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domingo, 1 de setembro de 2024

Reflexão sem qualquer propósito premonitório: crises políticas no Brasil - Paulo Roberto de Almeida

 Reflexão sem qualquer propósito premonitório: crises políticas no Brasil  

Paulo Roberto de Almeida

Nota sobre as rupturas entre a chefia do Executivo e o corpo parlamentar

  

Todas as crises políticas do Brasil, desde o Império, mas sobretudo nas nossas várias repúblicas, tiveram por origem uma espécie de confrontação entre o chefe do Executivo e o corpo parlamentar, os dois grandes vetores de poder político-institucional no país. Assim começou na Constituinte em 1823, continuou durante o primeiro e o segundo Reinados, com o uso eventual do Poder Moderador para trocar os governos de ocasião, e se aprofundou no curso da República, desde as revoltas tenentistas, passando pela Revolução de 1930, o golpe Estado-novista de 1937 (que fechou o Parlamento até 1945), e novamente no curso da República de 1946 e na Nova República. Durante a ditadura militar, a eventual oposição entre o núcleo do regime militar e setores do parlamento era resolvida pelo fechamento temporário do Congresso e a cassação de mandatos de parlamentares e líderes políticos civis, ou até o afastamento de militares descontentes. Os militares sempre se acreditaram uma espécie de Poder Moderador, e assim atuaram em 1930 (para evitar uma guerra civil) e novamente em 1945, além de diversos outros episódios menores.

Essas crises se manifestaram em 1954 (quase impeachment de Getúlio, seguido de seu suicídio, por pressão militar), em 1955-57 (tentativas de impedir JK de assumir ou de governar), em 1961 (na renúncia de Jânio, imediatamente aceita pelo Senado, crise de novo com os militares, contornado pela emenda parlamentarista), em 1963-64 (que culminou com o golpe contra Jango, quando os militares poderiam ter esperado pelas eleições em 1965, mas preferiram eles mesmos assumir o comando do Executivo). E assim também foi na Nova República: Collor e Dilma, ambos primeiro perderam o apoio do Congresso, antes de serem formalmente impedidos por decisão do Legislativo. Ou seja, quando a maioria política direta do chefe do Executivo entra em choque com as forças majoritárias do Parlamento, eleitas em bases proporcionais e representando o povo ou os estados, é mais fácil o presidente ser expelido do poder do que ele conseguir dobrar ou dominar o corpo congressual. 

Isto não quer dizer que a oposição entre as duas forças políticas deva sempre se concluir por um golpe ou por um impeachment, o que é bem mais raro e difícil. Mas há uma grande possibilidade de que o chefe do Executivo seja “compelido”, ou “convencido” a ceder poder ao Legislativo. Assim ocorreu, implicitamente, com Sarney e com Temer, que puderam governar com relativo apoio do Parlamento, através do diálogo e das concessões, o que combinava com o espírito parlamentar de ambos. Explicitamente foi o caso de Bolsonaro, que praticamente entregou os anéis, os dedos e as chaves do cofre aos parlamentares, pois do contrário não conseguiria governar. Na crise de Dilma, e também sob Bolsonaro, se chegou a pensar em “semi-presidencialismo”, ou em semi-parlamentarismo, para evitar o choque maior de um processo de impeachment, o que ocorreu no primeiro caso em vista da virtual incapacidade da sucessora de Lula de encontrar uma acomodação com um Congresso hostil.

Lula 3 governa sob o espectro de uma espécie de tutela parlamentar, embora difusa e não formalizada, já que contornada pela chantagem recíproca das emendas parlamentares e pela concessão de nacos de poder setorial, nos ministérios e em outras agências públicas. Por enquanto não existe nenhum Poder Moderador por parte das FFAA, embora alguns acreditem que esse papel vem sendo exercido pela Suprema Corte, o que tampouco é o efeito de algum expediente ad hoc, ou seja sem o explícito reconhecimento das partes, por que fragilmente institucionalizado (ou sem qualquer institucionalidade formal). Lula não é Collor, sequer uma repetição de Dilma, e, portanto, saberá administrar essa divisão informal de poderes, sempre às custas do orçamento público. Se “ruptura” houver (mas ela é improvável), ela se dará pela via eleitoral, menos partidária do que difusamente organizada pelas oligarquias políticas e econômicas que de fato mandam no país (desde sempre). 

Eventuais crises políticas serão pontuais, envolvendo os três poderes, nessa “geleia geral” em que se converteu a política brasileira. Não há premonição, portanto, ou a única possível é que a anomia política da democracia brasileira tende a se instalar como uma nova normalidade. Os populistas florescem no caos partidário que se aprofundou no país (com a especial ajuda involuntária do Judiciário, eleitoral e constitucional).

É o que temos agora e no futuro previsível...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4722, 1 setembro 2024, 2 p.


 

 

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