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segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica (2009) - Paulo Roberto de Almeida

 Um texto de 2009 que talvez ainda tenha alguma validade 15 anos depois de escrito:

Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica 
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17 maio 2009, 4 p. 
 
Meridiano 47, Boletim de Análise de Conjuntura em Relações Internacionais (Brasília: IBRI; ISSN: 1518-1219; n. 113, Dezembro/2009, p. 3-5). 

Numa apresentação feita na quarta conferência de instituições para o estudo científico das relações internacionais, realizada em Copenhagen, em junho de 1931, o já renomado historiador britânico Arnold Toynbee relacionava o que lhe pareciam ser sucessos e fracassos da diplomacia multilateral e das relações mantidas no plano internacional pelas grandes potências, desde que a paz tinha sido restabelecida, doze anos antes, na sequência da mais devastadora das guerras que a humanidade tinha conhecido até então. Entre os primeiros ele relacionava a própria criação da Liga das Nações, o tratado de Paris de renúncia da guerra como instrumento de política nacional (também conhecido como pacto Briand-Kellog), a Corte Internacional de Justiça e a Conferência Mundial do Desarmamento, que deveria começar o seu trabalho alguns meses mais à frente. 
Dentre os fracassos, ele relacionava: a recusa do Senado americano de ratificar o ato de criação da Liga, a rejeição desta última pelo governo soviético, as dificuldades para a plena incorporação da Alemanha ao cenário estratégico do pósguerra e o duplo insucesso do Protocolo de Genebra para a solução pacífica das controvérsias internacionais e da conferência tripartite (EUA-Reino Unido-Japão) para a redução dos armamentos navais (Arnold J. Toynbee, “World Sovereignty and World Culture: the trend of international affairs since the War”, Pacif Affairs, vol. IV, n. 9, setembro 1931, p. 753-778).  
Toynbee registrava os grandes progressos feitos no plano econômico, mas lamentava os atrasos no âmbito da política, cuja característica mais importante era para ele o ‘estado de anarquia’, não muito diferente da situação em que se encontrava o Ocidente, no final da Idade Média. Um julgamento contemporâneo talvez não chegasse a conclusões muito distintas das de Toynbee, quase oitenta anos depois daquele seu diagnóstico otimista quanto à globalização – que ele chamava de “unificação econômica do mundo” – e das perspectivas relativamente pessimistas que ele denotava no plano da política internacional. Pode-se, em todo caso, retomar sua metodologia para analisar os sucessos e os fracassos da diplomacia brasileira nos planos regional, hemisférico e multilateral, com base numa visão de longo prazo.  Quais seriam, numa visão sintética, os grandes sucessos e os possíveis fracassos da diplomacia brasileira ao longo de seus quase dois séculos de existência continuada? Pode-se dizer, inclusive, que ela tem início, no plano exclusivamente locacional, em 1808, posto que seus primeiros passos serão dados no bojo da secular diplomacia lusitana, que então passa a formular sua agenda e a defender os interesses da Coroa portuguesa a partir do território brasileiro. A primeira diplomacia brasileira herda várias boas qualidades da diplomacia portuguesa, a começar pela memória de seus excelentes arquivos, a habilidade em defender os interesses nacionais num quadro internacional dominado por grandes potências e o cuidado em selecionar as melhores capacidades para a representar no exterior. Justamente, no momento da consolidação da independência, pode-se dizer que a diplomacia brasileira alcança seus primeiros sucessos ao obter o reconhecimento de várias nações importantes à época, a começar pelos Estados Unidos, ainda que parte do resultado tenha sido devido a compromissos e assunção de obrigações (pagamento a D. João VI, incorporação do empréstimo português feito pela Grã-Bretanha e a herança dos tratados desiguais concluídos entre esta e Portugal, que amarraram o Brasil até 1844, pelo menos). Mais para o final do século 19 e o início do seguinte, o Barão do Rio Branco concluiria o trabalho de consolidação do território brasileiro, iniciado ainda na era colonial, com a participação de brilhantes diplomatas brasileiros como Alexandre de Gusmão, ao negociar diretamente ou ao conduzir a defesa dos interesses nacionais em processos de arbitragem, os limites fronteiriços ainda pendentes com os vizinhos imediatos. Precavido, ele chegou inclusive a traçar os princípios pelos quais se estabeleceriam as fronteiras com o Equador, se este país não tivesse tido suas pretensões amazônicas diminuídas pela Colômbia e pelo Peru.  Ainda no século 19, um dos nossos maiores contenciosos diplomáticos foi a questão do tráfico escravo, a partir das pressões inglesas para o seu término e a recusa obstinada dos escravistas brasileiros em atender essas demandas (já garantidas num acordo bilateral de Portugal com a Grã-Bretanha, no quadro do Congresso de Viena, e novamente aceitas pelo Brasil no momento da independência, prometido o seu final para 1831, ‘para inglês ver’). José Bonifácio tinha sido derrotado em suas propostas constituintes (1823) para substituir o tráfico pela imigração de agricultores europeus, num prelúdio para a abolição da escravidão; mas desde o início dos anos 1840 a diplomacia brasileira teve de enfrentar, sem sucesso, a arrogância inglesa, que desrespeitava nossa soberania sobre o mar territorial e impunha humilhações ao Brasil que os ingleses não tinham coragem de repetir nas relações com os Estados Unidos. Pode-se registrar que nossa imagem de ‘país escravocrata’, constatada in loco por Darwin, alimenta desde um século e meio os boletins da mais antiga ONG do mundo, a Anti-Slavery Society, com quem interagiu Joaquim Nabuco, outro derrotado na mesma questão, posto que pretendia não a simples abolição, mas também a reforma agrária e a educação dos negros libertos. Nossa diplomacia conheceu momentos não exatamente gloriosos, ao ter de defender, durante anos a fio, o tráfico e a escravidão nos foros internacionais.  As relações regionais passaram por momentos difíceis, desde o início do século 19 e no decorrer de todo o século 20: pode-se dizer que nossa diplomacia foi bem sucedida ao evitar o isolamento de uma monarquia de estilo e raízes europeias num continente republicano e quase todo hispânico. Mas em algumas ocasiões – lutas contra os caudilhos Rosas, da Argentina, e Solano Lopez, do Paraguai – a diplomacia bastante competente do Império precisou recorrer à força militar para apoiar as teses brasileiras sobre o equilíbrio de poderes nos dois lados do Prata. Na Amazônia, a situação era inversa, posto que o rio corria dentro do território nacional. Ainda assim, foi possível desarmar pretensões estrangeiras quanto à internacionalização de sua navegabilidade, tese que a diplomacia defendia no Prata. De modo geral, a diplomacia foi bem sucedida no relacionamento com os vizinhos e no trato bilateral com o gigante hemisférico. Mas o desejo sempre implícito de uma ‘relação especial’ com o império do Norte, com vistas a reproduzir no continente meridional a sua preeminência setentrional – aliás, em todo o Caribe e até o Panamá – nunca foi aceita em tese e sequer implementada na prática. Essa sensação de copo meio cheio ou meio vazio continua a prevalecer em relação aos projetos de integração regional: as concepções mais flexíveis da diplomacia brasileira enfrentam resistências de alguns vizinhos – que temem o poderio da indústria brasileira – ou então são confrontadas a propostas utópicas de outros líderes, de cunho essencialmente político, cujo único resultado é a substituição do pragmatismo comercialista do Brasil por modelos irrealizáveis no plano da prática. No eixo vertical, a relutância em aceitar um acordo de comércio de âmbito hemisférico, supostamente porque as empresas do império seriam mais competitivas, ou porque este não retrocede substancialmente em seu protecionismo e subvencionismo agrícolas, termina por impor um fracasso diplomático, seja porque os demais vizinhos aceitam acordos de livre comércio com o mesmo império, seja porque a manutenção do status quo nem contribui para ganhos de competitividade das empresas brasileiras, nem salvaguarda os interesses destas últimas nos mercados dos vizinhos sul-americanos.  Por fim, o velho sonho das elites brasileiras – especialmente diplomáticas e militares – de ver o Brasil aceder ao ‘círculo íntimo’ do poder mundial, seja pela incorporação negociada ao clube dos ‘mais iguais’, seja pela detenção do poder nuclear, nunca pode ser concretizada, por razões basicamente internas, não por deficiências de ordem propriamente diplomática. A postura do Brasil sempre foi cooperativa, seja ao honrar seus compromissos financeiros internacionais, seja ao favorecer soluções negociadas para os conflitos entre Estados. Mas esse reconhecimento nunca bastou para converter o Brasil num sócio confiável aos olhos das grandes potências da Liga das Nações e, atualmente, do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ou seja, não basta a promoção do multilateralismo, o respeito ao direito internacional, o pacifismo inerente à nossa diplomacia para elevar o status do Brasil no plano mundial, e isso não tem a ver apenas com nossa postura ambígua no que concerne o protocolo adicional ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear: o que as grandes potências realmente exibem, afinal de contas, é a disposição de coadjuvar sua ação diplomática com a capacidade efetiva de projetar poder real. Para isso são requeridos outros atributos, mas sua aquisição não se dá exclusivamente pela via diplomática.

  Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e autor do livro O Estudo das Relações Internacionais do Brasil (Brasília: LGE, 2006). Brasília, 17 maio 2009, 4 p.  Digressões históricas sobre conquistas e frustrações da diplomacia brasileira ao longo de dois séculos. Relação de Publicados n. 944.

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