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sábado, 1 de fevereiro de 2025

A esquerda brasileira sobreviverá sem Lula? Presidente não tem herdeiros aparentes (The Economist ) - A tragédia do carisma - Paulo Roberto de Almeida (OESP)

Uma matéria sobre o carisma em pessoa, Lula, o que lembra de uma mat eria que escrevi no ano passado sobre a tragédia do carisma. Vou reproduzir depois da matéria. PRA

A esquerda brasileira sobreviverá sem Lula? 

Presidente não tem herdeiros aparentes 

The Economist, 1fev25 

 

Após sair do hospital, em dezembro, Luiz Inácio Lula da Silva mostrou um visual elegante. O presidente brasileiro adotou um chapéu panamá para esconder cicatriz de uma cirurgia craniana de emergência. Ela foi realizada para conter uma hemorragia após ele escorregar no banheiro e bater a cabeça. 

Lula, que tem 79 anos, tem estado de bom humor. Recentemente, brincou que poderia viver até os 120 anos. Seu Partido dos Trabalhadores (PT) insiste que ele concorrerá novamente na próxima eleição presidencial do Brasil, em 2026. 

Lula, de chapéu panamá após cirurgia intracraniana, durante a posse de Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação Social - Evaristo Sá - 14.jan.2025/AFP 

Nos bastidores, há menos certeza. Em 20 de janeiro, o jornal O Globo relatou que Lula surpreendeu seu gabinete ao dizer que não concorreria novamente a menos que estivesse com boa saúde. O Partido dos Trabalhadores foi lançado em um frenesi. Lula é a única figura popular do partido. 

A base do PT encolheu à medida que o Brasil em que ele foi forjado mudou. Antes uma potência industrial construída sobre uma força de trabalho sindicalizada e majoritariamente católica, hoje o Brasil é marcado pela agricultura de alta tecnologia e por trabalhadores de aplicativos que se aglomeram em templos evangélicos. 

À medida que a estrela de Lula desvanece, o partido que ele construiu, que domina a esquerda brasileira, enfrenta "uma crise de identidade", diz Celso Rocha de Barros, autor de um livro sobre o PT. 

A notável história de vida de Lula e seu magnetismo pessoal o ajudaram a se conectar com os eleitores de maneiras que a maioria dos políticos só pode sonhar. Nascido em uma família pobre no Nordeste do Brasil, região marcada pela seca, ele se mudou para São Paulo, onde trabalhou de engraxate a operador de torno e, mais tarde, liderou o sindicato dos metalúrgicos. 

É o primeiro presidente brasileiro a ser eleito para três mandatos não consecutivos. Barack Obama uma vez o chamou de "o cara". 

A trajetória de Lula 

O cara 

Durante seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010, a demanda chinesa por commodities brasileiras disparou. A estatal Petrobras descobriu enormes reservas de petróleo bruto. Isso ajudou a financiar um amplo programa de bem-estar social e a reduzir a pobreza. 

Então a sorte de Lula acabou. Os preços das commodities caíram e, em 2014, o PT foi envolvido em um escândalo de corrupção. Empresas de construção estavam pagando propinas a executivos da Petrobras e políticos, incluindo muitos do PT. Em 2017, o caso alcançou Lula, e ele foi condenado a nove anos de prisão (sua condenação foi posteriormente revertida). Durante todo esse tempo, o PT conduziu campanhas agressivas contra qualquer potencial rival de Lula, mantendo seu controle sobre o partido. 

Os escândalos de corrupção prejudicaram a reputação de Lula, mas ele continua sendo um gigante da política brasileira. Após sua libertação, ele recuperou a presidência de Jair Bolsonaro, um populista de extrema-direita, em 2023. 

Fernando Morais, biógrafo de Lula, descreve-no como "um búfalo", ríspido, disciplinado e enérgico. Ele minimizou preocupações sobre sua idade insinuando que faz muito sexo com sua esposa, que é 21 anos mais jovem. 

Uma pesquisa com mais de 8.500 brasileiros realizada entre 4 e 9 de dezembro sugeriu que Lula venceria qualquer rival em 2026. No entanto, uma maioria magra dos brasileiros também disse que ele não deveria concorrer novamente. Neste ano "as coisas vão ficar complicadas" à medida que candidatos disputam a bênção de Lula, diz Morais. 


No topo da lista de potenciais sucessores no PT está Fernando Haddad, o ministro da Fazenda. Haddad é considerado um pragmático e uma rara voz no governo que defende a contenção fiscal. No entanto, isso atraiu a ira da base do PT. 

Seu perfil acadêmico —ele tem diplomas em direito, economia e filosofia e escreveu uma tese de doutorado sobre "materialismo histórico"—faz dele uma escolha difícil de vender. Como candidato presidencial do PT em 2018, ele foi derrotado por Bolsonaro, que surfou uma onda anti-establishment até o poder. 


Casal poderoso 

Tabata Amaral, deputada de São Paulo e jovem estrela em ascensão da esquerda, ainda não parece ter peso político suficiente. Ela também concorreu à Prefeitura de São Paulo, mas recebeu apenas 10% dos votos. 

Seu parceiro, João Campos, prefeito do Recife, capital do estado natal de Lula, Pernambuco, pode ter chances melhores. Em outubro, ele foi reeleito prefeito com quase 80% dos votos. Ambos têm 31 anos e, por isso, estão sujeitos a acusações de inexperiência. 

Quando o nome de Lula não está na urna, o PT é frágil, e partidos de centro-direita dominam. O número de municípios com prefeitos do PT caiu de 624 em 2012 para 252. 

Sua base mudou do Sudeste, o coração industrial, para o Nordeste, onde muitas pessoas dependem de auxílio governamental. Isso é uma desvantagem, já que governos de direita também adotaram a distribuição de benefícios. 

"O PT costumava depender dos pobres organizados", diz Barros. "Agora eles dependem dos pobres desorganizados." Enquanto Lula se prepara para se retirar, o movimento que ele construiu pode ter dificuldades para sobreviver a ele.

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4709. “A tragédia do carisma”, Brasília, 22 julho 2024, 3 p. Artigo sobre a intransmissibilidade do carisma. Publicado no jornal O Estado de S. Paulo (30/08/2024, p. 4; link: https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/a-tragedia-do-carisma/). Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2024/08/a-tragedia-do-carisma-paulo-roberto-de.html). Relação de Publicados n. 1562.


A tragédia do carisma

 

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

 

Certos líderes políticos possuem, ou adquirem, carisma, outros não. Pode-se perder o carisma original e depois recuperá-lo. Mas existem características únicas no fenômeno, o que o torna intransmissível a outrem, ainda que discípulo do detentor original.

O jovem Winston Churchill adquiriu o seu carisma precocemente, como jornalista e voluntário nas forças coloniais britânicas que lutaram no Sudão e na África do Sul. Tornou-se Lorde do Almirantado (ministro da Marinha) na Grande Guerra, mas perdeu seu cargo no desastre de Dardanelos. Recuperou um pouco de prestígio ao se engajar, como simples oficial subalterno nas forças britânicas que lutavam contra as tropas do Império alemão no norte da França. Isso lhe permitiu ser designado Lord of the Exchequer (ministro do Tesouro) em 1925, mas sua insistência em retornar ao padrão ouro na paridade de 1914 – contra os alertas de Keynes – provocou a grande crise de 1926, o que arruinou a sua carreira durante muitos anos. Passou a maior parte dos anos 1930 no ostracismo, ainda que clamando insistentemente na House of Commons contra os totalitarismos expansionistas da época: só recuperou o poder, o prestígio e o carisma no desastre de 1940 e na longa guerra que se seguiu contra o hitlerismo. Ainda assim perdeu as eleições de 1945 para os trabalhistas.

Franklin D. Roosevelt adquiriu tremendo prestígio ao conduzir os Estados Unidos na depressão dos anos 1930 e na terrível guerra em duas frentes a partir de 1941. Ainda assim, não transmitiu nenhum carisma a seu sucessor, o vice-presidente Harry Truman. O presidente seguinte, Dwight Eisenhower quase não tinha carisma, mas sim um grande prestígio, como comandante supremo das forças aliadas contra o domínio nazista na Europa. Kennedy, em contrapartida, adquiriu, sim, um prestígio extraordinário, por ser o mais jovem presidente da história política americana, pela sua elegantíssima esposa francesa, adquirindo seu carisma no exercício do cargo, sobretudo ao confrontar os soviéticos no episódio dos mísseis soviéticos em Cuba: seu assassinato, um ano depois, acrescentou a tragédia ao carisma imorredouro.

O vice-presidente Lyndon Johnson, um político tradicional do Texas, não tinha nenhum carisma, e a guerra do Vietnã (engajada por Kennedy) terminou por destruir sua carreira, tanto que escolheu não concorrer a um segundo mandato. O vencedor na disputa de 1968, Richard Nixon, adquiriu certo prestígio ao reinserir a China comunista no sistema mundial, mas perdeu ao se tornar um vulgar larápio no escândalo do Watergate. Reagan tinha o seu prestígio de ator de Hollywood e ganhou certo carisma ao lograr, junto com Thatcher, implodir a União Soviética, o que aconteceu com seu sucessor, Bush pai, facilmente derrotado na tentativa de reeleição pelo carismático Bill Clinton, um grande animal político (a despeito de suas escapadas conhecidas). Obama tinha um grande carisma, o que já não ocorreu com seu vice, desistente da reeleição em 2024, depois do desastroso, mas incrivelmente e absurdamente carismático governo Trump. Não se pode dizer que Trump tivesse qualquer carisma atrativo no plano da política normal, pois sua mensagem aos eleitores era basicamente antipolítica, seduzindo a franja lunática dos antiglobalistas, os xenófobos e, mais notoriamente, os supremacistas e racistas em geral.

Na história política do Brasil, Vargas construiu um grande carisma em torno de si, mediante o controle do Estado e sua máquina de propaganda. JK também, mas por motivos inteiramente justos: presidiu ao mais notável desenvolvimento do Brasil com pleno regime democrático. O carisma de Jânio, um fenômeno populista dos mais notáveis, sobreviveu até mesmo à inexplicável renúncia aos seis meses de governo, e conseguiu preservar certo capital político, pelo menos para retornar como prefeito da maior cidade do país. Não se pode dizer que qualquer um dos presidentes militares tenha exibido algum carisma, o que tampouco foi o caso do presidente da redemocratização, Sarney, embora o candidato eleito, Tancredo Neves, tinha obviamente enorme prestígio político ao encerrar exitosamente 21 anos de ditadura militar. Collor, o primeiro presidente eleito por voto direto desde 1960, começou com grande sucesso, ao dar início a um processo de reformas importantes nas políticas econômicas, mas logo soçobrou ao se revelarem os negócios obscuros de um assessor super corrupto. 

Não se pode dizer que Itamar, vice-presidente acidental, tenha tido qualquer carisma, mas o sucesso do Plano Real fez do seu ministro da Fazenda pouco carismático um vencedor duas vezes do pleito presidencial no primeiro turno. Finalmente, chegamos a uma figura política verdadeiramente carismática, Lula, embora só tenha sido eleito na quarta tentativa, depois de esconder seus instintos intervencionistas na economia e de promover o seu lado populista pela expansão extraordinária dos programas sociais criados pelo seu antecessor acadêmico, Fernando Henrique Cardoso. Saiu ungido triunfalmente por 80% de aprovação popular, o que lhe garantiu prestígio suficiente para retornar uma terceira vez ao poder, a despeito de ter presidido ao mais vasto esquema de corrupção da história da República. 

O carisma de Lula assegurou a vitória de sua sucessora, uma administradora medíocre e que conseguiu produzir a maior recessão econômica da história do Brasil. Carisma nenhum, o que tampouco foi o caso de Temer, indignamente acusado de golpista pela máquina de propaganda do PT, relativamente eficiente até a chegada dos novos operadores políticos da extrema direita. Bolsonaro era antes um fenômeno fabricado por essa propaganda nas novas redes sociais, do que propriamente um movimento político organizado, mas a polarização política criada entre o lulopetismo e o bolsonarismo continuou mantendo seu prestígio inusitado, em face das muitas acusações de fraudes, malversações e até de golpismo. A nova realidade pode assegurar um embate político entre o petismo e o antipetismo em 2026.

Lula continua exibindo inegável carisma, embora bem mais disseminado entre os beneficiários da assistência pública do que entre os eleitores de regiões mais avançadas; basta conferir os mapas eleitorais do PT dos anos 2000 à atualidade para confirmar essa nova realidade: o PT se transformou no partido dos “grotões”. A tragédia do carisma de Lula, que é a de todos os demais carismas, é que ele não é transmissível a algum sucessor designado, além do próprio Lula, que sempre buscou eliminar qualquer herdeiro político dotado de voo próprio. 

Joe Biden, ainda que forçado, teve de reconhecer que idade avançada e falta de carisma não o habilitavam a disputar uma reeleição. Sua atitude corajosa servirá de lição, ou de exemplo, a Lula, que também enfrenta o peso da idade e o carisma declinante para lograr nova vitória em 2026? 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4709, 22 julho 2024, 3 p.

Nota sobre a intransmissibilidade do carisma.



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