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terça-feira, 5 de março de 2024

O drama da Ucrânia e a arma econômica das sanções - Paulo Roberto de Almeida (Portal da revista Interesse Nacional)

Segunda parte de um grande artigo sobre as sanções econômicas, com referência à guerra da Ucrânia e à posição do Brasil nesse conflito. 

O drama da Ucrânia parte 2 – A arma econômica como arma de guerra

Paulo Roberto de Almeida

Portal da revista Interesse Nacional (5/03/2024); segunda parte do artigo: 

A primeira parte foi publicada na semana passada (27/02/2024), neste link: 

Na próxima semana será publicada a terceira e última parte.


A arma econômica como arma de guerra: as sanções nas frentes de combate

A Alemanha esteve no centro de sangrentos conflitos no coração da Europa, desde a guerra franco-prussiana de 1870 até a “segunda Guerra de Trinta Anos”, entre 1914 e 1945, que retirou a Europa do centro do mundo – que ela comandou praticamente desde a era dos descobrimentos, e mais exatamente desde a primeira revolução industrial – e que criou uma nova geopolítica mundial, uma bipolaridade entre os Estados Unidos e a Rússia, antecipada no século XIX por ninguém menos do que Tocqueville (Almeida, 2009). A Rússia, bem antes dos EUA, já intervinha nos assuntos asiáticos, nas franjas do Império Otomano ao sul, nos Balcãs e também no coração da Europa, do Elba até o Danúbio e nas partes geladas do Norte. A potência americana só aparece, de fato, bem depois da guerra civil, com a industrialização maciça ao norte e a rápida mecanização da agricultura nas planícies centrais. Seu début nos assuntos mundiais se dá na guerra hispano-americana de 1898 – quando Puerto Rico, Cuba e Filipinas passam ao seu controle –, quando uma nova praça financeira, Nova York, passa a oferecer capitais que anteriormente partiam majoritariamente da City londrina, e, mais concretamente, em 1917, quando os boys chegaram aos campos de batalha da França, e foram determinantes, com os ingleses e os próprios franceses, obviamente, na derrota do Império alemão, que se estiolou na frente ocidental, sem nunca ter perdido na frente do leste. 

Na verdade, o Reich pode ter sido levado ao armistício, em novembro de 1918, não tanto pela sorte dos soldados nas trincheiras da França, mas bem mais pelo peso das sanções econômicas que foram decisivas no seu enfraquecimento, dada a falta de combustíveis e insumos em geral, e sobretudo pela fome do povo alemão, isolado do resto do mundo pelo cerco das canhoneiras inglesas. O presidente Woodrow Wilson, que fez campanha em 1916 para sua reeleição, prometendo aos americanos que manteria os Estados Unidos fora da guerra europeia, teve de entrar no conflito devido ao afundamento de barcos comerciais e de passageiros americanos pela campanha submarina do Império Alemão, e a partir daí passou a propor formas de se estabelecer um armistício ou a cessação de hostilidades. Uma das “armas” de que dispunha para essa finalidade era a “arma econômica” das sanções, por ele descritas, no documento que apoiou seu projeto de paz mediante uma organização dedicada à sua defesa, no contexto das negociações de paz de Paris, em 1919. Um historiador descreveu a mobilização dessa arma da seguinte forma: 

That instrument was sanctions, described in 1919 by U.S. president Woodrow Wilson as ‘something more tremendous than war’: the threat was ‘an absolute isolation… that brings a nation to its senses just as suffocation removes from a individual all inclinations to fight… Apply this economic, peaceful, silent, deadly remedy and there will be no need for force. It is a terrible remedy. It does not cost a life outside the nation boycotted, but it brings a pressure upon that nation which, in my judgment, no modern nation could resist’. (Mulder, 2022; “Introduction: Something More Tremendous Than War”; Kindle edition)[1]

 

De fato, como informa Mulder, o bloqueio dos Impérios centrais e do Império Otomano na Grande Guerra, pelas forças navais da Grã-Bretanha e da França, levou centenas de milhares de pessoas à morte por fome e enfermidades. Como explica ainda o mesmo historiador, “As sanções mudaram a fronteira entre a guerra e a paz, produziram novos meios de mapear e manipular o tecido da economia mundial, mudaram a concepção do liberalismo sobre a coerção e alteraram o itinerário do Direito Internacional” (idem). Na verdade, o uso de sanções econômicas e mesmo o bloqueio naval completo não era novo na história dos conflitos internacionais. Um dos primeiros exemplos históricos de sanções econômicas está relatado na história da guerra do Peloponeso, por Tucídides: ele se refere ao banimento de mercadores da cidade-porto de Megara de comerciar com Atenas, em 432 AC, o que foi um dos vários exemplos de iniciativas infelizes da cidade-Estado democrática que lhe acarretou reveses diplomáticos que contribuíram para a vitória final de Esparta naquela longa guerra.

Na era moderna e contemporânea, entre outras oportunidades, sanções econômicas foram aplicadas, por exemplo, nas guerras napoleônicas. Depois da paz de Amiens, em 1802, uma pequena trégua nas lutas entre Napoleão e as monarquias europeias, a luta retomou em diversas frentes, inclusive na esfera naval: para derrotar a Grã-Bretanha, Napoleão tinha de vencer as forças coligadas anglo-espanholas, o que resultou na grande vitória do Almirante Nelson, em Trafalgar, nas costas espanholas do Mediterrâneo, em 1805. Mas, Napoleão conseguiu infligir pesadas derrotas contra a Áustria e a Prússia no continente, em 1806. Com essas vitórias, Napoleão decretou o bloqueio continental contra a Grã-Bretanha, invadindo, em 1807, os dois reinos ibéricos que ainda não tinham se submetido às suas pretensões, Espanha e Portugal. A Espanha deu início a uma guerra de guerrilhas contra o ocupante, mas a corte dos Braganças preferiu desertar o país e fugiu para o Brasil, sob a proteção britânica. O poderio naval britânico, no entanto, inverteu o sentido do bloqueio, e foi a França que se viu privada dos mares devido à vigilância da Royal Navy.

As sanções previstas na convenção da Liga da Nações, nos artigos 16 e 17, em caso de ameaça de guerra ou de guerra efetiva, compreendiam a cessação de todas as relações comerciais ou financeiras, assim como a proibição de todo e qualquer intercâmbio entre os nacionais dos Estados membros e os nacionais da parte agressora, assim como com nacionais de quaisquer outras partes, mesmo não membros da Liga. Elas pareciam efetivamente fortes o suficiente para impedir ou limitar o recurso à guerra entre os Estados membros, assim como com outros Estados não membros. A despeito da convenção da Liga, Estados membros e não membros recorreram à guerra nos anos 1930, começando pela invasão da Manchúria pelo Império do Japão em 1931, pelo ataque à Abissínia (Etiópia) pela Itália fascista em 1936), pela intervenção armada na Guerra Civil Espanhola em 1936-39 pela Alemanha hitlerista e pela mesma Itália fascista, a despeito da neutralidade da maior parte dos demais Estados, assim como por toda a violência armada e ameaças de uso da força pela Alemanha hitlerista na anexação da Áustria e de parte do território da Tchecoslováquia, em 1938-39 (esta última seguida da anexação do resto do território em 1930-40), assim como, a invasão e esquartejamento da Polônia pela Alemanha nazista e pela União Soviética em 1939, sem esquecer a guerra da URSS contra a Finlândia em 1940 e a anexação dos Estados livres da Estônia, Lituânia e Letônia igualmente em 1940. A Liga ainda recomendou e ameaçou sanções contra os Estados agressores, mas elas foram totalmente inoperantes ou não implementadas pela maior parte dos Estados membros.

Sanções econômicas, no mundo contemporâneo da ONU, previstas nos artigos 41 e 42 da Carta, foram amplamente utilizadas contra certos Estados membros, muitas vezes de maneira unilateral – e, portanto, em princípio de forma ilegal –, como por exemplo dos EUA contra Cuba, contra o Irã e outros países menores, mas também de forma legal, ou pelo menos sancionadas por alguma resolução do CSNU, como contra a África do Sul dos tempos do Apartheid, ou contra o Iraque de Saddam Hussein, antes e depois de sua invasão do Kuwait. Mas, o que diz a Carta das Nações Unidos sobre as sanções? Os dispositivos principais estão contidos nesses dois artigos, mas sua aplicação depende, obviamente da aprovação do seu Conselho de Segurança, algo que é extremamente difícil de ser obtido quando os interesses nacionais de um dos membros permanentes do CSNU estão em jogo. A razão é muito simples, uma vez que as sanções econômicas são ofensivas por sua própria natureza, impondo restrições aos intercâmbios com a parte agressora, uma espécie de exercício de força, ainda que feita à distância. Eis o teor dos dois artigos da Carta tratando diretamente da questão:

Artigo 41

O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas as suas decisões e poderá instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de qualquer espécie, e o rompimento de relações diplomáticas.

 

Artigo 42

No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas previstas no Artigo 41 seriam inadequadas ou demonstrarem que são inadequadas, poderá levar a efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessário para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas. (Legislação de Direito Internacional, 2008, p. 1097)

 

Em outros termos, de forma similar, mas não semelhante, à Liga das Nações, a Carta da ONU prevê medidas muito constrangedoras do ponto de vista econômico, incluindo a interrupção das relações diplomáticas, a cessação dos intercâmbios econômicos e até o bloqueio do país agressor, por diversos meios, por forças das Nações Unidas, mas tudo isso depende de uma decisão do CSNU, o que é virtualmente impossível caso o direito de veto atribuído a cada um dos seus cinco membros permanentes seja exercido. Mas, registre-se também, que o artigo 24 da Carta afirma que os membros da ONU “conferem ao Conselho de Segurança a principal (main) responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais” (idem, p. 1094), ou seja, essa responsabilidade não pode ser exclusiva do CSNU, pois que, como dito no inciso 5 do artigo 2º.: 

Todos os membros darão às Nações toda assistência em qualquer ação a que elas recorrerem de acordo com a presente Carta e se absterão de dar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo. (idem, p. 1091)

 

A questão do cumprimento dos princípios e objetivos da Carta da ONU apresenta um paradoxo impossível de ser solucionado, sem uma reforma da própria Carta, o que também se afigura uma quadratura do círculo, como implícito ao seu artigo 6º:

O Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta [o que inclui, objetivamente, todas as ações perpetradas pela Rússia em sua guerra de agressão à Ucrânia], poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral [mas, e este é um enorme, gigantesco, mas, apenas] mediante recomendação do Conselho de Segurança. (p. 1091)

 

A menção, feita acima, a “forças das Nações Unidas”, refere-se à existência, prevista no artigo 47, de uma Comissão de Estado Maior, 

destinada a orientar e assistir o Conselho de Segurança, em todas as questões relativas às exigências militares do mesmo Conselho, para a manutenção da paz e da segurança internacionais, utilização e comando das forças colocadas à sua disposição... [e que]

...será responsável... pela direção estratégica de todas as forças armadas postas à disposição do dito Conselho. (op. cit., p. 1098)

 

Esse mesmo inciso (3) do artigo 47, termina pateticamente por afirmar que “As questões relativas ao comando dessas forças serão resolvidas ulteriormente.” Dispensável dizer que elas nunca foram resolvidas, pois que cada força de intervenção da ONU (de imposição ou de manutenção da paz) apresentou um histórico peculiar quanto ao comando: supõe-se, por exemplo, que as forças americanas presentes na Coreia, em 1950-53, ou na Arábia Saudita e no Kuwait, em 1991, tenham respondido mais aos generais do Pentágono, e ao próprio presidente americano, do que a qualquer Comissão militar do CSNU. 

Antes de qualquer ação de imposição da paz em algum conflito levado a debate na ONU, é presumível que os membros das Nações Unidos, assim como seu Conselho de Segurança, tenham aplicado as sanções previstas nos artigos já referidos. Um debate talvez especioso – sobretudo no caso do Brasil – instalou-se a respeito de serem essas sanções legítimas ou ilegítimas, no caso sancionadas multilateralmente (e só o são pelo CSNU, que dita a Lei, mas nem sempre o Direito), ou aplicadas unilateralmente, o que, alegadamente, as tornariam não passíveis de cumprimento pelos países membros. Cabe, todavia, ressaltar que as sanções unilaterais impostas por alguns membros da ONU contra a Rússia, desde o início de sua guerra de agressão contra a Ucrânia, ainda que não autorizadas expressamente pelo CSNU, situam-se, inteiramente, dentro do espírito e da letra dos artigos da Liga das Nações e dos da Carta da ONU que tratam da possibilidade de sua aplicação contra violadores de suas respectivas convenções constitutivas. Diversas sanções foram aplicadas, por exemplo, contra a África do Sul do Apartheid por vários membros da ONU, unilateralmente, portanto, antes que várias delas se convertessem em multilaterais, quando a pressão da opinião pública internacional – vale dizer, dos países ocidentais – obrigou o Conselho a finalmente tomar uma posição, convertendo-as em obrigatórias para todos (ainda que muitos elidissem o espírito e a letra das determinações do CSNU). 



[1] Tradução livre: Esse instrumento eram as sanções, descritas em 1919 pelo presidente americano Woodrow Wilson como ‘uma coisa mais tremenda do que a guerra’: a ameaça era de um ‘absoluto isolamento… que leva a nação aos seus sentidos, assim como a sufocação remove de um indivíduo qualquer disposição a lutar… Aplique esse remédio econômico, pacífico, silencioso, mortal, e não haverá mais necessidade do uso da força. É um remédio terrível. Não custa nenhuma vida fora da nação boicotada, mas ele cria uma pressão sobre aquela nação, a que, em meu entendimento, nenhuma nação moderna pode resistir’.


* Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, mestre em Planejamento Econômico pela Universidade de Antuérpia, licenciado em ciências sociais pela Université Libre de Bruxelles, 1975). Atua como professor de economia política no Programa de Pós-Graduação em direito do Centro Universitário de Brasília (Uniceub). É editor adjunto da Revista Brasileira de Política Internacional.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional. 

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Lênin ainda vive? Assim parece - Astier Basílio

 100 anos depois, um fantasma ronda a Rússia: o camarada Lênin ainda vive 


Astier Basílio 


 

Quem entrar na Praça Vermelha pela direção do Jardim de Alexandre, onde está o Túmulo do Soldado Desconhecido e a famosa chama eterna, dará com uma das entradas de acesso ao principal cartão postal da Rússia. É ali que se localiza a única entrada do mausoléu construído em 1924 para guardar o corpo mumificado de Vladimir Ilyich Ulianov, universalmente conhecido como Lênin, o fundador da União Soviética. Não é cobrado ingresso. A pirâmide, cujo formato em granito veio a ser erguido em 1930, suplantando versões anteriores de madeira, distribui-se por 12 metros de altura e 2.400 metros cúbicos de área interna. Seu acesso é permitido após uma segunda vistoria realizada pelos guardas, e o visitante precisa seguir outra vez por um detector de metais. Não se pode entrar com mochila, qualquer tipo de líquido, nem fazer imagens de nenhuma natureza lá dentro. O mausoléu abre todos os dias, menos sexta e segunda-feira, e o horário de visitação é restrito: das 10h às 13h. Mergulha-se em total escuridão nos degraus que se seguem à entrada, e mal se consegue ver o primeiro dos cinco guardas que se postam nas dependências do recinto. Do topo da pirâmide incide uma iluminação que, de súbito, encadeia a visão. É como se estivéssemos num teatro. Uma espécie de ilusão ótica faz com que o corpo morto há 100 anos seja banhado por uma luminosidade que sonega os detalhes de sua decadência: não é possível ter uma percepção nítida dos traços fisionômicos de Lenin devido ao jogo de luz e sombra que é construído. No último 21 de janeiro, em celebração à data que marcou o centenário da morte de Lênin, as bandeiras vermelhas voltaram a ser predominantes no Kremlin. A Rússia hoje tem 21 partidos políticos em funcionamento, mas apenas 5 possuem representação na Duma Federal, o equivalente à nossa Câmara dos Deputados. Os comunistas são o segundo maior partido. Nas últimas eleições, obtiveram pouco mais de 18% dos votos e elegeram 57 representantes, mas nem se comparam com a performance obtida pela Rússia Unida, a agremiação de Vladimir Putin, que arrebanhou 49% do eleitorado e elegeu 324 parlamentares. Por 70 anos, o Partido Comunista deteve o monopólio da existência política. A decisão foi tomada quando Lênin ainda era vivo, em 1921, um ano antes da criação da União Soviética. No X Congresso do Partido Comunista, passaram uma resolução pelo fim das facções internas, o que na prática redundou na existência de um partido único. Tal situação se manteve inalterada até a implantação das reformas no governo Gorbachev, a “perestroika” e a “glasnost”, que acabaram por acelerar a queda do regime. Desde 1993, a liderança do partido comunista está nas mãos de Guennadi Ziugánov, 78 anos, um deputado em seu oitavo mandato na Duma. Seu rosto estampou os cartazes de campanhas presidenciais derrotadas em 1996, 2008 e 2012. Como acontece todos os anos, foi um Ziugánov paz e amor, segurando rosas, quem conduziu a pequena multidão ao mausoléu. Desde o final da União Soviética, em 1991, os russos discutem sobre a permanência ou não da múmia de Lênin na Praça Vermelha. Como não poderia deixar de ser, o centenário de morte do líder máximo do Partido Comunista não só trouxe este tema à baila como foi marcado por polêmica. Mais da metade da população russa hoje deseja que a múmia do líder proletário saia da Praça Vermelha e seja enterrada. Conforme números divulgados pelo VCIOM (Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Rússia), 33% da população acreditam que o corpo deve se manter onde está, enquanto que 30% desejam que seja “enterrado rapidamente” e 27% apoiam a ideia, mas desejam que o enterro seja realizado “mais tarde”, o que perfaz um total de 57% de pessoas favoráveis à retirada do corpo do mausoléu. Os números da pesquisa foram divulgados poucos dias antes do centenário da morte de Lênin. O deputado Leonid Slutsky, 56 anos, do Partido Liberal Democrata da Rússia, escreveu em seu canal no Telegram: “Minimamente, o descanso do falecido é muito importante para os cristãos e as pessoas civilizadas como ritual de manifestação de respeito à memória. Ao passo que o próprio Lênin gostaria de ser enterrado ao lado de sua mãe. Acho que chegou o tempo de realizarmos o desejo do revolucionário.” Quem não gostou nem um pouco da declaração foi o presidente do comitê do Partido Comunista, Sergei Malinkovich, 48 anos. Ele anunciou que vai pedir à Duma a cassação do mandato de Slutsky, argumentando que sua proposta “incita a discórdia” e está em contradição com o “curso da consolidação da sociedade”, no período da operação militar na Ucrânia. Quando a União Soviética entrou em colapso, a Rússia era a república que liderava o ranking com a maior quantidade de monumentos em homenagem à memória de Lênin (7 mil), seguida pela Ucrânia (5.500). Os dados foram disponibilizados pelo projeto especial “Lenin statues”. Desde 2013, a Ucrânia vem passando por um processo de “descomunização” que consiste na derrubada de estátuas relacionadas à União Soviética e, após a guerra, à Rússia como um todo. Os dados mais atualizados da página, que vão até janeiro de 2021, dão conta de que na Rússia o número de monumentos a Lênin caiu para 6 mil; na Ucrânia, como era de se esperar, a queda foi bem mais significativa: sobraram apenas 350 monumentos. Embora Putin tenha se referido criticamente a Lênin em várias ocasiões, tem acontecido um fenômeno curioso desde o início da guerra com a Ucrânia. Se a derrubada das estátuas do líder bolchevique tornou-se uma espécie de símbolo da libertação, a restauração desses mesmos monumentos tem se constituído em uma marca comum às cidades ucranianas que passaram ao controle russo, como em Mariupol e no distrito municipal de Belokurakinski, na república popular de Lugansk, entre outros. Apesar disto, na página oficial da presidência da República não houve qualquer menção à efeméride. Por ironia do destino, na entrevista coletiva que concede tradicionalmente no final do ano, Putin respondeu à última pergunta – o que o Putin de 2022 diria ao de 2000 – com uma citação de Lênin: “Siga pela estrada certa, camarada!” A relação de Putin com o legado de Lênin é conflituosa. No mesmo encontro anual com a imprensa, em 2019, ao ser instado a avaliá-lo, disse: “Com relação à figura de Lênin na nossa história e, especialmente falando, como eu o avalio, posso dizer que ele não foi um estadista, mas um revolucionário, na minha opinião.” Por sua vez, uma das figuras públicas de maior prestígio que defende ardorosamente o legado de Lênin é o escritor Zakhar Prilepin, 48 anos, um aliado de primeira hora de Putin – tendo sofrido inclusive um atentado terrorista por suas posições pró-Rússia na guerra anti-Ucrânia. Em uma das últimas edições de seu programa de televisão, Lição russa, Zakhar Prilepin destacou a importância de Lênin não apenas na história de seu país como no cenário mundial. “Ele é o russo mais conhecido em todo o mundo.” Ao enumerar sua importância na geopolítica nos dias de hoje, Prilepin falou da citação a Lênin na Constituição da China, de sua influência na Índia, no Vietnam, Cuba e América Latina: “Brasil e Venezuela são governados por socialistas,” avaliou. O Canal 1, a emissora de maior audiência na Rússia, mostrou Lenin, o homem que mudou tudo. O programa foi uma espécie de debate entre, de um lado, o líder comunista Guennadi Ziugánov e, do outro, o deputado pela Rússia Unida, Vyacheslav Nikonov, 67, neto de um quadro histórico do Partido Comunista, Molotov (1890-1986), o mesmo que dá nome ao pacto de não-agressão com o ministro da Alemanha nazista, Ribbentrop, assinado em 1939. Durante o programa, que teve uma hora de duração, Ziugánov e Nikonov manifestaram pontos de vista bem opostos. Um dos momentos de maior tensão foi quando Nikonov fez menção ao ateísmo de Lenin. “O senhor vai negar que ele era ateu?” Ziugánov, por sua vez, como se estivesse esperando por aquela pergunta, leu trechos do discurso do patriarca da igreja ortodoxa por ocasião da morte de Lênin. No programa de notícias da emissora, apresentado na sequência, foi exibida uma reportagem de 13 minutos na qual Lênin foi comparado a um Prometeu que, ao invés de trazer o fogo, levou a eletricidade aos rincões da Rússia agrária. O programa ouviu historiadores que mostraram manuscritos com ordem expressa de Lênin para a execução pública de inimigos. Praticamente todos os veículos da imprensa russa trouxeram reportagens, matérias e artigos relacionados aos 100 anos da morte de Lênin. O tom, como se pode ver pelas manchetes abaixo, foi o mais diversificado possível: Izvestia: “Segredo da preservação do corpo” Argumenty i Fakty: “Por que os bolcheviques mataram parentes de Lênin nos Urais?” e “No mausoléu: um boneco e Lênin em Petersburgo? Mitos e verdade sobre o corpo de Lenin”. Komsomolskaia Pravda: “Familiares queriam congelar o corpo.” Ainda de acordo com a pesquisa do VCIOM, 88% da população russa sabem ou já ouviram falar em Lênin, e 36% avaliam que as ações do líder foram “úteis” para o país. Outros 19% as acharam “ruins”, e 30% acham que houve uma “metade boa e outra ruim.” Será que os jovens na Rússia de hoje dão alguma importância ao legado de Lênin? Na rádio Sputnik, Dmítri Juravlióv, diretor do Instituto de problemas regionais e professor universitário, ao ser perguntado como Lênin é visto pelos jovens estudantes, respondeu que, entre os que defendem as ideias esquerdistas, “os jovens politizados, que gostam de resoluções fáceis, estão mais próximos de Lênin”. E acrescentou: “Para a juventude que procura justiça, mas não sabe onde encontrá-la, Lênin é muito popular.” No andar em que moro reside um destes jovens. Faz alguns meses, ele nomeou sua rede de internet, assim: “Lenin > capitalism”. Mas não era uma rede livre. O acesso estava fechado por senha. 

Astier Basílio é jornalista, escritor e tradutor, mestre em literatura russa pelo Instituto Púchkin e autor de mais de dez livros. 

Leia mais em https://braziljournal.com/100-anos-depois-um-fantasma-ronda-a-russia-o-camarada-lenin-ainda-vive/?utm_source=Brazil+Journal&utm_campaign=87bf697c8a-weekendjournal-0402024-1-_COPY_01&utm_medium=email&utm_term=0_850f0f7afd-87bf697c8a-427950289 .

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

O impasse na Ucrânia: poucas armas, poucos avanços nas frentes de batalha: O Ocidente perdeu a vontade? - Ishaan Tharoor, Sammy Westfall (WP)

 

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

A Rússia é uma violadora serial da lei internacional, e distorce e mente deliberadamente sobre fatos e procedimentos - Anton Gerashchenko

Sobre o avião derrubado em Belgorod com "prisioneiros de guerra" à bordo.

Anton Gerashchenko
Il-76 crash in Belgorod region: violation of the laws and rules of war. Assessment of the situation. Russia officially stated that "Ukrainian prisoners of war who were allegedly on board, allegedly died". ▪️ As of today, we know two facts: 1. The plane was shot down; 2. A prisoner exchange was planned but did not take place. ▪️ The plane went down on Russian territory - outside of Ukraine's control. ▪️ International experts must determine whether the facts are true. Ukraine insists on an international investigation - President Zelenskyy. ▪️ The Security Service of Ukraine has opened a criminal investigation of the crash of the Il-76 (SSU confirmed this in a comment to Radio Liberty). There are currently three hypothetical versions of what the plane could have been carrying: 1️⃣ there were no Ukrainian prisoners of war on board; 2️⃣ there were prisoners of war on board; 3️⃣ in addition to prisoners of war, there was military cargo on board. All three options mean a blatant violation of the Geneva Conventions. The first one assumes that the aggressor organized a provocation and was preparing for it. This is a gross violation of the Third Geneva Convention by the Russian Federation and a war crime committed by Russians: repressions, i.e. killing prisoners of war in another place and in another way and taking prisoners of war as hostages. The second option is also a violation of the Third Geneva Convention by the Russian Federation - a violation of the laws and customs of war. The Convention requires that the ICRC and the Protecting Power, i.e. an official intermediary, be involved in the exchange of prisoners of war and monitoring of their condition. The Russian Federation sabotages the appointment of the Protecting Power and does not allow the ICRC to participate in the negotiation and exchange processes. According to Article 23 of the Geneva Convention, "no prisoner of war may at any time be sent to or detained in areas where he may be exposed to the fire of the combat zone, nor may his presence be used to render certain points or areas immune from military operations". The third option includes such war crimes of the Russian Federation as taking hostages in the form of a "human shield" on an airplane to "cover" the transportation of cargo (could be missiles for the shelling of Kharkiv. Earlier, there were several reports of S-300 missiles being delivered by Il-76 aircraft in Belgorod region). Any hypothetical scenario, even the saddest one, described above, does not imply international responsibility of Ukraine and the Ukrainian military. By commenting on the situation with the plane, Russian propaganda is trying to gain international support. If it succeeds, it could mean that the tactic of suddenly killing Ukrainian prisoners of war could be used again. We remember how Russia and its propaganda acted when commenting on the massacre of Ukrainian prisoners of war in Olenivka and the explosion of the Kakhovka HPP. This is the same handwriting of a terrorist country. "Russia consents to an international investigation into the crash of the Il-76 with Ukrainian prisoners of war near Belgorod on condition that it is seen as an investigation into the "criminal actions of the Kyiv regime" - presidential spokesman Dmitry Peskov said this morning. In fact, this means rejecting an international expertise. And that speaks volumes.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

A Rússia é um ESTADO TERRORISTA: Lula fica tranquilo em suas relações pessoais com Putin?

 O Itamaraty JAMAIS soltou uma nota lamentando a perda de vidas humanas em decorrência dos ataques terroristas da Rússia.

POR QUE ISTO? 

Provavelmente não terei respostas, nem do Itamaraty, nem da Presidência.

Não sei como classificar essa abjeção moral.

Paulo Roberto de Almeida


From Foreign Policy, Dec 29, 2023: 

At least 30 people were killed and more than 160 people injured in Ukraine on Friday in what Kyiv called the biggest missile bombardment since Russia began its all-out invasion of the country in February 2022. Russia struck the cities of Kyiv, Odessa, Dnipro, Kharkiv, and Lviv using “nearly every type of weapon in its arsenal” and hit homes and a maternity hospital, Ukrainian President Volodymyr Zelensky told the BBC.

Ukraine’s air defenses were overwhelmed by the attacks, and an Air Force spokesperson said Kyiv had never seen so many types of missiles used at once. The United Nations humanitarian envoy for Ukraine, Denise Brown, said the attacks constituted “another unacceptable example of the horrifying reality” that Ukrainians face. U.S. President Joe Biden also condemned the attacks, saying that Russian President Vladimir Putin “must be stopped.”

“The enemy is attacking our border territories, including in the west,” Yuriy Ihnat, spokesperson for Ukraine’s Air Force, said on national television. “This is another signal for our partners to strengthen the Ukrainian air defense.” Additional U.S. lethal and economic aid to Ukraine is still tied up in Congress. Republicans are demanding a deal on tougher U.S.-Mexico border security, including putting tougher asylum claims in place and boosting border enforcement, in exchange for aid to Ukraine.

Russia admitted earlier this week that Ukraine damaged one of this Black Sea warships. After Friday’s bombardment, a Russian Defense Ministry spokesperson simply said Moscow had hit “all the designated military targets.” But it wasn’t only Ukrainian air space that was involved: Poland has said that it believes a Russian missile entered Polish airspace for nearly three minutes before entering Ukraine. Polish President Andrzej Duda called an emergency security meeting; he later said there was “no threat at the moment.”

U.S. National Security Advisor Jake Sullivan spoke with his Polish counterpart, Jacek Siewiera, on Friday to articulate “United States’ solidarity with Poland, our close NATO ally, as it deals with reports of a missile temporarily entering Polish airspace,” according to the White House. Sullivan also promised Poland technical assistance.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

OPEP+: manobras sombrias com participação do Brasil de Lula? - Anton Geraschenko

 Esta é a realidade do foro ao qual Lula acaba de associar o Brasil:

“ Judging by the statements of Saudi officials prior to Vladimir Putin's  visit to the Arabian Peninsula, Arab oil-producing countries are  dissatisfied and even annoyed with Russia's attitude as a member of the  OPEC+ alliance - the Moscow Times.

Preparing to meet the Russian  leader, the OPEC secretariat held a meeting on December 4 where  representatives of the Russian Ministry of Energy, employees of five  international organizations that analyze the state of the oil market, as  well as five agencies that monitor tanker traffic were present.

The  observers' main complaint was the lack of transparency of information  on the Russian side, especially regarding data on oil exports.

"We  wanted to convince our friends in Russia to share data on crude oil and  oil product exports," the Saudi minister told the attendees.

According  to Prince Abdulaziz, the Russian representatives agreed to provide  answers to many of the questions raised and to participate in other such  meetings regularly on the fifth of each month.

Oil and gas  analysts from the Persian Gulf are reportedly extremely mistrustful of  the promises of Russian officials, who have not previously been seen as  particularly keen on providing reliable information to their partners.  They recall in conversations that the Saudi minister has repeatedly  complained about the lack of data transparency from Russia.

Russia's  OPEC+ partners have no idea how much oil Russia actually produces, even  though manipulating the number of barrels is the cartel's main tool in  its efforts to stabilize the oil market. Instead, assurances are coming  from Moscow that for the sake of solidarity with its alliance partners,  Russia is indeed reducing.... not production, but exports.

In  1998, for example, Russia vowed to OPEC to cut its production by 7% but  left it at the same level. The following year, a new promise was made,  this time to cut by 100 thousand barrels per day, however, at the end of  the year the average daily production of Russian oil did not fall, but  increased from 6.17 to 6.18 million barrels. In early 2002, Moscow  announced that it was cutting production by 150 thousand barrels per day  under an agreement with OPEC - and by the third quarter, it had already  become clear that Russian oil producers were ahead of all their plans  to increase production.

In the fall of 2016, Russia, which by  that time had reached its peak production of 11.23 million barrels per  day, promised the cartel to cut this volume by 300 thousand barrels, but  there was no change in volumes in 2016 and 2017.

All the promises turned out to be just promises.

Russia  formally acts as the Saudis' main ally in OPEC+ and declares voluntary  measures to reduce oil supplies to the world market, but as Prince  Abdulaziz's remarks show, there is still a long way to go before a true  sincere, and honest partnership.

Putin's "Arabian tour" is meant  to show the world and the Russian population that somewhere on the globe  there are still countries that are willing to receive him as a guest  and not as a war criminal.

Mikhail Krutikhin, Russian economic analyst, and oil and gas market specialist, in the Moscow Times.”

From Anton Geraschenko