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terça-feira, 10 de setembro de 2024

Projeção internacional do Brasil sob Lula 3: uma entrevista concedida em setembro de 2023 - Paulo Roberto de Almeida

 Notas para uma entrevista que concedi um ano atrás, em setembro de 2023, a um jornalista estrangeiro, baseado no exterior (Paris), do qual nunca tive notícia de que tivesse sido aproveitada para alguma matéria. Como, aparentemente, minhas respostas às suas perguntas não foram publicadas, tomo a iniciativa de liberar o conteúdo agora, sem qualquer mudança ou acréscimo.

Projeção internacional do Brasil sob Lula 3

  

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.

Respostas a questões colocadas pelo jornalista Xxxx Xxxxx (Paris); sobre a política externa de Lula.

 

Notas para subsidiar entrevista oral com o jornalista Xxxx Xxxxx


1)       Durante sua história, o Brasil tem jogado um papel modesto no cenário mundial, apesar de seu tamanho. O país deveria estar mais engajado? Por quê? Quais seriam os benefícios? Como deveria proceder?

PRA: Um país não pode ser mais engajado nas grandes questões internacionais apenas pela vontade de seus dirigentes e do que o permitem sua dotação de fatores herdados, adquiridos ou conquistados; um papel mais ativo depende de sua interface econômica externa, em primeiro lugar, de sua participação nos grandes intercâmbios globais – em especial no comércio, nas finanças, mas também em inovação tecnológica, produção cientifica, projeção cultural – e, em última instância, capacidade própria em meios materiais de projeção, ou disposição e disponibilidade para fazer cooperação internacional, assim como na participação em operações multilaterais de manutenção ou imposição da paz, segundo as regras definidas diplomaticamente na Carta de San Francisco, e administradas pelo Conselho de Segurança da ONU. 

Ora, a capacidade que tem o Brasil em todas essas categorias é modesta, em alguns casos praticamente inexistente; primeiro pelo seu nível de desenvolvimento econômico, pela dimensão média de suas forças militares e pelos recursos limitados devotados à cooperação internacional; depois pela sua contribuição também modesta para o estoque mundial de conhecimento tecnológico (patentes) e mesmo contribuições culturais ou literárias. O Brasil não tem, por exemplo, nenhum Prêmio Nobel, em qualquer categoria, ainda que já tenha uma participação razoável nos indicadores mundiais, aferidos, de Ciência e Tecnologia, mas com pouca dispersão no campo de sua competitividade internacional. Isso se dá em função dos níveis muito deficientes de educação em geral, em especial as bases frágeis de sua educação de massa, que é de baixa qualidade e que se reflete nos escalões superiores de ensino e explica nos níveis baixíssimos de produtividade do capital humano.  

 

2)       Por sinal, de uma gestão para outra, sempre haja mudanças abruptas na política externa brasileira. Isto seja um problema?

PRAPaíses parlamentaristas apresentam sempre maior continuidade nas grandes linhas de sua política externa, o que também se reflete, em grande medida, no presidencialismo americano, que também tem forte base congressual. Países presidencialistas típicos, como os da América Latina, apresentam propensão mais forte à descontinuidade na política externa, que é sempre definida pelo chefe de Estado e de governo, pois a diplomacia é meramente operacional, sendo uma ferramenta dócil a serviço das preferências do líder, que pode ser, como já ocorreu diversas vezes, um populista – de esquerda ou de direita – interessado mais no seu prestígio ou projeção pessoal, do que nos fundamentos sólidos de uma diplomacia dotada de credibilidade e consistência, ou seja, sem saltos bruscos, como soe ocorrer em presidências muito personalistas. 

 

3)       O Lula parece dar bastante prioridade aos temas internacionais. Por exemplo: COP 27 Egito, proposta de paz na Ucrânia, Cúpula do BRICS, Cúpula dos Países da Amazonia, etc. Como avaliar sua atuação até o momento?

PRA: Lula sempre foi personalista, extremamente cioso de sua imagem no mundo, na própria região, e até um pouco megalomaníaco, interessado em ganhar prestígio para si próprio, até superar Getúlio Vargas, o grande estadista-ditador brasileiro no século XX, e até Fernando Henrique Cardoso, de grande reputação internacional pela sua carreira acadêmica, inclusive em universidades do exterior. Nos dois mandatos anteriores (2003-2010) tentou “pacificar” conflitos na região e até no mundo (Palestina, por exemplo, ou até a questão do programa nuclear iraniano), como forma, talvez, de ganhar para si um Prêmio Nobel da Paz.

Na sua volta ao poder, em terceira encarnação como Lula 3, tenta reeditar sua diplomacia extremamente ativa, de muitas viagens e visitas, e várias iniciativas próprias, na região (Unasul, na América do Sul), no chamado Sul Global (reuniões entre presidentes da América do Sul e seus contrapartes africanos e árabes), agora em direção do mundo inteiro, mas em condições totalmente diferentes daquelas prevalecente no início do milênio. Naquela época, tomou várias iniciativas, como a do IBAS (com Índia e África do Sul), a do G4 (com Alemanha, Índia e Japão, para a reforma da Carta da ONU e ampliação do seu Conselho de Segurança) e, sobretudo, a transformação do antigo BRIC – uma mera proposta de carteira de investimentos dirigido a fundos financeiros – em foro diplomático, numa negociação direta entre Celso Amorim, seu chanceler e atual assessor presidencial, e Sergei Lavrov, com a adição da China e da Índia, ampliado para BRICS, com a adição da África do Sul em 2011, pelas mãos da China, que agora pretende ampliar o BRICS ainda mais. 

Na atualidade, o Brasil mudou, a América do Sul e a América Latina mudaram muito, e o mundo não é mais o mesmo, mudado para bem pior, com a postura agressiva da Rússia e a crescente preeminência econômica e comercial da China, candidata a nova Hegemon mundial até 2049, o centenário da dominação do Partido Comunista no gigante asiático. As duas reuniões de cúpula convocadas por Lula no primeiro semestre de 2023, com países da América do Sul, ficaram aquém dos seus objetivos políticos e diplomáticos. Na primeira, na qual pretendia retomar a Unasul, limitou-se a uma resolução aprovada pelos dirigentes da América do Sul tendente a atribuir a uma comissão a tarefa de propor sugestões sobre as novas bases da coordenação regional; foi inclusive contestado por dois dirigentes de esquerda – Gabriel Boric do Chile, Gustavo Petro da Colômbia –, assim como pelo menos um de direita, o presidente Lacalle Pou do Uruguai, em sua tentativa de reintegrar a ditadura chavista da Venezuela como parte da família “democrática”, simultaneamente à indefensável defesa das ditaduras cubana e nicaraguense. Na segunda, voltada para os países membros da OTCA, a organização do tratado de cooperação amazônica, Lula tampouco conseguiu um desejado consenso em sua proposta de fim do desmatamento florestal até 2030, mas também se desentendeu com Gustavo Petro, que pretendia o fim da exploração de petróleo na região, em lugar de uma lenta defasagem, como quer Lula, interessado nas rendas do produto em plataformas de exploração próximas da foz do rio Amazonas.

Sua proposta de paz na Ucrânia, por meio de um mal definido “Clube da Paz”, apresentada ainda na campanha presidencial de 2022, foi muito mal recebida pela imensa maioria dos países ocidentais, apoiadores declarados da Ucrânia na guerra de agressão deslanchada pelo criminoso de guerra Putin, inclusive porque Lula disfarçou muito mal sua hipócrita neutralidade de apoio objetivo à Rússia (Bolsonaro já importava fertilizantes e combustíveis, para fins propriamente eleitorais, e Lula aumento exponencialmente a compra de petróleo e diesel russos, provavelmente pelos vínculos estabelecidos em caráter pessoal com o tirano russo, desde a primeira faze do BRIC).

A diplomacia lulista tem grandes chances de obter sucesso no pano mundial se atribuir ênfase aos temas tradicionais de Lula de combate à pobreza e redução das desigualdades sociais entre países ricos e pobres, assim como nos novos temas da sustentabilidade ambiental, mas seu apoio declarado aos projetos de uma “nova ordem global” notoriamente em favor da contestação chinesa e russa da “hegemonia ocidental” tem minado sua imagem junto aos líderes das grandes potências ocidentais. Sua insistência em se atribuir um papel de representante de um diáfano Sul Global também tem sido vista com desconfiança, assim como sua propensão em ver o dólar substituído por outras moedas, ou por uma moeda comum do BRICS, um objetivo considerado inatingível no curto prazo pela maior parte dos analistas econômicos. 

 

4)       Proponentes de mais e melhor engajamento argumentam, entre outras coisas, poderia facilitar a entrada de capital estrangeiro. Concorda ou não?

PRA: Lula parece apostar na capacidade chinesa de financiar seus grandes projetos de “reindustrialização” do Brasil, uma meta extremamente difícil, entre outros motivos pelas próprias características dos investimentos externos chineses, mais interessados em projetos de infraestrutura e de abastecimento em matérias primas para sua gigantesca máquina industrial. Ele parece acreditar num inevitável declínio americano ou ocidental, mas também exibe preconceitos antiamericanos indisfarçáveis, mesmo não sendo um esquerdista clássico. Na verdade, Lula e os petistas preservam as mesmas crenças anacrônicas num forte capitalismo nacional, guiado e apoiado pelo Estado, as mesmas concepções cepalianas e unctadianas do passado, também características do terceiro-mundismo típico da Nova Ordem Econômica Internacional, dos anos 1970. Ele deseja investimentos estrangeiros, desde que alocados aos setores que o governo petista considera “estratégicos” para o Brasil, opondo-se, por exemplo, a uma abertura econômica e liberalização comercial nos moldes dos países da OCDE. 

 

5)       Depois da pandemia e a guerra no Ucrânia, alguns observadores esperavam mais investimentos no Brasil para melhorar os supply chains e compensar pela falta de grãos. Investimento nos mercados de capitais acostuma preceder o FDI. Até momento, nada de grande movimento. Como explicar?

PRA: O ambiente de negócios no Brasil ainda é extremamente burocratizado, e marcado por mudanças contínuas nas regras tributárias, além de certa volatilidade nas políticas econômicas setoriais (e até nas políticas macroeconômicas, aqui oposta à independência do Banco Central). O Brasil se tornou um país muito caro e burocrático para os empreendedores nacionais e estrangeiros, com uma carga fiscal muito elevada, um Estado muito intrusivo e baixa qualidade do capital humano. A corrupção nos negócios estatais e até privados continua sendo um problema, assim como a clara ausência de visão dos dirigentes nacionais quanto às grandes linhas de uma política de desenvolvimento coerente com o papel e as capacidades próprias do Brasil na economia interdependente global.

 

Paulo Roberto de Almeida

São Paulo, 4466, 02 setembro 2023, 5 p.


 

 

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