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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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domingo, 27 de outubro de 2024

Dois livros sobre intelectuais na diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

 Dois livros sobre intelectuais na diplomacia brasileira

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota contendo os sumários do livro publicado em 2001, O Itamaraty na Cultura Brasileira, e do livro preparado para a próxima edição de Intelectuais na Diplomacia Brasileira, duas obras essenciais sobre a contribuição diplomática e cultural dos intelectuais que moldaram o perfil intelectual do Itamaraty e da própria sociedade brasileira.

Desde quando foi publicado o livro organizado pelo saudoso embaixador Alberto da Costa e Silva, O Itamaraty na Cultura Brasileira (Brasília: Instituto Rio Branco, 2001; sumário ao final da postagem), fiquei fascinado pela amplitude da informação e análise das obras de alguns grandes nomes que enalteceram a diplomacia brasileira. Muitos deles, ou a maioria, se tornaram conhecidos não tanto pelos telegramas e ofícios preparados no exercício de suas funções oficiais, mas em lides paralelas, de caráter literário, cultural ou científico, atividades voluntárias (ou seja, não comandadas pela profissão que escolheram ou à qual se devotaram) que marcaram suas vidas na cultura brasileira como um todo, não apenas do lado da política externa ou da diplomacia.

Eu havia tomado conhecimento da preparação dessa obra antes mesmo de sua publicação, pois que, lotado na embaixada em Washington, recebi, em 2000, o historiador Carlos Guilherme Mota, que estava preparando o seu capítulo sobre o grande historiador diplomático Manuel de Oliveira Lima: tive o prazer de acompanhá-lo na visita à Biblioteca Oliveira Lima – na Catholic University of America, sempre frequentada por mim, desde os primeiros dias de estada na capital americana –, assim como ao cemitério Mount Olivet, no qual há uma tumba não identificada, cuja lápide contém apenas estas palavras: “Aqui jaz um amigo dos livros” (devo ter fotos que fiz em visita anterior, em alguma pasta de computador).

Desde a publicação da luxuosa primeira edição, eu aspirava por uma edição mais popular, facilitando o acesso a um público mais vasto do conteúdo da magnífica obra, prefaciada pelo chanceler Celso Lafer – mas sua encomenda e preparação tinham sido iniciadas sob a gestão do chanceler Luiz Felipe Lampreia –, o que foi felizmente efetuado logo no ano seguinte, pela Editora Francisco Alves, a mais antiga, longeva e educativa editora brasileira. Desde essa época, eu imaginava que a obra poderia ser complementada pela inclusão de novos nomes à lista – sobremodo restrita; apenas 18 nomes, um capítulo duplo e dois capítulos para o grande Vinicius de Moraes, merecedor –, alguns deles já sugeridos na própria introdução de Costa e Silva, como Euclides da Cunha, por exemplo (depois objeto de uma belíssima biografia por meu colega e amigo, o historiador Luiz Cláudio Villafañe Gomes Santos), outros em cogitação por ele mesmo, e por mim, já encantado com o empreendimento. A edição da Francisco Alves, em formato brochura (e, portanto, mais acessível), tinha até um capítulo a mais, uma complementação feita pelo diplomata José Roberto de Andrade Filho, de notas sobre a evolução da carreira diplomática, intitulado “Diplomacia no tempo”, ademais de uma quarta capa assinada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, sem cargos na Secretaria de Estado durante largos anos, só pude iniciar meu projeto quando assumi, em agosto de 2016, o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais da Fundação Alexandre de Gusmão, passando a desenvolver, até o final de 2018, um programa basicamente cultural e intelectual, bem mais do que diplomático-funcional.

Nasceu então o projeto que me ocuparia pelos dois anos seguintes, e que teve de aguardar mais quatro ou cinco, até que as condições ideais se apresentassem para uma boa edição voltada para o público em geral. Numa primeira fase, cogitou-se de uma terceira edição à obra original de 2001, embora sem a belíssima iconografia daquela, inclusive por razões orçamentárias. A ideia era a de reproduzir os textos dedicados aos dezoito autores constantes da edição organizada pelo embaixador Costa Silva, complementando-a por mais alguns nomes que tinha falecido nos anos subsequentes ao infeliz e precoce desaparecimento de José Guilherme Merquior (1991). Depois de um cuidadoso exame dos “candidatos” à inclusão nessa projetada 3a. edição, trabalho conduzido em consulta ao próprio Costa e Silva – a quem ofereci a coordenação desse volume complementar – e em conjunto com meus colegas do IPRI, Rogerio de Souza Farias, Antonio de Moraes Mesplé e Marco Tulio Scarpelli Cabral, nos fixamos inicialmente nos seguintes nomes: Wladimir Murtinho (entregue a seu grande amigo Rubens Ricupero); Vasco Mariz (para quem a autora convidada foi Mary Del Priore, sugerida pelo próprio Costa e Silva); Sergio Corrêa da Costa (assumido por quem o admirava, o próprio Antônio de Moraes Mesplé); Lauro Escorel (sendo Rogerio de Souza Farias o voluntário para a pesquisa); Meira Penna (a cargo de seu amigo e admirador Ricardo Velez Rodriguez), e Roberto Campos, sob minha própria responsabilidade, uma vez que eu já estava organizando O Homem que Pensou o Brasil (Appris, 2017), para comemorar o centenário de seu nascimento.

O projeto teve idas e vindas nos dois anos que antecederam o novo governo que sairia das eleições presidenciais de 2018, ao sabor das disponibilidades orçamentárias da Funag e da própria preparação dos originais pelos autores convidados. Eu mesmo pretendia que a nova edição tivesse uma repetição, no caso um novo capítulo dedicado a José Guilherme Merquior, por considerar que a bela contribuição do editor José Mario Pereira mais seguia a trajetória diplomática e editorial do grande intelectual eclético do que propriamente fazia a análise de sua contribuição à cultura brasileira. Num determinado momento, já avançado o projeto, e com a entrega de diversas contribuições naqueles primeiros nomes, consideramos que uma terceira edição incorreria em diversos obstáculos práticos e propriamente editoriais, com o que se cogitou de fazer uma obra independente, a partir de cuja opção se decidiu incorporar novos nomes, não exatamente de diplomatas profissionais, mas de personagens da vida política e cultural brasileira que tinham colaborado com a diplomacia, a um título ou outro. Estavam nessa categoria, por exemplo, Rui Barbosa, Afonso Arinos de Melo Franco, San Tiago Dantas, assim como a cientista Bertha Lutz, a única mulher finalmente incorporada ao time de novos representantes da diplomacia cultural. Também foi incluído o nome do filósofo e ensaísta Sergio Paulo Rouanet, falecido posteriormente à preparação dos novos originais.

O processo editorial enfrentou escolhos de tipos diversos, até que finalmente se obteve o apoio da diretora da Editora da Unifesp, Mirhiane Mendes Abreu, assim como a aceitação da nova edição por parte de Carlos Leal, o editor da Francisco Alves, já responsável pela 2a edição do livro original que inspirou esta obra, assim como de várias outras obras de cunho diplomático. Transcrevo a seguir o sumário da edição de 2001 – livro cujo conteúdo disponibilizei num arquivo reformatado na plataforma Academia.edu – e o sumário da obra que, finalmente, será publicado proximamente. Aproveito para, mais uma vez, desculpar-me junto aos primeiros colaboradores pelo longo tempo decorrido desde os idos de 2017, assim como para agradecer aos novos colaboradores – sobretudo ao chanceler Celso Lafer, em sua qualidade de duplo prefaciador – de uma obra que merece continuidade pela incorporação de novos nomes, diplomatas profissionais ou de “ocasião”, que abrilhantaram, diplomaticamente e culturalmente, o universo brasileiro da diplomacia de alto nível intelectual.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4771, 27 outubro 2024, 4 p.

 

Sumários de dois livros num mesmo universo

 

O Itamaraty na Cultura Brasileira

Organizador: Alberto da Costa e Silva

1ª edição, Brasília: Instituto Rio Branco, 2001 (edicão de luxo, ilustrada)

 

O Itamaraty na cultura brasileira - Celso Lafer

Diplomacia e cultura - Aberto da Costa e Silva (organizador)

Varnhagen, história e diplomacia – Arno Wehling

Brazílio Itiberê da Cunha. Músico e diplomata  - Celso Tarso Pereira

Joaquim Nabuco - Evaldo Cabral de Mello

Luiz Guimarães Júnior e Luiz Guimarães Filho – Sergio Marzagão Gesteira

Aluízio Azevedo: A literatura como destino – Massaud Moisés

Domício da Gama – Alberto Venâncio Filho

Oliveira Lima e nossa formação – Carlos Guilherme Mota

Gilberto Amado: além do brilho – André Seffrin

A vida breve de Ronald de Carvalho - Alexei Bueno

Ribeiro Couto, o poeta do exílio - Afonso Arinos, filho

Viagem a Beira de Bopp - Antonio Carlos Secchin

Guimarães Rosa, viajante - Felipe Fortuna

Antônio Houaiss, cultura brasileira e língua portuguesa –- Leodegario Azevedo

Vinícius de Moraes: o poeta da proximidade - Miguel Sanches Neto

Vinícius, poeta e diplomata, na música popular - Ricardo Cravo Albin

João Cabral, um mestre sem herdeiros - Ivan Junqueira

O fenômeno Merquior - José Mário Pereira

 

2ª edição: Editora Francisco Alves, edicão brochura; Rio de Janeiro, 2002

Acréscimo do capítulo final: “Diplomacia no tempo: notas sobre a evolução da carreira diplomática”, por José Roberto de Andrade Filho

 

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Intelectuais na diplomacia brasileira: A cultura a serviço da nação

Organizador: Paulo Roberto de Almeida

Próxima publicação: São Paulo: Editora da Unifesp; Rio de Janeiro: Francisco Alves

 

Prefácio - Celso Lafer

Apresentação: intelectuais brasileiros a serviço da diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Bertha Lutz: feminista, educadora, cientista - Sarah Venites

Afonso Arinos de Melo Franco e a política externa independente - Paulo Roberto de Almeida

San Tiago Dantas e a oxigenação da política externa - Marcílio Marques Moreira

Roberto Campos: um humanista da economia na diplomacia - Paulo Roberto de Almeida

Meira Penna: um liberal crítico do Estado patrimonial brasileiro - Ricardo Vélez-Rodríguez

Lauro Escorel: um crítico engajado - Rogério de Souza Farias

Sergio Corrêa da Costa: diplomata, historiador e ensaísta - Antonio de Moraes Mesplé

Wladimir Murtinho: Brasília e a diplomacia da cultura brasileira - Rubens Ricupero

Vasco Mariz: meu tipo inesquecível - Mary Del Priore

José Guilherme Merquior, o diplomata e as relações internacionais - Gelson Fonseca Jr.

A coruja e o sambódromo: sobre o pensamento de Sergio Paulo Rouanet - João Almino

 

Apêndices:

1. O Itamaraty na cultura brasileira (2001), sumário da obra

2. Introdução de Alberto da Costa e Silva à edição de 2001

3. Alberto da Costa e Silva (1931-2023): Homenagem ao diplomata, poeta, historiador e ensaísta - Celso Lafer

 

Sobre os intelectuais na diplomacia

Sobre os autores

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 4771. “Dois livros sobre intelectuais na diplomacia brasileira”, Brasília, 27 outubro 2024, 3 p. Nota contendo os sumários do livro publicado em 2001, O Itamaraty na Cultura Brasileira, e do livro preparado para próxima edição, Intelectuais na Diplomacia Brasileira, duas obras essenciais sobre o tema dos grandes intelectuais que moldaram o perfil intelectual do Itamaraty e da própria sociedade brasileira. Postado no blog Diplomatizzando, link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/10/dois-livros-sobre-intelectuais-na.html

 

sábado, 18 de maio de 2024

Alberto da Costa e Silva – 1931-2023 - Homenagem de Celso Lafer (Revista do CEBRI)

 

Alberto da Costa e Silva – 1931-2023

Homenagem ao diplomata, poeta, historiador e ensaísta

Resumo

Texto de Celso Lafer em memória a Alberto da Costa e Silva (1931-2023), diplomata, poeta, historiador, ensaísta e membro da Academia Brasileira de Letras.

Palavras-chave:

Alberto da Costa e Silva; memória; história; diplomacia; obra de vida.
Alberto da Costa e Silva. Midiateca do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), por Maria Leonor de Calasans (2004).

Aperspectiva é um dos componentes organizadores da realidade, indicativa da circunstância do lugar em que estamos e nele nos localizamos para adquirir a mobilidade transformadora da razão e da sensibilidade. Recordo essa lição de Ortega y Gasset (1994), porque ela tem grande pertinência para pensar a política externa concebida como um ponto de vista sobre o funcionamento do mundo e a sua incidência em um país. Um país operacionaliza seu ponto de vista no trato oficial com outros países por meio de seu corpo diplomático.  

Alberto da Costa e Silva integrou o corpo diplomático brasileiro, nele ingressando depois de concluir o seu período de estudo no Instituto Rio Branco. Serviu na Secretaria do Estado e nas embaixadas em Lisboa, Caracas, Washington, Madri e Roma. Foi embaixador na Nigéria, em Portugal, na Colômbia e no Paraguai. Na operacionalização do ponto de vista do Brasil, no abrangente exercício do ofício diplomático, Alberto tornou-se um paradigma de tato, inteligência e zelo, que dele fizeram um dos grandes quadros do Itamaraty. Foi no período de sua vita activa diplomática que o conheci, dele me aproximei e tive a oportunidade de apreciar as suas altas qualidades.

Na operacionalização do ponto de vista do Brasil, no abrangente exercício do ofício diplomático, Alberto tornou-se um paradigma de tato, inteligência e zelo, que dele fizeram um dos grandes quadros do Itamaraty.

Alberto foi, ao mesmo tempo, um intelectual de grande envergadura, e o que singularizou o seu percurso foi a fecunda convergência de sua vocação para a diplomacia com a sua vocação de grande intelectual. Em Alberto, essas duplas e constitutivas circunstâncias de seus caminhos apuradamente confluíram. O olhar do diplomata abriu oportunidades para observar o mundo a partir do Brasil e, numa dialética de complementaridade, observar o Brasil a partir do mundo. 

Alberto observou que “o diplomata, como o poeta, trabalha com as palavras” (Costa e Silva 2002, 26). São palavras distintas cuja especificidade Alberto soube bem elaborar no seu percurso. Octavio Paz, que foi um grande poeta, um grande pensador e também um diplomata, cuja experiência do ofício alentou a sua obra, apontou em entrevista a Enrico Mario Santi (1994) que poesia e pensamento vivem em duas casas contíguas, mas entre elas existe um corredor que favorece a passagem de uma para a outra. Assim, os bons poetas frequentam o pensamento porque a boa poesia é lucidez. De maneira similar, o pensamento se alimenta da lucidez da boa poesia.

Foi o que ocorreu com o Alberto na especificidade do seu trânsito no qualificado uso da palavra. Daí o alcance que soube dar à diplomacia cultural como uma dimensão da política exterior brasileira, para a qual deu relevante contribuição na sua dupla condição de diplomata e pensador. Exemplificava como a cultura pode ser apreciada como convergência de influências e caminho para o entendimento. 

Alberto organizou o volume O Itamaraty na Cultura Brasileira, publicado em 2001 na minha gestão no Ministério das Relações Exteriores. Os diplomatas lá analisados dedicaram-se, na diversidade de suas obras e na especificidade dos seus interesses, à ampliação da dimensão fundacional da diplomacia brasileira no plano cultural. Trata-se de uma dimensão, como destaquei no meu prefácio, permeada pelo desafiante tema da identidade nacional e da projeção internacional do que é o Brasil. Como diz Alberto na apresentação do volume, na prática do ofício o diplomata “é o que se representa”. 

A representação é uma dimensão constitutiva da atividade de um diplomata, e Alberto inicia as suas considerações sobre o desafio da representação no teatro do mundo através da exegese do quadro de Hans Holbein Os Embaixadores. Destaca o pano de fundo do quadro, inter alia, grossos livros, cartas geográficas, um globo terrestre, uma luneta, um astrolábio, indicando assim que um diplomata deve olhar os astros e identificar os rumos do mundo para saber a que se ater, orteguianamente, no exercício de seu ofício.

A representação vai além da articulação e da negociação de interesses. Tem um componente de exprimir o potencial e a vis atractiva do que um país pode significar para os demais numa dada conjuntura histórica. Por isso, um diplomata deve conhecer bem o seu país para poder bem representá-lo. Essa foi uma característica da qualidade de Alberto no exercício do ofício de diplomata. 

Cabe também a um diplomata, para valer-me da terminologia da Convenção de Viena, promover relações amistosas com o país no qual está acreditado e assim, na medida do possível, transformar fronteiras-separação em fronteiras-cooperação. Foi o que fez Alberto com gosto e dedicação nos países em que serviu.

Alberto foi  um paradigma de diplomata que elaborou, na sua prática e na sua reflexão, com saber, competência e originalidade, uma diplomacia da cultura e do conhecimento, que alargou os horizontes da política externa brasileira. 

Em síntese, Alberto foi  um paradigma de diplomata que elaborou, na sua prática e na sua reflexão, com saber, competência e originalidade, uma diplomacia da cultura e do conhecimento, que alargou os horizontes da política externa brasileira. Faço estas considerações preliminares na perspectiva de um ex-ministro das Relações Exteriores para realçar o seu papel na diplomacia brasileira. É um ponto de partida para, como seu confrade na Academia Brasileira de Letras (ABL), ir além do que foi o seu gosto pelo ofício a que se dedicou por muitos anos e, desse modo, destacar o seu papel de grande intelectual e abrangente contribuição à cultura brasileira, que se alimentou da sua experiência de diplomata. 

Como é sabido, a dedicação à África foi um tema recorrente do seu percurso de diplomata, que se adensou subsequentemente na sua condição de grande historiador, cabendo registrar que a abertura à África da política externa brasileira, iniciada na gestão do chanceler Mario Gibson Barbosa, muito deve à sua instigante inspiração. 

A experiência do embaixador na Nigéria e no Benin, de 1979 a 1983, da qual guardou, como dizia, “gratidão enternecida”, foi um estímulo para aprofundar o seu interesse pela África e o seu entendimento de que “era necessário entender os africanos para melhor entender o Brasil”, nas palavras de Marina de Mello e Souza (2023) em recente artigo publicado na CEBRI-Revista.

A enorme erudição de Alberto sobre a África vivificou-se na  Nigéria pela combinação da palavra escrita com o dia vivido. “Tornaram-se menos imprecisos os significados de certas palavras, de certos gestos, de certas festas, de certos costumes e de determinadas instituições e mais perceptíveis os seus ecos no Brasil e o ir e vir das ressonâncias por sobre as águas do Atlântico” (Silva 1992, 2), como disse com vocação fenomenológica no seu livro A enxada e a lança: a África antes dos portugueses

Do que ele chamou “o vício da África” resultou uma excepcional obra de historiador que descortinou, com rigor e paixão, a História da África, a África no Brasil, o Brasil na África e a dinâmica do circuito da escravidão. Alberto, com seus generosos ensinamentos, trouxe a África como campo próprio de estudo em nosso país. A sua obra abre a nossa sensibilidade às memórias provenientes da África, que se somam, como ele diz, a outros enredos da vida brasileira – aos europeus, que sempre estiveram nos currículos de nossas escolas, e aos ameríndios, que neles deveriam estar. Desnecessário realçar a pertinência da obra de Alberto e sua visão para a agenda brasileira contemporânea. 

Alberto, com seus generosos ensinamentos, trouxe a África como campo próprio de estudo em nosso país. A sua obra abre a nossa sensibilidade às memórias provenientes da África, que se somam, como ele diz, a outros enredos da vida brasileira…

Alberto dominava igualmente o papel do enredo europeu na vida brasileira. Portugal, de minha varanda (1999) é um admirável ensaio de Alberto, representativo de como sua perspectiva é a expressão do melhor da janela de um diplomata de cultura e de conhecimento. Portugal, onde serviu como jovem diplomata e depois como embaixador, foi um posto no qual a sua naturalidade na interação, tanto com os artistas e escritores portugueses, quanto com as muitas vertentes do seu universo político, lastreou-se no seu domínio do mundo lusitano – o de um país que “de certa forma e ao seu jeito inventou para a Europa os oceanos” (1999, 24). 

As rotinas do dia a dia enquanto diplomata e da inserção de Portugal no mundo alimentou-se da aventura da sua sensibilidade cultural e política para intensificar e ampliar o diálogo Portugal-Brasil. Iluminou, com larga visada, as características da herança e da presença de Portugal no Brasil e do significado dos fluxos migratórios lusitanos para a construção da múltipla identidade do nosso país. Soube destacar, como grande intelectual, a relevância do idioma comum e do papel da língua portuguesa em Portugal e no Brasil, que nos singulariza e aproxima. Alargou esse horizonte para alcançar cinco países africanos que vivem as realidades das suas especificidades, para descortinar o potencial de concertação diplomático-cultural que amplia, com um toque próprio, o espaço do Brasil e de Portugal no mundo.

O espaço não me permite aflorar a amplitude dos caminhos intelectuais de Alberto, mas cabe destacar que tiveram um impacto irradiador com sua eleição para a Academia Brasileira de Letras e sua integração nas atividades da Casa de Machado de Assis, que presidiu com destaque. A presença de Alberto na ABL e as características agregadoras dos seus talentos e conhecimentos, do seu zelo pela instituição e da inteireza de sua personalidade, dele fizeram uma grande referência da Casa – um dos seus notáveis quadros – à semelhança do que ocorreu no Itamaraty. Com a eficaz sutileza de sua inspiração, a ABL, para falar com Bobbio, adquiriu a dimensão de um locus da política da cultura.   

Permito-me finalizar, como seu confrade e admirador, realçando que as suas memórias são um dos pontos mais altos da memorialística brasileira. Espelho do Príncipe (1994), cujo subtítulo é ficções de memória, não é propriamente uma autobiografia. Refaz liricamente as vivas lembranças do seu passado de criança. É, como o qualificou Da. Gilda de Mello e Souza, “um solilóquio da infância”, que ela toma como um ritual de passagem, uma travessia da infância à idade adulta, na qual Alberto, com pequenos toques, de maneira única, vai “impondo uma visão nova das coisas, da sensibilidade da relação com as pessoas, do escoar do tempo.” Corresponde, para lembrar a sua condição de poeta, ao que disse com a virtude da simplicidade na abertura de seu poema Hoje: gaiola sem paisagem: “Nada quis ser, senão menino. Por dentro e por fora menino.”

Referências Bibliográficas

Lafer, Celso. 2023. “Alberto da Costa e Silva (1931-2023)”. O Estado de S. Paulo, 17 de dezembro de 2023. https://www.estadao.com.br/opiniao/celso-lafer/alberto-da-costa-e-silva-1931-2023/

Ortega Y Gasset, José. 1994. “El tema de nuestro tiempo”. In Obras Completas, de José Ortega Y Gasset, v. 3. Madrid: Alianza.

Santi, Enrico Mario. 1994. “Conversar es humano, entrevista a Enrico Mario Santi, Miscelanea III – Entrevistas”. In Obras Completas, de Enrico Mario Santi, vol. 15; México: Fondo de Cultura Económica.

Silva, Alberto da Costa e. 1962. Carda, fia, doba e tece. 1ª edição. Lisboa. 

Silva, Alberto da Costa e. 1992. A enxada e a lança. A África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Silva, Alberto da Costa e. 1994. Espelho do príncipe: ficções da memória. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Silva, Alberto da Costa e. 1999. “Portugal, de minha varanda”. Via Atlântica 2 (1): 20-40. https://doi.org/10.11606/va.v0i2.48731.

Silva, Alberto da Costa e. 2002. “Diplomacia e cultura”. In O Itamaraty na cultura brasileira, de Alberto da Costa e Silva. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora.

Souza, Marina de Mello e. 2023. “Os benefícios de um vício: Alberto da Costa e Silva e a África”. CEBRI-Revista 2 (6): 192-199. https://doi.org/10.54827/issn2764-7897.cebri2023.06.03.08.192-199.pt.

Recebido: 29 de fevereiro de 2024

Aceito para publicação: 1 de março de 2024

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terça-feira, 14 de maio de 2024

A escravidão africana desde a Antiguidade - Alberto da Costa e Silva (A Manilha e o Libambo)

 Um pequeno trecho do livro do grande africanista brasileiro, embaixador Alberto da Costa e Silva, para aqueles que acham que a escravidão africana começou com os malvados europeus, que agora deveriam pagar, junto com o presidente Lula, em seu nome próprio, uma "dívida histórica" em benefício de "nossos irmãos africanos da atualidade". 

Alberto da Costa e Silva:

A Manilha e o Libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700 

Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,  2002

Manilha é um bracelete de metal; libambo é uma cadeia de ferro usada para prender escravos pelo pescoço. 

A primeira notícia sobre escravos na África é de uma estela egípcia do faraó Sneferu (4ª. Dinastia, 2.680 aC), anunciando a captura de 7.000 escravos durante uma expedição militar à Núbia. A escravidão é muito comum no mundo antigo, e a base da economia; Estrabão fala da conceituada classe dos comerciantes de escravos. 

Na Grécia clássica, numa população de 315.000 pessoas, cerca de 115.000 seriam escravos; Atenas, então com 155.000 habitantes, tinha 70.000 escravos. Escravos vinham de toda parte, inclusive da África; em dois episódios da Odisséia o herói Ulisses vai ao Egito para capturar mulheres e crianças; um autor anônimo do séc. I dC fala da escravidão em seu texto “Périplo do mar Eritreu”; da mesma forma Cosmas Indicopleustes, no relato de sua visita à Etiópia (séc. VI dC); há relatos de núbios servindo no exército persa de Xerxes. 

Mosaicos e esculturas romanas representam africanos exercendo atividades como gladiadores, artistas de circo e criados pessoais. Também na Antiguidade barcos indianos faziam transporte de escravos trazidos da África; no século VI há relatos de escravos negros na Indonésia e na China.

(...)

domingo, 14 de janeiro de 2024

Do Piauí, o mais novo diplomata estudava 12horas por dia e se inspira em Alberto da Costa e Silva - Yala Sena (Cidade Verde)

Do Piauí, o mais novo diplomata estudava 12horas por dia e se inspira em Alberto da Costa e Silva

Fotos: Renato Andrade/Cidadeverde.com

Por Yala Sena

Filho de professora, o mais novo diplomata aprovado para o Itamaraty, Luis Marcelo Gomes Mendes Leite, de 22 anos, atribui sua vitória a disciplina, foco e estudos. 

Segundo ele, a rotina de leituras e preparação chegava a mais de 12 horas por dia e disse que uma das suas inspirações é o diplomada, poeta, ensaísta e historiador Alberto da Costa e Silva que morreu em novembro do ano passado de causas naturais aos 92 anos. Alberto é filho do poeta Da Costa de Silva. 

Luís Marcelo conta que foi aprovado no concurso para ser diplomata aos 19 anos e realizou as três fases, que foram bastantes criteriosas, chegando a escrever cerca de 24 textos em línguas inglês, português, espanhol e francês. 

“A emoção que sentir foi de alívio (risos). Eu vivi uma rotina muito difícil, estudava em média 12 horas por dia. Fiquei feliz, mas aliviado”, disse sorrindo acrescentando. “Abri mão de quase tudo. Tudo que fazia em minha vida era pautado em como impactar para prova. Saia poucos com meus amigos, passei muito tempo sem rede social, abdiquei de vida noturna e se saísse era coisas leves. Tinha uma rotina de acordar 5h da manhã, ia para a academia e começava a estudar e só parava à noite”. 

Luís Marcelo informou que a posse está prevista para acontecer em fevereiro e depois irá fazer um curso de formação em Brasília.

O diplomata é um servidor que trabalha para promover as relações entre o Brasil e outros países. O salário inicial é de R$ 20.900.  Ele disse que Berlim é um posto diplomático que tem simpatia. 

“O que mais me ajudou foi a oportunidade que o Dom Barreto me deu como monitor e posteriormente me efetivaram como professor de História Mundial das turmas de pré-vestibular e é um assunto que cai na minha prova e isso era positivo já que comentava com os alunos e revisava”. 

Conselho para os interessados: “comece logo”

O piauiense deu conselho para as pessoas que desejam seguir a carreira de diplomata. Segundo ele, é preciso ter foco, estudar bastante e o mais cedo possível buscar informações. 

“Uma coisa que queria era alguém ter me dito antes: comece logo. Ai! a pessoa diz:’ ah! mas eu não sei como?’: comece, vai atrás, busque informações, tente saber o que a prova exige, como é a rotina de uma pessoa que se prepara a sério para isso,  ter um foco e é importante buscar apoio psicológico e apoio da família. A gente até brinca, que primeiro, é preciso passar na prova. Eu era muito pragmático, tudo que fazia eu imaginava o que eu iria ganhar em termo de preparação de melhora de nota para a prova”.  Durante a entrevista, Luís Marcelo estava acompanhado da mãe Márcia Valéria Gomes Mendes Leite, do pai Marcelo Roger Leite e da irmã Isadora Mendes Leite. 

“Está sendo surpreendente. Eu não tenho palavras para descrever o sentimento de felicidade que ele alcançou. Ele é um menino dedicado e disciplinado. Tudo foi ele. Me sinto muito orgulhosa de ser mãe dele”, disse a mãe Maria Valéria. Ela disse que não está ainda preparada para ver o filho pelo mundo.

 

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Foto arquivo pessoal 

Matéria original 

O mais novo diplomata do Brasil é filho do sol, do Equador. Luis Marcelo Gomes Mendes Leite, de 22 anos, realizou um feito histórico e é o mais novo piauiense a entrar no serviço diplomático brasileiro. O estado tem se destacado na formação de profissionais precoces, já que em 2013, outro piauiense, Pedro Felipe de Oliveira Santos, ganhou destaque nacional por ser o juiz federal mais novo do Brasil ao passar no concurso aos 25 anos. 

Luis Marcelo foi aprovado na terceira e última fase do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD), processo seletivo para ingresso na carreira de diplomata. Ele foi aluno e monitor do Instituto Dom Barreto. 

O diplomata é um servidor público que trabalha para promover as relações entre o Brasil e outros países. Trata-se de um profissional de carreira lotado no Ministério das Relações Exteriores (MRE), também conhecido como Itamaraty.

Seu local de trabalho pode variar ao longo de sua trajetória, sendo possível exercer atividades dentro ou fora do Brasil. 

Os pré-requisitos para ser um diplomata são: ser brasileiro nato, possuir uma graduação no ensino superior (em qualquer curso) e passa no concurso. Luis é formado em comércio exterior. 

A aprovação do piauiense viralizou na  rede social com muitos comentários elogiando o feito dele.

Os internautas chamam o piauiense de “gênio”, “gigante”, “orgulho demais” e “Meus parabéns!!! Orgulho de ter um piauiense no Itamaraty, ainda mais sendo o mais novo do país!”

O governador Rafael Fonteles também comemorou a aprovação do piauiense. 

“Parabéns ao piauiense Luis Marcelo Gomes Mendes Leite, aprovado na 3ª fase do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata, aos 22 anos de idade, se tornando a pessoa mais nova no serviço diplomático brasileiro! Que essa seja uma trajetória de muito sucesso, Luis!

domingo, 17 de dezembro de 2023

Alberto da Costa e Silva (1931-2023) - Celso Lafer (OESP)

Grande Alberto da Costa e Silva, homenageado por um outro grande.

 

Carmen Lícia

ESPAÇO ABERTO

Celso Lafer

Professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores (1992 e 2001-2002) e presidente da Fapesp, Celso Lafer escreve mensalmente na seção Espaço Aberto


Alberto da Costa e Silva (1931-2023)

O diplomata alargou os horizontes da política externa brasileira ao elaborar na sua prática e na sua reflexão o papel de uma diplomacia de cultura e de conhecimento

Por Celso Lafer

17/12/2023 | 03h00

 

A perspectiva é um dos componentes organizadores da realidade, indicativa da circunstância do lugar em que estamos e nele nos localizamos para adquirir a mobilidade transformadora da razão e da sensibilidade.

Recordo essa lição de Ortega y Gasset porque ela tem grande pertinência para pensar a política externa como um ponto de vista sobre o funcionamento do mundo e a sua incidência num país. Um país operacionaliza seu ponto de vista no trato oficial com outros países por meio de seu corpo diplomático.

Alberto da Costa e Silva, na sua condição de diplomata na operacionalização deste ponto de vista, foi um paradigma de tato, inteligência e zelo, que o tornaram um dos grandes quadros do Itamaraty.

Alberto observou que “o diplomata, como o poeta, trabalha com as palavras”. No seu caso, verificou-se uma dialética de fecunda complementaridade entre as duas palavras, pois a sua experiência diplomática alentou, sem cisões, a criatividade da sua grande obra de intelectual. Por isso, integrou com alta envergadura a Academia Brasileira de Letras.

Alberto organizou o volume O Itamaraty na Cultura Brasileira, publicado em 2001 na minha gestão no Ministério das Relações Exteriores. Como ele diz na apresentação do volume, na prática do ofício o diplomata “é o que se representa”.

A representação não se circunscreve à articulação e à negociação de interesses. Tem um componente de exprimir o potencial da vis atractiva do que um país pode significar para os demais numa dada conjuntura histórica. Por isso, um diplomata deve conhecer bem o seu país para poder bem representá-lo. Cabe, também, a um diplomata promover relações amistosas com o país no qual está acreditado e, assim, na medida do possível, transformar fronteiras-separação em fronteiras-cooperação.

O tato e a inteligência com que Alberto exerceu o ofício a que se dedicou acabaram sendo poderoso estímulo para a criatividade de sua obra de grande intelectual. Adensou, para o benefício de todos, o seu entendimento do nosso país. Alargou os horizontes da política externa brasileira ao elaborar na sua prática e na sua reflexão o papel de uma diplomacia de cultura e de conhecimento.

A dedicação à África foi um tema recorrente do seu percurso de diplomata.

Da experiência de embaixador na Nigéria e no Benin, não só guardou, como dizia, “gratidão enternecida”. Foi um estímulo para aprofundar o seu interesse pela África e a sua percepção de que era necessário conhecer os africanos para melhor entender o Brasil, nas palavras da historiadora Marina de Mello e Souza.

Do que ele chamou “o vício da África” resultou uma excepcional obra de historiador que descortinou com rigor e paixão a história da África, a África no Brasil, o Brasil na África e a dinâmica do circuito da escravidão. Alberto, com o impacto de sua obra, trouxe a África como campo próprio de estudo em nosso país.

A obra de Alberto abre a nossa sensibilidade às memórias provenientes da África, que se somam, como ele diz, a outros enredos da vida brasileira – aos europeus que sempre estiveram nos currículos de nossas escolas e aos ameríndios que nelas deveriam estar.

Alberto dominava igualmente o papel do enredo europeu na vida brasileira.

“Temos a Europa dentro de nós.” É nossa herança, mas, como ele diz, “somos livres para escolher dela o que se ajusta à nossa geografia e o que responde à nossa intuição de destino”.

Serviu em Portugal, país que “de certa forma e ao seu jeito inventou para a Europa os oceanos”. A sua diplomacia de cultura intensificou e ampliou o diálogo Portugal-Brasil. Nesta empreitada, esclareceu com larga visada as características da herança e da presença de Portugal no Brasil e do significado dos fluxos migratórios lusitanos para a construção da múltipla identidade do nosso país. Soube destacar a relevância do idioma comum e do papel da Língua Portuguesa em Portugal e no Brasil, que nos singulariza e aproxima.

Alargou este horizonte para alcançar cinco países africanos que vivem as realidades das suas especificidades para descortinar o potencial de concertação diplomático-cultural que amplia, com um toque próprio, o espaço do Brasil e de Portugal no mundo.

As limitações de espaço não me permitem aflorar a amplitude dos caminhos intelectuais de Alberto. Não posso, no entanto, finalizar sem realçar que as suas memórias são um dos pontos mais altos da memorialística brasileira que de maneira discreta revela a sua estatura humana.

Espelho do Príncipe, cujo subtítulo é ficções da memória, não é propriamente uma autobiografia. Refaz liricamente as vivas lembranças do seu passado de criança. É, como o qualificou Da. Gilda de Mello e Souza, “um solilóquio da infância” que ela toma como um ritual de passagem, uma travessia da infância à idade adulta na qual Alberto, com pequenos toques, de maneira única, vai “impondo uma visão nova das coisas, da sensibilidade da relação com as pessoas, do escoar do tempo”.

Corresponde ao que disse na abertura de seu poema Hoje: gaiola sem paisagem: “Nada quis ser, senão menino. Por dentro e por fora, menino”.

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PROFESSOR EMÉRITO DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, FOI MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (1992; 2001-2002)