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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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terça-feira, 14 de maio de 2024

A escravidão africana desde a Antiguidade - Alberto da Costa e Silva (A Manilha e o Libambo)

 Um pequeno trecho do livro do grande africanista brasileiro, embaixador Alberto da Costa e Silva, para aqueles que acham que a escravidão africana começou com os malvados europeus, que agora deveriam pagar, junto com o presidente Lula, em seu nome próprio, uma "dívida histórica" em benefício de "nossos irmãos africanos da atualidade". 

Alberto da Costa e Silva:

A Manilha e o Libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700 

Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,  2002

Manilha é um bracelete de metal; libambo é uma cadeia de ferro usada para prender escravos pelo pescoço. 

A primeira notícia sobre escravos na África é de uma estela egípcia do faraó Sneferu (4ª. Dinastia, 2.680 aC), anunciando a captura de 7.000 escravos durante uma expedição militar à Núbia. A escravidão é muito comum no mundo antigo, e a base da economia; Estrabão fala da conceituada classe dos comerciantes de escravos. 

Na Grécia clássica, numa população de 315.000 pessoas, cerca de 115.000 seriam escravos; Atenas, então com 155.000 habitantes, tinha 70.000 escravos. Escravos vinham de toda parte, inclusive da África; em dois episódios da Odisséia o herói Ulisses vai ao Egito para capturar mulheres e crianças; um autor anônimo do séc. I dC fala da escravidão em seu texto “Périplo do mar Eritreu”; da mesma forma Cosmas Indicopleustes, no relato de sua visita à Etiópia (séc. VI dC); há relatos de núbios servindo no exército persa de Xerxes. 

Mosaicos e esculturas romanas representam africanos exercendo atividades como gladiadores, artistas de circo e criados pessoais. Também na Antiguidade barcos indianos faziam transporte de escravos trazidos da África; no século VI há relatos de escravos negros na Indonésia e na China.

(...)

domingo, 3 de março de 2024

Um blog imperdível: Carmenlicia.blog - cultura, história, civilizações, viagens...

Carmenlicia.org 

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Arabismos na arte italiana

ARABISMOS NA ARTE ITALIANA (Texto que será capítulo de um livro coletivo. Atualmente no site https://neoarabe.hcommons.org/) Carmen Lícia Palazzo. O intercâmbio comercial entre o Oriente e a Itália, durante um largo período no qual eram intensas as atividades do que depois ficou conhecido como Rota da Seda, não apenas foi intenso mas também se revestiu…

Alexandra David-Néel: itinerários e escritos de uma orientalista.

Carmen Lícia Palazzo Alexandra David-Néel, escritora e orientalista francesa nasceu em Saint-Mandé, nas proximidades de Paris, em 1868. Passou muitos anos percorrendo a Ásia e publicou uma vasta obra da qual constam relatos de viagens, reflexões sobre o pensamento oriental e romances ambientados na sociedade tibetana. Contribuiu para a divulgação do Oriente na Europa através…

Relatos e imagens dos jesuítas-mandarins (séculos XVI ao XVIII)

Carmen Lícia Palazzo. (Doutora em História pela Universidade de Brasília, UnB. Especialista em Relatos de Viajantes, encontros entre culturas, imagens ocidentais do Oriente e Rota da Seda. Ministra módulos sobre China e Rota da Seda em pós-graduação lato sensu do UniCeub, Brasília. Foi pesquisadora visitante na Georgetown University, Washington, D.C. É autora de Entre mitos,…

China: uma breve síntese histórica.

Carmen Lícia Palazzo Resumo da História da China para o entendimento de comportamentos na longa duração. Escrevi este texto para dar início a diversos debates em uma palestra sobre a China. Para analisar a China contemporânea é importante observar o que nós, historiadores, denominamos de mentalidades na longa duração. A modernidade na China não deve…

Wuxi: uma cidade com muita História.

Nos guias turísticos que sempre consultei para organizar nossas viagens através da China, durante os quase oito meses em que o Paulo Roberto e eu moramos naquele país, além dos livros descritivos das cidades chinesas e páginas da internet, sempre achei poucas referências a Wuxi, a ponto de ter pensado bastante antes de incluir a…

DE MATTEO RICCI À MISSÃO FRANCESA: O ENCONTRO ENTRE OS JESUÍTAS EUROPEUS E O IMPÉRIO DO MEIO (SÉCULOS XVI a XVIII)

Artigo meu sobre os Jesuítas na China. DE MATTEO RICCI À MISSÃO FRANCESA: O ENCONTRO ENTRE OS JESUÍTAS EUROPEUS E O IMPÉRIO DO MEIO (SÉCULOS XVI a XVIII) Carmen Lícia Palazzo Introdução O presente texto é uma apresentação resumida de nossa pesquisa mais ampla sobre o encontro cultural entre jesuítas europeus com os chineses, em…

A arte GANDHARA

GANDHARA: UM ENCONTRO DE CULTURAS Carmen Lícia Palazzo. Na região dos atuais Afeganistão e Paquistão foram descobertos os testemunhos materiais dos mais antigos e bem-sucedidos encontros entre a arte do Ocidente e a do Oriente — as chamadas esculturas de Gandhara. Por Gandhara entende-se uma antiga província na Ásia Central que, no século IV a.C.,…


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segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

O despreparo de todas as partes na questão do conflito Venezuela-Guiana - G1, Paulo Roberto de Almeida

Uma reflexão sobre o conflito da atualidade na América do Sul.

Primeiro a notícia:

 O regime de Nicolás Maduro anunciou que 95% dos eleitores venezuelanos aprovaram em plebiscito a criação de um novo estado na região de Essequibo, território da Guiana rico em petróleo e reivindicado por Caracas desde 1841. O presidente da Guiana, Mohamed Irfaan Ali, disse que a diplomacia será sua “primeira linha de defesa” e que trabalha para garantir a integridade de suas fronteiras. Em Dubai, o presidente Lula disse esperar “bom senso” dos colegas da Venezuela e da Guiana. “O que a América do Sul não está precisando é de confusão. Não se pode ficar pensando em briga. Espero que o bom senso prevaleça, do lado da Venezuela e do lada Guiana”, disse. Embora não acredite num enfrentamento, o Brasil reforçou a presença militar na fronteira com os dois países. (g1)”

Agora meu comentário (PRA):

O Essequibo NUNCA pertenceu juridicamente à República da Venezuela independente. No período colonial foi vagamente associado à antiga Capitania da Venezuela. A ocupação holandesa e sua posterior cessão ao Reino Unido mudaram a geografia política e humana da área desde o século XVIII.

O colonialismo e o imperialismo europeus criaram novas realidades não só nas Américas, desde os “descobrimentos”, mas assim o fizeram também em todas as demais partes do munfo desde essa época. Criaram novas realidades humanas, sociais e políticas, assim como fizeram todis os antigos impérios, na Ásia, no Oriete Médio e na própria Europa, com o império romano, por exemplo.

Pretender erradicar as transformações ocorridas, por vezes por meio de grandes violências contra autóctones (muitas vezes também imigrantes ou conquistadores) representaria exercer ainda maior violência sobre essas novas realidades criadas em processos seculares de invasão e dominação.

Volto a dizer: a Venezuela independente desde o inicio do século XIX NUNCA exerceu dominio legal e reconhecido sobre o território do Essequibo. O Reino Unido usurpou território que não era seu? Certamente, mas o mesmo ocorreu antes com HOLANDESES e os próprios ESPANHOIS.

Pergunto: Até quando a ditadura venezuelana vai criar um problema para dla mesma, para os guianenses, para o Brasil (que detinha parte desse território) por questões mal resolvidas de sua própria história e de suas ambições atuais?

Paulo Roberto de Almeida 

segunda-feira, 25 de setembro de 2023

A história de uma longa amizade: Lula e Odebrecht: a parceria da corrupção - Ivanildo Terceiro

 Quem ainda defende a “eficiência” da Odebrecht deveria olhar o que eles fizeram em Angola

Ivanildo Terceiro

@ivanildoiii 

É a crônica de uma empresa que só existe e continuou existindo enquanto podiam corromper e pagar propina. Acompanhem comigo.

Era 2005. A Odebrecht colhia os frutos da amizade de décadas entre Emílio Odebrecht (doravante “EO”) e Lula. Marcelo Odebrecht (MO) se preparava para assumir o conglomerado e acumulava cada vez mais funções.

Quando, naquele ano, se descobriu que os generais angolanos pretendiam fazer uma licitação com concorrentes reais, MO foi à loucura. Era um absurdo! Depois de tantos anos de “apoio” (o eufemismo preferido do grupo para propina), agora, se voltavam contra eles?

O problema não era perder a obra, peixe pequeno quando comparado a tudo o que o grupo fazia, o problema era o precedente: a Odebrecht ia ter que concorrer!

MO mandou seus emissários a campo. Descobriu que a concorrência era pedida por um grupo dentro da Presidência da República do Brasil! Inadmissível para a Odebrecht! Investigaram mais e descobriram que os mentores da operação eram da República de Ribeirão Preto, o nome jocoso por qual o grupo de figurões que circulavam o então todo poderoso Antonio Palocci era chamado.

No final, MO ganhou mais uma. Décadas de parceria (outro eufemismo) não seriam desfeitos do dia para a noite — e os angolanos sabiam quem pagava bem.

A relação da empreiteira com a ditadura local chegou ao ponto em que a Odebrecht dizia quais obras deveriam ser feitas, escrevia o edital, e se associava aos indicados do Ditador José Eduardo Santos para "dar um apoio" a eles. 

Tais obras não ocorriam por causa da expertise técnica da empreiteira, nem pela sua capacidade de agradar os seus clientes (os corruptos que pediam a obra), mas porque ela também conseguia que o Governo Brasileiro financiasse os projetos, empurrando todo o risco de calote para o pagador de impostos. Isso, claro, não vinha de graça.

Na sua delação premiada, EO afirma que por volta de 2008 pediu a Lula uma “ajuda” do governo para aumentar o limite de financiamento do país africano com.o Brasil. Lula, então, o teria encaminhado para o ministro Paulo Bernardo, que sem titubear mandou na lata: aumentar o limite de crédito dos angolanos custaria R$ 40 milhões para a empreiteira.

No final, você deve imaginar o que ocorreu. Mesmo contra pressão dos técnicos do Ministério da Fazenda, Lula assinou a extensão de crédito, obras foram iniciadas, propinas foram pagas, e a roda que mantinha a ditadura angolana explorando o seu próprio povo continuou girando.

Lula e a Odebrecht ainda guardam outra ligação com Angola.

O sobrinho do primeiro, Taiguara Rodrigues dos Santos, fez fortuna se tornando fornecedor da Odebrecht nas obras angolanas. Saiu de um quarto e sala no litoral paulista para uma cobertura duplex de 255m2 em Santos com uma Land Rover na garagem. Seus contratos entre 2011 e 15 somaram mais de 20 milhões de dólares, mas isso é história para outro momento.


terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

É impossível compreender a guerra na Ucrânia sem conhecer a História - Timothy Snider (O Estado de S. Paulo)

É impossível compreender a guerra na Ucrânia sem conhecer a História

Timothy Snider

O Estado de S. Paulo, 28/02/2023

Enquanto dava uma aula de história ucraniana no semestre passado, senti um gosto do surreal. A guerra na Ucrânia já estava em andamento há meio ano quando comecei. Uma potência nuclear tinha atacado um país que abriu mão de suas armas nucleares. Um império tentava deter a integração europeia. Uma tirania tentava esmagar uma democracia vizinha. Nos territórios ocupados, a Rússia cometeu atrocidades genocidas com claras expressões de intenção genocida.

E ainda assim, a Ucrânia estava reagindo. Os ucranianos resistiram à chantagem nuclear, desprezaram o império fanfarrão e assumiram riscos em nome da sua democracia. Em Kiev, Kharkiv e, mais tarde, Kherson, eles derrotaram os russos, detendo a tortura, o assassinato e a deportação.

Estávamos em um ponto de inflexão histórica. Mas onde estava a história? As telas de TV mostravam continuamente a Ucrânia, e a única coisa que um espectador poderia dizer com alguma certeza é que os comentaristas jamais estudaram a Ucrânia. Ouvi de antigos alunos meus, atualmente empregados no governo ou no jornalismo, o quanto estavam felizes por terem feito o curso de história do Leste Europeu. Disseram estar um pouco menos surpresos que os outros com a guerra; disseram ter mais pontos de referência.

O contraste entre a importância histórica dessa guerra e a falta de lição de casa em história revela um problema maior. Conhecemos muito pouco da história. Projetamos o ensino para envolver questões técnicas: como fazer. E solucionar os problemas do cotidiano é muito importante.

Mas, se nos privamos da história, tudo é uma surpresa: o 11/9, a crise financeira, a invasão do Capitólio, a invasão da Ucrânia. Quando somos chocados todos os dias mas não temos história, tateamos em busca de pontos de referência, e nos tornamos vulneráveis a pessoas que nos dão respostas fáceis. Então o passado se torna a dimensão do mito, na qual aqueles que ocupam o poder geram as narrativas que julgam mais convenientes.

O presidente russo Vladimir Putin contou uma história a respeito do passado que nada tem a ver com a História. De acordo com ele, Rússia e Ucrânia foram criadas juntas, no batismo de um governante mil anos atrás. Partilham a mesma cultura, e portanto devem ser governadas pela mesma pessoa. Se parecer que algo diferente aconteceu, não seria de fato um capítulo dessa história. Se os ucranianos acreditarem que não são russos, isso seria resultado da obra nefasta de forasteiros. Putin não se limitou a dizer essas coisas: ele aprovou leis da memória para evitar que os russos sejam questionados pela história, e chegou a riscar dos manuais a palavra “Ucrânia”.

Em termos de lógica, é algo circular; e enquanto política, é algo tirânico. Se eu pudesse afirmar que os canadenses são americanos porque falam a mesma língua, ou porque partilhamos uma história em comum, isso nos pareceria um motivo idiota para dar início a uma invasão. Quando um ditador reivindica o poder de definir a identidade de outro povo, a questão da liberdade desse povo jamais vem à tona. Se a identidade for congelada para sempre pelos desígnios de um governante, os cidadãos logo se veem sem escolha.

Enquanto observamos onde essa lógica levou os russos, começamos a questionar a validade dessas histórias. Mas não deveria ser necessário uma atrocidade tão óbvia para nos fazer duvidar. Até recentemente, era grande demais o número de comentaristas que se contentavam em seguir a versão de Putin: Rússia e Ucrânia eram eternamente semelhantes de alguma forma, pessoas que falam russo são russas de alguma forma, e a cultura de acordo com as definições de um ditador seria o seu destino.

Foi surreal, de maneira bem diferente, quando milhões de pessoas vieram participar da minha aula online. Os americanos tinham percebido que havia algo de errado no mito russo, mas não sabiam como preencher a lacuna. Foi animador ouvir, nos milhares de e-mails que recebi, que essa lacuna poderia ser preenchida pela história. Foi um semestre muito animado; a história estava fazendo os estudantes pensarem. Quando pensamos historicamente, reconhecemos que as comunidades políticas têm ascensão e queda, e que as escolhas humanas — incluindo as escolhas perversas de tiranos militaristas — são sempre parte da história. Aprendemos a absorver melhor os eventos. Despertamos para as vivências dos outros. Para mim, pessoalmente, foi tocante ouvir relatos dos próprios ucranianos, incluindo soldados da linha de frente, que acompanharam a aula online.

A história ucraniana dá mais sentido ao mundo de hoje. Toda a trajetória da nossa civilização ocidental, dos gregos em diante, fica mais clara se entendermos que Atenas era alimentada pelo que é atualmente o sul da Ucrânia. A fantástica história dos vikings torna-se ainda mais surpreendente quando entendemos que eles fundaram um estado em Kiev. A era da exploração toma novas dimensões quando reconhecemos que potências polonesas e russas construíram seus impérios penetrando a leste na massa terrestre eurasiana, onde finalmente encontrariam a Ucrânia. A era dos impérios é concluída com os projetos neo-imperiais nazista e soviético, que tinham ambos o seu foco na Ucrânia. Esse conflito horrivelmente sangrento fez da Ucrânia o lugar mais perigoso do mundo durante a era totalitária de 1933 a 1945. Esse capítulo e a russificação que se seguiu tornaram a história da Ucrânia difícil de contar, até mesmo para os ucranianos.

Mas isso está mudando agora. Praticamente tudo que eu disse nas minhas aulas veio da obra de historiadores ucranianos. Iaroslav Hritsak, um dos melhores dentre eles, diz há décadas que a Ucrânia vai sobreviver quando uma nova geração amadurecer. Agora, isso ocorreu, não somente na minha área, mas no jornalismo, na sociedade civil, nos negócios e na política. A Ucrânia é diferente da Rússia por causa de sua história distinta, incluindo a história dos 30 anos mais recentes, desde o fim da União Soviética. Enquanto Putin empurrava seu país para a areia movediça dos mitos, os ucranianos — com seus votos, seus protestos e sua resistência — abriram caminho para chegar a uma noção mais confiante de si mesmos e de quem são.

Ao fazerem história, eles nos lembram que precisamos da história para compreendê-los melhor, para compreender melhor a guerra — e também para entender melhor a nós mesmos. Como os ucranianos, vivemos um ponto de inflexão histórica. Como eles, teremos que aprender história e desafiar os mitos para alcançar um futuro democrático.


TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL


* Timothy Snyder é professor de história na Universidade Yale e autor de “The Road to Unfreedom” e “Bloodlands” Sua edição atualizada em áudio de “On Tyranny” inclui novas aulas abordando a Ucrânia.

https://www.estadao.com.br/internacional/e-impossivel-compreender-a-guerra-na-ucrania-sem-conhecer-a-historia/

 

domingo, 30 de outubro de 2022

História: Crise dos mísseis soviéticos em Cuba: o dia mais perigoso do mundo - Tom Blanton (H-Diplo)

 

National Security Archive: The Cuban Missile Crisis @ 60: The Most Dangerous Day

by Michael Evans

Joint Chiefs: “The president has a feeling that time is running out”

Cascade of human errors, nuclear-armed flashpoints on October 27 nearly started World War III by accident

JFK: “always some SOB who doesn’t get the word”

By Tom Blanton

Washington, D.C., October 27, 2022 - The most dangerous 24 hours of the Cuban Missile Crisis came on Saturday, October 27, 1962, 60 years ago today, as the U.S. moved closer to attacking Cuba and nuclear-armed flashpoints erupted over Siberia, at the quarantine line, and in Cuba itself—a rapid escalation that convinced both John Kennedy and Nikita Khrushchev to strike the deal that would stop events from further spiraling out of control.

The surviving notes of the U.S. Joint Chiefs of Staff meeting on that day, October 27, depict a six-and-a-half-hour cascade of crises where human error, miscalculation, reckless deployment of nuclear weapons, and testosterone ruled the day. The JCS notes from October and November 1962, obtained under the Freedom of Information Act and published today by the National Security Archive, are all that survive after the Chiefs’ decision, in the 1970s, to destroy the tapes and transcripts from over two decades of JCS meetings.

The notes depict how top U.S. military officials reacted to the unfolding crisis in real time, including the shootdown of a U-2 spy plane over Cuba that afternoon—seen as a major escalation—while at the same time the JCS were unaware that U.S. naval forces were dropping grenades on a Soviet sub armed with a nuclear-tipped torpedo near the quarantine line. As they continued to prepare for a full-scale invasion of Cuba, JCS Chairman Maxwell Taylor told the Chiefs that President Kennedy was “seized with the idea of trading Turkish for Cuban missiles” and “has a feeling that time is running out.”

Today’s posting features the JCS notes along with photographs and additional context about the most dangerous day of the missile crisis, and the sequence of events that persuaded both Kennedy and Khrushchev to reach the trade that would ultimately end the superpower confrontation.

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sexta-feira, 10 de junho de 2022

Putin se compara a Pedro, o Grande, e fala em 'devolver' territórios à Rússia - Estadão

Putin pretende se basear na história para apoiar suas pretensões a territórios vizinhos. Ele acha que pode se igualar a Pedro o Grande. Pode terminar como Nicolau II. Em todo caso, ele se engana redondamente sobre a Ucrânia, predecessora da Rússia em termos históricos.

Vou postar algo a respeito.

Paulo Roberto de Almeida


Putin se compara a Pedro, o Grande, e fala em 'devolver' territórios à Rússia

Estadão, 10/06/2022 | 10:12

 

O presidente russo, Vladimir Putin, comparou-se ao czar Pedro, o Grande, na quinta-feira, 9, tentando relacionar o passado imperial da Rússia à atual campanha militar na Ucrânia. "Pedro, o Grande, travou a Grande Guerra do Norte por 21 anos. Parece que ele estava em guerra com a Suécia, que ele tirou algo deles. Ele não tirou nada deles, ele recuperou (o que era da Rússia)", declarou Putin após visitar uma exposição dedicada aos 350 anos do czar.

"Aparentemente, também coube a nós devolver (o que é da Rússia) e fortalecer (o país). E se partirmos do fato de que esses valores básicos formam a base de nossa existência, certamente conseguiremos resolver os objetivos que enfrentamos", completou Putin em um comentário televisionado.

Em resposta, um conselheiro sênior do presidente ucraniano Volodmir Zelenski rejeitou o que chamou de tentativa de justificar a invasão e tomada do território.

"O Ocidente deve traçar uma linha vermelha clara para que o Kremlin entenda o preço de cada próximo passo sangrento... vamos libertar brutalmente nossos territórios", disse Mikhailo Podoliak.

Putin é natural de São Petersburgo, cidade que leva o nome do czar. Pedro expandiu os contornos da Rússia, transformando o país em um império e se declarando imperador. Na virada do século 18, ele lançou a Grande Guerra do Norte, um conflito de mais de duas décadas com o Império Sueco que terminou com a tomada da Rússia de uma faixa do Báltico.

O czar, cujo legado é amplamente popular entre o público russo, é o modelo de líder autocrático que Putin há muito aspira ser, disse Kyle Wilson, que serviu como diplomata australiano na União Soviética.

Putin deixou claro que está "revivendo o sonho imperial russo", disse Wilson. "E o homem que fez da Rússia um império foi Pedro, o Grande."

Nos últimos anos, as menções de Putin sobre a história da Rússia aumentou cada vez mais em suas aparições públicas. Em abril de 2020, quando a Rússia entrou em seu primeiro lockdown pela covid-19, ele comparou a pandemia às invasões nômades turcas do século IX da Rússia medieval.

Em julho de 2021, o Kremlin publicou um longo ensaio de Putin em que o presidente argumentou que a Rússia e a Ucrânia eram uma nação, dividida artificialmente. Ele lançou as bases para o envio de tropas para a Ucrânia.

No período que antecedeu o que a Rússia chama de "operação militar especial", Putin culpou Lenin, o fundador da União Soviética, por criar a Ucrânia no que disse ser um território historicamente russo. 

Em contrapartida, ele elogiou Josef Stalin por criar "um estado fortemente centralizado e absolutamente unitário", mesmo reconhecendo o histórico de repressão "totalitária" do ditador soviético.


https://www.dgabc.com.br/Noticia/3869932/putin-se-compara-a-pedro-o-grande-e-fala-em-devolver-territorios-a-russia

 

sexta-feira, 18 de março de 2022

MALDITA GUERRA: Nova história da Guerra do Paraguai (nova edição, impressa e e-book) - Francisco Doratioto

 

Clique para ampliar


MALDITA GUERRA (nova edição)
Nova história da Guerra do Paraguai

Com sólida base metodológica e documental, Doratioto analisa as origens e a dinâmica militar da Guerra do Paraguai e descobre ou recupera informações surpreendentes sobre os cinco anos de luta. Este vasto trabalho é acrescido, nesta terceira edição, de novas pesquisas e estudos recentes proporcionados pelo avanço historiográfico.

Apresentação:

Escrito em linguagem clara e objetiva, este livro é fruto de mais de quinze anos de pesquisas em arquivos e bibliotecas do Brasil, do Rio da Prata e da Europa. Francisco Doratioto, graduado em história pela USP e doutor em história das relações internacionais pela Universidade de Brasília, viveu durante três anos no Paraguai, o que lhe permitiu visitar locais e conhecer a memória oral ainda existente sobre a guerra. A utilização de fontes tão diversificadas resultou em descobertas surpreendentes e na recuperação de informações publicadas no final do século XIX e começo do XX.

Doratioto explica o início do conflito através do processo histórico regional, rejeitando a interpretação de que o imperialismo inglês seria o responsável pelo desencadear da luta. O autor relata o duro cotidiano das tropas aliadas e paraguaias, mostrando toda a dinâmica da guerra e reavaliando a atuação de chefes militares como Mitre, Tamandaré e Caxias. As principais batalhas são contextualizadas de forma didática em 23 mapas, enquanto personagens e situações encontram-se representados num interessante conjunto de ilustrações e fotografias. Outro aspecto investigado é o contexto internacional do conflito: a simpatia da opinião pública pelo lado paraguaio, a neutralidade das potências europeias e a postura favorável ao Paraguai por parte dos Estados Unidos e países sul-americanos.

A Guerra do Paraguai foi um marco na história dos países envolvidos. No caso do Brasil, sorveu recursos humanos e financeiros de que a economia brasileira carecia para sua expansão. Com sólida base documental e metodológica, Maldita guerra desfaz mitos antigos e recentes sobre o conflito, constituindo-se em obra de referência sobre o tema.

Páginas: 664
Acabamento: Livro brochura (agora também em e-book)
Lançamento: 11/03/2022
ISBN: 9786559212866
Selo: Companhia das Letras

FRANCISCO DORATIOTO
FRANCISCO Fernando Monteoliva DORATIOTO nasceu em 1956, em Atibaia, São Paulo. Graduou-se em história (1979) e em ciências sociais (1982) pela Universidade de São Paulo. É mestre e doutor em história das relações internacionais pela Universidade de Brasília e autor de livros, capítulos de livros e artigos científicos sobre a história da política exterior brasileira e a história militar brasileira. É membro correspondente da Academia Nacional de la Historia (Argentina), da Academia Paraguaya de la Historia, do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em Brasília, foi professor de história das relações internacionais do Brasil no Instituto Rio Branco e nos cursos superiores da upis, ceub e da Universidade Católica de Brasília. Desde 2008 é professor nos cursos de graduação e pós-graduação em história da Universidade de Brasília. Pela Companhia das Letras, publicou General Osorio – A espada liberal do Império (2008).

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Doratioto tem outros livros, inclusive dois publicados pela Funag, disponíveis em sua Biblioteca Digital: 

Relações Brasil-Paraguai: afastamento, tensões e reaproximação (1889-1954) (2012)

Relações Brasil-Paraguai: afastamento, tensões e reaproximação (1889-1954) é um livro que analisa tema inédito, tendo como fonte principal a documentação diplomática brasileira. Francisco Doratioto também utiliza vasta e atualizada bibliografia para mostrar as conexões dessa relação bilateral com as realidades interna brasileira e paraguaia e, ainda, com o subsistema platino de relações internacionais. O autor é especialista na história das relações entre o Brasil e os países do Rio da Prata e esta nova obra, pela qualidade das informações e de análise, constitui contribuição fundamental á compreensão da evolução da politica exterior brasileira quanto aos nossos vizinhos meridionais.


O Brasil no rio da Prata (1822-1994) (2014)

Este livro analisa as relações entre o Brasil e os países do Rio da Prata, desde a independência brasileira até o final do século XX. Para tanto, o historiador Francisco Doratioto utilizou-se de vasta bibliografia sobre o tema e, ainda, de documentos diplomáticos. O resultado é a descrição de como, progressivamente, essa região deixou de representar para o Brasil um espaço geopolítico de rivalidade e tornou-se vizinhança de integração econômica e cooperação política. 

segunda-feira, 7 de março de 2022

“Começou a Terceira Guerra Mundial” - Ricardo Dantas

 

Não sei você, meu amigo leitor, mas, eu não durmo bem uma noite desde que Vladimir Putin ordenou que as tropas russas invadissem a Ucrânia, no último dia 23/02/2022. Depois de ficar dizendo por meses que faria apenas um “exercício militar” com duas centenas de milhares de soldados nas fronteiras ucranianas, bem como depois de ter taxado as declarações dos EUA e da Europa como “histeria”, Putin simplesmente deliberou invadir um país vizinho, soberano.

Conforme se verifica em qualquer consulta básica de história na internet[1], Rússia e Ucrânia compartilham um ancestral cultural comum: a “Rússia de Kyiv”, uma confederação de tribos eslavas da idade média que se estabeleceu no leste europeu. Após subsequente invasão mongol no século 13 e a conquista polonesa-lituana do território da atual Ucrânia, os dois povos passaram séculos separados até serem unificados pelo Império Russo entre os séculos XVI e XVIII. Com o colapso do Império Russo na revolução de 1917 e a ascensão da União Soviética em 1922, foram criadas uma série de repúblicas para subdividir o país; entre elas, a da Ucrânia.

Em 1991, com o fim da União Soviética, cada ex-república se tornou um estado independente. Então, depois de alguns séculos sob o jugo russo, os ucranianos puderam finalmente constituir seu próprio estado soberano a partir de um referendo, com 90% dos ucranianos votando pela independência. Depois, em 1994, a Ucrânia entregou as mais de 1.600 (mil e seiscentas) ogivas nucleares soviéticas em seu solo à Rússia, o que só foi feito mediante a garantia de que suas fronteiras seriam respeitadas – constituindo o Memorando de Budapeste.

Ocorre que, nos anos posteriores, a Ucrânia iniciou um movimento de aproximação com o ocidente. O sucesso de países vizinhos que ingressaram na União Europeiadespertou em boa parte da população o desejo de seguir o mesmo caminho. Tanto que, em 2013, após um recuo nas negociações com o bloco europeu, ocorreram enormes protestos que levaram à deposição do presidente Víktor Yanukóvytch e à ascensão de um governo mais pró-ocidente. Entretanto isso deixou Putin furioso! Então, em 2014, grupos separatistas armados e financiados pela Rússia tomaram o controle territorial de partes das regiões de Donetsk e Luhansk, ambas pertencentes à Ucrânia. Ademais, Putin invadiu e anexou à Rússia a península da Crimeia (que integrava a Ucrânia desde 1954, por deliberação do ex-líder da URSS, Nikita Khrushchov).

Veja bem, caro leitor, não vou ficar aqui explicando a fundo o que seja a OTAN(Organização do Tratado do Atlântico Norte) – isso também está disponível na internet[2]. Basta dizer que é um tratado militar de autodefesa constituído por uma aliança que abarca 30 países, incluindo EUA, Canadá, Reino Unido e diversas outras nações do continente europeu. A organização foi criada em 1949, no período da chamada “Guerra Fria”, sob a liderança dos EUA, em oposição à extinta União Soviética. Com o fim do bloco comunista em 1991, alguns dizem que o papel da OTAN teria “perdido seu sentido”… Entretanto, como a Rússia seguiu sendo um país de dimensões continentais (o maior em território no planeta[3]), bem como seguiu detendo mais de 6 mil ogivas nucleares[4](cerca de 4 mil em arsenal ativo e o restante em “desmantelamento”), além do fato de ter no seu governo um tirano que já está no Poder há mais de 20 anos e atende pelo nome de Vladimir Putin[5] (que pode inclusive superar Stálin), os membros da OTAN não só mantiveram sua aliança como a expandiram, com novas adesões, especialmente no leste europeu, onde os países têm justamente o fundado receio de uma intervenção russa – seja por meio da desestabilização política e a subsequente eleição de “biônicos” de Putin, como na Belarus[6]; seja por meio da invasão pura e simples de seu território, como ocorreu na Ucrânia.

A questão é que, uma vez que a Ucrânia iniciou conversas no sentido de passar a integrar a OTAN, Vladimir Putin principiou a ameaçar a soberania daquele país. E agora, como sabemos, deu início a uma invasão militar total do seu território, sob o pretexto de que iria “desnazificar” e “desmilitarizar” a Ucrânia (lembrando que o presidente eleito Volodymyr Zelensky é judeu[7]). Enfim, Putin utilizou-se dessas desculpas esfarrapadas para por em curso sua grande ideia.

Fiona Hill, uma das maiores experts em Rússia no continente americano, pessoa que trabalhou tanto para o governo Republicano quanto para o Democrata (nos EUA), e que estudou a carreira e a biografia de Vladimir Putin por décadas, disse em entrevista à Politico Magazine[8], que a “grande ideia” de Putin hoje é reestabelecer o Império Russo, cujas dimensões são inclusive maiores do que as terras que compuseram a antiga União Soviética. Segundo ela, o líder russo estou mapas antigos, revisitou tratados e desenhos territoriais e, agora, está querendo redefinir toda a geopolítica mundial, o que vem fazendo de modo “passional” e “progressivo” – e isso com um grande arsenal atômico a seu dispor. Segundo Fiona Hill, “toda vez que você pensar ‘não, ele não faria, faria?’” (o uso de armas atômicas) – “bem, sim ele faria!”. Para ela nós precisamos nos preparar para esse cenário, pois será algo que vamos ter que encarar… A pesquisadora ainda concluiu a longa entrevista concedida dizendo que: “nós já estamos no curso da 3ª Guerra Mundial, independentemente de termos ou não compreensão total disso”.

Yuval Noah Harari, professor israelense de História e autor de diversos livros best-sellers, complementa a ideia exposta por Fiona Hill, em artigo recente, publicado no periódico The Guardian, intitulado: “Porque Vladimir Putin já perdeu esta guerra”[9]Ali ele explica que o sonho de Putin é “reconstruir o Império Russo” e, para tanto, tem repetido incessantemente a mentira de que “a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um verdadeiro povo, e de que os habitantes de Kyiv, Kharkiv and Lviv anseiam por viver sob as regras/ordens de Moscou”. Harari esclarece, em seguida, que “a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história, e Kyiv já era uma grande metrópole quando Moscou ainda não era sequer uma vila”. Ele ainda finaliza dizendo: “o déspota russo tem dito essas mentiras tantas vezes que aparentemente passou a acreditar nelas”. É algo triste, mas, é uma constatação empírica!

Não se iluda, amigo leitor, Putin vai vencer essa batalha na Ucrânia, afinal, detém um arsenal bélico extraordinariamente superior àquele com o qual conta o país invadido, para se defender. Porém, já está experimentando custos muito maiores do que os inicialmente projetados. E, de acordo com Harari, apesar de ganhar a batalha, Moscou perderá a guerra que iniciou. De toda sorte, como principiou a guerra, seguramente Putin vai conduzir a batalha na Ucrânia até o fim. Ele inclusive parou os ataques à capital Kyiv por alguns dias porque, antes, pretende dar cabo de seu plano de constituir um país autônomo (“independente”), no sul da Ucrânia, que já tem até nome “Novarrossia” (ou Nova Rússia). A tomada militar das cidades ucranianas de Odessa, Kherson, Melitopol e Mariupol formará uma espécie de “ponte terrestre”, ligando as regiões de Donetsk e Lugansk à península da Crimeia (veja mapano link da reportagem da Folha[10]). Ou seja, a tomada territorial da Ucrânia, iniciada em 2014, terá sido concluída agora em 2022, o que ensejará um novo país marionete de Moscou ao sul da Ucrânia. Em seguida, Putin derrubará o regime democrático neste último e colocará no governo um “biônico” de seu agrado. Isso vai impedir, de uma vez por todas, que a Ucrânia se levante no futuro. Dividi-la é parte do plano.

Acontece que Vladimir Putin, apesar de hábil e inteligente, não controla o restante do mundo civilizado, livre e democrático. E nem possui bola de cristal, de modo a saber, de antemão, todo e cada passo que as demais nações podem adotar. E foi justamente por isso que, mesmo tendo empregado seu poder de “veto” no Conselho de Segurança da ONU, acabou sendo condenado.

A Assembleia Geral da ONU aprovou uma resolução contra a invasão da Ucrânia pela Rússia, pelo placar de 141 votos a favor, 5 contra e 35 abstenções, no dia 02/03/2022[11]. Aliás, diga-se de passagem, os únicos países que deram seu aval à invasão praticada pela Rússia foram a própria Rússia, além de Belarus (cujo ditador é uma marionete de Putin), Síria(onde a Rússia banca o ditador local há anos), Coreia do Norte (a ditadura comunista mais fechada do mundo) e Eritreia (um Estado de partido único no qual eleições legislativas nacionais nunca foram realizadas desde a independência). Enfim, basicamente a Rússia ficou sozinhanessa…

Não foi só isso! Dezenas de países pelo mundo aplicaram pesadíssimas sanções econômicas[12] contra a Rússia em virtude da absurda invasão da Ucrânia, assim como o fizeram centenas de empresas multinacionais – tudo por livre deliberação de cada qual. Quer dizer, o país que é governado por Vladimir Putin foi alijado do mercado financeiro global (não consegue pagar nem receber em suas relações econômicas, sejam públicas ou privadas); suas aeronaves civis e seus navios mercantes (próprios ou alugados) sequer podem sobrevoar ou navegar/aportar no território de diversas nações mundo afora; seus cidadãos não terão mais acesso a uma infinidade de mercadorias vendidas globalmente, como eletrodomésticos e eletroeletrônicos, além de serviços variados, como os prestados por NetflixApple e Google, p.ex.; as empresas locais não terão acesso a uma plêiade de matérias-primas, bem como não conseguirão comprar peças de reposição. Enfim, a Rússia se tornou o maior pária global, cuja economia será severamente afetada. E isso implicará num rápido empobrecimento de sua população, especialmente a classe média. Mas, mesmo Putin e os magnatas que o apoiam tiveram bens bloqueados no exterior.

O próprio povo russo aparenta estar contra essa guerra desvairada principiada por Putin. Há dezenas de relatos de manifestações contrárias dentro do território Russo. Estima-se que mais de dez mil cidadãos russos tenham sido presos em razão de terem tomado parte em tais protestos nas ruas. Dentre eles há a prosaica e triste história de Elena Osipova[13], de 77 anos, ativista e sobrevivente do Cerco a Leningrado (praticado pelos nazistas contra os soviéticos na 2ª Guerra Mundial). Ela foi presa em um protesto em São Petersburgo contra a invasão russa à Ucrânia. Quer dizer, esta senhora sobreviveu ao pior ditador-invasor externo e, agora, luta para combater um ditador-invasor interno, que pode acabar com a Rússia em razão de sua postura lunática.

O líder oposicionista a Putin, Alexei Navalny, disse em uma rede social[14]“Estou conclamando todo mundo a ir para as ruas e lutar pela paz” (…) “Se, para impedir a guerra, nós precisarmos encher as prisões e as viaturas da polícia, vamos encher as prisões e as viaturas da polícia. Nós, a Rússia, queremos ser uma nação de paz. Infelizmente, poucos nos chamariam assim agora. Mas pelo menos não vamos nos tornar uma nação de silêncio assustado, covardes que fingem não notar a guerra de agressão desencadeada por nosso czar, obviamente insano”.

Enfim, não há como defender a invasão russa à Ucrânia, amigo leitor. E não é apenas este colunista quem diz isto, mas, o mundo todo: nações, empresas e pessoas (inclusive as russas!). Então, não fique do lado de Putin, JAMAIS!! Não há lugar sequer para “neutralidade” ou “abstenção” num cenário como o que vivemos hoje. A China comunista ficou em cima do muro[15]porque tem muito a ganhar com a dependência russa, que advirá com o embargo econômico acima descrito. Quer dizer, a China será a grande “vencedora” nesta sórdida guerra iniciada por Putin – vai ter os maiores benefícios sem precisar dar um tiro! Todo o restante do planeta sairá perdendo (inclusive você). A começar pelo fato de que, como eu, muitos serão obrigados a servir no grande combate que se avizinha, nessa 3ª Guerra Mundial já iniciada.

Segundo excelente artigo de Thomas Friedman para o Estadão[16], a batalha travada na Ucrânia pode ser o evento mais transformador na Europa desde a 2ª Guerra Mundial e o confronto mais perigoso para o mundo desde a crise dos mísseis cubanos. Ele projeta três cenários possíveis para o final desta história: um “desastre total”, “compromissos sujos” ou “salvação”. O cenário de desastre é o que se desenrola agora – a menos que Vladimir Putin mude de ideia ou seja dissuadido, ele parece disposto a matar quantas pessoas forem necessárias, obliterar a Ucrânia como um estado e cultura independentes e erradicar sua liderança – tal cenário poderia desencadear crimes de guerra em uma escala não vista na Europa desde os nazistas; O segundo cenário é aquele em que, de alguma forma, os militares e o povo da Ucrânia são capazes de resistir à blitzkrieg – e as sanções econômicas começam a afetar a economia de Putin, de modo que ambos os lados se sentem compelidos a aceitar concessões sujas – em troca de um cessar-fogo e da retirada das tropas russas, os enclaves no leste da Ucrânia, atualmente sob controle russo, poderiam ser formalmente cedidos à Rússia (ou, como dito, transformados num novo “país”), enquanto a Ucrânia se comprometeria a nunca se juntar à OTAN; Finalmente, o cenário menos provável, mas o de melhor resultado: talvez o povo russo mostre bravura e compromisso com sua liberdade e traga a salvação mundialdepondo Putin – muitos russos devem estar começando a se preocupar que, enquanto Putin for seu líder, eles não terão futuro.

Perceba, caro leitor, que o cenário da “salvação” é quase impossível. Já aquele que preconiza o fim da batalha mediante “concessões sujas” é o mais provável (Putin já está quase lá, aliás). Porém, ele não acaba com a guerra em si, afinal, as sansões contra a Rússia seguirão valendo. Além disso, a batalha da Ucrânia levará a uma nova corrida armamentista mundial (inclusive Alemanha e Japão irão se rearmar, já a partir deste ano de 2022 – PESQUISE!!). A OTAN, ao contrário do que pretendia Putin, ganhou novo impulso e terá novas adesões em breve, como a Suécia e Finlândia. E o clima de “Guerra Fria” turbinada vai forçar a tomada de posição mundo afora (até mesmo a Suíça saiu da neutralidade, caro leitor), numa nova configuração geopolítica na qual qualquer fagulha poderá desencadear o armagedom. Lembre-se: a 2ª Guerra Mundial foi uma sequência de eventos, como em qualquer outra. Levou-se anos para a carnificina total se instaurar, mas, as sementes do mal começaram a ser plantadas muito antes, com invasões nazistas. De certa forma, o cenário atual é um assustador flashback, como frisou Fiona Hill.

Então, hoje, o que temos de mais concreto é que estamos firmes a caminho do “desastre total”, ou seja, a grande batalha da 3ª Guerra Mundial.Tanto é assim que a Rússia não deu a mínima quando bombardeou bairros residenciais inteiros para sitiar cidades ucranianas, ou quando furou o bloqueio civil e passou por cima do povo que pretendia impedir o avanço das tropas[17], ou quando bombardeou a maior usina nuclear do continente europeu[18] – o que poderia causar um desastre dez vezes maior do que aquele ocorrido em 1986 em Chernobyl[19]. Há inclusive relatos da utilização de bombas termobáricas[20]pelos russos em solo ucraniano, o que é de uma vileza poucas vezes vistas na história da humanidade. Aliás, o presidente francês, Emmanuel Macron, chegou à conclusão de que “o pior ainda está por vir”[21], após ter conversado ontem, por uma hora e meia, com Vladimir Putin em ligação telefônica.

“Talvez isso seja o inferno”, resumiu o ucraniano Oleg Rubak[22], que perdeu a esposa Katia num bombardeio russo realizado na cidade de Jitomir, a 150 km ao oeste de Kyiv. Ele brincava com a filha de um ano e meio no quarto de casa quando uma bomba caiu na parte dos fundos, matando sua esposa de 29 anos. O jovem viúvo disse à reportagem: “Preciso ser forte! Quero apenas que todo o mundo saiba o que aconteceu comigo”Isso é o que aguarda a todos nós…

Lendo essas palavras tristes, caro leitor, me recordei de duas coisas assustadoras, que no atual estágio das coisas, por alguma razão, me parecerem totalmente linkadas entre si, vejamos:

1) “Inverno nuclear”[23] foi uma expressão criada por um grupo de pesquisadores que relataram um suposto cenário climático da Terra depois de uma possível guerra nuclear em nível mundial. Mesmo no verão, as temperaturas tenderiam a uma redução para níveis muito abaixo do ponto de congelamento da água. A luz do dia seria drasticamente reduzida e essas condições poderiam durar vários meses, além de se espalharem para regiões muito distantes das atacadas, inclusive no Hemisfério Sul. Com a luz do sol bloqueada, a agricultura ficaria comprometida, dando origem a uma grande crise de abastecimento em todo o mundo que poderia durar alguns anos. Além disso, os ecossistemas do planeta seriam abalados, com um impacto inestimável sobre toda a diversidade de seres vivos. Graves prejuízos à saúde da população sobrevivente poderiam trazer doenças e mortes. Então, aqueles que não sucumbirem às armas nucleares em si, terão enormes chances de sucumbir às suas consequências.

2) “Helheim”[24], na mitologia nórdica, representa a casa dos mortos desonestos, ladrões, assassinos e aqueles que os deuses e deusas entendem que não são corajosos o suficiente para ir a Valhalla ou Folkvangr. Helheim é governado pelas malvadas Godhas Hel e representa um lugar muito sombrio e frio – qualquer pessoa que ali chegar nunca mais sentirá alegria ou felicidade. Hel usará todos os mortos em seu reino em Ragnarök para atacar deuses e deusas, num evento que implicará no fim do mundo.

Enfim, caro leitor, espero que não endosse a atitude de Putin. Há um inferno de gelo à frente!

Referências:

[1]https://novo.org.br/explica/russia-e-ucrania-um-resumo-da-historia-e-do-conflito/?utm_campaign=jornal_-_25022022_-_filiados&utm_medium=email&utm_source=RD+Station

[2]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/24/o-que-e-a-otan.ghtml

[3]https://mundoeducacao.uol.com.br/geografia/os-maiores-paises-mundo.htm

[4]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60564958

[5]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-53259155

[6]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60587864

[7] https://exame.com/mundo/de-comediante-a-alvo-no-1-quem-e-zelensky-presidente-da-ucrania/

[8]https://www.politico.com/news/magazine/2022/02/28/world-war-iii-already-there-00012340

[9]https://www.theguardian.com/commentisfree/2022/feb/28/vladimir-putin-war-russia-ukraine

[10]https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/03/putin-ja-redesenha-o-mapa-da-ucrania-enquanto-kiev-espera-assalto.shtml

[11]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/02/assembleia-geral-da-onu-aprova-resolucao-contra-invasao-da-russia-pela-ucrania.ghtml

[12]https://www.cnnbrasil.com.br/business/a-aposta-de-us-1-trilhao-do-ocidente-para-acabar-com-a-economia-russa/

[13]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/02/policia-russa-prende-sobrevivente-do-cerco-a-leningrado-durante-protesto-contra-a-guerra-na-ucrania-veja-video.ghtml

[14]https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/03/02/policia-russa-prende-sobrevivente-do-cerco-a-leningrado-durante-protesto-contra-a-guerra-na-ucrania-veja-video.ghtml

[15]https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/03/02/china-nao-vai-aderir-a-sancoes-contra-russia-diz-orgao-regulador-bancario.ghtml

[16]https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,ha-tres-cenarios-para-o-fim-da-guerra-na-ucrania-leia-o-artigo-de-thomas-friedman,70003996053

[17]https://g1.globo.com/globonews/jornal-globonews-edicao-das-18/video/nyt-ucranianos-formam-barricada-para-bloquear-tropas-russas-e-video-mostra-ataque-aereo-na-ucrania-10351047.ghtml

[18]https://g1.globo.com/mundo/ao-vivo/guerra-ucrania-russia-putin-invasao.ghtml

[19]https://br.noticias.yahoo.com/negocia%C3%A7%C3%B5es-sobre-cessar-fogo-terminam-172012494.html

[20]https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60581680.amp

[21]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/03/03/macron-acredita-que-o-pior-ainda-esta-por-vir-na-ucrania-apos-ligacao-com-putin.htm

[22]https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/03/03/sob-as-bombas-na-ucrania-oleg-lamenta-a-morte-de-sua-esposa-e-deseja-inferno-a-putin.htm

[23]https://www.infoescola.com/geografia/inverno-nuclear/#:~:text=%22Inverno%20nuclear%22%20foi%20uma%20express%C3%A3o,do%20mundo%20bipolar%20de%20ent%C3%A3o.

[24] https://mitologia-nordica.net/cosmologia-nordica/os-nove-mundos-na-mitologia-nordica/

FOTO: https://www.google.com/search?q=hitler+e+putin+ucr%C3%A2nia&rlz=1C1GCEA_enBR918BR918&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwikzv-B96z2AhUaHrkGHaiDBLYQ_AUoAXoECAEQAw&biw=1366&bih=657&dpr=1#imgrc=yIB8gALj9llBuM

Ricardo Dantas

Ricardo Dantas

Advogado