Agora que o Brasil se dispõe a apresentar, com a China, um "plano de paz" sobre a guerra de agressão da Rússua contra a Ucrânia, totalmente enviesado em favor do agressor, reproduzo abaixo postagem refletindo comentários de embaixadores brasileiros no início da insana guerra:
segunda-feira, 14 de março de 2022
Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty - Janaína Figueiredo (O Globo)
Brasil condena invasão russa, mas teme guerra econômica: ex-chanceleres e embaixadores opinam sobre a posição do Itamaraty
BUENOS
AIRES
Depois de ter acompanhado o voto de condenação da Rússia pela
invasão da Ucrânia na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança das
Nações Unidas, em sintonia com a posição dos Estados Unidos e dos países
da União Europeia (UE), entre muitos outros, o Brasil . Gera tensão,
também, afirmaram fontes diplomáticas, o que alguns têm chamado de
politização pelos principais adversários do governo de Vladimir Putin de
organismos multilaterais, para acuar ainda mais a Rússia.
Na
semana passada, depois de ter proibido a importação de vodca, caviar e
diamantes russos e solicitado ao Congresso americano que interrompa o
livre comércio com a Rússia, o governo de Joe Biden e seus aliados
europeus começaram a articular uma jogada que visa suspender os direitos
de voto de Moscou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Bando
Mundial (Bird).
A outra guerra:
O objetivo
dos EUA e da União Europeia é cortar todo o acesso da Rússia a fontes de
financiamento externo. Em palavras da presidente da Comissão Europeia,
Ursula von der Leyen, vamos nos assegurar de que a Rússia não possa
obter créditos ou qualquer outro tipo de benefícios nestas instituições.
O objetivo final, caso um acordo que permita alcançar um cessar fogo
seja alcançado nas próximas semanas, seria expulsar a Rússia da ordem
econômica internacional. Nas sanções mais duras já aplicadas contra uma
potência, o país que é a 11ª economia do mundo já teve muitos de seus
bancos suspensos do sistema de transações internacionais Swift e as
reservas de seu Banco Central depositadas nos EUA, na Europa e no Japão
foram congeladas.
Limitações:
A ofensiva
anti-Rússia em organismos internacionais deve avançar em âmbitos como a
Organização Mundial de Comércio (OMC), onde os países do G-7 Alemanha,
França, Reino Unido, Canadá, Japão e EUA pedirão que seja revogado seu
status de nação mais favorecida (MFN, na sigla em inglês). Este estatuto
é concedido aos 164 integrantes da OMC, para garantir a igualdade de
condições a todos os países-membros cujos governos se comprometem a
tratar uns aos outros em pé de igualdade e sem qualquer tipo de
discriminação. Dessa forma, eles têm acesso a tarifas mais baixas, menos
barreiras comerciais e cotas de importação mais elevadas.
Os EUA, a UE e outros aliados da Ucrânia no conflito estão, com essa atitude, afirmou uma fonte do Itamaraty,
minando o funcionamento de organismos essenciais na governança
econômica global e o avanço de processos considerados importantes para o
Brasil em âmbitos como a OMC, FMI, Bird e G-20, entre outros. Essa
ofensiva, ressaltou a fonte, vai trazer graves consequências não somente
para Putin, mas para muitos outros países.
Por enquanto, o
Brasil não expressou publicamente seus temores pela politização de
organismos internacionais. Até agora, a delegação brasileira na ONU expressou
questionamentos à dimensão das sanções econômicas anunciadas e, também,
ao envio de armas à Ucrânia. Ou seja, houve aval à condenação, mas,
também, críticas à frente contra Moscou liderada por EUA e UE.
Ciberguerra:
Ouvidos
pelo GLOBO, os ex-chanceleres Celso Amorim e Celso Lafer e os
embaixadores Rubens Ricupero e Marcos Azambuja avaliaram as posições
adotadas até agora pelo Brasil e pelas partes envolvidas no conflito.
Na
visão de Amorim, o ataque da Rússia à Ucrânia é uma ação condenável,
além de um erro político. No entanto, se o Brasil quisesse ter alguma
participação em esforços pela paz, seria melhor se abster nas votações,
como fizeram os demais países do Brics,
incluindo a Índia, que é parte do Quarteto, fórum asiático liderado
pelos EUA. O ex-chanceler e Azambuja destacaram a necessidade de levar
em consideração as preocupações da Rússia por sua segurança.
Já
Lafer defendeu uma posição mais incisiva do Brasil, sem abrir espaço
para a neutralidade abdicante que ele identifica nas declarações do
presidente Jair Bolsonaro. Já Ricupero foi o mais crítico em relação à atuação da missão brasileira na ONU: Em termos concretos, ela equivale a condenar a vítima a ser massacrada.
Conheça
as opiniões de Amorim, Lafer, Ricupero e Azambuja
Celso Amorim: Invasão é
condenável, mas em outro momento Brasil teria condições de mediação
"É
uma situação muito complexa. A Rússia sempre se preocupou com a
expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que também
foi criticada, mesmo condenada, por pensadores americanos. A Ucrânia
não era apenas um país da Europa Oriental, era parte da antiga União
Soviética e do Império Czarista. Diferentemente de outros países e
regiões, tem um componente emocional muito forte para os russos.Mas isso
não justifica a guerra, sou contra a ação militar unilateral. Fui
embaixador na ONU e prezo especialmente por suas normas. A Carta da ONU
foi construída em torno do não recurso à guerra para resolver problemas.
Só admite o uso da força quando autorizada pelo Conselho de Segurança
ou em legítima defesa. Diferentemente do que pregavam os EUA antes da
Guerra do Iraque, não existe legítima defesa preventiva. Não tenho
dúvida de que a ação é condenável, além de um erro político.
Como
deveria ser a ação do Brasil? Não tenho certeza. Havia duas posições
possíveis. A que foi adotada, votar a favor da condenação, mas dando uma
explicação de que se é contra as sanções, defender uma solução
pacífica, o que, devo admitir, é razoável. Mas, numa outra situação, em
que o Brasil estivesse mais ativo internacionalmente, com a mesma
justificação você poderia conceber um voto de abstenção. Continuaria
condenando, mas considerando que há preocupações de segurança que são
legítimas. Se o Brasil, de alguma maneira, quiser participar de algum
esforço em favor da paz, é melhor se abster. Se fosse um governo que
conversasse com todos, talvez tivesse sugerido uma abstenção. Na
situação atual, não poderíamos esperar isso, até porque uma abstenção
de Bolsonaro ficaria sob suspeita."
Celso Lafer: Posição deve ser mais incisiva ao condenar guerra de conquista
"A
Rússia faz uso da força contra a integridade territorial e a
independência da Ucrânia. Desrespeita o Artigo 2, parágrafo 4 da Carta
da ONU e põe em questão um dos princípios básicos do direito
internacional: o do respeito à soberania territorial dos Estados. A
guerra resultou de uma decisão militar para alcançar fins políticos
unilateralmente definidos por Putin: pôr termo à Ucrânia como país
independente para alcançar a sua incorporação a uma expressão eslava da
Rússia e atender preocupações de segurança. Ela denega aspirações
majoritárias da população ucraniana a uma identidade nacional própria. A
Assembleia Geral da ONU expressou em resolução a condenação da
comunidade internacional à agressão da Rússia.
O Brasil votou
a favor da resolução. Seguiu a tradição diplomática brasileira em
consonância com os princípios constitucionais que regem as relações
internacionais do país. O Brasil é
um país de escala continental que, em contraste com outros, definiu
todas as suas fronteiras por arbitragem e negociações. É o que faz da
defesa da integridade territorial e da condenação da guerra de conquista
parte integrante do capital diplomático do Brasil.
Rui Barbosa realçou que entre os que destroem a lei e os que a observam
não há neutralidade admissível. (...) Não há imparcialidade entre o
direito e a injustiça. Na sua lição, quando existem normas
internacionais, como as da Carta da ONU,
pugnar pela observância das normas não é quebrar a neutralidade: é
praticá-la. Por isso, creio que a posição brasileira deve ser mais
incisiva. Não cabe abrir espaço para a impassibilidade de uma
neutralidade abdicante que identifico nas manifestações do presidente da
República."
Rubens Ricupero: Criticar entrega de armas é deixar Ucrânia à mercê da Rússia
"Primeiro é preciso saber qual é a posição brasileira, se é a do Bolsonar ou se é a da missão do Brasil na ONU.
A segunda questão é, se chegarmos à conclusão de que quem representa o
Brasil é a missão, temos de analisar o conteúdo dessa posição. A posição
que o governo tem expressado na ONU é oposta à de Bolsonaro.
A posição do Brasil é de concordar e aprovar as duas resoluções que
condenaram a invasão russa em todos os sentidos. O que se pode dizer
dessa posição é que ela rigorosamente é correta. Mas, a partir daí, é
preciso indagar sobre as consequências dessa posição. A delegação
brasileira concordou em que a Rússia agrediu a Ucrânia sem provocação,
atuando contra os princípios da Carta da ONU,
ou seja, uma agressão indiscutível. Ao se declarar contrária ao
fornecimento de armas, ela mostra uma incoerência. Se não se quiser o
envolvimento direto, só há uma maneira, que é fornecer à vítima meios
para se defender.
Por isso, eu chamaria a posição brasileira de
ineficaz: ela equivale, no fundo, a deixar a Ucrânia à mercê da Rússia.
Num caso como este, no qual mais de 140 países reconhecem que há uma
agressão injusta, e, por outro lado, não se pode obter uma resolução do
Conselho de Segurança porque a Rússia vai vetar, creio que a posição
lógica e consequente seria aprovar as sanções e o fornecimento de armas.
É a única maneira, embora insatisfatória, para ajudar o país agredido a
se defender. Do ponto de vista legalista ao extremo, a posição
brasileira é correta, mas é ineficaz. Em termos concretos, ela equivale a
condenar a vítima a ser massacrada. No fundo, significa que perante a
História estamos lavando as mãos."
Entrevista:
Marcos Azambuja: O país tem que se equilibrar entre seus princípios e interesses
"O
Brasil tem de ter em vista que essa guerra terá uma duração longa na
vida internacional. O país deve fazer, e fez, a reafirmação dos seus
princípios de convivência pacífica, de respeito à Carta das Nações
Unidas, aos seus compromissos com a própria Constituição brasileira. O
Brasil precisa dizer, e disse, que nos princípios e nos valores ele é
fiel a sua tradição e a sua história. Mas ele também tem de cuidar dos
seus interesses, que estão em jogo. Dos cinco países do Brics,
China, Índia e África do Sul se abstiveram de votar na Assembleia Geral
pela condenação da Rússia. Só o Brasil votou a favor. Minha preocupação
é que o Brasil se reserve para ser valioso mais tarde, na procura de
soluções.
O Brasil deve
manter suas posições de princípio e entender as razões que levaram a
Rússia a fazer o que fez. A Guerra Fria terminou com uma derrota tão
absoluta dos países do então socialismo real que os derrotados não
tinham o que negociar. Agora, a Rússia voltou a ser uma grande potência
que tem interesses estratégicos, políticos e econômicos. O Brasil é movido por duas forças que, de certa maneira, são contraditórias. Ao se separar dos Brics,
mostrou que continua fiel a seus valores. Mas deve se reservar para um
processo negociador que virá. Quem vai conduzir isso? Não podemos fazer
nada que agrave mais ainda a situação. A Rússia tem de se dar conta que
não pode pretender a recriação de um império. E a Ucrânia tem de se dar
conta de que a Crimeia não voltará e a região de Donbass vai se separar.
Diplomacia é negociação. O que vejo são gestos truculentos. A solução é
que haja algum tipo de interlocução. A negociação, essência da
diplomacia, é a procura por meios imperfeitos de soluções imperfeitas."
https://oglobo.globo.com/mundo/brasil-condena-invasao-russa-mas-teme-guerra-economica-ex-chanceleres-embaixadores-opinam-sobre-posicao-do-itamaraty-25430976
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