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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Rodrigo Maia traído por ACM Neto, quer criar um bloco de oposição a Bolsonaro (Valor Econômico)

 “UM AMIGO DE 20 ANOS ENTREGOU NUMA BANDEJA NOSSA CABEÇA AO PALÁCIO”!


(Valor Econômico, 08) A vida do deputado Rodrigo Maia (RJ) passa por profundas mudanças. O fim de seu mandato na presidência da Câmara não o fez trocar apenas de lar, a ampla residência oficial por um apartamento funcional como o de outros parlamentares, mas também de partido. A disputa pelo comando da Casa provocou um racha no DEM, sigla da qual ele promete sair para fazer oposição ao presidente Jair Bolsonaro.

Em sua primeira entrevista exclusiva desde que deixou o cargo, Maia não poupou críticas ao presidente do DEM, Antonio Carlos Magalhães Neto. Disse ter demorado a perceber que fora traído por um amigo de 20 anos, que levou o partido à neutralidade, em vez de fechar apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), o que favoreceu o candidato governista e vencedor da disputa, Arthur Lira (PP-AL). “Mesmo a gente tendo feito o movimento que interessava ao candidato dele no Senado, ele entregou a nossa cabeça numa bandeja para o Palácio do Planalto”, desabafou ao Valor.

Para Maia, o movimento conduzido pelo presidente do DEM, de aproximar o partido ao governo Bolsonaro, faz com que a legenda retome sua origem de direita ou extrema-direita e afastará o apresentador Luciano Huck.

O deputado esquivou-se quando perguntado para qual partido irá e disse que pedirá sua desfiliação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem pressa ou briga. “Estarei num partido que será de oposição ao presidente Bolsonaro”, assegurou. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Valor: Quais são seus próximos passos após a derrota? Irá mesmo deixar o DEM? Para qual sigla irá?

Rodrigo Maia: Não adianta falar primeiro o que eu vou fazer. As pessoas que me acompanham têm que entender por que eu vou fazer. Trabalhamos a mudança de posicionamento do então PFL até virar DEM e todo o posicionamento para se tornar um partido nacional. Isso começa em 1995, quando convidam meu pai, Cesar Maia, e o Jaime Lerner, para ingressar no partido, políticos que vinham de uma origem de centro-esquerda, e tiram o partido da Internacional Liberal, uma aliança internacional dos partidos de direita e extrema-direita, para aderir à Internacional Democrática. A intenção na época era exatamente tirar a pecha do DNA originário da Arena para se transformar num partido de fato de centro, centro-direita no máximo, que pudesse ter força em mais segmentos da sociedade e tivesse condições de vencer.

Valor: A eleição da Câmara mudou isso de que forma?

Maia: O grande problema é que o partido voltou ao que era na década de 1980, para antes da redemocratização, quando o presidente do partido aceita inclusive apoiar o Bolsonaro. Isso por decisão da direção partidária. Não é relevante, do ponto de vista do processo político, como cada deputado vota numa eleição para presidente da Câmara. Mas a movimentação da cúpula do partido, principalmente do seu presidente e do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, deixou claro que há a intenção de aproximação maior com o governo Bolsonaro, que não será apenas uma relação parlamentar com a agenda econômica, mas mais ampla.

Valor: E quais as consequências?

Maia: A frase do presidente do partido terá preço grande a pagar por muitos anos. É um partido sem posição. “Posso ir do Bolsonaro ao Ciro Gomes.” Eu não posso ir do Bolsonaro ao Ciro Gomes. Ninguém que queira fazer política de forma orgânica pode. Isso não é um projeto de país. Isso é projeto de partido voltando a ser exclusivamente parlamentar e anexado a um governo. Esse movimento que desfaz tudo que construímos desde a década de 90 e que faz ter clareza de que não teremos nenhuma condição de construir um partido forte de centro-direita, que possa ter inclusive uma candidatura presidencial. Deste partido eu não tenho mais como participar porque não acredito que esse governo tenha um projeto, primeiro, democrático e, segundo, de país. Continuo dizendo que o governo é um deserto de ideias. O DEM decidiu majoritariamente por um caminho, voltando a ser de direita ou extrema-direita, que é ser um aliado do Bolsonaro.

Valor: O senhor acha que o presidente do DEM fez isso para ter apoio na disputa pelo governo da Bahia?

Maia: Não sei por quê. Não conversei mais com o Neto. Diferentemente do que ele imagina, na verdade o que o Bolsonaro conseguiu foi quebrar a nossa coluna, que era toda acordada, de que nunca estaríamos no governo Bolsonaro e nunca apoiaríamos o Bolsonaro. Isso eu ouvi do presidente ACM Neto centenas de vezes.

Valor: O senhor vai para o Cidadania, o PSDB ou o PSL?

Maia: Isso é tudo especulação. Ainda não estou decidindo para qual partido eu vou. Apenas quero deixar claro para os que me acompanham e acompanharam meus quatro anos e sete meses à frente da Câmara que não sou um vendido, que tenho caráter, que [não] construí um bloco com partidos de direita e esquerda para enganar essas pessoas. Estarei num partido que será de oposição ao presidente Bolsonaro. O partido a que vou me filiar será de oposição, diferentemente do ACM Neto, que fala uma coisa em “off” e em “on” fala outra, que diz que não apoia de jeito nenhum e ao mesmo tempo dá entrevista dizendo que pode ir do Ciro ao Bolsonaro. Mostra que não tem ou perdeu a coluna vertebral.

Valor: Na sua opinião, por que ele fez esse movimento então?

Maia: Porque está no DNA dele, né? A direita está no DNA dele, mas sem o talento do avô e do tio, que nunca teriam feito o que ele fez, de participar de um acordo, ratificar esse acordo e depois comandar o caminho para uma neutralidade que era exatamente o que interessava ao governo. É óbvio que o avô e o tio nunca fariam isso de falar uma coisa e construir outra.

Valor: Quando o senhor percebeu que ele estava traindo?

Maia: Pela relação de muitos anos, só percebi depois da reunião que foi feita comigo e com os líderes partidários antes da reunião do DEM, no domingo à noite (dia 31 de janeiro). Do Caiado eu percebi antes. Ele dizia que não podia ficar contra mim de jeito nenhum... e nenhum voto dele vinha. A participação do Neto eu de fato só consegui acreditar no domingo. Ele veio na quarta-feira, para uma reunião comigo, o Caiado, o Rodrigo Garcia, e a gente fazendo parte daquele papelão. Não podia imaginar que um amigo de 20 anos ia fazer um negócio desses. Todo mundo dizia que ele tinha feito acordo. O Palácio dizia que ele tinha feito acordo, [o presidente do PP] Ciro Nogueira dizia que o DEM ia ficar neutro e eu falava que não, que o Neto tinha me dito que não.

Valor: Nessa reunião com ACM Neto e Caiado, depois dos cinco deputados do DEM da Bahia declararem apoio ao Lira, eles se mostraram alinhados ao Baleia ali?

Maia: O Caiado foi mais pessimista. Ali já era a consequência de tudo que foi construído. Depois que você deixa o deputado solto para ele tomar a decisão que ele quiser, não orienta que há um acordo, não passa a informação correta pra ele... Combinei tudo com o presidente e o líder do partido. Até meu discurso de formação do bloco, um discurso duro, enviei para o Neto e ele concordou, disse que estava espetacular. Trabalhei no DEM por 20 anos para transformá-lo num partido de centro, centro-direita, e o partido decidiu não apenas pelos seus deputados, mas pela sua direção, que é um partido que tende a ser de direita, extrema-direita, apoiando o Bolsonaro.

Valor: Se o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) fosse o candidato do bloco, o desfecho seria outro?

Maia: O Elmar nunca foi o candidato do Neto. O Neto nunca trabalhou para um candidato do DEM na Câmara. Ele decidiu trabalhar para um candidato do DEM no Senado. A partir daí, tive que trabalhar para candidato de fora do DEM porque nunca poderia disputar as duas Casas. Quando consolidou a candidatura do Rodrigo Pacheco [DEM-MG] no Senado, foi impossível nome do DEM na Câmara, até porque a candidatura do Baleia foi vital para inviabilizar a Simone Tebet [do MDB, no Senado]. Fizemos todo o movimento alinhado com o Neto. Tudo foi ouvindo as posições e preocupações dele.

Valor: O senhor espera uma saída cordial ou que no DEM queiram tirar o seu mandato?

Maia: Não espero nada. Vou pedir minha saída no TSE, não tenho dez anos. Não vou brigar com ninguém. Estou fazendo crítica política. Hoje posso dizer que sou oposição ao presidente Bolsonaro. Quando era presidente da Câmara, não podia dizer. Mas agora quero um partido que eu possa dormir tranquilo de que não apoiará [o presidente]. Não estou criticando aqueles que defendem. Estou dizendo que nesse projeto não há espaço para mim. Não quero participar de um projeto que respalda todos os atos antidemocráticos.

Valor: Quantos correligionários o senhor pretende levar para o novo partido com a saída do DEM?

Maia: Não estou preocupado com quem vai comigo. Estou preocupado que eu não posso ficar. A questão para onde vou eu terei tempo para construir, conversando com os partidos sobre um projeto para 2022. Agora, a minha necessidade de informar que não estou mais no DEM para mim é muito importante. As pessoas ficam me dizendo para esfriar a cabeça. Minha cabeça está muito fria. Depois de quatro anos e sete meses pelo que eu passei, isso é muito tranquilo, não deixo de dormir por nada disso. Foi um processo muito feio do Neto e do Caiado. Ficar contra é legítimo, falar uma coisa e fazer outra não é legítimo. Não posso, depois de ter construído relação de confiança com muita gente, parecer que sou parte desse processo não da bancada, mas da direção, de não cumprir sua palavra. Falta caráter, né? Você falar uma coisa na frente e operar de outra forma, falta caráter.

Valor: O papel desempenhado pelo presidente do DEM foi fundamental para o resultado da eleição?

Maia: Ganhar ou perder é da democracia. Ninguém entrou numa eleição dessa, com o governo jogando do jeito que jogou, achando que era uma eleição fácil. Mas não tenho duvida nenhuma que a decisão do Neto foi decisiva para desidratar a candidatura do Baleia. Podia ganhar, podia perder. Era mais provável que perdesse, mas a minha conta era que, até o movimento do DEM acontecer, o Arthur ganharia ou perderia por pouco no primeiro turno. O movimento do DEM fez com que a própria bancada do DEM votasse mais lá, o PSDB também, a gente sabe disso, ficaram no bloco por causa da vaga na Mesa. Os do PSL que estava aqui votaram lá e os deles que iam votar aqui votaram lá. Se não tivesse esse movimento, ele teria de 240 a 260 votos. Era outra eleição, com ele favorito, claro. Mesmo a gente tendo feito o movimento que interessava ao candidato do Neto no Senado, ele entregou a nossa cabeça numa bandeja para o Palácio do Planalto.

Valor: Faltou articulação sua com os deputados do DEM? Reclamaram muito que não foi conversado com eles, foi decisão sua..

Maia: Não. O líder do partido e o presidente do partido participaram de todo o processo. O papel de articular com a bancada e levar as informações do que a gente estava fazendo era do partido e do líder. Se eu soubesse que o Neto tinha feito acordo com o Palácio do Planalto, eu poderia ter conversando... Não estou reclamando dos deputados que votaram com o Arthur Lira. O Neto está querendo misturar as duas coisas. Uma coisa é a eleição, o Arthur é presidente da Câmara, ganhou a eleição, parabéns. Espero que faça ótimo trabalho. Outra coisa é o posicionamento do partido, do ponto de vista de ser um partido de centro-direita que tenha expectativa de projeto nacional, que acabou. O projeto do DEM acabou.

Valor: Por exemplo?

Maia: O Luciano Huck estava filiado no DEM. Se decidisse ser candidato [à Presidência], estava 90% resolvido que se filiaria ao DEM. O Neto tem mais relação [com Huck] que eu. Eu tenho, mas o Neto também tem. Não descarto nem a hipótese de o Bolsonaro acabar filiado ao DEM.

Valor: Poucos dias depois da sucessão, já se fala no Congresso e no governo em novo estado de calamidade e alguns setores da sociedade mostram uma preocupação com a responsabilidade fiscal...

Maia: Não sei, não quero tratar... Não vou ficar sendo fiscal do novo presidente da Câmara. Estou tratando de política nacional. Sou oposição ao presidente da República, não ao novo presidente da Câmara. Ele ganhou a eleição e vai coordenar os trabalhos da Casa. Tem o direito de ter a opinião dele, como eu tinha a minha.

Valor: O senhor vê o Huck como centro-direita ou centro-esquerda?

Maia: Para mim, é mais centro-direita... quem está no entorno dele, pelo que ele pensa, pelo que a gente conversa. Claro, pelo setor que ele trabalha, é mais de esquerda, artistas. Mas, na economia ele com certeza é um liberal, pensa em menos intervenção do Estado. E na área social, como diz - dizia - o ideário do DEM, é a prioridade por justiça social, redução das desigualdades. Acho que ele vai organizar isso de forma competente para um país que é pobre e o liberalismo puro não se adequa a um país como o nosso. Na economia, ele tende a ser mais liberal pelos economistas que ele ouve, o Arminio [Fraga], o Marcos Lisboa. O espaço político que tem para ele entrar é do centro para centro-direita. Na centro-esquerda está um pouco interditado pelo Ciro e pelo PT, que dependendo do candidato fica mais ao centro ou a esquerda.

Valor: O senhor já fez uma autocrítica sobre a eleição? Como a demora para definir o candidato.

Maia: Nunca fiquei esperando o Supremo [decidir sobre a reeleição]. Sempre disse que não seria candidato. Talvez tivesse sido melhor definir o candidato logo, mas o atraso acabou dando as condições de criar o bloco. Se candidato saísse antes, o PT não vinha. Olhando agora como o governo operou, as chances que tínhamos era exatamente esse bloco. Se o bloco tivesse ficado firme, acho que o Arthur era favorito, mas era uma outra eleição. Então, eu acho que de fato errei, mas o erro acabou gerando um acerto, que foi o bloco.

Valor: Outro candidato teria mais chances que o Baleia?

Maia: Pode ser que sim. Se eu tivesse apoiado o [presidente do Republicanos] Marcos Pereira, a probabilidade de desmontar o bloco era menor, porque seria de 330 deputados e não de 290. Mas no final alguns partidos da esquerda questionaram, para eles a candidatura dele transformaria o Arthur no candidato de centro. O candidato conservador e de direita seria o nosso. Para a gente não seria problema, mas para alguns partidos de esquerda seria.

Valor: O senhor contava com votos de aliados que acabaram apoiando o adversário. Se sentiu abandonado?

Maia: Vocês acham que está errado eles apoiarem o candidato do partido? Eu acho que está certo. Se todo mundo tivesse apoiado o candidato do seu partido, a eleição tinha sido outra. Não era ali que a gente tinha que ganhar a eleição. Se a gente tivesse 85% dos votos do nosso bloco, venceria a eleição. Perdemos no nosso bloco, no DEM, no PSDB, no PSL.

Valor: O PSDB rachou. O sr. os vê mais próximos de Bolsonaro?

Maia: Não. No final, todos os líderes entraram, inclusive o Aécio [Neves], para segurar o partido dentro do bloco. Essa é a diferença entre o DEM e o PSDB.

Valor: O senhor se arrependeu de não ter acolhido um dos pedidos de impeachment lá atrás?

Maia: O julgamento do impeachment é político e as condições políticas não estão colocadas. Querendo ou não, Bolsonaro tem 30% de ótimo/bom e 40% de ruim/péssimo. A abertura de um impeachment em um momento em que as condições políticas não estão colocadas só o fortaleceria. Tiraríamos da agenda a pandemia e colocaríamos o impeachment. Talvez seja tudo que o ele quer: tirar da frente as milhares de mortes pela pandemia. A gente ia jogar para segundo plano a responsabilidade do presidente e do seu ministro da Saúde por todo o desastre na administração dessa crise, por todas as mortes, e íamos ficar todos discutindo um processo que ele provavelmente sairia vencedor e fortalecido do ponto de vista político.

Valor: Além de oposição no Legislativo, qual é seu projeto?

Maia: Quero fazer parte de um projeto em que a gente possa construir uma agenda, um projeto de país que reduza concentração de renda na mão de poucos, que garanta a modernização dos serviços públicos, que garanta ao setor privado as condições para investir no Brasil com segurança. Não acredito que esse governo tenha esse projeto. O projeto do presidente Bolsonaro é completamente diferente. Essas agendas não são prioridade dele. Todas as vezes em que conversei com ele, a agenda prioritária dele era acabar com proteção ambiental de Angra, a questão de armas e do turismo de mergulho afundando navios na costa. Essa era a agenda prioritária dele comigo. As reformas tributária e administrativa não eram, a modernização do SUS não era, a melhoria do Fundeb não era. Então, eu não posso, tendo conhecido o que o presidente pensa, ser parte disso.

Valor: A vitória deu fôlego ao governo. Que cenário vê para 2022?

Maia: Olhando a pandemia e as soluções na parte fiscal, minha impressão é que o governo chegará mais fraco do que está hoje. Mostrou força ao ganhar as duas Casas no Legislativo, mas dependerá da capacidade de articulação em relação a temas de difícil aprovação, até porque o presidente já abriu mão deles. No final do ano, ele disse que não trataria da PEC Emergencial. Eu sempre disse que se não aprovasse, teria que ser algo fora do Orçamento.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Weintraub terá obstáculos pela frente - carta aos membros do Grupo Brasil no Banco Mundial

Brazil, 19 June 2020.

To:
[Embaixada de cada um dos países da 15a constituency no BR] / [Chair of the Board of Governors of the World Bank] / [Talvez tb para embaixadas de países europeus aliados]

Dear […],

We write to you after receiving with perplexity the information that the Brazilian government wishes to appoint the country’s former Minister of Education, Mr. Abraham Weintraub, as the Executive-Director for your constituency.
We send this letter to strongly advise against the nomination of Mr. Weintraub for this important position, and to inform you about the potential irreparable harms that he would cause to your country’s standing within the World Bank.
First and foremost, Mr. Weintraub’s dismissal from his position is the culmination of a destructive and poisonous environment he inflated in Brazil’s entire political system.Since he took office, Mr. Weintraub has always responded with contempt, sarcasm, and aggressiveness to critiques or even recommendations coming from ordinary citizens, journalists, lawmakers, and even Supreme Court justices. In a tweet dated 16 November 2019, he called a follower’s mother an “itchy and toothless mare”. In a tape of a cabinet meetingreleased by the Brazilian Supreme Court on 22 May 2020, in the context of accusations of undue interference, by the President, with the federal police, Mr. Weintraub called the Supreme Court justices ‘vagabonds’, who he would lock in prison if he could.
Due to his odious behavior and lackluster performance as minister of Educationthere has been nearly unanimous calls for his resignation amongst all segments of Brazilian society. On May 2020, the speaker of the Lower House said Mr. Weintraub is ‘disqualified’ for the job, adding that having him in the position is a “pity for Brazil”.
Mr. Weintraub’s term in the Ministry of Education was no more than disastrous. This has been well-documented in areport issued by the Committee on Educational Policy of the House of Representative, of December 2019, which concluded that:

The most salient aspect in the diagnosis was the finding that the planning and management of the Ministry of Education are far behind the expected. Evidence of this is that the Ministry has not yet presented a Strategic Plan for year 2019, and the National Plan for Education targets are delayed without even a plan of action to achieve them”.

This excerpt of the report from the parliament encapsulates how Mr. Weintraub is the antithesis of everything that the World Bank seeks to represent in development policy and in multilateralism, including:

▪ Ideology over evidence-based policy: On his last day in office, Mr. Weintraub created obstacles for political support to the application of affirmative action in post-graduate courses that benefited social minorities, including indigenous peoples, persons with disabilities, as well as race-based quotas. His attitude ignores the enormous available evidence on the positive effects of affirmative action in addressing the historic racial, social and economic inequalities of Brazilian society and in making access to university more inclusive. [Essa parte é forte para o Banco Mundial, vale adicionar outro exemplo – talvez a tentativa de nomear reitores na pandemia para exercer controle ideológico]. Mr. Weintraub is also being investigated by the Supreme Court for spreading fake news.
▪ Poor management skills: The same above-mentioned report by the congressional committee noted that the Ministry of Education was ‘paralised’ due to, inter alia, the fact that many key positions in the Ministry were vacant for almost a year, which revealed ‘instability and lack of continuity in current management’. The report also noted that, compared to previous administrations, his administration has the lowest number of individuals withexperience in public management and or themes related to education, whether in the public or private sector.Additionally, another example of his ineptitude to positions of high level of responsibility was the major problems which occurred during the application of the national university entry examThousands of students were scored incorrectly and had to be reexamined. It is striking that this happened in an automated system where students choose an answer in multiple-choice questions.
▪ Lack of understanding and capacity to addressocial and economic injustices through public policies:Despite strong calls for the Ministry of Education to postpone the application of the 2020 exams for university admission, Mr. Weintraub advocated against such measure, arguing that the exam is to assess the merits of the candidates solely,
▪ Disrespect for the values of multilateralism, such as tolerance and mutual respect: Mr. Weintraub is responding to approximately 20 lawsuits at the Supreme Court. In one of the cases, he is being prosecuted at for the grave crime of racism. On 4 April 2020, he addressed the role of China in global politics and the Brazil-China bilateral relations in social media post charged with prejudice. In a note, the Chinese Embassy in Brazil vehemently condemned Mr. Weintraub’s post, accusing his words of being “completely absurd and despicable, with a strong racist character”.
▪ Conduct incompatible with ethical and professional integrity standards: In view of Mr. Weintraub record of racist, disrespectful and aggressive statements, as well as his clear ineptitude as a policy-maker and public agent, Mr .Weintraub fails to meet several requirements and principles of the World Bank’s Code of Conduct for Board Officials. He does not treat others with courtesy and respect, and without discrimination (5(b)); he fails to exercise adequate control and supervision over matters for which they are individually responsible and protect and preserve the resources with which they are entrusted in accordance with the budgetary standards andrestrictions regarding their offices (5(c)); and, as demonstrated, he systematically fails to maintain the highest standards of integrity and ethics in their personal and professional conduct (2(a)).

We are convinced that Mr. Abraham Weintraub does not possess the minimum ethical, professional, and moral qualifications to occupy the seat of the 15th Executive-Directorship of the World Bank.
We urge you to take all the appropriate measures to address the issues and concerns presented in this letter.
Yours sincerely,

domingo, 2 de setembro de 2018

A reforma da Previdencia no primeiro ano do PT - Paulo Roberto de Almeida

No primeiro ano do governo do PT, um dos grandes temas na agenda de reformas deixadas em herança pelo governo anterior era o da Previdência. Confirmando a constatação de que o PT é o seu próprio inimigo, manifestei-me em setembro de 2003, a propósito de dissensões internas ao partido em torno da reforma da Previdência, o que resultaria, como se sabe, na expulsão dos membros opositores. Meus comentários permaneceram inéditos até hoje, razão pela qual julguei que eles merecessem ser conhecidos, como registro no trabalho n. 1105. Como se pode igualmente confirmar, ao início do governo do PT, eu estava defendendo as políticas do governo, por deduzir que elas eram necessárias, de um ponto de vista absolutamente racional, não partidário.

1105. “Reforma da Previdência: por que e a favor de quem?: Comentários às posições dos parlamentares do PT contrários à reforma”, Washington, 1 set. 2003, 10 p. Comentários à carta dos 8 parlamentares do PT punidos pela Executiva do Diretório Nacional por terem se abstido nas votações da reforma da previdência, e a artigo divulgado pelo Dep. Ivan Valente em seu site e na revista Espaço Acadêmicono qual ele se insurge contra a atual reforma da previdência (www.ivanvalente.com.br). Circulado entre os membros do Conselho Editorial da Espaço Acadêmico.

Deixo de transcrever o artigo do deputado e a carta dos oito deputados pois os argumentos já estão reproduzidos em meu artigo.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 2/09/2018

Reforma da Previdência: por que e a favor de quem?
Comentários às posições dos parlamentares do PT contrários à reforma

Paulo Roberto de Almeida
Membro do Conselho Editorial da revista Espaço Acadêmico
Washington, 1 de setembro de 2003

Introdução

Parece incrível, mas o Brasil se debate em gravíssimo problema econômico de não crescimento, com todos os seus agravantes de desigualdades sociais e desemprego, e um punhado de parlamentares do PT – apoiados por setores expressivos do funcionalismo público – se opõe à nova reforma da Previdência que o Governo Lula está empreendendo. Como puderam ler todos os colegas do Conselho Editorial da revista Espaço Acadêmico, assim como todos os seus leitores online, o deputado federal do PT Ivan Valente publicou um artigo no qual ele se insurge contra a atual reforma da previdência, e que segue, em suas grandes linhas os argumentos alinhados pelo grupo de oito parlamentares que decidiram se abster no primeiro e no segundo turnos de votação na Câmara dos Deputados (texto de carta justificativa da abstenção, divulgada por eles em 6 de agosto, figura no site pessoal do deputado: www.ivanvalente.com.br). 
Em reação, a Comissão Executiva do Diretório Nacional do PT decidiu, em 1º de setembro, aplicar aos parlamentares a punição de suspensão por 60 dias dos trabalhos do PT, fundamentando o ato no Estatuto do partido que a autoriza a agir como fez. Não pretendo, no presente texto, comentar a decisão da CE-DN do PT, uma vez que não sou filiado ao partido e não me cabe tecer considerações sobre suas decisões internas.
Mas gostaria, sim, de comentar, enquanto cidadão brasileiro, as posições dos parlamentares, uma vez que elas tocam em questões relevantes para todos nós, não apenas da governabilidade estrito senso, mas igualmente da sustentabilidade da economia brasileira e de suas possibilidades de oferecer um futuro melhor aos milhões de brasileiros que não dispõem, como nós (e os parlamentares) de condições satisfatórias de aposentadoria, ou sequer de existência. Informo, incidentalmente, mas isso não interfere em minhas posições, que sou funcionário público federal, potencialmente afetado, portanto, por qualquer mudança que se faça nas regras de aposentadoria pública.
Como os argumentos do artigo do deputado Valente se confundem, em grande medida, com as justificativas alinhadas pelos oito parlamentares, em cujo grupo ele se inclui, vou comentar preferencialmente aquele documento, com referências ocasionais ao artigo publicado na Espaço Acadêmico. Procederei da forma habitual, reproduzindo trechos do documento, aduzindo então meus próprios comentários a respeito dos pontos suscitados no texto original.

Comentários a uma carta economicamente absurda, politicamente parcial e socialmente injusta

Nós, deputados petistas que não votamos na Emenda Aglutinativa da mudança constitucional da Previdência Social, cujas alterações finais foram consideradas insuficientes inclusive pela CUT, temos plena consciência do significado político de nossa posição de ABSTENÇÃO e declaramos que:
PRA: Nada a comentar. É direito deles adotar a posição que desejarem, sendo de se congratular, porém, que o tenham feito de modo claro e explicitando suas razões, ainda que equivocadas, não em função de algum argumento de autoridade ou de disciplina partidária, mas com base na inconsistência intrínseca de suas posições, como pretendo demonstrar.

1. O verdadeiro problema estrutural da Previdência Social é a escandalosa exclusão de mais de 50% da população trabalhadora brasileira de seu âmbito. O que é necessário, além de uma vigorosa política de reforma agrária, de reforma urbana e de retomada do crescimento, é uma fiscalização governamental implacável e incorruptível e uma verdadeira política de seguridade social includente.
PRA: A exclusão previdenciária não é obra deste governo ou de qualquer governo anterior, e sim da estrutura econômica e social do país: cerca de 40% da população economicamente ativa trabalha na informalidade, o que corresponde grosso modo a esses excluídos dos regimes previdenciários oficiais. Os parlamentares têm algo a comentar a esse respeito? Para se aplicar uma “política de seguridade social includente” seria preciso que essas pessoas estivessem já incluídas no setor formal da economia, sem o que o governo não teria condições de cobrir despesas sem o correspondente aprovisionamento (que no caso correspondem às contribuições efetuadas segundo o regime da repartição, que é o nosso). As demais “vigorosas políticas” demandadas pelos deputados precisam ser implementadas com base em recursos existentes, caso contrário se estaria praticando “surrealismo econômico”, não uma gestão responsável da economia. Diga-se de passagem, aliás, que a maior parte dos problemas detectados nesta carta dos deputados decorre de uma profunda ignorância dos fundamentos e mecanismos não só de finanças públicas como de economia elementar, por isso eu recomendaria que eles tentassem se orientar melhor, consultando por exemplo algum manual de introdução à economia, desses disponíveis em qualquer curso universitário de qualidade.

2. A alteração proposta - e aprovada num dia de cerceamentos à presença popular e de aceleração da votação - não assegura essas condições; sequer é um requisito prévio, não procedendo a argumentação de que os "privilégios" dos servidores atuais e dos aposentados impedem uma expansão e direção do gasto público para beneficiar os outros trabalhadores. Ela não transfere renda através do Estado, nem através do mercado, para os setores mais empobrecidos dos trabalhadores e da população. Como política econômica, ela diminuirá a renda de significativa parcela do setor público. É também forçoso reconhecer que parte da crise econômica brasileira, e da recessão que bate às portas, deve-se ao confisco salarial perpetrado contra o funcionalismo público (um dos pilares do mercado interno) durante os últimos governos. 
PRA: A reforma da Previdência não se destina a “transferir” renda nem dentro ou fora do Estado, através ou a despeito do mercado: ela se destina, tão simplesmente a impedir que o crescimento do déficit público gerado pela fatura previdênciária, pública e geral, conduza, em primeiro lugar, à falência de todo o sistema e, em segundo lugar, estrangule de vez toda e qualquer possibilidade de crescimento econômico no País. Ela se destina, pura e simplesmente, a impedir que ocorra uma erosão maior das finanças públicas, que o déficit se agrave e comprometa outros setores da economia nacional. Estamos em face de uma situação grave, o que constitui uma verdade clara e insofismável para qualquer pessoa minimamente versada na situação das contas públicas, o que não parece ser o caso dos oito parlamentares. Se não se partir destas premissas, qualquer discussão racional sobre o problema da Previdência se torna inviável.
Digo mais: a reforma que se está alcançando agora não resolverá o problema da falência ulterior do sistema, como tampouco restabelece as condições para a retomada do crescimento. Repito, para que fique claro: ela apenas impede que o déficit continue a crescer de modo incontrolado, mas o problema continua colocado e novas reformas do sistema da Previdência serão necessárias para não apenas dar-lhe o equilíbrio desejável, mas também para converter a Previdência em uma das alavancas da poupança nacional como ela deveria ser em qualquer regime previdenciário racional. Se os deputados não sabem como andam as contas da previdências, ou os números relativos à poupança nacional (e à despoupança estatal), deveriam procurar se informar melhor. Os dados estão disponíveis no site da Previdência, em estudos efetuados por órgãos como IPEA e outras instituições públicas insuspeitas de animosidade contra os funcionários públicos. 
Comento, finalmente, os argumentos de “demanda” oferecidos nesta seção, os de que, a reforma, “[c]omo política econômica, (…) diminuirá a renda de significativa parcela do setor público. É também forçoso reconhecer que parte da crise econômica brasileira, e da recessão que bate às portas, deve-se ao confisco salarial perpetrado contra o funcionalismo público (um dos pilares do mercado interno) durante os últimos governos.”
Nada disso é correto ou consistente: (a) a reforma NÂO diminuirá a renda do setor público, pois ela se aplica (infelizmente) em direção ao futuro, não imediatamente; (b) a crise brasileira NÃO se deve a esse “confisco salarial”, cujo impacto, em termos salariais, é mínimo para impactar a demanda global, e (c) o setor público NÃO é um dos pilares do mercado interno (no máximo em Brasília), pois sua participação na PEA é marginal em termos de renda ou valor agregado. Os deputados deveriam solicitar a suas assessorias respectivas os dados reais da economia do setor público no Brasil, que não tem o peso que eles pretendem lhe atribuir, de modo totalmente desinformado e equivocado.

3. As alterações oferecidas não criam novas modalidades de Previdência Social e agridem alguns direitos jamais questionados nos programas e nos discursos de campanha do PT, como a não taxação de aposentados, a integralidade de pensões e regras justas de transição. Sua tramitação e apreciação final, a toque de caixa, não combina com o regime democrático. Toda vez que governos, para resolverem seus problemas de caixa, mexem nos direitos adquiridos, abala-se o Estado de Direito. 
PRA: O fato de que o PT tenha defendido idéias e posições equivocadas no passado não implica em que ele o tenha de fazer agora que é governo, e passou a  conhecer – já podia fazê-lo antes, pois eles estavam disponíveis, mas isso não vem ao caso agora – os números das contas públicas e seu impacto na economia real, em termos de financiamento de gastos correntes do Estado e suas incidências tributárias. Se estas idéias não foram jamais questionadas, trata-se de cegueira temporária e de miopia política que podem ser corrigidas por dados corretos e boa disposição para admitir erros passados.
O argumento dos “direitos adquiridos”, agitado em causa própria, representa uma das mais indecentes defesas das distorções acumuladas ao longo de anos e décadas de assalto aos cofres do Estado por grupos organizados dentro e fora do setor público. Como esses “direitos” não figuravam na criação do Estado ou da nacionalidade, supõe-se que eles tenham sido colocados na Constituição ou na legislação ordinária em algum momento por alguém (ou alguns): isso não lhes confere nenhuma legitimidade intrínseca, pois podem ter resultado, como de fato resultaram, de manobras ou pressões explícitas para garantir algum tipo de vantagem que não é partilhada com outras categorias. O estado de direito tem a ver com o tratamento igualitário do ponto de vista jurídico e a preservação do direito de defesa, não com disposições especiais que visam objetivos específicos. 

4. O fato de que existam notórias distorções na remuneração e benefícios das carreiras de Estado impõe aos poderes públicos a necessidade de corrigi-las, dentro do método participativo que o PT sempre defendeu e praticou. Uma primeira providência é evidentemente o estabelecimento de tetos para a remuneração de todos os servidores, enquanto o decorrer do tempo se encarregará de eliminar, dos encargos da União, dos Estados e municípios, as superaposentadorias e outras acumulações, aleijões que uma legislação patrimonialista e permissiva permitiu e incentivou. A quase totalidade do funcionalismo público na ativa e na aposentadoria, porém, não goza de nenhuma regalia. Seus direitos estão assegurados na mesma Constituição que fundou as bases para a legitimidade da alternância de poder que o governo atual confirma.
PRA: Exatamente: a quase totalidade do funcionalismo público não será atingida pela reforma em implementação, o que não impede aliás que novas regras sejam mudadas (como a do alongamento das idades mínimas de aposentadoria, por exemplo, o que corresponde a um simples fenômeno demográfico). As demais distorções podem e devem ser corrigidas em nome da justiça social. Toda a reforma previdenciária aponta nessa direção e não se compreende a oposição dos parlamentares.

5. A proposta de mudança na Previdência, além de negociada previamente com os governos estaduais mergulhados em profunda crise fiscal, foi encaminhada ao Poder Legislativo para atender a uma expectativa do Fundo Monetário Internacional, cujos resultados em outros países já mostraram sua perniciosidade. No nosso caso, um pressuposto básico foi desconsiderado: a discussão do papel do Estado e de seu tamanho para suprir as necessidades essenciais da população e do desenvolvimento social.
PRA: A reforma não se destina a atender ao FMI, mas responde a uma simples constatação de desequilíbrio crescente das finanças públicas: se ela também corresponde a observações do FMI sobre a economia brasileira é porque esse organismo, ao qual o Brasil pertence desde a sua criação, conduz regularmente exames das economias nacionais (o chamado “Artigo IV”) e como ele tem economistas, medianamente esclarecidos, estes chegaram, antes ou depois, às mesmas constatações já feitas por economistas nacionais desde os anos 1980, pelo menos. Os deputados estão atrasados no estabelecimento das coincidências. 
O pressuposto básico, desconsiderado pelos deputados, se expressa numa única progressão econômica: em dez anos, a parte arrecadada pelo Estado do PIB passou de 25% a cerca de 35%, uma progressão de 10%, sem o correspondente crescimento nos serviços oferecidos pelo Estado (ao contrário). Pode-se discutir as propostas de discussão sobre o papel do Estado apresentadas pelos deputados de duas formas: pode-se considerar que o Estado precisa arrecadar cerca de 80% do PIB, para “suprir as necessidades essenciais da população e do desenvolvimento social”, ou que sua parcela atual já é suficientemente alta e impede, de fato, a economia privada de atender às necessidades de investimento e de emprego da população como um todo. 

6. Um governo que tem o Partido dos Trabalhadores como sua coluna vertebral não pode dar margem à transferência de recursos da Previdência Social para o capital financeiro especulativo. A experiência internacional na matéria é francamente negativa. Mesmo nos casos de uma forte tradição liberal de mercado, como nos Estados Unidos da América, os prejuízos para aposentadorias e poupanças, derivados de suas ligações com o mercado de capital e os portfólios de ações empresariais , têm sido devastadores. 
PRA: A primeira frase expressa nada mais senão ignorância, profunda, abismal, incompreensivel em representantes do povo e supostamente dotados de uma assessoria esclarecida, dispondo pelo menos de nível universitário. Considerar que as contribuições do sistema previdênciário se destinem à transferência ao “capital financeiro especulativo” é de um tal absurdo que não mereceria sequer um comentário de minha parte. Trata-se de algo pior que demagogia: só posso classificar como burrice pura e simples. 
O exemplo de “experiência internacional” referido não tem absolutamente nada a ver com a administração pública de um sistema previdenciário público, mas apenas com a aplicação de fundos previdenciários fechados no mercado geral de valores e títulos. De todo modo, se teria de considerar tanto os fundos que foram bem sucedidos em suas aplicações nesse mercado, como os que tiveram prejuízos, algo que se situa inteiramente dentro das regras do jogo. Se você pretende ganho seguro, aplique em bônus do Tesouro, remunerados a 3,5%, mas se quiser ganhar mais vá para o mercado acionário ou de derivativos financeiros: os ganhos podem ser de 25%, mas os riscos são comensuráveis. 

7. A Previdência Social universal foi e é um dos mecanismos mais importantes para a redução das desigualdades, que são quase naturalmente o resultado de um sistema econômico concentrador como o capitalismo. Somente instituições que busquem exatamente fugir ao predomínio da lei do lucro conseguiram, ao longo da história do capitalismo, ajudar a reduzir as iníquas distorções econômicas e sociais.
PRA: Certamente que a previdência cumpre também essa função, no que se refere às mais baixas remunerações, várias delas, aliás (como as rurais), sem qualquer correspondência com a contribuição efetiva. Mas isso não tem nada a ver com os problemas que se pretende corrigir, que visam as pensões “desiguais” de nível incomensuravelmente mais alto, escandalosamente distanciadas do regime geral e que são, precisamente, a principal fonte de desigualdades na repartição geral do bolo previdenciário. Os deputados parecem ignorar a imensa “redistribuição de renda” que se opera em favor de estratos privilegiados e em desfavor dos mais humildes decorrente do atual sistema previdenciário, um fator objetivo de concentração de renda.
Quanto às considerações sobre o capitalismo, elas não têm, mais uma vez, nada a ver com o regime previdenciário, que funciona em bases “não-capitalistas”. Quanto aos problema da concentração e das desigualdades, uma simples constatação: os países mais avançados da Europa e da América são reconhecidamente mais capitalistas do que o Brasil; eles também são menos desiguais e menos concentradores. O suposto predomínio da “lei do lucro” é historicamente incorreto, já que o capitalismo sempre foi “amenizado” por regulações sociais que ultrapassam a capacidade “regulatória” desse modo de produção, de resto o único que sobreviveu ao teste da história com base na eficiência relativa de seu funcionamento (comparativamente, está claro, às alternativas disponíveis no “super-mercado” da história). De toda forma, o argumento dos deputados é por demais difuso e impressionista para ser discutido seriamente por pessoas interessadas em resolver um problema técnico e contábil, como é o da previdência. Sua reforma não vai fazer o Brasil ser mais ou menos capitalista, ela apenas vai impedir o Estado de implodir.

8. A Previdência Social, na forma pensada e posta em ação pelo neoliberalismo, é parte de um amplo processo de desmanche do Estado regulador. Não há crescimento e desenvolvimento econômico possível para as nações da periferia sem um Estado ativo e interventor, quando necessário, pois nossas condições de periferia não recomendam os puros automatismos do mercado. A experiência brasileira e de outras nações da periferia demonstram que não foi a posse de uma moeda própria a condição para o desenvolvimento, mas a utilização de outras formas e instituições, entre as quais a Previdência Social, que acumulou e carreou fundos para o desenvolvimento.
PRA: Os argumentos são simplesmente surrealistas e não mereceriam qualquer contestação se não fosse para lembrar os mal informados deputados de que a Previdência não apenas não “acumula” nem “carreia” recursos para o desenvolvimento brasileiro, como, ao contrário, ela está desviando recursos dessa “função” e colocando-os nas mãos de alguns grupos, apenas, de funcionários públicos. Não preciso lembrar que não foi essa entidade desconhecida e incorpórea, chamada “neoliberalismo”, que colocou em marcha a reforma da Previdência, mas um governo com cara, endereço e discursos próprios. O “desmanche” do “Estado regulador” só existe na imaginação dos deputados, que deveriam falar menos através de surrados slogans e dedicar-se ao estudo da economia. 

9. A satanização dos funcionários públicos não serve à causa republicana e democrática. Não há Estado republicano sem uma forte, preparada e adequadamente remunerada função pública, cuja impessoalidade e imparcialidade são condições sine qua non para os próprios interesses privados. Sem desconhecer as distorções e imperfeições existentes no Serviço Público, que devem ser urgentemente corrigidas, é preciso proclamar sua prevalência sobre a tradição de um Estado patrimonialista, lugar onde todas as oligarquias e burguesias predatórias têm realizado o assalto ao dinheiro público para beneficiar-se. Que o digam as espantosas dívidas do empresariado com a própria Previdência Social. 
PRA: Meus argumentos de acima também se aplicam aqui: não me cabe discutir contra argumentos surrealistas. De toda forma, não está em causa, aqui, a sociologia do setor público, e sim suas contas deficitárias. O discurso generalizante e estereotipado, à base de invectivas, não resolve em nada a situação dos miseráveis do Brasil, como aliás não ajuda em nada a própria causa de quem eles pretendem defender. Argumentos técnicos, bem embasados, permitiriam manter uma discussão racional, mas manifestos políticos se prestam mal a esse tipo de diálogo.

Fomos orientados nesta difícil decisão pelos princípios que construíram a tradição de lutas do Partido dos Trabalhadores, cuja necessária e indormida vigilância conseguiu atenuar a depredação dos direitos sociais no período de FHC. 
PRA: Trata-se de uma afirmação, que tem tanta legitimidade quanto uma afirmação contrária: a de que a ação passada e a “tradição de lutas” do PT impediu que se fizesse antes a necessária reforma da Previdência, causando portanto o agravamento do déficit público e uma “despoupança” estatal muito maior do que ocorreria se as reformas tivessem sido feitas antes, com a colaboração patriótica do PT. Equívocos passados não podem eximir determinados parlamentares de responsabilidades presentes. Se eles não estão preparados para assumi-las deve ser porque não ultrapassaram ainda a fase dos slogans e invectivas para assumirem encargos governativos, ou porque não percebem a dimensão econômica e social de seus atos. Num caso são irresponsáveis, em outro são ingênuos. 

Nosso voto reafirma a convicção de que não podemos violar a trajetória do PT na defesa dos direitos dos trabalhadores e do Serviço Público de qualidade. Ele se deu em nome da coerência com as ações e votos anteriores proferidos pelo nosso Partido em favor da Previdência Pública no Congresso Nacional.
PRA: Eles preferem violar a trajetória de milhares de trabalhadores excluídos atualmente de um emprego formal e portanto de direitos previdenciários futuros. A coerência com equivocos passados denota pelo menos inconsciência, ou uma recusa em confrontar a realidade e dela tirar conseqüências para a ação do presente. O serviço público de qualidade vem sendo colocado em risco pelas disfunções acumuladas em vários setores, entre eles o da Previdência. Não reconhecer essa realidade pode ser ingenuidade, inconsciência ou irresponsabilidade. 

A nossa abstenção simboliza nossa discordância com relação à Reforma da Previdência, não significando, entretanto, rompimento com a bancada, o partido e o governo, com quem queremos continuar dialogando, na perspectiva da construção de um governo democrático e popular em nosso país, fundamental para atender às expectativas e às esperanças de nosso povo.
PRA: Os deputados carecem de informação, de análises responsáveis, ou de um pouco de disposição para encarar certos aspectos desagradáveis da realidade brasileira, como pode ser a falência anunciada do setor público. Se pretendem diálogo, deveriam pelo menos colocar a discussão em bases técnicas, como deveria ser, não ficar alinhando argumentos que podem fazer algum sucesso em assembléisa estudantis ou em comícios sindicais. Quem se prepara para exercer o poder, como supostamente esse grupo também deveria alimentar essa perspectiva, tem a obrigação de se munir dos melhores dados para enfrentar a realidade. Esconder-se atrás de slogans é a pior das soluções administrativas, só compatível com um regime patrimonialista ou tradicional, que eles dizem abominar. 

Nosso clamor, que é o de milhares de petistas de todo o Brasil e dos nossos eleitores, é para que a agenda de mudanças reais lideradas pelo nosso governo comece de fato. Obviamente, ela não tem nada a ver com redução de verbas para a educação e saúde, precarização de direitos trabalhistas, continuidade dos exorbitantes ganhos de bancos, renovação de acordo de elevado superávit primário com o FMI, alimentos geneticamente modificados, autonomia do Banco Central e inserção subordinada na ALCA.
PRA: O “clamor” dos deputados está mal dirigido: ele deveria se exercer contra os inúmeros privilégios que ainda subsistem no setor público, a começar pelo Legislativo e no Judiciário, privilégios incompatíveis com a situação real da maior parte dos trabalhadores brasileiros. A agenda de mudanças da Previdência não tem nada a ver com o FMI, com a Alca, com os OGMs, com a autonomia do BC e outros elementos mais ou menos estapafúrdios que os deputados alinham para tentar “legitimar” uma oposição a uma reforma necessária e imprescindível. Volto a lembrar: essa reforma apenas começou e ela deve continuar, atingindo agora alguns bolsões de privilegiados dentre os militares e os membros da magistratura. 
Os deputados estão causando um desserviço ao Brasil, ao governo do PT e a si mesmos, ao se desqualificarem para um debate sério sobre a questão previdenciária e sobre os rumos do setor público. Aparentemente, eles estão se desqualificando também para outros debates, sobre o FMI, sobre a Alca, sobre os OGMs e o BC, pois não parecem estar preparados para avançar argumentos economicamente embasados sobre todas essas questões.
Parlamentares? Aderindo à paráfrase: para lamentar…

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 1 de setembro de 2003