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domingo, 9 de fevereiro de 2025

A diplomacia fossilizada do PT condena o Brasil ao não desenvolvimento eterno - Paulo Roberto de Almeida (nota do Brasil 247)

A diplomacia fossilizada do PT condena o Brasil ao não desenvolvimento eterno

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Nota sobre a decisão anunciada pelo governo de congelar o processo de adesão à OCDE.

 

        Em matéria de políticas econômicas para o seu desenvolvimento econômico e social, o Brasil continua travado nas suas posturas diplomáticas por mais de meio século, talvez mais, e não exatamente por culpa do Itamaraty, embora os diplomatas sejam em parte responsáveis pelo que eu chamo de diplomacia fossilizada.

O texto abaixo foi veiculado pelo Brasil 247, o porta-voz oficioso do PT para matérias gerais que cobrem um amplo espectro de temas políticos, econômicos e sociais, mas ele poderia ter emanado oficialmente do Palácio do Planalto, como do próprio Itamaraty, sendo que este último poderia ter feito um texto exatamente inverso, confirmando, por exemplo, a continuidade do processo brasileiro de adesão à OCDE, uma iniciativa que já está atrasada mais de 30 anos, talvez meio século.

        Com efeito, data do governo Collor, início dos anos 1990 portanto, a iniciativa de dar início a um processo tímido, hesitante, não de ingresso, mas de aproximação às teses e posicionamentos da OCDE em temas de políticas econômicas e sociais compatíveis com uma moderna economia de mercado, mais baseada na liberdade econômica do que na ação dirigente, isto é, intervencionista, do Estado. Esse esforço infelizmente não avançou nos governos FHC, a despeito deste exibir uma postura bem mais aberta — feita de desestatização e desmonopolização — do que aquela mantida no regime militar e, logo adiante, pelo que pode ser chamado de “diplomacia lulopetista”, uma cópia mais que mimética da diplomacia do regime militar, esta sim, criada, verbalizada e mantida praticamente embalsamada pelo Itamaraty, ou mais exatamente pelos “itamaratecas” mais identificados com a ideologia do desenvolvimento tipicamente cepaliana, furtadiana, enfim “desenvolvimentista”, que nasceu nos anos 1950 e que mantém-se impérvia desde então.

        O PT encarnou essa política de forma ainda mais ampla e geral do que o próprio regime militar, levando-a ao paroxismo atual de reverter um processo de adesão que tinha tudo para ser concluído positivamente em mais um ano ou dois. Voltamos à casa dos anos 1970, de uma maneira ainda mais fossilizada do que os anos 2000, quando ainda não existia o Brics, ou quando este ainda não exibia os traços e as motivações de um “clube anti-OCDE”, na exata postura contrária do que seriam as posições de um suposto “clube dos ricos”, o que a OCDE não é mais desde pelo menos os anos 1990, quando começou a se abrir para países ditos “em desenvolvimento” (México), para economias emergentes (Coreia do Sul), mas sobretudo para economias em transição do socialismo mais que fossilizado para um regime mais conforme às economias de mercado avançadas (praticamente toda a Europa centra e oriental anteriormente na esfera do império soviético).

        A pequena abertura à OCDE - com grande resistência interna nos meios econômicos e diplomáticos — dos governos Collor e FHC foi totalmente revertida nos governos lulopetistas de 2003 a 2016 e agora foi novamente congelada pelo governo de Lula 3, sem qualquer perspectiva de mudança de rota nos próximos anos, uma vez que o entusiasmo do chefe pelo Brics+ e pelo projeto russo-chinês de uma “nova ordem global multipolar” é genuíno e capaz de receber a adesão de muitos diplomatas que até poucos anos atrás poderiam escrever com satisfação discursos saudando a adoção pelo Brasil de políticas, valores e princípios mais conformes aos de uma moderna economia de mercado, liberal e democrática. Em lugar disso, teremos a velha cantilena do “tratamento diferencial e mais favorável para países em desenvolvimento”, do “espaço para políticas nacionais de desenvolvimento inclusivo e equilibrado”, de “transferência de tecnologia em termos equitativos” ou da “responsabilidade comum, mas compartilhada” (ou seja, os ricos pagam por alguns pecados do passado colonialista e imperialista, mas nós temos o direito de usar os recursos de “maneira soberana”, de acordo a nossas próprias prioridades de “desenvolvimento inclusivo e equitativo”).

        A verborreia da diplomacia fossilizada não precisa sequer inovar nos conceitos e propostas, ou basta agora refletir o “novo” discurso da “nova ordem global” sino-russa, à qual o chefe de Estado e de governo já tinha declarado sua adesão entusiasta antes mesmo de se converter aos cargos, ainda durante a campanha eleitoral de 2022. O Itamaraty precisa apenas reverter aos textos rituais de um passado não muito distante, e o fará com a mesma vocação adesista de sempre, como compete a uma corporação adepta às mesmas regras que prevalecem desde o regime militar: “hierarquia e disciplina” (ou, na linguagem popular, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”). 

        O retrocesso diplomático não é necessariamente comandado pelo Itamaraty; ele apenas se deixa embalsamar pelo lulopetismo diplomático.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9/02/2025


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Governo Lula reavalia memorando para adesão do Brasil à OCDE

Na prática, o processo de adesão ao chamado "Clube dos Ricos" foi travado

Brasil 247, 08 de fevereiro de 2025

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está reavaliando os termos do memorando negociado durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL) para a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Na prática, o processo de adesão ao chamado "Clube dos Ricos" foi travado.

A OCDE reúne as economias mais desenvolvidas, como Estados Unidos, Alemanha, Japão, França, Canadá e Itália. Os membros assumem acordos para boas práticas em diversas áreas e passam por avaliações sobre eficiência de políticas públicas e princípios liberais.

Conforme relatado pela CNN, a resistência à adesão à OCDE dentro do governo petista é liderada pelo assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, Celso Amorim, e conta com o apoio da Casa Civil, do PT e de parte do Itamaraty.

Nos bastidores, os principais argumentos contrários ao ingresso do Brasil na OCDE envolvem a visão de que a organização possui um viés neocolonialista, além da avaliação do governo de que a OCDE tem se tornado um bloco mais político do que econômico.

Apesar da resistência, o governo ainda analisa os impactos da adesão. Em entrevista à CNN, o secretário de Assuntos Econômicos e Financeiros do Ministério das Relações Exteriores, Maurício Lyrio, afirmou que o Brasil já cumpre cerca de 120 das 260 condicionantes do acordo.”

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