137

3.2. A tese de Cornell sobre o Plano de Metas de JK , 140

3.3. Irredutível liberal: ensaios e desafios , 145

3.4. As relações econômicas internacionais: reciprocidade de interesses , 150

3.5. A trajetória de Celso Lafer nas relações internacionais do Brasil , 157

3.6. Direitos humanos: a dimensão moral do trabalho intelectual , 165

3.7. Um diálogo permanente com Hannah Arendt  , 171

3.8. Norberto Bobbio: afinidades eletivas com o sábio italiano , 175

3.9. A aventura da revista Política Externa e seu papel no cenário editorial , 181

3.10. A diplomacia na prática: a primeira experiência na chancelaria, 1992 , 186

3.11. A diplomacia na prática: a segunda experiência na chancelaria, 2001-2002,199

3.12. No templo dos imortais: “intelectual militante” e “observador participante”, 212

3.13. O judaísmo laico de Lafer e a unidade espiritual do mundo de Zweig, 223

3.14. Uma coletânea dos mais importantes artigos num amplo espectro intelectual, 234


4. Paralelas convergentes: considerações finais , 241

4.1. Bildung pessoal nas relações internacionais do Brasil , 239

4.2. A dupla dimensão das vidas paralelas , 242

4.3. Dois “professores” e não só de política externa , 243

4.4. A République des Lettres do Itamaraty e dois dos seus representantes , 245

 

Bibliografia geral , 251

 

segunda-feira, 17 de junho de 2024

Sobre a diplomacia do governo Lula - Celso Lafer (OESP)

 Sobre a diplomacia do governo Lula

A condução da política externa requer um esforço de sintonia com a sociedade para amainar riscos de polarização interna 

Por Celso Lafer

O Estado de S. Paulo, 16/06/2024 


Lula da Silva assumiu o seu terceiro mandato com o objetivo de se contrapor ao que foi o peso de passivos diplomáticos oriundos do “negacionismo” circunscrito da visão de mundo do presidente Jair Bolsonaro.

A repercussão internacional da eleição de Lula foi altamente positiva. Foi substanciada pelas suas prévias realizações diplomáticas, a vis atractiva de sua personalidade, seu conhecido interesse pelas relações internacionais, e pela sinalização, inovadora em relação ao Lula I e II, da ênfase que pretende dar ao meio ambiente.

É indiscutível que do ponto de vista quantitativo o Brasil de Lula está de volta ao mundo. É o que atestam suas muitas viagens internacionais, importante presença em reuniões em instâncias multilaterais, plurilaterais e regionais e as não menos numerosas visitas de altas personalidades estrangeiras.

Se o Brasil com Lula está, em termos quantitativos, de volta ao mundo, qual é a dimensão qualitativa desta reinserção? Lula III se confronta com um mundo, uma região e um país distintos dos de suas anteriores Presidências.

O Brasil de hoje é muito mais polarizado do que o de Lula I e II. É muito menos organizado do que aquele que recebeu da qualificada Presidência de Fernando Henrique Cardoso. Carrega o peso do negativismo da Presidência de Bolsonaro e seus desdobramentos para a vida democrática. Por isso, a condução da política externa requer um esforço de sintonia com a sociedade para amainar riscos de polarização interna.

A latitude da política interna de Lula III para a sua ação diplomática é menor do que a de Lula I e II, nos quais pôde contar com o respaldo de sua popularidade e a preponderância política do PT. Não é o caso agora. Lula III foi eleito com uma margem apertada, e o seu sucesso foi e vai além do PT. A compreensão desta nova realidade não é forte na percepção e na conduta do presidente, que é mais autocentrado na sua experiência anterior. Também não é forte no PT, que tem o ouvido do presidente na articulação diplomática de sua visão do mundo, que não é compartilhada por um espectro grande dos atores políticos brasileiros. A consequência disso tudo é a internalização conflitiva da atual política externa que se soma com outros temas e problemas da pauta de governança de Lula III.

A América do Sul é hoje muito mais heterogênea e fragmentada do que era em Lula I e II. Daí a diminuição das oportunidades de esforços comuns de cooperação na região e o seu potencial de impacto no plano mundial.

Menor latitude interna e menos espaço para ambiciosas ações regionais se conjugam com menos espaço para a atuação do “soft power” brasileiro no plano mundial. O mundo de hoje é mais hobbesiano. É mais propenso ao conflito e menos a consensos internacionais sobre temas globais que sempre foram parte das ambições diplomáticas de Lula.

Estamos inseridos num mundo permeado por tensões regionais e internacionais de poder, que vem propiciando o retorno da geopolítica e da geografia das paixões. A mais relevante é a tensão de hegemonia China e EUA, que não existia em Lula I e II, quando a China não estava disputando primazia hegemônica com os EUA. É o que dificulta a calibração do Brasil na vida internacional.

A diplomacia de Lula III se confronta com dois conflitos de magnitude: em Gaza e na Ucrânia. O de Gaza vai além da terrível situação humanitária. Está relacionada ao equilíbrio das forças no contexto regional e ao espaço e papel de potências externas na dinâmica do Oriente Médio. Identifico na posição brasileira, em especial nas improvisadas e não medidas manifestações do presidente, uma emotiva exortação em prol da paz. Carrega a simpatia pela causa palestina presente no PT. Possui uma opacidade em relação ao desafio existencial de Israel. Lula III vem se associando ao coro da geografia das paixões que o conflito suscita. É um tema que se internalizou.

O conflito na Ucrânia está vinculado às tensões de hegemonia. Conduzida pela Rússia de Vladimir Putin, é uma guerra de agressão. É uma inequívoca expressão do uso da força contra a independência e a integridade territorial da Ucrânia, o que se contrapõe à Carta das Nações Unidas.

A continuidade da guerra e a sua violência alteram o prévio horizonte da segurança europeia. Colocam na pauta o uso das armas nucleares. São uma ameaça existencial aos vizinhos da Rússia. Neste contexto, não cabe benevolência em relação à Rússia de Putin, que se contrapõe à política jurídica externa do País, positivada na Constituição de 1988.

O recente endosso de Celso Amorim à proposta de uma conferência de paz articulada pela China, aliada da Rússia, para constituir um eixo de paz (a palavra eixo não traz boas lembranças para os estudiosos da paz) atrela o Brasil à China e aos seus interesses hegemônicos. Não contribui para a credibilidade da equidistância do “soft power” do nosso país e as ambições de Lula III de assegurar um apropriado lugar no mundo. Não fará do Brasil um terceiro em favor da paz, mas sim um terceiro aparente, aliado a uma visão compreensiva da Rússia, que se dissolve na dinâmica das polarizações.

*

PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992, 2001-2002)

Opinião por Celso Lafer

Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992; 2001-2002)

 Professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp, Celso Lafer escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Discurso de posse de Miguel Reale na ABL - Arnaldo Godoy

Direito e literatura: o discurso de posse de Miguel Reale na ABL

Miguel Reale (1910-2006) tomou posse na Academia Brasileira de Letras em 21 de maio de 1975. Foi recebido por Cândido Mota Filho, reminiscente da Semana de 22 e que foi ministro do Supremo Tribunal Federal. Ocupou a cadeira nº 14, naquele ensejo ocupada por Reale, e hoje ocupada por Celso Lafer. Reale, Mota e Láfer formam uma linha de juristas literatos com visão universal dos problemas da existência. São originariamente vinculados a São Paulo, na política, no magistério e na vida cultural.

O patrono da cadeira é Franklyn Távora (1842-1888), autor do “Cabeleira” e destacado membro da “Escola do Recife”, vinculada a Tobias Barreto (1839-1889). Não se pode esquecer que Reale influenciou o jurista italiano Mário Lozano, que estudou Tobias (e sua biblioteca), tema que explorei na biografia intelectual que redigi sobre o jurista sergipano.

Desconcertante

O discurso de Reale chama a atenção pelo conjunto de coincidências então evocadas. O fundador da cadeira foi Clóvis Beviláqua, também jurista e personagem central do Código Civil de 1916, como Reale o fora em relação ao Código Civil de 2002. Reale não pode tratar dessa coincidência, por óbvio, porque o novo Código era apenas um projeto que se arrastava ao longo dos anos. Reale e Beviláqua também compartilhavam ascendência italiana.

Ao se referir a Beviláqua, Reale citou a impressão que Pedro Calmon tinha sobre os méritos do jurista cearense, escritor de “clareza solar” e de “simplicidade sem plebeísmo”. Reale lembrou também a impressão de Beviláqua segundo a qual “o estudo do direito não é uma simples volúpia da mente; é antes a religião austera e grave do justo”

. caso e causalidade dão o pano de fundo desse desconcertante discurso, que se pode intitular de “O Círculo Hermético”. Os eventos humanos interagem em um contexto de forças, que refletem também leis naturais, ao mesmo tempo em que revelam padrões de previsibilidade. Esses últimos, no escopo da previsibilidade, substancializam as leis de causalidade. O acaso, não menos importante, é o nicho do imprevisível e do incontrolável. O impacto sob nossas vidas, no entanto, é tanto do acaso quanto da causalidade.

Destinos cruzados

A sucessão dos ocupantes da cadeira 14 ilustraria essa relação entre acaso e causalidade. Reale sucedia Fernando Azevedo, também conectado com a Universidade de São Paulo. Reale referiu-se a Fernando Azevedo como um “conciliador de antinomias”, afinado com a reconstituição histórica dos nossos ciclos culturais. O sucessor de Reale, Celso Láfer, a par de jurista, e vinculado à Universidade de São Paulo, realça ainda mais esse traço de aproximação.

A ilustração das relações entre acaso e causalidade justificariam um conceito de “círculo hermético”; isto é, o círculo é fechado, pautado por padrões previsíveis. Por outro lado, esse fechamento não é absoluto, porque sobre todos nós impera também a força indomável do acaso. Reale parece intrigado com o imprevisível: um dos volumes de sua autobiografia denomina-se “Destinos Cruzados” (outro é “A Balança e a Espada”).

Acaso e causalidade seriam os dois lados de uma ordem (em forma de propósito) que a superficialidade de nossa compreensão das coisas talvez não consiga alcançar. Nesse sentido, do ponto de vista filosófico (e Reale é um filósofo) o discurso possa ser compreendido como uma problematização da teoria do conhecimento.

Ao mesmo tempo, Reale enfrenta um problema historiográfico: há causalidades imanentes que fixam os acontecimentos históricos, em relação aos quais não contemplamos nenhum domínio: somos filhos de nosso tempo. Nossas opções registram a nossa compreensão das épocas em que foram tomadas. Há um presenteísmo do qual não conseguimos nos livrar.

Não que acaso e causalidade revelassem uma suspeita tensão entre razão e imaginação. E se haveria alguma crise entre o pensamento lógico e rigoroso e o pensamento fantasioso, há um conjunto de asserções verificáveis que apontam para uma tentativa de compreensão entre os desacertos entre intelecto e alma.

Amálgama

Como jurista, Reale preocupa-se com a justiça. Como filósofo e como esteta Reale ocupa-se com a beleza. Como literato, Reale busca a clareza. Essas grandezas se completam, e penso (agora a ideia é minha) que o amálgama pode se dar na literatura.

A reflexão que Reale fez em relação à intersecção entre Direito e Filosofia, a partir de sua experiência pessoal aponta para uma conexão instrumentalizada pelo culto às humanidades (de que foi um ferrenho defensor, inclusive como educador) e, ao mesmo tempo, pela interdependência desses campos do conhecimento.

Reale registrou que não sabia se era recebido na Academia como jurista ou como filósofo, mas tinha certeza de que em seus escritos constatava-se uma “ardente devoção aos valores estéticos e literários”. Segundo Reale:

 Como será possível bem servir às Ciências Humanas sem procurar conciliar o rigor dos conceitos com a beleza da forma? Como não reconhecer que uma lei bela já é meio caminho andado para a realização da Justiça, e que uma frase clara reflete a transparência mesma de uma ideia conscientemente amadurecida? Sem ser necessário reduzir a Ciência à linguagem, nas pegadas de Wittgenstein e dos neo-positivistas contemporâneos, é inegável que o pensamento autêntico já é um esboço de ação, e que a verdade guarda em si mesma, na raiz de sua revelação, a força de seu enunciado”.

O discurso termina com uma reflexão sobre a noite. Segundo o orador, o fim da sessão principia o declínio do arco daquela noite, que os tornava iguais no culto da amizade e da beleza; isto é, “a noite é sempre fonte de igualdade e comunhão, enquanto que a luz solar distingue, individualiza, fustiga (…) noite que é generosidade e participação, noite do orvalho que sobe da terra, mas parece sobre ela descer com o seu manto de ternura”.

Miguel Reale, jurista de profissão, filósofo por vocação e esteta por convicção, passava a reger a cadeira 14 da ABL. Um símbolo da aproximação entre o direito e a literatura, relação enfatizada por Fábio Coutinho em sua obra tantas vezes aqui referida. A leitura das memórias de Reale complementa as reflexões aqui lançadas, e marcadas por profundo sentimento de respeito para com o jurista filósofo aqui estudado.

12 de maio de 2024, 8h00

  • é advogado em Brasília (Hage e Navarro), livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular do mestrado e doutorado do UniCeub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Délhi, Berkeley, Frankfurt, Málaga).