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sábado, 16 de novembro de 2024

O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência (The Economist)

O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência

THE ECONOMIST, 15nov24

 

O que as escolhas de Trump indicam a respeito de como será sua presidência

Lealdade, competência e apetite pelo disruptivo estão entre as características que ele está procurando

Por The Economist

 

Depois que Donald Trump venceu a eleição presidencial em 2016 — quando era um ex-astro da televisão em vez de um ex-presidente — ele administrou a transição da Casa Branca como se estivesse encenando seu reality show, “O Aprendiz”. Aspirantes a membros do gabinete chegaram à torre que leva seu nome em Nova York e passaram pelas câmeras de TV. Essa série foi prolongada, com a participação de celebridades, incluindo Kanye West. Desta vez, Trump está dirigindo um show mais intimista, deliberando em sua propriedade em Mar-a-Lago, longe das câmeras, e emitindo seus vereditos de contratação nas redes sociais em um ritmo muito mais rápido. Infelizmente, os resultados dificilmente são igualmente insensatos.

As escolhas mais alarmantes ocorreram em um período de 24 horas. Em 12 de novembro, Trump anunciou que Pete Hegseth, uma personalidade da Fox News que serviu na Guarda Nacional, seria secretário de defesa. Hegseth é um dos poucos que defendeu a declaração de Trump de que havia “pessoas boas em ambos os lados” dos protestos contra um comício de supremacistas brancos em Charlottesville, Virgínia, em 2017. Ele está preocupado com o flagelo da lacração no exército, mas não tem experiência no governo.

Trump também anunciou que a diretora de inteligência nacional seria Tulsi Gabbard, uma democrata que se tornou republicana e é ligada em conspirações, um espírito tão livre que conheceu Bashar al-Assad, o ditador assassino da Síria, e o declarou “não inimigo dos Estados Unidos”. Pior, ele decidiu que Matt Gaetz, um congressista extravagante da Flórida, seria seu procurador-geral. O FBI, sobre o qual o procurador-geral tem controle de supervisão, investigou alegações de que Gaetz traficava sexualmente uma menor. Não foram apresentadas acusações, mas Gaetz mais tarde enfrentou uma investigação pelo Comitê de Ética da Câmara (ele nega qualquer irregularidade). Ele é ultraleal e, no ano passado, prometeu que, se o FBI e outras agências “não se curvassem”, elas deveriam ser abolidas ou perder seu financiamento.

Todos esses são cargos importantes pelos quais Trump sentiu que havia sido traído anteriormente. Seus antigos procuradores-gerais agiram com muita independência e muito pouco como seu consigliere; altos funcionários da inteligência atraíram a fúria dele por investigar suas ligações com a Rússia; seus antigos secretários de defesa e generais do alto escalão rejeitaram suas ideias. Com essas seleções, Trump indica que não planeja tolerar tal dissidência desta vez. Aqueles suspeitos de deslealdade (ou neoconservadorismo disfarçado) não são bem-vindos. Escolhas tão bizarras podem enfrentar dificuldade para serem confirmadas pelo Senado, mesmo com uma maioria republicana. Talvez seja esse o ponto. Quatro senadores republicanos desertores seriam suficientes para rejeitá-los, mas bloquear todas as três escolhas seria um gesto atipicamente desafiador.

As outras nomeações de Trump — em departamentos pelos quais ele talvez não se sinta pessoalmente injustiçado — são mais convencionais. Marco Rubio, um senador da Flórida, é sua escolha para ser secretário de Estado. Esta seria uma escolha encorajadora para os aliados dos EUA: Rubio copatrocinou um projeto de lei para dificultar que o presidente retire os Estados Unidos da Otan. Como o Partido Republicano se moveu em uma direção diferente, ele também o fez, abraçando o trumpismo e mantendo alguns de seus antigos instintos. Ele fez declarações de apoio à Ucrânia (mas votou contra o projeto de lei mais recente para armá-la, citando a necessidade de priorizar a segurança da fronteira). Rubio, filho de imigrantes cubanos, tem um anticomunismo hereditário que foi redirecionado para a China.

Outras nomeações de política externa têm visões e credenciais semelhantes. Mike Waltz, um ex-congressista da Flórida, será conselheiro de segurança nacional. Como Rubio, ele fica do lado dos “priorizadores” na Magalândia, como J.D. Vance, o novo vice-presidente, que argumenta que levar a ameaça chinesa a sério requer reduzir os compromissos com a segurança europeia e com a Ucrânia. Elise Stefanik, a escolha para ser embaixadora nas Nações Unidas (a sexta mulher consecutiva a ocupar esse cargo), é uma congressista de Nova York que se destacou como uma das fãs mais entusiasmadas de Trump na Câmara. Ela é mais conhecida por obliterar presidentes de faculdades em audiências envolvendo casos de antissemitismo nos campi. Este parece ser um currículo sólido para alguém representar no fórum multilateral de maior destaque do mundo um governo que desconfia do multilateralismo.

E então há as nomeações mais estranhas — para departamentos que ainda não existem. Trump anunciou que escolheria Elon Musk, o homem mais rico do mundo, para comandar uma nova comissão com Vivek Ramaswamy, um empreendedor e ex-adversário republicano nas primárias, para reduzir o desperdício governamental e cortar a burocracia. Este é um objetivo digno, mas, como acontece frequentemente com Musk, é difícil saber se devemos levá-lo ao pé da letra. Trump o está chamando de Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), em homenagem à sua criptomoeda preferida, que começou como uma piada. No entanto, seus objetivos são grandiosos: Musk pediu US$ 2 trilhões em cortes nos gastos federais (quase um terço do orçamento), o que é impossível de conciliar com a promessa de campanha de Trump de não tocar na Previdência Social ou no Medicare nem aumentar a idade de aposentadoria.

Mesmo antes do Congresso aplicar seus freios e contrapesos, está claro que este gabinete será muito diferente do anterior de Trump. Em Trump Um, Mike Pence, o ex-vice-presidente, ajudou a preencher o primeiro gabinete com republicanos reaganistas. Eles disputavam influência com acólitos do movimento Maga, que zombavam da fé conservadora no governo limitado, internacionalismo robusto e livre comércio. As frentes dessa luta frequentemente se confundiam, e cada lado reivindicava algumas vitórias. Um ex-assessor de Trump disse que o presidente eleito era um moderado em seu próprio movimento Maga. Desta vez, os crentes mais zelosos estão em vantagem. 

 

terça-feira, 29 de outubro de 2024

O plano de Putin para destronar o dólar - The Economist, O Estado de S. Paulo

O plano de Putin para destronar o dólar

O Estado de S. Paulo | Internacional
29 de outubro de 2024

 

Presidente da Rússia espera que parceiros do Brics encampem sua estratégia para driblar sanções O presidente da Rússia, Vladimir Putin, estava animado na semana passada ao receber líderes mundiais, incluindo Narendra Modi e Xi Jinping, na cúpula do Brics em Kazan. No ano passado, quando o bloco se reuniu na África do Sul e se expandiu de cinco para dez membros, Putin teve de ficar em casa para evitar ser preso por um mandado emitido pelo Tribunal Penal Internacional. Desta vez, ele foi o anfitrião do clube em rápido crescimento que está desafiando a ordem liderada pelo Ocidente.

Em 15 anos, o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) conquistou pouco. No entanto, Putin espera dar peso ao bloco, fazendo-o construir um novo sistema de pagamentos internacionais para atacar o domínio dos EUA nas finanças globais e proteger a Rússia e seus amigos das sanções.

Um sistema de pagamentos do Brics permitiria "operações econômicas sem depender daqueles que decidiram transformar dólar e euro em armas".

Esse sistema, que a Rússia chama de "Ponte do Brics", deve ser construído dentro de um ano e permitiria que os países fizessem liquidações transnacionais usando plataformas digitais administradas por seus bancos centrais. Surpreendentemente, ele pode tomar emprestado conceitos de um projeto diferente chamado mBridge, parcialmente administrado por um bastião da ordem liderada pelo Ocidente, o Banco de Compensações Internacionais (BIS), sediado na Suíça.

As negociações elucidaram um pouco a corrida para refazer os circuitos financeiros do mundo. A China há muito aposta que a tecnologia de pagamentos - não uma rebelião de credores ou conflito armado - reduzirá o poder dos EUA.

O plano do Brics pode tornar as transações mais baratas e rápidas. Esses benefícios podem ser suficientes para atrair economias emergentes. Em um sinal de que o esquema tem potencial genuíno, as autoridades ocidentais estão cautelosas de que ele seja projetado para escapar de sanções.

Alguns estão frustrados com o papel não intencional do BIS, conhecido como o banco central dos bancos centrais.

O domínio americano do sistema financeiro global, centrado no dólar, tem sido um pilar da ordem do pós-guerra e colocou os bancos americanos no centro dos pagamentos internacionais. Enviar dinheiro ao redor do mundo é um pouco como pegar um voo de longa distância; se dois aeroportos não estiverem conectados, os passageiros precisam trocar de voo, de preferência em um hub movimentado. No mundo dos pagamentos internacionais, o maior hub são os EUA.

PODER. Como quase todos os bancos que fazem transações em dólares têm de fazê-lo por meio de um banco correspondente nos EUA, o país é capaz de monitorar os fluxos em busca de sinais de financiamento terrorista e evasão de sanções. Isso fornece aos americanos um enorme poder.

Após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, o Ocidente congelou US$ 282 bilhões em ativos russos mantidos no exterior e desconectou os bancos russos do Swift, usado por cerca de 11 mil bancos para pagamentos internacionais.

Os EUA também ameaçaram "sanções secundárias" a bancos em outros países que apoiem o esforço de guerra da Rússia. Esse tsunami levou os bancos centrais a acumular ouro, e os adversários dos EUA a deixarem de usar o dólar para pagamentos, o que a China vê como uma de suas maiores vulnerabilidades.

Putin esperava capitalizar essa insatisfação em relação ao dólar na cúpula do Brics. Para ele, criar um novo esquema é uma prioridade prática urgente, bem como uma estratégia geopolítica. Os mercados de câmbio da Rússia agora negociam quase exclusivamente em yuans, mas, como o país não consegue obter o suficiente da moeda chinesa para pagar todas as suas importações, a Rússia foi reduzida às trocas. Putin espera avançar seus planos para o Brics Bridge, um sistema de pagamentos que usaria dinheiro digital emitido por bancos centrais e apoiado por moedas fiduciárias. Isso colocaria bancos centrais no meio de transações transnacionais, e não bancos correspondentes com acesso ao sistema de compensação de dólares nos EUA.

A maior vantagem para ele é que nenhum país poderia impor sanções a outro. A mídia estatal chinesa diz que o novo plano do Brics "provavelmente se baseará nas lições aprendidas" com o mBridge, uma plataforma de pagamentos experimental desenvolvida pelo BIS junto com os bancos centrais da China, Hong Kong, Tailândia e Emirados Árabes.

O experimento do BIS foi inocente em seus objetivos e teve início em 2019, antes da invasão feita pela Rússia. Ele tem sido incrivelmente bem-sucedido. Poderia reduzir o tempo de transação de dias para segundos e os custos de transação para quase nada. Em junho, o BIS disse que o mBridge havia atingido o "estágio mínimo de produto viável" e o banco central da Arábia Saudita se juntou como um quinto parceiro no esquema. Ao criar um sistema que poderia ser mais eficiente do que o atual e enfraquecer o domínio do dólar, o BIS involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico.

Os ganhos de eficiência de novos tipos de dinheiro digital podem corroer o uso do dólar no comércio internacional, de acordo com o Fed.

Reciprocamente, eles poderiam impulsionar a moeda da China.

A maioria dos pagamentos internacionais é em dólares e normalmente ocorre em uma cadeia de bancos intermediários. Em vez disso, o projeto mBridge depende de bancos centrais e lhes dá visibilidade e algum controle sobre os bancos nacionais e sobre o uso de suas moedas digitais por bancos estrangeiros.

Na etapa 1, um banco que envia um pagamento internacional trocaria a moeda normal (A$) por uma moeda digital (eA$) emitida diretamente pelo banco central. Na etapa 2, o banco a trocaria por uma moeda digital estrangeira (e-B$), que enviaria na etapa 3. O banco estrangeiro trocaria isso de volta para dinheiro normal na etapa 4.

É possível que os conceitos e o código do mBridge sejam replicados pelo Brics, China ou Rússia? O BIS, sem dúvida, vê o mBridge como um projeto conjunto e acredita que tem a palavra final a respeito de quem pode participar.

No entanto, algumas autoridades ocidentais dizem que os participantes do teste do mBridge podem ser capazes de repassar o capital intelectual que ele envolve para outros, incluindo participantes do Brics Bridge.

De acordo com várias fontes, a China assumiu a liderança no software e código por trás do projeto mBridge. Talvez essa tecnologia e know-how pudessem ser usados para construir um sistema paralelo. O BIS não quis comentar semelhanças entre seu experimento e o plano de Putin, defendido por ele na cúpula de Kazan.

GEOPOLÍTICA. 

 Em a reunião do G-20, em 2020, o BIS recebeu a tarefa de melhorar o sistema existente e, a pedido da China, de experimentar moedas digitais. Como diferentes membros da organização têm objetivos concorrentes, manter-se acima da briga está ficando mais difícil.

Uma opção para os EUA e seus aliados é tentar dificultar novos sistemas de pagamento que competem com o dólar.

Autoridades ocidentais alertaram o BIS que o projeto poderia ser mal utilizado por países com motivos malignos. O BIS desde então desacelerou seu trabalho no mBridge.

Outra opção é melhorar o sistema baseado em dólar para que seja tão eficiente quanto os novos rivais. Em abril, o Fed de Nova York se juntou a seis outros bancos centrais em um projeto do BIS com o objetivo de tornar o sistema existente mais rápido e barato.

O Fed também pode vincular seu sistema doméstico de pagamentos instantâneos àqueles de outros países. Qualquer sistema de pagamento rival do Brics ainda enfrentará enormes desafios. Garantir liquidez será difícil ou exigirá grandes subsídios governamentais implícitos.

Se os fluxos subjacentes de capital e comércio entre dois países estiverem desequilibrados, o que geralmente acontece, eles terão de acumular ativos ou passivos nas moedas um do outro, o que pode ser desagradável.

Por tudo isso, o esquema do Brics pode ter força.

Há consenso de que os atuais pagamentos transnacionais são lentos e caros. Embora os países ricos tendam a se concentrar em torná-los mais rápidos, muitos outros querem derrubar o sistema atual completamente. Pelo menos 134 bancos centrais estão experimentando dinheiro digital, principalmente para fins domésticos, avalia o Atlantic Council, centro de estudos em Washington.

A cúpula do Brics da semana passada não foi um Bretton Woods. Tudo o que a Rússia e seus amigos precisam fazer agora é mover um número relativamente pequeno de transações relacionadas a sanções para além do alcance dos EUA. Ainda assim, muitos estão mirando mais alto.

No ano que vem, a cúpula do Brics será no Brasil, recebida por seu presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, que se queixa do poder do dólar. "Toda noite eu me pergunto por que todos os países têm de basear seu comércio no dólar", disse ele no ano passado.

"Quem foi que decidiu isso?" 

@ TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL © 2023 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

ARTIGO O BIS, com sede na Suíça, involuntariamente entrou em um campo minado geopolítico

 

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Crise econômica da Bolívia, que acontece em câmera lenta, está acelerando - The Economist

 Mais um pais do Mercosul em crise, desta vez a Bolivia: o Brasil virá em seu socorro? PRA

Crise econômica da Bolívia, que acontece em câmera lenta, está acelerando

Dólares e gasolina são escassos, e o crescimento é fraco

La Paz (Bolívia)

The Economist, 22/10/2024

Caminhonetes carregando tambores de combustível vazios estão alinhadas do lado de fora de um posto de gasolina ao lado de um campo de soja em Santa Cruz, na Bolívia. O atendente diz que a fila não se move há dias: não há diesel. Tem sido assim, intermitentemente, por dois meses. "E a semeadura de verão está prestes a começar", suspira ele.

A política boliviana é confusa —em junho houve uma tentativa de golpe por um general rebelde. A economia também é caótica. Em fevereiro de 2023, com poucos dólares, o banco central parou de publicar relatórios semanais sobre suas reservas. Desde então, o governo tem juntado dólares mês a mês.

Enquanto isso, a diferença entre as taxas de câmbio oficial e do mercado ilegal se alarga. Produtos importados estão cada vez mais escassos e os preços estão subindo. É uma crise cambial em câmera lenta. Os bolivianos estão se preparando para uma desvalorização.

O Movimento ao Socialismo (MAS) governou a Bolívia por todos os anos, exceto um, desde 2006. Parte desse período viu notável estabilidade e crescimento. Uma taxa de câmbio fixa, energia e alimentos subsidiados e um forte investimento público são os pilares do modelo econômico do MAS. O estado pagou por tudo isso usando dólares ganhos com a exportação de gás natural para o Brasil e a Argentina.

Então o modelo perdeu força. Os preços caíram quando o boom das commodities terminou. A produção caiu quando a empresa estatal de gás parou de perfurar poços. As reservas internacionais, que eram de US$ 15 bilhões (R$ 85,3 bilhões) em 2014, caíram para cerca de US$ 2 bilhões (R$ 11,3 bilhões), com apenas US$ 153 milhões (R$ 870 milhões). O estado agora luta para pagar pelas importações de combustível.

E assim, uma economia construída sobre dólares e combustível baratos não pode mais contar com nenhum dos dois. O resultado é uma "agonia prolongada", diz José Luis Exeni, analista político. Importadores estão esgotando estoques e aumentando preços. Supermercados têm prateleiras vazias e funcionários ociosos. Exportadores, lutando para obter insumos, estão produzindo menos.

Outdoors mostrando Luis Arce, o presidente, pilotando um avião, com slogans exaltando a estabilidade macroeconômica, foram retirados. O FMI prevê um crescimento do PIB de 1,6% este ano, o mais baixo em duas décadas (excluindo o primeiro ano da pandemia). Dois anos atrás, o MAS se gabava de que a inflação da Bolívia era a mais baixa da região. Agora está entre as mais altas.

Em resposta, o governo está sendo puxado em duas direções ao mesmo tempo. Em reuniões com o setor privado, fala-se em liberalizar as exportações agrícolas e mudar a lei para atrair investimentos em petróleo e gás. Enquanto isso, os sindicatos querem que o governo force os exportadores a repatriarem mais dos dólares que ganham. Giovanni Ortuño, presidente de um lobby empresarial boliviano, diz que Arce lhes assegurou que o governo não seguirá esse caminho. Mas em público, ele não descarta essa possibilidade.

Coagir exportadores não resolveria os problemas econômicos críticos. Isso requer alterar a taxa de câmbio e o subsídio ao combustível; o preço da gasolina está fixado em cerca de US$ 0,50 por litro desde 2004. Também pode significar um empréstimo do FMI e uma liberalização econômica mais ampla. Mas o MAS considera tais reformas contrárias aos seus princípios. "Eles não são pragmáticos. Eles são altamente dogmáticos", avalia a economista Beatriz Muriel.

A política já era instável antes do golpe em junho. Evo Morales, ex-presidente, está lutando para ser o candidato do MAS na eleição presidencial do próximo ano. O governo de Arce está imobilizado, porque não pode contar com legisladores leais a Morales. Aproximadamente US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões) em empréstimos de bancos de desenvolvimento, equivalentes a cerca de 2% do PIB, aguardam aprovação do Congresso.

Arce parece estar tentando continuar até a eleição do próximo ano sem realizar mudanças dolorosas, porém necessárias. Mas os eleitores da classe trabalhadora —o núcleo do eleitorado do MAS— começaram a protestar. "Escassez e aumentos de preços; queda do poder de compra e aumento da pobreza; deterioração do humor social. A questão é quando e como isso se transformará em conflito nas ruas", diz Gabriel Espinoza, ex-diretor do banco central da Bolívia.


domingo, 14 de julho de 2024

Divergências políticas e econômicas evidenciam a irrelevância do Mercosul - The Economist

 

Divergências políticas e econômicas evidenciam a irrelevância do Mercosul

Membros do bloco comercial estão cada vez mais em desacordo, comprometendo a estratégia de ganhar mais espaço no mundo 

The Economist, July 14, 2024

Foi um desprezo especialmente incisivo. Faltando ao encontro bianual dos presidentes do Mercosul, Javier Milei, presidente da Argentina desde dezembro, preferiu falar para a extrema-direita em uma Conferência de Ação Política Conservadora no Brasil. “Se o Mercosul é tão importante, todos os presidentes deveriam estar aqui”, reclamou Luis Lacalle Pou, líder centrista do Uruguai, na cúpula em Assunção, capital do Paraguai.

A realidade é que o Mercosul, um bloco comercial que inclui o Paraguai, o Uruguai e agora a Bolívia (formalmente admitida em Assunção), além do Brasil e Argentina, não é mais tão importante. Até mesmo o anfitrião, Santiago Peña, do Paraguai, admitiu que “o Mercosul claramente não está passando por seu melhor momento”.

Milei nunca se encontrou formalmente com Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, a quem ele chama de “corrupto” e “comunista” (a Suprema Corte do Brasil anulou a condenação de Lula - e ele é socialista). Mas as incompatibilidades políticas são mais antigas: Jair Bolsonaro, o ex-líder do Brasil, e Alberto Fernández, o antecessor peronista de Milei, também se evitavam mutuamente.

Criado em 1991 como uma área de livre-comércio e união alfandegária, o Mercosul prometia muito. O comércio entre os membros aumentou, em termos reais, de US$ 9 bilhões (R$ 49 bilhões) em 1990 para mais de US$ 31 bilhões (R$ 168 bilhões) em 1996. Duas coisas acabaram com a promessa. O primeiro foi a volatilidade macroeconômica.

O Brasil desvalorizou sua moeda em 1999; a Argentina sofreu um colapso financeiro em 2001-02. Em segundo lugar, a ampliação superou o aprofundamento, já que os líderes políticos, incluindo Lula e os peronistas argentinos, procuraram usar o Mercosul para atrair aliados ideológicos (como os líderes bolivianos) em vez de transformá-lo em uma ferramenta de política econômica. O protecionismo cresceu: desde a crise financeira de 2008, os membros impuseram mais de 400 medidas não tarifárias uns contra os outros.

O comércio intra-Mercosul atingiu o pico de US$ 72 bilhões (R$ 392 bilhões) em 2011. Embora tenham se recuperado recentemente graças à retomada econômica pós-pandemia, a parcela de exportações entre os países do bloco caiu entre as vendas totais dos membros, de um pico de 24% em 1998 para cerca de 11% em 2023.

As exportações agrícolas para a China cresceram muito no Brasil e na Argentina. O comércio administrado em suas indústrias automobilísticas costumava estar no centro do Mercosul, mas em ambos os países a importância relativa da manufatura diminuiu.

Além disso, o Mercosul só conseguiu fechar acordos de livre-comércio com o Egito, Israel e Cingapura, embora esteja conversando com outros países. As negociações para um pacto comercial com a UE foram finalmente concluídas em 2019, 20 anos após seu início. Mas em um mundo cada vez mais protecionista, parece improvável que o acordo seja ratificado pelos países-membros da UE. Os líderes europeus enfrentam a pressão dos lobbies agrícolas, que se opõem ao acordo. Por sua vez, o governo brasileiro tem dúvidas, especialmente sobre a abertura de compras públicas.

“Qual é o propósito do Mercosul se você não pode expandir o acesso ao mercado?”, pergunta Shannon O’Neil, do Council on Foreign Relations, um think-tank (grupo de reflexão) de Nova York. A resposta de Lacalle é buscar acordos bilaterais. O Uruguai está conversando com a China e a Turquia e quer entrar para a CTPP, um grupo do Pacífico com 11 membros.

Milei ameaça deixar o Mercosul, embora o comércio da Argentina tenha recebido o maior impulso do bloco. O Mercosul deveria ser uma ferramenta para o desenvolvimento econômico de seus membros e uma forma de eles terem mais peso no mundo. O declínio do bloco conspira contra a realização desses dois objetivos.


sexta-feira, 21 de junho de 2024

O modelo econômico da China mantém um fascínio perigoso - The Economist, Paulo Roberto de Almeida

 Existe algum modelo chinês de desenvolvimento?

Pode ser que sim, mas ele não serve para NENHUM outro país.

Meu amigo Mauricio David me perguntou o que eu acho do artigo abaixo.

Leiam, e depois vejam o que eu respondi a ele.

Paulo Roberto de Almeida

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The Economist

 

O modelo econômico da China mantém um fascínio perigoso

Apesar das dificuldades atuais do país, os autocratas de outros lugares têm muito a admirar

Por The Economist

09/06/2024 | 17h00

Há vinte anos, Joshua Cooper Ramo, um consultor, escreveu pela primeira vez sobre o “consenso de Pequim”. O consenso de Washington sobre liberalização financeira, moedas flutuantes e abertura ao capital estrangeiro era, segundo ele, coisa do passado. A China estava sendo pioneira em sua própria abordagem de desenvolvimento baseada em princípios de igualdade, inovação e um foco incansável na soberania e na segurança nacional. Isso atrairia muitos países em desenvolvimento.

Nos anos que se seguiram, os líderes chineses, em sua maioria, negaram qualquer ambição de exportar um modelo de desenvolvimento liderado pelo Estado. Mas, às vezes, eles são mais descarados. No ano passado, por exemplo, Xi Jinping argumentou em um discurso para autoridades do Partido Comunista que o modelo econômico do país “quebra o mito de que modernização é igual à ocidentalização” e que seu crescimento estava expandindo as “opções para os países em desenvolvimento”.

Líderes do passado e do presente no mundo em desenvolvimento, desde Imran Khan, do Paquistão, e Mahathir Mohamad, da Malásia, até Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, e Cyril Ramaphosa, da África do Sul, expuseram os benefícios de pelo menos alguns aspectos do modelo. E desde que Cooper Ramo escreveu pela primeira vez sobre o consenso de Pequim, a economia chinesa quadruplicou de tamanho em termos reais em dólares, aumentando a influência diplomática e militar do país.

Mais recentemente, no entanto, a economia da China sofreu um revés. Sua recuperação da covid-19 tem sido fraca, limitada por uma crise imobiliária, que fez com que o investimento no setor caísse quase um quarto em termos nominais desde 2021. Os esforços para impulsionar a manufatura geraram confrontos com as potências ocidentais, cujos líderes acusam a China de praticar dumping de produtos com preços baixos.

Dado esse contexto sombrio, certamente a demanda pelo modelo chinês está caindo? Não é bem assim. Como disse Kristalina Georgieva, diretora do FMI, em uma entrevista recente à televisão estatal chinesa: “Eu viajo pelo mundo e vejo modelos de desenvolvimento que saíram da China replicados em outros lugares”.

Para analisar até que ponto isso é verdade, produzimos um índice que mede a semelhança de outras economias com a da China. Em grande parte, ele confirma sua conclusão. Além disso, há motivos para acreditar que a influência da China continuará a crescer.

O que é exatamente o modelo chinês? Algumas de suas características mais conhecidas também podem ser encontradas em outras histórias de sucesso do Leste Asiático, incluindo Japão, Coreia do Sul e Taiwan. As economias dos quatro países são orientadas para a exportação e o investimento. Por sua vez, a China tem tido um superávit na conta-corrente há três décadas.

Sua formação bruta de capital fixo, uma medida de investimento, chega a 42% do PIB, uma das maiores participações do mundo. Uma conta de capital amplamente fechada impede que os cidadãos movimentem dinheiro no exterior. A repressão financeira, a prática de manter as taxas de juros artificialmente baixas, garante financiamento bancário barato para os setores favorecidos pelo Estado.

Mas há outros elementos mais claramente chineses. A Coreia do Sul e Taiwan passaram de um regime autocrático para um regime democrático, embora fossem mais pobres do que a China hoje. Em Pequim, não houve liberalização política, e o poder econômico do Estado é utilizado com entusiasmo para fins políticos, inclusive por meio do uso de empresas estatais. Isso é particularmente verdadeiro no setor financeiro. Apesar do crescimento da iniciativa privada desde a década de 1980, as autoridades mantiveram um controle rígido sobre o sistema bancário, com mais de 50% dos ativos bancários ainda detidos por credores estatais.

O desenvolvimento do país também dependeu do uso de zonas econômicas especiais (Sezs), áreas que oferecem a empresas e indivíduos regras mais liberais de impostos e investimentos. Essas zonas não se originaram na China, mas as mais bem-sucedidas, como as vastas zonas em Shenzhen e na Ilha de Hainan, serviram de inspiração para imitadores em todo o mundo. O número de Sezs explodiu. Hoje, somente as Filipinas abrigam mais Sezs do que havia em todo o mundo em 1995.


Os criadores de tendências de Pequim

Usando essas sete medidas - o saldo da conta-corrente de um país, a abertura de sua conta de capital, a escala de seu investimento, a parcela das exportações que são bens manufaturados, o tamanho do sistema bancário estatal, seu nível de democracia e o número de grandes Sezs por pessoa - calculamos o quanto outras economias têm em comum com a China.

O mais semelhante de todos é o Vietnã, que tem uma economia de exportação e manufatura intensiva governada por seu próprio Partido Comunista. A Austrália e o Reino Unido, nenhuma das quais é governada por comunistas, estão entre as que estão na parte inferior da classificação. A economia da Grécia é a menos parecida com a da China.

As posições de outros países talvez sejam mais surpreendentes. Embora o desenvolvimento inicial da Coreia do Sul seja frequentemente comparado ao da China, os dois países já divergiram. De fato, a China agora tem mais em comum com Bangladesh e Turquia, ambos países que visam promover as exportações, mas que têm políticas mais democráticas.

A Índia e a Etiópia também se assemelham à China, em parte devido a seus sistemas bancários estatais. Enquanto isso, a conta de capital fechada de Angola faz com que o país suba na classificação. Todos esses países também têm Sezs.

Em vez de um modelo econômico padronizado, o que a China oferece aos líderes dos países em desenvolvimento é a garantia de que eles não precisam se tornar mais democráticos para crescer. Como diz Charles Robertson, da Fim Partners, uma empresa de investimentos em mercados emergentes e de fronteira: “Para uma grande parte do sul global, o sucesso da China é imensamente atraente porque mostra que os ocidentais brancos não têm todas as respostas”.

Mesmo que o crescimento oferecido agora pareça menos certo do que antes, a barganha ainda parece boa para muitos autocratas. Países como Angola, Etiópia e Tanzânia são liderados por partidos dominantes que surgiram de movimentos de libertação nacional e há muito tempo gostam da intervenção do Estado, da gestão rigorosa do comércio e do controle político do crédito. A China oferece a eles menos um modelo e mais uma desculpa, diz Ricardo Soares de Oliveira, da Universidade de Oxford.

Além disso, a promoção de seu modelo pela China aumentou a velocidade nos últimos anos. Elizabeth Economy, da Hoover Institution da Universidade de Stanford, argumenta que essa atividade reflete um desejo maior de promover as empresas chinesas no exterior. O Departamento de Ligação Internacional do Partido Comunista promoveu laços com as elites do mundo em desenvolvimento.

Sua primeira escola de treinamento no exterior para burocratas estrangeiros, na Tanzânia, começou a aceitar alunos em 2022. Mesmo que as dificuldades econômicas da China tenham se tornado mais óbvias no último ano, os elogios ao seu modelo de desenvolvimento continuaram a ser feitos por líderes estrangeiros, incluindo Shavkat Mirziyoyev, do Uzbequistão, Vladimir Putin, da Rússia, e Yoweri Museveni, de Uganda.

Ao contrário do consenso de Washington, apoiado pelo FMI e pelo Banco Mundial, o consenso de Pequim não conta com o apoio de nenhuma instituição internacional. Os empréstimos da China também vêm com menos condições políticas. Mas é amplo e concentrado em setores típicos do modelo chinês. Entre 2019 e 2023, cerca de 76% dos desembolsos da China no exterior e da atividade de construção, no valor de US$ 541 bilhões (R$ 2,88 trilhões), foram em apenas quatro setores: energia, metais, propriedade e transporte.

Da mesma forma, Yu Zhang e seus colegas da Universidade de Aviação Civil da China identificaram 103 zonas fora da China administradas pelo Ministério do Comércio da China, com investimentos facilitados por essas zonas com foco em setores associados ao modelo chinês. Como resultado, os países anfitriões podem perceber que suas economias estão se tornando mais chinesas.

A adoção do consenso de Pequim é uma boa ideia? Embora o Vietnã, Bangladesh e a Etiópia tenham introduzido políticas semelhantes às da China, eles ficaram muito aquém do crescimento chinês. Enquanto isso, países como a Geórgia e a Polônia demonstraram que o crescimento rápido é possível em sistemas menos autoritários. Yasheng Huang, do Massachusetts Institute of Technology, observa que as economias em desenvolvimento poderiam aprender muito mais com a experiência de liberalização econômica da China logo após o início das reformas de Deng Xiaoping em 1978 do que com seu desempenho mais recente.

Durante a década que se seguiu, a renda pessoal dos chineses aumentou mais rapidamente do que o PIB, o empreendedorismo rural cresceu e o país oscilou entre um superávit e um déficit na conta-corrente. “A China não tinha um modelo de crescimento mercantilista na década de 1980″, diz Huang.

Os países que priorizam a expansão do Estado, da infraestrutura, das exportações e da indústria pesada podem se deparar com dificuldades. Huang cita o Paquistão como um exemplo. Sua taxa de alfabetização ainda está abaixo de 60%, mas o governo está concentrando investimentos em energia, ferrovias e no Corredor Econômico China-Paquistão, uma rede de projetos de infraestrutura que cruzam a fronteira entre os dois países. Em outros lugares, também, a economia chinesa ainda é vista com admiração, principalmente pelas elites que têm pouca intenção de liberalizar. Apesar das dificuldades da China, o consenso de Pequim continua firme.

 

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Agora eu PRA: 

Caro Mauricio,

Não existem modelos de desenvolvimento tipo exportação; cada um é único e original.
Existem coisas que NÃO DEVEM se fazer, como fechamento, estatização, protecionismo exacerbado, desrespeito aos contratos e à propriedade, intervenção desmesurada, desprezo pela qualidade da mão de obra, da infraestrutura, solução de controvérsias inexistente, lenta ou cara, etc., etc., etc.
O que deve ser feito por outro lado, não é exclusivo da China e deveria ser pura sensatez ou senso-comum em matéria de políticas econômicas: estabilidade das políticas macroeconômicas, de preferência orientadas pelos mercados, sem muita interferência estatal (equilíbrio nas contas públicas, comedimento fiscal, baixo endividamento, alto investimento, juros e câmbio mais próximos da dinâmica dos mercados do que das preferências governamentais), políticas setoriais antimonopólicas, alta competição interna e externa, justiça expedita e efetiva, alta qualidade dos recursos humanos e abertura a comércio exterior e aos investimentos estrangeiros.
NADA DISSO foi inventado pela China ou é exclusivo de seu processo de desenvolvimento exitoso dos últimos 50 anos. Ela apenas se libertou do maoísmo demencial, abriu sua economia interna e externamente, reconheceu direitos de propriedade, fez os investimentos em infraestrutura e manteve as políticas que alinhei no parágrafo anterior.
Ou seja, a China CORRIGIU o que era errado e fez o certo, o que QUALQUER PAÍS deveria fazer.
O que ditadores, populistas e autoritários ao redor do mundo admiram na China é o despotismo governamental, mas esquecendo que a China tem um exército de mandarins, tecnocratas altamente capacitados, que não estão nem um pouco preocupados com o disse Marx ou até mesmo Keynes ou Prebisch: eles fazem o que recomendam os bons manuais de administração, à la Peter Drucker, O QUE QUALQUER UM PODE FAZER.
REPITO: o que a China fez é IRREPETIVEL por qualquer outro país, a não ser que queiram repetir a ditadura que arrasou economicamente a China nos tempos do socialismo esquizofrênico de Mao.
A China é a MAIOR ECONOMIA DE MERCADO DO MUNDO, no seu capitalismo com características chinesas, o que é IRREPETÍVEL em qualquer outro contexto.
Mas se quiserem ditadura de um partido leninista, como o PCC, pode até ser, mas tem de fazer como fizeram os mandarins do PCC: administrar uma economia de mercado aberta como fez a China. O que há de estatismo na China está concentrado nos setores que qualquer país democrático pode fazer e faz: estabilidade econômica, competição, abertura, produtividade do capital humano, boa infraestrutura.
Quem achar que pode repetir o que a China fez vai falhar miseravelmente. Basta fazer o que é certo, o que a China também fez. Mas a OCDE ensina direitinho em condições de liberdade política e respeito aos direitos humanos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 21/06/2024

domingo, 16 de junho de 2024

A falta de importância da América Latina no comércio mundial - The Economist

A falta de importância da América Latina no comércio mundial

A maior cordilheira do mundo e a maior floresta tropical tornam o comércio um desafio

Por The Economist

15/06/2024 | 17h00

Seguindo um caminhão carregado com carros de fabricação brasileira enquanto desce as curvas fechadas do Paso Internacional Los Libertadores até o Chile, os desafios do comércio na América Latina ficam claros. Por quatro vezes o caminhão precisa parar enquanto os trabalhadores consertam a estrada à frente; neve, gelo e avalanches em breve destruirão a pista novamente.

A demora é tanta que os motoristas saem para fumar, olhando para os picos ao redor. Há pelo menos um acidente por semana, avalia um funcionário da fronteira. Esta é a travessia comercial mais movimentada entre a Argentina e o Chile, mas o gelo traiçoeiro significa que, no inverno, ela opera apenas 12 horas por dia. Durante cerca de 40 dias por ano, coberta de neve, a estrada é completamente fechada.

comércio internacional da América Latina, medido por exportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadoriasrepresenta menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Os países latino-americanos são ainda piores em se tratando do comércio entre si. A região é muito mais rica do que a África Subsaariana, mas o comércio intrarregional representa apenas 7% do PIB em ambos os locais. Medido de forma diferente, apenas 14% do comércio total de bens da América Latina ocorre dentro da região, o valor mais baixo do mundo.

O baixo comércio em geral é um problema. Os lugares mais ricos tendem a comercializar mais, e o comércio internacional tem sido um poderoso motor de desenvolvimento em todos os lugares, da Europa à Ásia. Contudo, é discutível se o baixo comércio regional é uma preocupação.

Para além do México, o crescimento comercial da América Latina nos anos mais recentes se baseou na crescente procura chinesa por commodities como cobre, soja e lítio. Muitos governos ainda estão ansiosos por se concentrarem nesta oportunidade, em vez de fomentarem o comércio com os vizinhos.

Mas a relação tensa entre os Estados Unidos e a China representa um risco. Se as tensões envolvendo Taiwan aumentarem, por exemplo, a América Latina poderá ter dificuldades em manter relações comerciais com seus dois parceiros mais importantes.

O comércio internacional da América Latina, medido pexportações mais importações como porcentagem do PIB, aumentou ao longo das duas décadas mais recentes, mas ainda fica atrás da maioria dos mercados emergentes. Se retirarmos a superforça do México na indústria manufatureira para exportação destinada aos Estados Unidos, o quadro fica ainda pior. Na América do Sul, o comércio de mercadorias representa menos de 30% do PIB. Em outros mercados emergentes, representa cerca de 50%.

Deixando de lado o México, as exportações para os EUA se mantiveram estáveis no ano passado. Se o nearshoring estiver em curso, mas ainda não aparecer nas estatísticas de exportação, seria de esperar um aumento do investimento direto estrangeiro (IDE). Isso tampouco está acontecendo. Em porcentagem do PIB, o IDE recebido não é perceptivelmente superior à média de longo prazo na maior parte da América Latina. Comparemos isso com o Sudeste Asiático, que também procura se beneficiar das empresas que fogem da China, onde o IDE está aumentando rapidamente.

O estímulo ao comércio intra-regional poderia proteger as economias latino-americanas da desaceleração da demanda chinesa, bem como das tensões entre as superpotências. Também poderia ajudar a tornar a América Latina mais competitiva globalmente. Se as peças e os produtos pudessem ser fabricados nas áreas da região onde é mais barato fazê-lo, sendo depois comercializados, combinados e vendidos, eles formariam as chamadas cadeias de valor regionais e impulsionariam as exportações. Por que, então, os países latino-americanos são tão ruins no comércio entre si?

Algumas razões são estruturais. “Não negociamos uns com os outros porque queremos consumir coisas que não produzimos”, diz Ricardo Hausmann, da Universidade Harvard. O baixo comércio intra-regional deve-se, em parte, à falta de produção de artigos sofisticados. Pior ainda, os países latino-americanos produzem frequentemente as mesmas coisas: commodities.

O maior artigo de exportação do Chile é o cobre. O mesmo acontece com o Peru. Nenhum dos dois jamais venderá muito para o outro. A geografia também importa. A América do Sul abrange quase 18 milhões de quilômetros quadrados, quatro vezes o tamanho da União Europeia. A maior cordilheira do mundo e a sua maior floresta tropical tornam grande parte do continente intransitável para todos, exceto condores e onças.

Estes fatores restringem o potencial do comércio intrarregional, mas são apenas parcialmente responsáveis pela sua pobreza. O FMI avalia que o comércio de bens na América Latina é 40% inferior ao que seria esperado quando o comparamos com outras partes do mundo com desafios econômicos e geográficos semelhantes. A semelhança das cestas de exportações desses países explica mais a diferença, mas as exportações podem mudar, e mudam ao longo do tempo.

O comércio intra-regional poderia melhorar se os governos abordassem os problemas básicos. Construir melhor infraestrutura aliviaria as dores de cabeça da geografia. A Argentina, por exemplo, ocupa a 73ª posição no índice de desempenho logístico do Banco Mundial, uma medida da qualidade da infraestrutura física e da eficiência aduaneira. O FMI estima que reduzir pela metade a lacuna entre a infraestrutura da América Latina e a dos países ricos poderia aumentar as exportações em 30%.

Base do Aconcágua

De tempos em tempos, a ideia de cavar um vasto e longo túnel atravessando os Andes ressurge. Mas isso continua sendo um sonho impossível. Enquanto isso, caminhoneiros como Ricardo Emmanuel, de 38 anos, um homem de Mendoza, na Argentina, continuam transportando mercadorias para cima e para baixo em rotas perigosas e lentas. “Daquele lado a pista nunca é consertada”, reclama ele, apontando para a estrada em direção à Argentina, do alto do Paso Internacional Los Libertadores.

Ele elogia o elegante complexo alfandegário do Chile, situado no alto dos Andes, mas diz que os argentinos às vezes abrem apenas um dos seus muitos postos de controle, gerando uma fila de caminhões. Por que? “Eles não querem trabalhar!” grita ele, frustrado.

Uma melhor política comercial também ajudaria. À primeira vista, o quadro parece bom: quase 90% do comércio intrarregional já é isento de tarifas. Mas esses números são lisonjeiros e enganosos. Há dois grandes problemas. Primeiro, não existe um acordo comercial preferencial adequado entre o México, a segunda maior economia da região, e o Brasil e a Argentina, a maior e a terceira maior.

Em segundo lugar, grande parte do comércio livre se baseia em um emaranhado de acordos bilaterais. Isto é importante porque a maioria desses acordos obriga os produtores a utilizar matérias-primas e insumos produzidos quase exclusivamente no seu país de origem, em vez de provenientes de países terceiros, potencialmente mais baratos, da região. “Este é um enorme obstáculo à criação de cadeias de valor regionais”, afirma Antoni Estevadeordal, da Universidade Georgetown. Ele avalia que essas regras equivalem a uma tarifa extra de cerca de 15%.

Alguns líderes latino-americanos simplesmente não querem um comércio mais livre. Brasil e Argentina são os dois mercados emergentes mais protecionistas do mundo, diz Marcel Vaillant, da Universidade da República, no Uruguai. Com uma população de mais de 200 milhões de habitantes, o Brasil é o maior mercado do continente, mas o protecionismo significa que, para muitas empresas na América Latina, as vendas para o país são limitadas.

A Argentina cobra atualmente um imposto de 17,5% sobre compras de moeda estrangeira para a maioria das importações, e tributa diretamente vastas áreas das suas exportações (os impostos de exportação também são populares no Cazaquistão, mas são vistos como uma loucura nos países ricos). As barreiras não tarifárias são abundantes em toda a região. Os produtores chilenos de tudo, desde abacate a salmão, têm de realizar processos de vigilância sanitária separados para cada mercado para o qual exportam. “Isso representa tempo e dinheiro”, salienta Ignacio Fernández Ruiz, chefe da ProChile, a agência de promoção de exportações do país.

Este protecionismo também destruiu grandes esperanças para o Mercosul, a união aduaneira entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. Em vez disso, o bloco tem barreiras tarifárias elevadas para o restante do mundo e está repleto de barreiras internas. O Mercosul impulsionou brevemente o comércio entre seus membros, mas o comércio dentro do grupo não é atualmente melhor do que entre outros países da região. O comércio entre o Mercosul e o resto da América Latina é miseravelmente baixo.

A volatilidade política é outra dor de cabeça. A Aliança do Pacífico, um acordo de comércio livre entre o Chile, a Colômbia, o México e o Peru, foi lançada por quatro líderes de centro-direita em 2011. Esperava-se que fosse um modelo de como a integração regional também poderia impulsionar o comércio global. Mas a eleição de líderes de esquerda na Colômbia, no Chile e no México minou o dinamismo da organização.

O México se recusou a passar a liderança rotativa da Aliança para a presidente Dina Boluarte do Peru, alegando que a nomeação dela era ilegítima depois de ter substituído seu antecessor, envolvido em um impeachment. A Aliança do Pacífico está no seu ponto mais baixo desde que foi fundada, afirma Felipe Lopeandía, antigo negociador comercial principal do Chile, agora na Deloitte, uma empresa de consultoria.

Ainda assim, é mais fácil resolver estes problemas do que mover os Andes. E mesmo os dois impedimentos estruturais ao comércio na América Latina – a geografia e o fato de os seus países produzirem bens semelhantes – parecem diferentes da perspectiva da parte do comércio global que está se expandindo mais rapidamente: os serviços.

A Amazon não impede que consultorias equatorianas vendam seus serviços no Brasil. Para as empresas chilenas de engenharia de minas, o fato de o Peru também produzir cobre representa uma tremenda oportunidade. O comércio intra-regional de serviços da América Latina ainda é baixo, mas o potencial é óbvio.

As exportações de serviços do Chile também são pequenas, mas, no ano passado, cresceram 51%, principalmente na América Latina. O potencial para crescer entusiasma Fernández Ruiz, que trouxe dezenas de grandes empresas de toda a América Latina para conhecer prestadores de serviços chilenos. Não é a primeira vez que a região poderá aprender com o Chile pró-comércio. /


terça-feira, 4 de junho de 2024

Como a Ucrânia pode vencer a Rússia - The Economist

 The Economist: In Crimea, Ukraine is beating Russia. It is becoming a death trap for the Kremlin’s forces.

Ukraine success in Crimea provides lessons about how Ukraine can succeed elsewhere. 

Those lessons are straightforward, really: 

1. Saturate Ukraine with weapons 1/

2. Provide long-range striking capabilities

3. Allow to use these capabilities on the target area

The Economist: Ukraine is now able to hit any target in Russian-occupied Crimea with deadly effect due to the arrival of ATACMS ballistic missiles with a 300km range. 3/

The E: The U.S. has eased restrictions on using American weapons against military targets in Russia, allowing Ukraine to hit Russian forces attacking or preparing to attack Kharkiv. 4/

The E: Ukraine is systematically making Crimea uninhabitable for Russian forces, degrading Russia's air defenses, hitting air bases, and striking critical logistics and economic targets. 5/

The E: Ukraine has demonstrated the ability to hit Russian warships, with many landing vessels destroyed and much of the Black Sea Fleet relocating away from Sevastopol. 6/

The E: Russia's expensive S-400 air defense systems have been found wanting, vulnerable to decoy drones revealing their positions and Ukrainian sabotage. 7/

The E: Ukraine aims to isolate Crimea, push Russian air and sea forces away from southern Ukraine, and strangle it as a logistics hub for Russia. 8/

The E: Disrupting the new railway line from Russia into Crimea will be a challenge, as Russia recognizes the vulnerability of the Kerch Bridge. 9/

There are two lessons from Crimea. 

1. It is possible to beat Russia with consistent application of long-range weapons. Yes, it is working.  10/

2. As Crimea is a weak spot for Russia and Putin, Ukraine can gain meaningful leverage over Russia by denying Crimea to Russians 11/

The first lesson implies that the West shouldn't be afraid to give Ukraine weapons to strike deeper into Russia. 

Indeed, Crimea, Black Sea Fleet, and the Kerch Bridge all have been pronounced a red line by Russia only to be revealed a bluff 12/

But also if Crimea goes, Putin is likely to lose power. He sold the entire project to Russian people on the ease of getting Crimea. 13/

Russia has become a victim of its own greediness. Once it got Crimea, it had to protect it. That's why the land bridge through Mariupol. This is in fact the only strategic achievement of Russia post 2022. 14/ 

But now Crimea and the land bridge create a weakness that Ukraine is exploiting making the Kremlin and Putin look losers. 15/

Ukraine should and will push harder on Crimea, getting badly needed leverage. 

Many people in the West believe Ukraine won't be getting Crimea back any time soon if at all. 16/

But if Ukraine continues bombing all military positions there, Crimea will de fact not be of any interest or use to Russia. 17/

Then, Russia might simply have to abandon it. I hope it happens soon. I also hope the lessons of the Ukrainian success in Crimea are applied elsewhere, in particular, across the border in Kharkiv. 18X

Louis Morquin:

Next step in my mind, should be, once Crimea is de facto demilitarised, to cut the land bridge just north east of Crimea. Witch could have secondary advantage to shorten the front line. Kharkiv should for now put out reach of Russian weapons.



México precisa de uma mudança radical. Claudia Sheinbaum é capaz de fazê-la? - The Economist

 THE ECONOMIST 

México precisa de uma mudança radical. Claudia Sheinbaum é capaz de fazê-la?

Primeira mulher presidente da história do México deve reverter as políticas da era López Obrador

The Economist, 03/06/2024 

 

O resultado da eleição presidencial do México não é surpresa. No entanto, o que vai acontecer a seguir ainda é uma incógnita. Claudia Sheinbaum se tornará a próxima presidente do país, mas está longe de ser claro se ela tem a vontade ou a capacidade de se libertar das políticas ou da influência pessoal de seu padrinho político, o populista Andrés Manuel López Obrador. A luta que se aproxima influenciará o destino dos 126 milhões de pessoas do México, mas também tem implicações enormes para imigração, crime organizado e comércio nos Estados Unidos, seu gigantesco vizinho do norte.

A primeira presidente mulher, e judia, do país difere de seu predecessor em alguns aspectos, mesmo pertencendo ao mesmo partido, o Morena. Cientista climática com doutorado em engenharia ambiental, ela adotou uma abordagem tecnocrática para o crime como prefeita da Cidade do México, e trabalhou com o setor privado. López Obrador, ao contrário, governou por capricho e grandiloquência, criticando empresários e sendo indulgente com interesses estabelecidos. O resultado foi ruim para o México.

Sheinbaum herda três conjuntos de problemas em que ela precisa abandonar o legado de López Obrador. O primeiro é a desordem que causa caos dentro do México e atravessa a sua fronteira norte. López Obrador cooperou com os Estados Unidos nas tentativas de controlar a taxa de migrantes tentando cruzar o país em direção aos EUA, mas, em muitos outros aspectos, falhou.

Sheinbaum precisará reverter sua abordagem permissiva em relação às gangues do México, que se espalharam. Elas não apenas aterrorizam os mexicanos, mas também traficam imigrantes. As gangues também produzem fentanil e o contrabandeiam pela fronteira, contribuindo para os 75.000 americanos mortos pela epidemia de opióides sintéticos no ano passado.

Em segundo lugar, Sheinbaum também deve romper com seu antecessor sobre comércio e investimento. À primeira vista, o México tem muito a comemorar. Impulsionado pelo acordo de livre comércio da América do Norte assinado sob o presidente Donald Trump, conhecido como USMCA, em 2023, o México ultrapassou a China para se tornar o maior parceiro comercial dos Estados Unidos. O investimento direto estrangeiro no México aumentou, beneficiando-se da diversificação das cadeias de suprimentos longe da China.

Mas, olhando mais de perto, a história é de uma oportunidade perdida. O México poderia estar muito melhor. O novo investimento por multinacionais que não estavam ativas no México antes permanece muito baixo. A estratégia energética liderada pelo Estado de López Obrador resultou em energia insuficiente, suja e cara, afastando muitas empresas. Some-se a insegurança e a falta de Estado de direito e o México se torna menos atraente do que poderia ser.

Além disso, um desentendimento comercial pode estar se formando com os Estados Unidos, especialmente se Donald Trump retornar à Casa Branca. Autoridades em Washington cada vez mais se preocupam com empresas chinesas se mudando para o México para driblar tarifas. Isso pode chegar a um ponto crítico em 2026, quando os Estados Unidos, Canadá e México terão que revisar o acordo USMCA.

Sheinbaum precisará mostrar que é receptiva aos negócios, mas rigorosa com as empresas chinesas que contornam as regras do USMCA e hábil em desarmar a iminente disputa comercial com os EUA. E ela deve enfrentar os problemas que afastam novos investidores.

O último erro que Sheinbaum deve reverter é o ataque de López Obrador à democracia. Ele enfraqueceu as instituições cuidadosamente construídas no México desde 2000, quando o poder presidencial mudou de mãos pela primeira vez. Sheinbaum deve enfatizar a independência de instituições-chave, como o órgão eleitoral e a agência de liberdade de informação, e recusar-se a avançar as mudanças constitucionais propostas, incluindo para eleger juízes. Trump provavelmente não se importará muito com isso, mas Biden pode, e os investidores se importam.

A lista de tarefas de Sheinbaum é clara: combater a desordem, impulsionar o comércio e o investimento e fortalecer a democracia. Mas ela está realmente à altura? Um temor é que, apesar de suas credenciais tecnocráticas e estilo, ela seja uma prisioneira da agenda de López Obrador. Intelectualmente, ela é nacionalista e de esquerda. Ela é protegida de Obrador e, ao longo de sua carreira política de três décadas, manteve-se próxima a ele. Durante a campanha, ela falou mais sobre continuidade de política e proteção de seu legado do que sobre suas próprias propostas.

Mesmo que Sheinbaum queira mudar de curso, ela terá o poder para fazer isso? López Obrador afirma que está retornando a “La Chingada”, seu rancho (um nome interessante: no México, enviar alguém para “la chingada” significa enviar alguém para o inferno). Mas é difícil imaginar essa figura obsessiva e egomaníaca deixando o palco.

Em vez disso, ele pode continuar a exercer influência sobre o Morena, que parece ter ganhado uma maioria simples no Congresso e possivelmente a maioria de dois terços necessária para mudanças constitucionais. Muitos políticos e funcionários em todo o México devem sua posição a Obrador - assim como, em grande medida, Sheinbaum deve.

Forças externas podem empurrar Sheinbaum na direção certa: ela enfrenta severas restrições fiscais que podem forçá-la a domar o tamanho do Estado. Ela não pode competir com o carisma de López Obrador e, portanto, pode ter que apelar ao público com base em resultados.

Ainda assim, um enorme teste está à frente: para saber se o México pode cumprir seu potencial e se a fronteira dos Estados Unidos continuará a ser uma fonte de instabilidade, será preciso observar se Sheinbaum pode se libertar da sombra de seu mentor.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Macron e a morte anunciada da Europa - The Economist

 Grato a Augusto de Franco pela transcrição:

A mensagem urgente de Emmanuel Macron para a Europa

The Economist (02/05/2024)

O presidente francês emite um aviso sombrio e profético

Em 1940, depois de a França ter sido derrotada pela blitzkrieg nazi, o historiador Marc Bloch condenou as elites do seu país entre guerras por não terem conseguido enfrentar a ameaça que estava por vir. Hoje, Emmanuel Macron cita Bloch como um aviso de que as elites europeias estão dominadas pela mesma complacência fatal.

O presidente da França expôs a sua visão apocalíptica numa entrevista ao The Economist no Palácio do Eliseu. Aconteceu dias depois de ter proferido um grande discurso sobre o futuro da Europa – uma maratona indisciplinada, de duas horas, à escala de Castro, que vai desde a aniquilação nuclear até uma aliança de bibliotecas europeias. Os críticos de Macron chamaram-lhe uma mistura de campanha eleitoral, o habitual interesse próprio francês e a vaidade intelectual de um presidente jupiteriano que pensa no seu legado.

Gostaríamos que eles estivessem certos. Na verdade, a mensagem do senhor Macron é tão convincente quanto alarmante. Na nossa entrevista, alertou que a Europa enfrenta um perigo iminente, declarando que “as coisas podem desmoronar muito rapidamente”. Ele também falou da montanha de trabalho que temos pela frente para tornar a Europa segura. Mas ele está atormentado pela impopularidade interna e pelas más relações com a Alemanha. Tal como outros visionários sombrios, ele corre o risco de a sua mensagem ser ignorada.

A força motriz por detrás do aviso do Sr. Macron é a invasão da Ucrânia. A guerra mudou a Rússia. Desprezando o direito internacional, emitindo ameaças nucleares, investindo pesadamente em armas e tácticas híbridas, abraçou a “agressão em todos os domínios de conflito conhecidos”. Agora a Rússia não conhece limites, argumenta. A Moldávia, a Lituânia, a Polónia, a Roménia ou qualquer país vizinho poderiam ser todos os seus alvos. Se vencer na Ucrânia, a segurança europeia ficará em ruínas.

A Europa tem de acordar para este novo perigo. Macron recusa-se a recuar na sua declaração de Fevereiro de que a Europa não deveria excluir a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia. Isto suscitou horror e fúria em alguns dos seus aliados, mas ele insiste que a sua cautela apenas encorajará a Rússia a prosseguir: “Temos sido, sem dúvida, demasiado hesitantes ao definir os limites da nossa acção para alguém que já não os tem e que é o agressor.”

Macron está convencido de que, quem quer que esteja na Casa Branca em 2025, a Europa deve livrar-se da sua dependência militar de décadas da América e, com ela, da relutância de cabeça enfiada na areia em levar a sério o poder duro. “A minha responsabilidade”, diz ele, “é nunca colocar [a América] num dilema estratégico que significaria escolher entre os europeus e os [seus] próprios interesses face à China”. Ele pede que um debate “existencial” ocorra dentro de meses. Trazer países não pertencentes à UE, como a Grã-Bretanha e a Noruega, criaria um novo quadro para a defesa europeia que representaria menos fardo para a América. Ele está disposto a discutir a extensão da protecção proporcionada pelas armas nucleares francesas, o que romperia dramaticamente com a ortodoxia gaullista e transformaria as relações da França com o resto da Europa.

O segundo tema de Macron é que se abriu um fosso industrial alarmante à medida que a Europa ficou para trás da América e da China. Para Macron, isto faz parte de uma dependência mais ampla em energia e tecnologia, especialmente em energias renováveis ​​e inteligência artificial. A Europa tem de responder agora, ou poderá nunca conseguir recuperar o atraso. Ele diz que os americanos “pararam de tentar fazer com que os chineses se conformem às regras do comércio internacional”. Chamando a Lei de Redução da Inflação de “uma revolução conceptual”, ele acusa a América de ser como a China ao subsidiar as suas indústrias críticas. “Você não pode continuar como se isso não estivesse acontecendo”, diz ele.

A solução do senhor Macron é mais radical do que simplesmente pedir que a Europa iguale os subsídios e a protecção americanos e chineses. Ele também quer uma mudança profunda na forma como a Europa funciona. Duplicaria os gastos com investigação, desregulamentaria a indústria, libertaria os mercados de capitais e aumentaria o apetite dos europeus pelo risco. Ele é severo quanto à distribuição de subsídios e contratos para que cada país receba de volta mais ou menos o que investe. A Europa precisa de especialização e escala, mesmo que alguns países percam, diz ele.

Os eleitores sentem que a segurança e a competitividade europeias são vulneráveis. E isso leva ao terceiro tema do senhor Macron, que é a fragilidade da política europeia. O presidente francês reserva um desprezo especial aos nacionalistas populistas. Embora ele não tenha mencionado o nome dela, uma delas é Marine Le Pen, que tem ambições de substituí-lo em 2027. Num mundo cruel, as suas promessas vazias de fortalecer os seus próprios países resultarão, em vez disso, em divisão, declínio, insegurança e, em última análise, conflito.

As ideias de Macron têm poder real e ele provou ser presciente no passado. Mas suas soluções apresentam problemas. Um perigo é que possam, de facto, minar a segurança da Europa. Os seus planos poderiam distanciar a América, mas não conseguem preencher a lacuna com uma alternativa europeia credível. Isso deixaria a Europa mais vulnerável às predações da Rússia. Também serviria para a China , que há muito procura lidar com a Europa e a América separadamente, e não como uma aliança.

Os seus planos também poderão ser vítimas da estrutura difícil da própria ue . Exigem que 27 governos sedentos de poder cedam o controlo soberano da fiscalidade e da política externa e dêem mais influência à Comissão Europeia, o que parece improvável. Se a política industrial do senhor Macron acabar por trazer mais subsídios e protecção, mas não desregulamentação, liberalização e concorrência, isso pesaria sobre o próprio dinamismo que ele está a tentar aumentar.

E o último problema é que Macron pode muito bem falhar na sua política – em parte porque é impopular no seu país. Ele prega a necessidade de pensar à escala europeia e deixar para trás o nacionalismo mesquinho, mas a França bloqueou durante anos a construção de ligações de poder com Espanha. Ele alerta para a ameaça iminente de Le Pen, mas até agora não conseguiu criar um sucessor que possa vê-la partir. Ele não pode abordar uma agenda que teria sobrecarregado os dois grandes líderes do pós-guerra, Charles de Gaulle e Konrad Adenauer, sem a ajuda do chanceler da Alemanha, Olaf Scholz. No entanto, o relacionamento deles é terrível.

O senhor Macron é mais claro sobre os perigos que a Europa enfrenta do que o líder de qualquer outro grande país. Quando a liderança é escassa, ele tem a coragem de olhar a história nos olhos. A tragédia para a Europa é que as palavras da francesa Cassandra podem muito bem cair em ouvidos moucos.