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domingo, 7 de dezembro de 2025

Could Brazil’s mega-election herald the end of polarisation? - The Economist, Comment Paulo Roberto de Almeida

A Economist pergunta na sua edição de final de ano dedicada aos "prognósticos" para 2026:


The Americas in 2026
Could Brazil’s mega-election herald the end of polarisation?
Brazilians are tiring of both Jair Bolsonaro and Luiz Inácio Lula da Silva
The Economist, December 6, 2025

PRA: Fim da polarização? Seria muito otimismo. Ainda não vejo luz no fim do túnel.
A esquerda é persistentemente equivocada na economia, não tanto em direção ao desastre, mas confirmando nos sa tendência de quatro décadas de estagnação.
A direita, hoje dominada pelos idiotas bolsonaristas e por uma direita extrema, radical na sua oposição não só ao lulopetismo, mas ao próprio país, assim como pelos traficantes de emendas parlamentares de maneira geral, não tem respostas aos problemas do país, e pretende continuar extorquindo a nação por vias legais, assim como os aristocratas do Judiciário e o alto mandarinato do Estado.
Desculpem ser pessimista, mas não vejo homens aos quais eu poderia chamar de estadistas, NENHUM!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 7/12/2026

terça-feira, 23 de setembro de 2025

As opções da ONU em seu futuro sombrio: uma revolução, decadência ou ‘trumpificação’ - The Economist

As opções da ONU em seu futuro sombrio: uma revolução, decadência ou ‘trumpificação’

O Conselho de Segurança está praticamente paralisado e as missões de paz da ONU estão fora de moda

Por The Economist, 22/09/2025 | 14h30


A Organização das Nações Unidas passou por muitas crises desde sua fundação, em 1945: da misteriosa morte de seu secretário-geral, Dag Hammarskjöld, no Congo, em 1961, até a suposta “batida de sapato” de Nikita Khrushchev durante a Guerra Fria, os massacres de civis sob sua proteção na década de 1990 e a invasão americana do Iraque em 2003. Com os líderes se preparando para o 80º aniversário da ONU e a Assembleia-Geral em Nova York, os especialistas dizem que nenhum desses desastres parece tão calamitoso quanto o atual. Com o retorno do presidente Donald Trump à Casa Branca, há muitos cenários traumáticos para a ONU, mas três se destacam: uma revolução interna, a decadência ou a “trumpificação”.

Ninguém na sede da ONU em Turtle Bay, Nova York, sabe ao certo o que as ideias do “America First” (América em primeiro lugar) de Trump trarão, em parte porque não há ninguém para lhes dizer. O Senado ainda não confirmou Mike Waltz, indicado por Trump para o cargo de embaixador. Todos estarão à procura de pistas nos discursos contraditórios de 23 de setembro, quando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, adversário ferrenho de Trump, abrirá o debate na Assembleia Geral da ONU, seguido pelo próprio Trump.

O choque imediato é orçamentário. O governo Trump está privando a ONU de fundos antes mesmo de revelar sua prometida revisão das instituições multilaterais. Membro habitualmente inadimplente, os Estados Unidos não pagaram suas contribuições obrigatórias à ONU para 2025. A solicitação orçamentária do presidente para o ano fiscal de 2026, atualmente em tramitação no Congresso, “suspende” quase todos os pagamentos à ONU.

Enquanto isso, a ajuda externa dos Estados Unidos, grande parte dela encaminhada por meio de contribuições voluntárias a organizações humanitárias da ONU, foi drasticamente reduzida. Os orçamentos das agências da ONU encolheram em média cerca de um terço. Alimentos, medicamentos, ajuda a refugiados e outras formas de assistência a centenas de milhões de pessoas estão sendo eliminados. Abalado pelas tarifas dos Estados Unidos, o desenvolvimento econômico global pode entrar em retrocesso.

Mesmo com o esgotamento dos recursos financeiros, o Conselho de Segurança está praticamente paralisado e as missões de paz da ONU estão fora de moda. Os grandes membros zombam da proibição da Carta das Nações Unidas de tomar o território de outro Estado pela força: a Rússia, ao fazê-lo descaradamente, e os Estados Unidos, com suas declarações levianas sobre anexar a Groenlândia e absorver o Canadá como seu “51º Estado”.

O que acontecerá a seguir? Os Estados Unidos têm sido, há muito tempo, o ingrediente essencial nas tentativas de governança global. A primeira iniciativa mundial foi prejudicada desde o início pela recusa do Senado americano em ratificar a Liga das Nações, no final da 1ª Guerra Mundial. a Liga efetivamente morreu com a eclosão da 2ª Guerra Mundial. Sua herdeira, a ONU, perdurou em grande parte porque gerações de líderes americanos reconheceram que, apesar de suas falhas, ela promovia uma ordem liberal e o poder americano.

As pesquisas mostram que a maioria dos americanos ainda apoia a ONU, mas as opiniões estão polarizadas. Os governos republicanos há muito tempo desconfiam da instituição. John Bolton, ex-embaixador dos Estados Unidos na ONU, chocou o mundo ao declarar: “O prédio do Secretariado em Nova York tem 38 andares. Se perdesse dez andares, não faria a menor diferença”. O nível de hostilidade republicana hoje é maior do que nunca e pode criar as condições para o primeiro cenário: que a ONU se torne adversária dos Estados Unidos, tornando-se “desonesta” em resposta ao radicalismo do America First.

Uma ruptura total com os Estados Unidos pode ocorrer em 2027, se seus atrasos orçamentários atingirem o valor de duas contribuições anuais, nível no qual um país perde seu direito de voto na Assembleia-Geral. Esse órgão deliberativo faz declarações em sua maioria não vinculativas, e os Estados Unidos poderiam vetar qualquer tentativa de forçá-los a sair do Conselho de Segurança. Mas a humilhação poderia provocar retaliação, se não a saída dos Estados Unidos.

A Palestina é outro catalisador potencial. Muitos membros da ONU a consideram a última grande causa colonial e a guerra de Israel como genocídio. Por sua vez, Israel e o governo Trump acham que a ONU está impregnada de antissemitismo. O último movimento para reconhecer a soberania palestina, liderado pela França e pela Arábia Saudita, pode crescer. O governo Trump negou vistos para a delegação palestina participar da reunião.

O governo Trump já está se recusando a participar da tomada de decisões globais. Os Estados Unidos pararam de financiar a UNRWA, a agência da ONU para refugiados palestinos. Estão saindo do Acordo de Paris sobre o clima, da Organização Mundial da Saúde, da UNESCO (a organização educacional e cultural da ONU) e do Conselho de Direitos Humanos. Retiraram-se das discussões sobre a resposta a futuras pandemias, a reforma do financiamento do desenvolvimento e a proteção de partes do alto mar. O governo agora se opõe aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), um conjunto de 17 objetivos — desde a eliminação da pobreza extrema até a promoção da saúde — que são utópicos e abrangentes. Os Estados Unidos consideram esses objetivos como um governo mundial crescente, cheio de ideologias “woke” progressistas de gênero e clima, e um endosso às ideias chinesas.

Outros países poderiam tentar preencher o vácuo com dinheiro e esforços diplomáticos, alterando o equilíbrio de financiamento e pessoal dentro do sistema da ONU. A Europa poderia tentar defender os valores liberais, mas outros países não o fariam. Potências médias como a Turquia e os Estados do Golfo já estariam influenciando a entrega de ajuda em zonas de conflito com base em seus objetivos políticos, bem como em necessidades genuínas.

A ONU, especialmente a Assembleia Geral, poderia se tornar radicalmente antiamericana, como ameaçou fazer na década de 1970, quando muitos dos países recém-descolonizados a utilizaram para pressionar por uma “nova ordem econômica” para desfazer o capitalismo ocidental e o livre comércio. Ela poderia, por exemplo, começar a adotar exigências para que os países ricos paguem reparações climáticas ou compartilhem os impostos de forma mais equitativa. Mesmo que os Estados Unidos mantivessem seu veto no Conselho de Segurança, a ONU se tornaria um órgão para galvanizar a resistência contra eles.

Isso tornaria mais fácil para a Rússia e, especialmente, para a China reivindicar a liderança na ONU e em outros lugares. Eles já estão promovendo outros órgãos em paralelo, notadamente o clube econômico Brics e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO), um fórum de segurança eurasiano. Em uma cúpula da SCO no início deste mês, com a participação da Índia, o líder da China, Xi Jinping, falou da necessidade de “tomar uma posição clara contra o hegemonismo e a política de poder, e praticar o verdadeiro multilateralismo”. Muitos países desconfiam da China, mas podem achar a oferta de Xi mais atraente do que a de Trump.

Minh-Thu Pham, do Project Starling, um grupo que apoia a cooperação multilateral, afirma que o perigo não é tanto a ONU se tornar rebelde, mas sim os Estados Unidos. “A ONU está avançando sem os EUA, e não apesar dos EUA ou para contrariar os EUA”, diz ela; o abandono pelos Estados Unidos significa que a ONU se tornará mais “independente”.

Uma ONU zumbi

Um segundo cenário é um em que a ONU sobreviva — os Estados Unidos permaneçam nela e os países evitem antagonizar Trump —, mas o sistema se fragmente e entre em decadência. A China adotou o hábito americano de atrasar os pagamentos. Outros grandes contribuintes, principalmente os países europeus, estão cortando a ajuda externa para redirecionar os fundos para a defesa.

A OCDE, um clube formado principalmente por países ricos, projeta que seus membros cortarão a ajuda em 9% a 17% este ano, além do corte de 9% no ano passado. A resistência burocrática e os interesses conflitantes dos membros podem deixar o emaranhado de cerca de 140 órgãos da ONU praticamente intocado, embora com financiamento insuficiente. Tom Fletcher, chefe de assuntos humanitários da ONU, afirma que a organização recebeu apenas 19% dos fundos de ajuda solicitados em 2025.

A ONU também pode se tornar uma organização seletiva. Ela não teria garantia de fundos americanos, mas algumas de suas agências poderiam se beneficiar se, por exemplo, os Estados Unidos decidissem que sua agência para refugiados era útil para conter o fluxo de migrantes. Richard Gowan, do International Crisis Group, um think tank, argumenta que o Conselho de Segurança, em particular, poderia ficar meio morto, com apenas alguns espasmos reflexivos, por exemplo, para renovar o mandato das forças de paz da ONU em Chipre.

A assembleia poderia tentar reivindicar um papel maior em questões de paz e segurança. Algumas das agências especializadas da ONU — a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), por exemplo, ou a Organização Internacional da Aviação Civil — provavelmente continuarão existindo. “Poderíamos ver o surgimento de uma forma fragmentada de multilateralismo, sem um verdadeiro núcleo político, mas com muitas agências com um único objetivo”, diz Gowan. “Ela seria administrada principalmente a partir de Genebra ou Nairóbi, e não de Manhattan.”

O cenário final é uma reinvenção trumpiana. Waltz, o indicado por Trump para o cargo de embaixador na entidade, diz que pretende “tornar a ONU grande novamente”. Os Estados Unidos estão pressionando para restringir os direitos de asilo sob a convenção de refugiados da ONU de 1951; também querem que a ONU ajude a fortalecer a missão, liderada pelo Quênia, no Haiti devastado por gangues; e pressionaram a Europa a “retomar” as sanções ao Irã. Alguns países podem acolher com satisfação um maior foco na paz e menos tempo dedicado a questões sociais.

Trump gosta de pompa e pode buscar acordos ostensivos. Fontes internas da ONU esperam encontrar reformas, como um conjunto mais restrito de prioridades, que sejam boas para a ONU e agradem a Trump. Alguns diplomatas sugerem que a ONU deve se afastar da manutenção da paz para se ocupar da diplomacia da paz. Ou talvez algo mais prático possa substituir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que em grande parte não foram alcançados. Órgãos duplicados ou marginais poderiam ser abolidos.

Virando Maga

A votação do Conselho de Segurança dos Estados Unidos em fevereiro, com a Rússia e a China pedindo “uma paz duradoura” entre a Ucrânia e a Rússia, desanimou a Europa. Mas isso poderia levar a uma maior cooperação entre as grandes potências.

Depois de apoiar lados diferentes da guerra civil na Síria, os Estados Unidos e a Rússia estão apoiando o governo do ex-jihadista Ahmed al-Sharaa. O “acordo do século” para Trump, observa Pham, seria reformar a composição e os direitos de voto no Conselho de Segurança e redefinir o equilíbrio de poder global.

Muito depende dos caprichos de Trump e da habilidade do próximo secretário-geral da ONU. A campanha para substituir António Guterres em 2027 começa no final deste ano. Alguns candidatos, como Rafael Grossi, diretor-geral da AIEA, estão disputando a posição. Até recentemente, falava-se em uma mulher latino-americana. Os trumpistas podem achar isso muito politicamente correto. Brincando apenas pela metade, uma fonte interna propõe uma mulher querida por Trump: sua filha, Ivanka. Se é isso que é preciso para manter Trump envolvido, que assim seja. Tempos desesperados, medidas desesperadas.

https://www.estadao.com.br/internacional/as-opcoes-da-onu-em-seu-futuro-sombrio-uma-revolucao-decadencia-ou-trumpificacao/

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Lula’s gaffes are dulling Brazil’s G20 shine - The Economist (fevereiro 2024)

 A matéria abaixo é da Economist de FEVEREIRO DE 2024!!!

Não temos ideia de que tenha havido algum progresso. Lula já decidiu que Brasil ele quer? Parece que sim, já escolheu o seu lado, e não é obviamente o do Ocidente ou de outros países médios...

The Americas | Bringing back Brazil
Lula’s gaffes are dulling Brazil’s G20 shine
Its relationships with the West are healing. But Brazil has not decided what kind of country it will be
The Economist, Feb 27th 2024
São Paulo

            The summit is not until November, but the meetings have already begun. Foreign ministers arrived in Rio de Janeiro on February 21st to inaugurate Brazil’s presidency of the G20, an intergovernmental talking shop for countries representing over 80% of global GDP. Finance ministers and central-bank governors held their own opening pow-wow in São Paulo on February 28th and 29th. Brazil’s president, Luiz Inácio Lula da Silva (known as Lula), aims to use his year at the helm of the G20 to convince the world of his most repeated promise, that “Brazil is back”.
        The world’s ninth-largest economy spent four years prior to Lula’s inauguration as something of an international pariah. His predecessor, far-right populist Jair Bolsonaro, allowed destructive development of the Amazon rainforest and aligned himself with autocrats. He told Brazilians to “stop being a country of sissies” during the covid-19 pandemic, urged them to take hydroxychloroquine, a malaria drug, and speculated that vaccines might cause AIDS (they do not). Mr Bolsonaro made few international trips and pulled out of hosting COP25, the UN’s climate summit.
        After being in power between 2003 and 2010, the first year of Lula’s third term in office has, for the most part, been a repudiation of conspiracy and insularity. He has already made 27 foreign trips, more than Mr Bolsonaro did through his entire term, including to the G7 in Japan, the UN General Assembly in New York, and high-profile bilateral visits to Washington and Beijing.
        Relations with the United States have improved, even if more in terms of goodwill than substantive cooperation. Lula and President Joe Biden have bonded over attacks on government buildings by their predecessors’ followers, and their shared support for labour rights. Brazilian officials want to emulate Mr Biden’s industrial policy.         Speaking in Rio on February 21st, Antony Blinken, America’s secretary of state, proclaimed that ties between the two countries were “stronger than ever”.

        Economic revival after a decade-long slump has lent Lula more heft. Analysts initially reckoned GDP might grow by just 0.8% in 2023, the year he took office. Official figures, due to be published as The Economist went to press, are expected to show it grew by 3%. Growth is likely to slacken in 2024 due to a weak harvest, but Elijah Oliveros-Rosen of S&P, a ratings agency, thinks Brazil is relatively well placed for strong performance

Gift of the gaffe
        The most generous interpretation is that remarks of this kind are a cynical ploy to galvanise the leftist base of Lula’s Workers’ Party. Even if that is working, it is having severe side-effects. As well as irking Western allies, Lula has forged common ground on which Brazil’s right wing and alienated centrists have come together.
        On February 25th Mr Bolsonaro called on his followers to march in São Paulo against an investigation into his role in the events of January 8th 2023, when his supporters attempted to overturn the results of the presidential election. Mr Bolsonaro and thousands of his fans, many of whom are evangelical Christians who support Israel, arrived at the march draped in Israeli flags. Senators and congressmen who had been attempting to avoid association with Mr Bolsonaro felt compelled to show up in the wake of Lula’s outburst.
        These inconsistencies risk weakening the overall effect of Lula’s foreign policy, says Rubens Ricupero, a former Brazilian ambassador. Lula wants Brazil to be all things to all people: a friend of the West and a leader of the global south, a defender of the environment and a global oil power, a promoter of peace and an ally for autocrats. Brazil may well be back, but the part it is playing on the world stage is murkier than it should be.


segunda-feira, 28 de julho de 2025

Três maneiras de comparar o PIB per capita dos americanos e dos noruegueses - The Economist

 A Economist  refaz os cálculos dos respectivos PIBs per capita dos EUA (isto é, dos americanos) e da Noruega (isto, dos noriegueses), em termos reais. Os noruegueses são bem mais ricos que os americanos, independentemente dos valores nominais pelo câmbio.




terça-feira, 1 de julho de 2025

Um texto do Livres sobre Tarifas e Liberdade Comercial

 O Livre Comércio é a melhor resposta contra tarifas

Contribuição do Livres

A ameaça feita pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros é uma medida profundamente equivocada. Em comunicação oficial, Trump declarou, com a decisão, buscar impacto sobre políticas internas do governo Lula e decisões do Supremo Tribunal Federal brasileiro. Na realidade, as tarifas não só falham nesse objetivo, como prejudicam fortemente consumidores americanos e produtores brasileiros.

Embora frequentemente empregadas como instrumentos de pressão política, sanções econômicas apresentam resultados mistos e, em muitos casos, não alcançam plenamente seus objetivos declarados. A ameaça de penalidades chantageia a política e a justiça local, e cola opositores do status quo a medidas que empobrecem o próprio povo. Ao afetarem a economia local e exporem a população à instabilidade econômica, as sanções reforçam narrativas de ameaças externas utilizadas pelas autoridades locais, rapidamente transformadas em defensoras dos interesses da nação. Assim, acabam por despertar ideologias nacionalistas, contrárias à cooperação internacional, às trocas voluntárias e aos princípios das sociedades abertas.

Donald Trump utiliza ameaças de punições tarifárias como ferramenta de pressão e negociação, atingindo aliados e adversários indistintamente, do Canadá ao México, da China à Coreia do Sul. O Brasil, ao apostar em estratégias diplomáticas vistas como hostis aos Estados Unidos, centradas no "Sul Global" e nos Brics, superestimou seu alcance econômico e político, minimizou a importância de uma ponte de negociação com o governo americano, e subestimou a disposição do nosso segundo maior parceiro comercial de impor tarifas punitivas sobre nossos produtos. É fundamental que os interesses dos brasileiros estejam no centro da ação diplomática do Itamaraty nas negociações que virão.

Tarifas aumentam custos para consumidores, reduzem o bem-estar social, prejudicam a competitividade dos produtores a jusante na cadeia produtiva, impactam negativamente a geração de riqueza e reduzem as oportunidades econômicas decisivas para a maior diminuição da pobreza global.

Mercados livres e abertos são o melhor caminho para a prosperidade econômica e para relações internacionais pacíficas. O Brasil deve reafirmar sua soberania e a independência de suas instituições, liderando pelo exemplo ao promover uma abertura econômica baseada em diálogo, negociação e no amadurecimento do debate público sobre os benefícios do livre comércio. Reduzir progressivamente as barreiras tarifárias e não tarifárias, de maneira consciente e acompanhada pela sociedade brasileira, fortaleceria a economia nacional e ampliaria nosso poder de negociação para assegurar maior acesso aos mercados internacionais.

Guerras comerciais geram preços altos para consumidores e dificuldades para que produtores possam exportar e crescer. Conflitos tarifários são jogos de destruição em que os derrotados sempre são os que mais precisam dos benefícios do comércio. Que o governo brasileiro responda à ameaça não com retaliação, inserindo mais um elo nessa corrente destrutiva, mas com pragmatismo, negociação e comércio com menos barreiras, em benefício do crescimento econômico e da prosperidade do Brasil.

Comunidade Livres
Este texto foi desenvolvido com a colaboração de

Sandra Rios
Economista, professora de Política Comercial na PUC-Rio e membro do 
Conselho Acadêmico do Livres.

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico e membro do 
Conselho Acadêmico do Livres.


terça-feira, 22 de abril de 2025

Como seria uma crise do dólar? - The Economist

 Como seria uma crise do dólar?

Se os investidores continuarem vendendo ativos americanos, um destino sombrio aguarda a economia mundial
The Economist, 19/04/2025

O dólar deveria ser uma fonte de segurança. Mas, ultimamente, tem sido motivo de medo. Desde seu pico em meados de janeiro, o dólar americano caiu mais de 9% em relação a uma cesta de moedas importantes. Dois quintos dessa queda ocorreram desde 1º de abril, mesmo com o rendimento dos títulos de dez anos do Tesouro americano subindo 0,2 ponto porcentual. Essa combinação de rendimentos em alta e moeda em queda é um sinal de alerta: se os investidores estão fugindo mesmo com os retornos em alta, deve ser porque acham que os Estados Unidos ficaram mais arriscados. Há rumores de que grandes gestores de ativos estrangeiros estão se desfazendo de dólares.
Ao longo de décadas, os investidores contaram com a estabilidade dos ativos americanos, transformando-os em pilares das finanças globais. A profundidade de um mercado de US$ 27 trilhões ajuda a fazer com que os títulos do Tesouro americano sejam um refúgio; o dólar domina o comércio em tudo, desde bens e commodities até derivativos. O sistema é sustentado pelo Federal Reserve (Fed), que promete inflação baixa, e pela robusta governança dos Estados Unidos, sob a qual estrangeiros e seu dinheiro sempre se sentiram seguros e bem-vindos. Em poucas semanas, o presidente Donald Trump trocou essas premissas inabaláveis por dúvidas de revirar o estômago.
Esta crise foi criada pela Casa Branca. A imprudente guerra comercial de Trump elevou as tarifas em quase dez vezes e gerou incerteza econômica. Antes invejada pelo mundo, a economia americana agora está à beira da recessão, com as tarifas quebrando as cadeias de suprimentos, impulsionando a inflação e prejudicando os consumidores.
Isso ocorre no momento em que a posição fiscal historicamente ruim dos Estados Unidos está se agravando ainda mais. As dívidas líquidas estão em cerca de 100% do PIB; o déficit orçamentário do último ano (7%) foi surpreendentemente alto para uma economia saudável. Mesmo assim, em sua busca para renovar e estender os cortes de impostos do primeiro mandato de Trump, o Congresso quer tomar ainda mais empréstimos: em 10 de abril, aprovou um projeto orçamentário que pode adicionar US$ 5,8 trilhões em déficits na próxima década, de acordo com o “think tank” Committee for a Responsible Federal Budget. Isso aumentaria o déficit em mais 2 pontos porcentuais e excederia o valor total combinado dos cortes de impostos do primeiro mandato de Trump, os gastos extras da pandemia de covid-19 e os projetos de estímulo e infraestrutura de Joe Biden. E poderia dobrar o ritmo de aumento da relação dívida/PIB nos próximos anos.
O que faz com que esta crise econômica e a perda de disciplina fiscal sejam tão explosivas é o fato de que os mercados estão começando a duvidar da capacidade de Trump de governar os Estados Unidos com competência e coerência. A maneira caótica e desconexa como as tarifas foram calculadas, divulgadas e adiadas pareceu uma paródia do que deveria ser a formulação de políticas. Isenções intermitentes e tarifas setoriais promovem o lobby. Durante décadas, os Estados Unidos sinalizaram cuidadosamente sua dedicação a um dólar forte. Hoje, alguns assessores da Casa Branca falam sobre a moeda de reserva como se fosse um fardo a ser compartilhado – sob coerção, se necessário.
Inevitavelmente, isso deixa o Federal Reserve em dificuldade. Trump está pressionando o banco central a reduzir as taxas de juros. É provável que os tribunais o impeçam de demitir os diretores do Fed como bem quiser, mas ele poderá nomear um novo presidente mais complacente em 2026. Enquanto isso, as outras políticas de Trump – como o envio de migrantes para El Salvador sem audiência ou a perseguição a escritórios de advocacia que o desagradam – fazem pensar que os direitos dos credores estrangeiros podem ser prejudicados.
Tudo isso criou um prêmio de risco para os ativos americanos. O mais chocante é que também está fácil imaginar uma crise total no mercado de títulos. Os estrangeiros possuem US$ 8,5 trilhões da dívida pública, um pouco menos de um terço do total; mais da metade desse valor está nas mãos de investidores privados, que não podem ser persuadidos pela diplomacia ou ameaçados com tarifas. Os Estados Unidos precisam refinanciar US$ 9 trilhões de dívidas no ano que vem. Se a demanda por títulos do Tesouro enfraquecer, o impacto será rapidamente transmitido ao Orçamento, que, devido à dívida alta e aos vencimentos curtos, é sensível às taxas de juros.
O que o Congresso faria, então? Quando os mercados entraram em colapso durante a crise financeira global e a pandemia, a Casa agiu com firmeza. Mas essas crises exigiam que gastasse, não que impusesse cortes. Desta vez, o Congresso precisaria cortar os direitos previdenciários e aumentar os impostos rapidamente. Basta conferir a composição do Congresso e da Casa Branca para perceber que os mercados talvez precisassem fazer muita pressão para que enfim o governo chegasse a um consenso sobre o que fazer. Durante esse momento de hesitação, o choque poderia se espalhar dos títulos do Tesouro americano para o restante do sistema financeiro, provocando calotes e estouros de fundos de hedge. É o tipo de comportamento que se esperaria de um mercado emergente.
O Fed, por sua vez, enfrentaria um dilema doloroso. Poderia comprar ativos para estabilizar o navio. Mas evitaria dar a impressão de estar monetizando a dívida de um governo sem credibilidade – medida especialmente arriscada quando a inflação está alta. Conseguiria encontrar o equilíbrio entre empréstimos emergenciais e financiamento monetário? E se o Fed não estivesse socorrendo Trump, o presidente aprovaria que o banco central emprestasse dólares a bancos centrais estrangeiros sem liquidez, como costuma fazer em momentos de crise?
Uma moeda é tão boa quanto o governo que a respalda. Quanto mais tempo o sistema político americano passasse fracassando no enfrentamento de seus déficits ou flertando com regras caóticas ou discriminatórias, maior a probabilidade de uma reviravolta sem precedentes empurrando o sistema financeiro global para território desconhecido. Mesmo que as coisas se acalmassem, a redução do papel do dólar seria uma tragédia para os Estados Unidos. É verdade que alguns exportadores se beneficiariam de uma moeda mais fraca. Mas a primazia do dólar reduz o custo de capital para todos, desde famílias que querem comprar seu primeiro imóvel até empresas de ponta.
Mordendo a mão que financia
O mundo sofreria porque não existe nada igual ao dólar – apenas imitações baratas. O euro é lastreado por uma vasta economia, mas a Zona do Euro não produz ativos seguros o suficiente. A Suíça é segura, mas pequena. O Japão é grande, mas tem dívidas gigantescas. Ouro e criptomoedas carecem de respaldo estatal. À medida que os investidores experimentassem um ativo e depois outro, a busca por segurança poderia gerar altos e baixos desestabilizadores.
O sistema dólar não é perfeito, mas fornece a base estável sobre a qual se ergue a economia globalizada de hoje. Quando os investidores duvidam da credibilidade dos Estados Unidos, essas fundações correm o risco de ruir.

segunda-feira, 24 de março de 2025

Nem o mundo, os europeus, ou os próprios americanos, ninguém merece Donald Trump - The Economist

 Putin é um cleptocrata e assassino serial, isso já sabemos. Ou seja, um perverso motivado, agindo racionalmente. Só pode ser contido pela força bruta.

Já Trump é um megalomaníaco imprevisivel, e portanto perigoso para todos, inimigos e “amigos” (mas ele não tem nenhum, só ele mesmo e o dinheiro). 

Vamos ler o que a Economist tem a dizer… PRA


THE ECONOMIST

 

A armadilha que Vladimir Putin armou para Donald Trump

O presidente russo quer sugerir que a Ucrânia é apenas um detalhe em um relacionamento maior 

Por The Economist

23/03/2025 


Eles conversaram pelo telefone por mais de duas horas, mas Vladimir Putin deixou Donald Trump sem quase nenhum resultado para mostrar — um tapa na cara que somente um homem possuidor de coragem ilimitada poderia fingir que foi uma vitória. Uma semana antes, os negociadores dos Estados Unidos e da Ucrânia concordaram com um cessar-fogo de 30 dias em um conflito que já dura mais de três anos. Trump disse que, se a Rússia não assinasse, ele poderia atingi-la com novas sanções duras. No caso, ele cedeu. Até Boris Johnson, um ex-primeiro-ministro britânico que admira Trump, declarou que Putin está “rindo de nós”.

Em vez de um cessar-fogo incondicional, Putin propôs apenas que ambos os lados parassem de atacar a infraestrutura energética um do outro, uma área em que a Ucrânia tem desferido alguns golpes pesados contra o invasor. Para que algo mais aconteça, diz o governo russo, a Ucrânia deve aceitar um congelamento na ajuda militar estrangeira e o fim do recrutamento e treinamento, embora a Rússia não proponha tais restrições a si mesma. Putin também quer uma solução para as “causas-raiz” do conflito, com o que ele realmente quer dizer o fim da existência da Ucrânia como um país independente. Essas não são as palavras de um homem que está ansioso para fazer concessões.

Os otimistas podem extrair disso um pouco de conforto. Uma pausa nos ataques a alvos de energia, acordada em uma ligação com Volodmir Zelenski, presidente da Ucrânia, é um pequeno avanço. Trump também sugeriu que as usinas nucleares passem para a propriedade americana, para sua proteção, e disse que tentaria obter alguns mísseis Patriot da Europa. Em público, ele se absteve de endossar as exigências mais severas de Putin para a Ucrânia.

O verdadeiro perigo está à frente. Putin quer que o presidente americano acredite que, como estadistas, eles têm peixes maiores para fritar do que ficar brigando por um lugar abandonado como a Ucrânia. Contanto que isso não atrapalhe, a Rússia e os EUA podem realizar quase tudo juntos. A Rússia poderia ajudar a resolver crises no Oriente Médio e além, talvez pressionando seu amigo Irã a abrir mão da bomba. O investimento americano em negócios russos, como exploração de gás no Ártico, poderia avançar. As sanções seriam suspensas e a Rússia poderia voltar a se juntar ao G7. Imagine se a Rússia fosse separada de sua “parceria sem limites” com a China. A “terceira guerra mundial”, uma preocupação constante de Trump, teria sido evitada.

Tudo isso é uma fantasia projetada para fazer Trump cair na tentação de entregar a Putin o que ele quer na Ucrânia em troca de promessas vazias. A realidade é que a Rússia agora depende mais da China do que jamais dependerá dos EUA, e não será separada dela. A influência da Rússia no Irã é limitada. A economia da Rússia é menor que a da Itália e sujeita aos caprichos de um déspota, o que significa que as oportunidades de negócios são escassas.

Pelo contrário, se em busca dessa quimera Trump aliviar a pressão que o Ocidente impôs à Rússia, os EUA perderão. Para começar, isso criará uma nova divisão entre os EUA e a Europa, que não seguirá Trump. A Ucrânia será desestabilizada, representando riscos para toda a Europa. As alianças e valores que os Estados Unidos têm defendido por décadas serão degradados, e os próprios Estados Unidos ficarão mais fracos como resultado disso. Trump pode se importar pouco com essas coisas, mas certamente ficará preocupado com o risco de parecer fraco, como seu antecessor Joe Biden fez quando o Talibã tomou conta do Afeganistão.

A ligação Putin-Trump ocorreu quando um cessar-fogo mediado pelos Estados Unidos em Gaza estava se rompendo em meio a ataques israelenses. O estilo pessoal de diplomacia de Trump pode quebrar impasses, mas a pacificação parece muito cansativa e detalhada para que ele a leve adiante. O comunicado da Casa Branca sobre a ligação com a Rússia falou de “enormes acordos econômicos e estabilidade geopolítica quando a paz for alcançada”. Está claro o que Putin quer. É estranho que Trump pareça tão pronto a entregar isso a ele. 


TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL


segunda-feira, 3 de março de 2025

A Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia de Vladimir Putin? - The Economist

 A Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia de Vladimir Putin? 

A Europa é capaz de enfrentar sozinha a Rússia de Vladimir Putin?

Um exército independente, uma força aérea e uma bomba nuclear teriam um alto custo 

The Economist, 03/03/2025 


Poucas horas depois de seu partido vencer as eleições nacionais, Friedrich Merz, o provável próximo líder da Alemanha, soltou uma bomba. Donald Trump “não se importa muito com o destino da Europa”, disse ele. A prioridade era “passo a passo... alcançar a independência em relação aos EUA”. Este não era um objetivo distante. Ele não tinha certeza, disse ele, se a Otanainda existiria “em sua forma atual” em junho, quando os líderes devem se reunir nos Países Baixos, “ou se teremos que estabelecer uma capacidade de defesa europeia independente muito mais rapidamente do que isso”.

Quem pensou que Merz estava sendo alarmista foi rapidamente despertado para a realidade. Em 24 de fevereiro, em uma resolução da ONU que culpava a Rússia por invadir a Ucrânia, os Estados Unidos votaram contra seus aliados europeus, ficando ao lado da Rússia e da Coreia do Norte.

Merz não é o único “transatlanticista” convicto preocupado com o ataque de Donald Trump à Otan, a aliança que manteve a paz na Europa por quase oito décadas. “A arquitetura de segurança na qual a Europa confiou por gerações se foi, e não vai voltar”, escreve Anders Fogh Rasmussen, ex-secretário-geral da Otan, em um ensaio para a Economist. “A Europa deve aceitar o fato de que não somos apenas existencialmente vulneráveis, mas também estamos aparentemente sozinhos.”

Na verdade, pode levar uma década até que a Europa consiga se defender sem a ajuda dos Estados Unidos. A enormidade do desafio pode ser vista na Ucrânia. Os países europeus estão atualmente discutindo a perspectiva de uma mobilização militar ali para impor qualquer futuro acordo de paz. As negociações, lideradas pela França e pelo Reino Unido, preveem o envio de uma força relativamente modesta, de talvez dezenas de milhares de soldados. Eles não seriam mobilizados no leste na linha de frente, mas em cidades ucranianas, portos e outras infraestruturas importantes, de acordo com uma autoridade ocidental.

Qualquer implementação desse tipo, no entanto, exporia três fraquezas sérias. Uma delas é que isso sobrecarregaria as forças europeias. Há aproximadamente 230 brigadas russas e ucranianas na Ucrânia, embora a maioria esteja abaixo do efetivo previsto. Muitos países europeus teriam dificuldade para produzir uma única brigada com capacidade de combate cada. Segundo, isso abriria sérias lacunas nas próprias defesas da Europa.

Uma implantação britânica na Ucrânia, por exemplo, provavelmente engoliria unidades já destinadas à Otan, deixando buracos nos planos de guerra da aliança. Acima de tudo, os europeus reconhecem que qualquer implantação precisaria de apoio americano significativo, não apenas na forma de “facilitadores” específicos, como inteligência e equipamento de defesa aérea, mas também a promessa de apoio, caso a Rússia atacasse.

O fato de que a Europa teria dificuldade para gerar uma força independente do tamanho de uma divisão para a Ucrânia expõe a dimensão da tarefa prevista na visão de Merz. Atender aos planos de guerra existentes da Otan — com a presença dos Estados Unidos — exigiria que a Europa gastasse 3% do PIB em defesa, muito acima dos níveis existentes para a maioria dos países.

O Reino Unido deu um passo nessa direção em 25 de fevereiro, anunciando um plano para gastar 2,5% do PIB até 2027, mas mesmo isso pode ser insuficiente. Dizem que Mark Rutte, o secretário-geral da Otan, está propondo uma meta de 3,7%. No entanto, compensar os déficits americanos exigiria um valor bem acima de 4%.

Pagar por isso já seria difícil o suficiente. Traduzir dinheiro em capacidade também é mais difícil do que parece. A Europa precisaria formar 50 novas brigadas, calcula o centro de estudos estratégicos Bruegel, sediado em Bruxelas, muitas delas unidades “pesadas” com blindagem, para substituir as 300.000 tropas americanas que, estima-se, que seriam enviadas ao continente no caso de uma guerra. Os requisitos de mão de obra seriam proibitivos.


Fileiras de tanques

Esses números são estimativas. A sugestão do Bruegel de que a Europa precisaria de 1.400 tanques para impedir um avanço russo nos estados bálticos reflete suposições de planejamento tradicionais e provavelmente ;é um pouco exagerada. Em todo caso, esse tipo de contagem mostra apenas metade da história.

A Europa tem forças aéreas impressionantes, com muitos jatos modernos. Mas esses jatos não têm um estoque significativo de munições capazes de destruir as defesas aéreas inimigas ou atingir alvos distantes em terra ou no ar, explica Justin Bronk do Royal United Services Institute (RUSI), um centro de estudos estratégicos em Londres, em um artigo a ser publicado futuramente.

Apenas algumas forças aéreas, como a da Suécia, têm treinamento suficiente para guerra aérea de alta intensidade. Além disso, guerra eletrônica aerotransportada e inteligência, vigilância, aquisição de alvos e reconhecimento (ISTAR), ou a capacidade de encontrar e avaliar alvos, “são quase exclusivamente fornecidos pelos EUA”, observa Bronk.

Outro problema gritante é de comando e controle, ou as instituições e indivíduos que coordenam e lideram grandes formações militares na guerra. A Otan tem um amplo conjunto de quartéis-generais por toda a Europa, com o Quartel-General Supremo das Potências Aliadas da Europa em Mons, Bélgica, no topo da hierarquia, liderado pelo general Chris Cavoli que, como todos os Comandantes Aliados Supremos da Europa antes dele, é americano. “A coordenação da Otan é frequentemente um eufemismo para oficiais do estado-maior dos EUA”, diz Matthew Savill, um ex-oficial de defesa britânico agora no RUSI.

A experiência europeia na gestão de grandes formações é esmagadoramente concentrada em oficiais britânicos e franceses — ambos os países supervisionam dois “corpos” de reserva, que são quartéis-generais de altíssimo nível. Mas o Reino Unido provavelmente seria incapaz de executar uma operação aérea complexa na escala e intensidade da guerra aérea de Israel em Gaza e no Líbano. “Que eu saiba, não há nada que a Europa tenha que realmente se aproxime da escala do que os israelenses supostamente fizeram”, diz Savill.

Se os europeus forem capazes de gerar e comandar suas próprias forças, a próxima questão é se seria possível mantê-las alimentadas com munição. A produção de artilharia da Europa disparou nos três anos mais recentes, embora a Rússia, auxiliada pela Coreia do Norte, continue à frente. A Europa também tem fabricantes de mísseis: a MBDA, uma empresa pan-europeia com sede na França, fabrica um dos melhores mísseis ar-ar do mundo, o Meteor. França, Noruega e Alemanha fabricam excelentes sistemas de defesa aérea. A Turquia está se tornando uma séria potência industrial de defesa.

Entre fevereiro de 2022 e setembro de 2024, os estados europeus da Otan adquiriram 52% dos novos sistemas dentro da Europa e compraram apenas 34% dos EUA, de acordo com um artigo recente do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), outro centro de estudos estratégicos. Mas esses 34% costumam ser vitais. A Europa precisa dos EUA para artilharia de foguetes, defesa aérea de longo alcance e aeronaves furtivas. Mesmo para armas mais simples, a demanda supera em muito a capacidade, uma das razões pelas quais os países europeus se voltaram para o Brasil, Israel e Coreia do Sul.

O nível de dependência em relação aos EUA não é uniforme em todo o continente. O Reino Unido, por exemplo, está unicamente interligada às forças armadas, máquinas de inteligência e indústria dos Estados Unidos. Se os Estados Unidos cortassem o acesso a imagens de satélite e outras informações geoespaciais, como mapas de terreno, as consequências seriam profundas.

Talvez a principal razão pela qual o Reino Unido exigiu o consentimento dos Estados Unidos para deixar a Ucrânia disparar mísseis de cruzeiro britânicos Storm Shadow contra a Rússia no ano passado é que os mísseis dependiam de dados geoespaciais americanos para direcionamento eficaz. A Grã-Bretanha teria que gastar bilhões para comprar imagens de substituição, diz Savill, ou recorrer à França. Por outro lado, o envolvimento britânico com os Estados Unidos também pode fornecer uma forma de pressão. Cerca de 15% dos componentes do jato F-35 usado pelos Estados Unidos são feitos na Grã-Bretanha, incluindo peças difíceis de substituir, como o assento ejetor.

Como se a tarefa de construir forças convencionais independentes não fosse assustadora o suficiente, a Europa enfrenta outro desafio. Por 80 anos, ela se abrigou sob o guarda-chuva nuclear dos Estados Unidos. Se a Europa estiver realmente “sozinha”, como Rasmussen afirma, então a questão não é apenas que as forças americanas não lutariam por ela, mas também que não sew poderia contar com as armas nucleares americanas.

“Precisamos ter discussões com os britânicos e os franceses — as duas potências nucleares europeias”, disse Merz em 21 de fevereiro, “e saber se o compartilhamento nuclear, ou pelo menos a segurança nuclear... também poderia se aplicar a nós”. Na prática, o Reino Unido e a França não podem replicar o escudo nuclear americano sobre a Europa com seus arsenais relativamente pequenos — cerca de 400 ogivas no total, em comparação com mais de 1.700 ogivas russas mobilizadas.

Os insiders americanos torcem o nariz para a ideia de que isso seja adequado para uma dissuasão, pois acreditam que a Rússia seria capaz de limitar os danos a si mesma (não importa a possibilidade de Moscou ter desaparecido) enquanto infligiria um estrago pior à Europa. Dobrar ou triplicar o tamanho dos arsenais anglo-franceses provavelmente levaria anos e canibalizaria o dinheiro necessário para construir forças convencionais; a dissuasão britânica já consome um quinto dos gastos com defesa.


Pensamento estratégico

Outro problema é que, embora a França tenha armas nucleares a bordo de submarinos e aviões, o Reino Unido tem apenas as primeiras, o que limita sua capacidade de se envolver em “sinalização” nuclear em uma crise, por exemplo, usando armas nucleares de baixo poder de destruição, pois isso arriscaria expor a posição de seus submarinos e, portanto, colocaria sua capacidade de dissuasão estratégica em risco.

Além disso, embora o Reino Unido possa disparar suas armas nucleares sem a permissão americana, ela aluga os mísseis dos EUA — aqueles que não estão a bordo de submarinos são mantidos em um pool conjunto no estado da Geórgia — e depende da cooperação americana para componentes-chave.

Esses problemas não são necessariamente insuperáveis. Conversas silenciosas a respeito da dissuasão nuclear europeia entre ministros da defesa europeus se intensificaram nos meses mais recentes. “O debate alemão está amadurecendo em alta velocidade”, observa Bruno Tertrais, um dos principais pensadores da Europa em questões nucleares. “Os britânicos e os franceses precisarão enfrentar o desafio.”

A dissuasão nuclear não é apenas um jogo de números, ele diz, mas uma questão de vontade. Putin pode levar mais a sério as ameaças nucleares vindas do Reino Unido ou da França, que têm mais em jogo do que os EUA. Essas são as questões que preocuparam os pensadores europeus durante a Guerra Fria; seu retorno marca um novo e sombrio período para o continente. “Agora”, pronunciou Merz em 24 de fevereiro, “é como se realmente faltassem cinco minutos para a meia-noite para a Europa”. 


TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

sábado, 1 de março de 2025

A new Trump world, a Mafia world - The Economist

 A new world has begun, and it is not a nice world. PRA

Donald Trump iniciou uma luta mafiosa pelo poder global, mas as novas regras não se adequam aos Estados Unidos.

The Economist

A ruptura da ordem pós-1945 está se acelerando. Em cenas extraordinárias na ONU nesta semana, os Estados Unidos se alinharam à Rússia e à Coreia do Norte contra a Ucrânia e a Europa. O provável novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, alerta que, até junho, a OTAN pode estar morta. Aproxima-se rapidamente um mundo regido pela força, no qual as grandes potências fecham acordos e intimidam as menores. A equipe de Trump alega que suas negociações trarão paz e que, após 80 anos sendo enganados, os Estados Unidos transformarão seu status de superpotência em lucro. No entanto, isso tornará o mundo mais perigoso e os próprios Estados Unidos mais fracos e pobres.  

Você pode não estar interessado na ordem mundial, mas ela está interessada em você. A abordagem ao estilo Don Corleone dos Estados Unidos ficou evidente na Ucrânia. Inicialmente, os americanos exigiram US$ 500 bilhões, mas acabaram aceitando um acordo nebuloso para um fundo estatal conjunto destinado ao desenvolvimento de minerais ucranianos. Não está claro se os Estados Unidos oferecerão garantias de segurança em troca.  

A administração Trump é um turbilhão de ideias e egos, mas há um consenso entre seus integrantes: sob a estrutura de regras e alianças pós-1945, os americanos foram prejudicados por um comércio injusto e pagaram por guerras estrangeiras. Trump acredita que pode perseguir o interesse nacional de forma mais eficaz por meio de transações agressivas. Tudo está em jogo: território, tecnologia, minerais e muito mais. "Minha vida inteira são negócios", afirmou ele em 24 de fevereiro, após conversas sobre a Ucrânia com Emmanuel Macron, presidente da França. Os aliados de Trump com experiência empresarial, como Steve Witkoff, estão viajando entre capitais para explorar acordos que ligam diferentes objetivos — desde fazer a Arábia Saudita reconhecer Israel até reabilitar o Kremlin.  

Esse novo sistema estabelece uma nova hierarquia. A América é a número um. Em seguida, vêm os países com recursos para vender, ameaças a fazer e líderes sem restrições democráticas. Vladimir Putin busca restaurar a Rússia como uma grande potência imperial. Mohammed bin Salman quer modernizar o Oriente Médio e conter o Irã. Xi Jinping, um comunista convicto e nacionalista, deseja moldar um mundo adequado a uma China forte. No terceiro nível estão os aliados da América, cuja dependência e lealdade são vistas como fraquezas a serem exploradas.  

O território está em negociação, desafiando as regras pós-1945. A fronteira da Ucrânia pode ser redefinida com um aperto de mão entre Trump e Putin. As fronteiras de Israel, Líbano e Síria foram borradas por 17 meses de guerra. Algumas potências externas permanecem indiferentes. No entanto, Trump está de olho em Gaza, assim como na Groenlândia. Em possíveis negociações sino-americanas, Xi poderia oferecer concessões territoriais, como limitar exportações em troca de vantagens em Taiwan, no Mar da China Meridional ou no Himalaia.  

A barganha econômica vai muito além das tarifas e envolve uma fusão entre poder estatal e negócios. Isso marca um retrocesso na ideia de que o comércio deve ser regido por regras neutras. As negociações bilaterais entre os Estados Unidos e Rússia, Arábia Saudita, executivos taiwaneses e Ucrânia abrangem produção de petróleo, contratos de construção, sanções, fábricas da Intel, o uso do serviço de satélite Starlink de Elon Musk e até um torneio de golfe no deserto.  

Os novos negociadores afirmam que essa abordagem beneficiará o mundo. Trump argumenta que ela também será vantajosa para os Estados Unidos. Eles estão corretos? Tanto Trump quanto os líderes do Sul Global têm razão ao afirmar que a ordem pós-1945 se deteriorou. Quando a diplomacia tradicional falha, ideias não convencionais podem funcionar — basta lembrar dos Acordos de Abraão entre Israel e alguns estados árabes.  

No entanto, há uma grande diferença entre isso e usar a negociação como princípio organizador da política global. A complexidade é esmagadora: a Arábia Saudita quer um pacto de defesa contra o Irã, que os Estados Unidos poderiam conceder caso Riad reconheça Israel. Mas isso exigiria que Israel e os palestinos aceitassem uma solução de dois Estados — algo que Trump rejeitou em seu plano para a paz em Gaza. A Rússia deseja que as sanções ao petróleo sejam suspensas, mas isso poderia reduzir a receita da Arábia Saudita e aumentar os custos para a Índia. E assim por diante. Enquanto isso, quando fronteiras se tornam negociáveis, as guerras seguem. Até mesmo potências como a Índia podem se sentir inseguras. Como Trump encara o poder de forma pessoal, em vez de vê-lo ancorado nas instituições americanas, ele pode ter dificuldades para convencer seus pares de que seus acordos terão longevidade — uma das razões pelas quais ele não é um Henry Kissinger.  

O mundo, portanto, sofrerá. O que Trump não percebe é que a América também sofrerá. Seu papel global impôs um fardo militar e uma abertura comercial que prejudicou algumas indústrias americanas. No entanto, os ganhos foram muito maiores. O comércio beneficia consumidores e indústrias importadoras. Ser o coração do sistema financeiro baseado no dólar economiza aos Estados Unidos mais de US$ 100 bilhões anuais em juros e permite ao país manter um alto déficit fiscal. Os negócios estrangeiros de empresas americanas valem US$ 16 trilhões. Essas empresas prosperam no exterior porque operam sob regras globais razoavelmente previsíveis e imparciais, em vez de dependerem de corrupção e favores transitórios — um ambiente que favorece muito mais as empresas chinesas e russas.  

Trump acredita que os Estados Unidos podem abandonar parcial ou totalmente a Europa e talvez seus aliados asiáticos também. Ele argumenta que o país tem um "belo oceano como separação". No entanto, as guerras hoje envolvem espaço e ciberespaço, tornando a distância física uma barreira ainda menos eficaz do que em 1941, quando o ataque japonês a Pearl Harbor pôs fim ao isolacionismo americano. Além disso, quando os Estados Unidos querem projetar poder militar ou defender seu território, dependem da colaboração de aliados — desde a base aérea de Ramstein, na Alemanha, até a estação de sinais de Pine Gap, na Austrália, e o rastreamento de mísseis no Ártico canadense. No mundo de Trump, os americanos podem perder esse acesso privilegiado.  

Os defensores dessa nova diplomacia assumem que os Estados Unidos podem obter o que desejam apenas pela barganha. No entanto, à medida que Trump explora relações de dependência construídas ao longo de décadas, a influência americana pode cair rapidamente. Sentindo-se traídos, os aliados na Europa e além podem buscar segurança em novas alianças. Se o caos se espalhar, os Estados Unidos enfrentarão novas ameaças enquanto dispõem de menos ferramentas para lidar com elas — imagine uma corrida armamentista nuclear na Ásia em um sistema com alianças americanas fragilizadas e um controle de armas mais fraco ou inexistente.  

Em tempos perigosos, amigos, credibilidade e regras valem mais do que dinheiro fácil. O Congresso, os mercados financeiros ou os eleitores ainda podem persuadir Trump a recuar. Mas o mundo já começou a se preparar para uma era sem lei.

Tradução da matéria do The Economist "Donald Trump has begun a mafia-like struggle for global power: But the new rules do not suit America" | 27/02/2025

sábado, 1 de fevereiro de 2025

A esquerda brasileira sobreviverá sem Lula? Presidente não tem herdeiros aparentes (The Economist ) - A tragédia do carisma - Paulo Roberto de Almeida (OESP)

Uma matéria sobre o carisma em pessoa, Lula, o que lembra de uma mat eria que escrevi no ano passado sobre a tragédia do carisma. Vou reproduzir depois da matéria. PRA

A esquerda brasileira sobreviverá sem Lula? 

Presidente não tem herdeiros aparentes 

The Economist, 1fev25 

 

Após sair do hospital, em dezembro, Luiz Inácio Lula da Silva mostrou um visual elegante. O presidente brasileiro adotou um chapéu panamá para esconder cicatriz de uma cirurgia craniana de emergência. Ela foi realizada para conter uma hemorragia após ele escorregar no banheiro e bater a cabeça. 

Lula, que tem 79 anos, tem estado de bom humor. Recentemente, brincou que poderia viver até os 120 anos. Seu Partido dos Trabalhadores (PT) insiste que ele concorrerá novamente na próxima eleição presidencial do Brasil, em 2026. 

Lula, de chapéu panamá após cirurgia intracraniana, durante a posse de Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação Social - Evaristo Sá - 14.jan.2025/AFP 

Nos bastidores, há menos certeza. Em 20 de janeiro, o jornal O Globo relatou que Lula surpreendeu seu gabinete ao dizer que não concorreria novamente a menos que estivesse com boa saúde. O Partido dos Trabalhadores foi lançado em um frenesi. Lula é a única figura popular do partido. 

A base do PT encolheu à medida que o Brasil em que ele foi forjado mudou. Antes uma potência industrial construída sobre uma força de trabalho sindicalizada e majoritariamente católica, hoje o Brasil é marcado pela agricultura de alta tecnologia e por trabalhadores de aplicativos que se aglomeram em templos evangélicos. 

À medida que a estrela de Lula desvanece, o partido que ele construiu, que domina a esquerda brasileira, enfrenta "uma crise de identidade", diz Celso Rocha de Barros, autor de um livro sobre o PT. 

A notável história de vida de Lula e seu magnetismo pessoal o ajudaram a se conectar com os eleitores de maneiras que a maioria dos políticos só pode sonhar. Nascido em uma família pobre no Nordeste do Brasil, região marcada pela seca, ele se mudou para São Paulo, onde trabalhou de engraxate a operador de torno e, mais tarde, liderou o sindicato dos metalúrgicos. 

É o primeiro presidente brasileiro a ser eleito para três mandatos não consecutivos. Barack Obama uma vez o chamou de "o cara". 

A trajetória de Lula 

O cara 

Durante seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010, a demanda chinesa por commodities brasileiras disparou. A estatal Petrobras descobriu enormes reservas de petróleo bruto. Isso ajudou a financiar um amplo programa de bem-estar social e a reduzir a pobreza. 

Então a sorte de Lula acabou. Os preços das commodities caíram e, em 2014, o PT foi envolvido em um escândalo de corrupção. Empresas de construção estavam pagando propinas a executivos da Petrobras e políticos, incluindo muitos do PT. Em 2017, o caso alcançou Lula, e ele foi condenado a nove anos de prisão (sua condenação foi posteriormente revertida). Durante todo esse tempo, o PT conduziu campanhas agressivas contra qualquer potencial rival de Lula, mantendo seu controle sobre o partido. 

Os escândalos de corrupção prejudicaram a reputação de Lula, mas ele continua sendo um gigante da política brasileira. Após sua libertação, ele recuperou a presidência de Jair Bolsonaro, um populista de extrema-direita, em 2023. 

Fernando Morais, biógrafo de Lula, descreve-no como "um búfalo", ríspido, disciplinado e enérgico. Ele minimizou preocupações sobre sua idade insinuando que faz muito sexo com sua esposa, que é 21 anos mais jovem. 

Uma pesquisa com mais de 8.500 brasileiros realizada entre 4 e 9 de dezembro sugeriu que Lula venceria qualquer rival em 2026. No entanto, uma maioria magra dos brasileiros também disse que ele não deveria concorrer novamente. Neste ano "as coisas vão ficar complicadas" à medida que candidatos disputam a bênção de Lula, diz Morais. 


No topo da lista de potenciais sucessores no PT está Fernando Haddad, o ministro da Fazenda. Haddad é considerado um pragmático e uma rara voz no governo que defende a contenção fiscal. No entanto, isso atraiu a ira da base do PT. 

Seu perfil acadêmico —ele tem diplomas em direito, economia e filosofia e escreveu uma tese de doutorado sobre "materialismo histórico"—faz dele uma escolha difícil de vender. Como candidato presidencial do PT em 2018, ele foi derrotado por Bolsonaro, que surfou uma onda anti-establishment até o poder. 


Casal poderoso 

Tabata Amaral, deputada de São Paulo e jovem estrela em ascensão da esquerda, ainda não parece ter peso político suficiente. Ela também concorreu à Prefeitura de São Paulo, mas recebeu apenas 10% dos votos. 

Seu parceiro, João Campos, prefeito do Recife, capital do estado natal de Lula, Pernambuco, pode ter chances melhores. Em outubro, ele foi reeleito prefeito com quase 80% dos votos. Ambos têm 31 anos e, por isso, estão sujeitos a acusações de inexperiência. 

Quando o nome de Lula não está na urna, o PT é frágil, e partidos de centro-direita dominam. O número de municípios com prefeitos do PT caiu de 624 em 2012 para 252. 

Sua base mudou do Sudeste, o coração industrial, para o Nordeste, onde muitas pessoas dependem de auxílio governamental. Isso é uma desvantagem, já que governos de direita também adotaram a distribuição de benefícios. 

"O PT costumava depender dos pobres organizados", diz Barros. "Agora eles dependem dos pobres desorganizados." Enquanto Lula se prepara para se retirar, o movimento que ele construiu pode ter dificuldades para sobreviver a ele.

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4709. “A tragédia do carisma”, Brasília, 22 julho 2024, 3 p. Artigo sobre a intransmissibilidade do carisma. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo (30/08/2024, p. 4; link: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/a-tragedia-do-carisma/). Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/08/a-tragedia-do-carisma-paulo-roberto-de.html). Relação de Publicados n. 1562.


A tragédia do carisma

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

 

Certos líderes políticos possuem, ou adquirem, carisma, outros não. Pode-se perder o carisma original e depois recuperá-lo. Mas existem características únicas no fenômeno, o que o torna intransmissível a outrem, ainda que discípulo do detentor original.

O jovem Winston Churchill adquiriu o seu carisma precocemente, como jornalista e voluntário nas forças coloniais britânicas que lutaram no Sudão e na África do Sul. Tornou-se Lorde do Almirantado (ministro da Marinha) na Grande Guerra, mas perdeu seu cargo no desastre de Dardanelos. Recuperou um pouco de prestígio ao se engajar, como simples oficial subalterno nas forças britânicas que lutavam contra as tropas do Império alemão no norte da França. Isso lhe permitiu ser designado Lord of the Exchequer (ministro do Tesouro) em 1925, mas sua insistência em retornar ao padrão ouro na paridade de 1914 – contra os alertas de Keynes – provocou a grande crise de 1926, o que arruinou a sua carreira durante muitos anos. Passou a maior parte dos anos 1930 no ostracismo, ainda que clamando insistentemente na House of Commons contra os totalitarismos expansionistas da época: só recuperou o poder, o prestígio e o carisma no desastre de 1940 e na longa guerra que se seguiu contra o hitlerismo. Ainda assim perdeu as eleições de 1945 para os trabalhistas.

Franklin D. Roosevelt adquiriu tremendo prestígio ao conduzir os Estados Unidos na depressão dos anos 1930 e na terrível guerra em duas frentes a partir de 1941. Ainda assim, não transmitiu nenhum carisma a seu sucessor, o vice-presidente Harry Truman. O presidente seguinte, Dwight Eisenhower quase não tinha carisma, mas sim um grande prestígio, como comandante supremo das forças aliadas contra o domínio nazista na Europa. Kennedy, em contrapartida, adquiriu, sim, um prestígio extraordinário, por ser o mais jovem presidente da história política americana, pela sua elegantíssima esposa francesa, adquirindo seu carisma no exercício do cargo, sobretudo ao confrontar os soviéticos no episódio dos mísseis soviéticos em Cuba: seu assassinato, um ano depois, acrescentou a tragédia ao carisma imorredouro.

O vice-presidente Lyndon Johnson, um político tradicional do Texas, não tinha nenhum carisma, e a guerra do Vietnã (engajada por Kennedy) terminou por destruir sua carreira, tanto que escolheu não concorrer a um segundo mandato. O vencedor na disputa de 1968, Richard Nixon, adquiriu certo prestígio ao reinserir a China comunista no sistema mundial, mas perdeu ao se tornar um vulgar larápio no escândalo do Watergate. Reagan tinha o seu prestígio de ator de Hollywood e ganhou certo carisma ao lograr, junto com Thatcher, implodir a União Soviética, o que aconteceu com seu sucessor, Bush pai, facilmente derrotado na tentativa de reeleição pelo carismático Bill Clinton, um grande animal político (a despeito de suas escapadas conhecidas). Obama tinha um grande carisma, o que já não ocorreu com seu vice, desistente da reeleição em 2024, depois do desastroso, mas incrivelmente e absurdamente carismático governo Trump. Não se pode dizer que Trump tivesse qualquer carisma atrativo no plano da política normal, pois sua mensagem aos eleitores era basicamente antipolítica, seduzindo a franja lunática dos antiglobalistas, os xenófobos e, mais notoriamente, os supremacistas e racistas em geral.

Na história política do Brasil, Vargas construiu um grande carisma em torno de si, mediante o controle do Estado e sua máquina de propaganda. JK também, mas por motivos inteiramente justos: presidiu ao mais notável desenvolvimento do Brasil com pleno regime democrático. O carisma de Jânio, um fenômeno populista dos mais notáveis, sobreviveu até mesmo à inexplicável renúncia aos seis meses de governo, e conseguiu preservar certo capital político, pelo menos para retornar como prefeito da maior cidade do país. Não se pode dizer que qualquer um dos presidentes militares tenha exibido algum carisma, o que tampouco foi o caso do presidente da redemocratização, Sarney, embora o candidato eleito, Tancredo Neves, tinha obviamente enorme prestígio político ao encerrar exitosamente 21 anos de ditadura militar. Collor, o primeiro presidente eleito por voto direto desde 1960, começou com grande sucesso, ao dar início a um processo de reformas importantes nas políticas econômicas, mas logo soçobrou ao se revelarem os negócios obscuros de um assessor super corrupto. 

Não se pode dizer que Itamar, vice-presidente acidental, tenha tido qualquer carisma, mas o sucesso do Plano Real fez do seu ministro da Fazenda pouco carismático um vencedor duas vezes do pleito presidencial no primeiro turno. Finalmente, chegamos a uma figura política verdadeiramente carismática, Lula, embora só tenha sido eleito na quarta tentativa, depois de esconder seus instintos intervencionistas na economia e de promover o seu lado populista pela expansão extraordinária dos programas sociais criados pelo seu antecessor acadêmico, Fernando Henrique Cardoso. Saiu ungido triunfalmente por 80% de aprovação popular, o que lhe garantiu prestígio suficiente para retornar uma terceira vez ao poder, a despeito de ter presidido ao mais vasto esquema de corrupção da história da República. 

O carisma de Lula assegurou a vitória de sua sucessora, uma administradora medíocre e que conseguiu produzir a maior recessão econômica da história do Brasil. Carisma nenhum, o que tampouco foi o caso de Temer, indignamente acusado de golpista pela máquina de propaganda do PT, relativamente eficiente até a chegada dos novos operadores políticos da extrema direita. Bolsonaro era antes um fenômeno fabricado por essa propaganda nas novas redes sociais, do que propriamente um movimento político organizado, mas a polarização política criada entre o lulopetismo e o bolsonarismo continuou mantendo seu prestígio inusitado, em face das muitas acusações de fraudes, malversações e até de golpismo. A nova realidade pode assegurar um embate político entre o petismo e o antipetismo em 2026.

Lula continua exibindo inegável carisma, embora bem mais disseminado entre os beneficiários da assistência pública do que entre os eleitores de regiões mais avançadas; basta conferir os mapas eleitorais do PT dos anos 2000 à atualidade para confirmar essa nova realidade: o PT se transformou no partido dos “grotões”. A tragédia do carisma de Lula, que é a de todos os demais carismas, é que ele não é transmissível a algum sucessor designado, além do próprio Lula, que sempre buscou eliminar qualquer herdeiro político dotado de voo próprio. 

Joe Biden, ainda que forçado, teve de reconhecer que idade avançada e falta de carisma não o habilitavam a disputar uma reeleição. Sua atitude corajosa servirá de lição, ou de exemplo, a Lula, que também enfrenta o peso da idade e o carisma declinante para lograr nova vitória em 2026? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4709, 22 julho 2024, 3 p.

Nota sobre a intransmissibilidade do carisma.



Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...